O Diário Secreto de Christopher Robinson escrita por Aarvyk


Capítulo 27
Vigésimo Sexto Capítulo


Notas iniciais do capítulo

Eu não disse que ia postar o próximo rápido? Aqui estou eu!



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Não quero me acostumar a isso, não quero sentir dor, mas a sensibilidade está se esvaindo de mim aos poucos. A cada tapa ou soco que ele me dá é como se eu ficasse mais anestesiado a essa vida.

‘Você tem que tirar algumas coisas da tomada antes que elas explodam’, pelo menos é isso que minha mãe me disse há alguns dias. Acontece que não consigo tirar nada da tomada sem levar um choque.

De volta ao zero.

25/03/2014”.

E ele ainda queria ser sensível. Era apenas mais uma prova de que Christopher se escondia em uma máscara criada por ele mesmo para se passar por um garoto rude e grosso.

O que o levava a isso? Medo era a resposta mais provável.

Sorri ao virar a página seguinte. Havia duas fotos de Christopher por volta dos doze ou treze anos, eram até recentes, pois ele não mudara muito, talvez apenas o cabelo, a altura e um pouco do físico. O rosto e olhos eram os mesmos.

Na primeira foto, que estava colada no diário, mostrava Christopher e seu pai em uma paisagem de tirar o fôlego em São Petersburgo. Ambos estavam com roupas de frio e no meio da neve. Hunter Robinson parecia uma pessoa como qualquer outra e por um minuto esqueci quem ele era.

A semelhança entre pai e filho era assustadora. Por mais que as cores do cabelo e pele fossem diferentes, eles eram iguaizinhos até no sorriso. Claro que eu já vira outra foto de ambos juntos, mas nessa Christopher já estava crescido e parecia que a semelhança aumentara.

Já na outra foto, que estava solta, havia um nome escrito atrás.

General Hans Zarov”.

Mais embaixo havia outra coisa escrita.

P.S.: Vovô tirou o sobrenome Robinson, enquanto isso eu quero tirar Zarov”.

Parecia ser uma ironia da parte de Christopher. Virei para analisar a foto, me assustei ao ver que Hans Zarov realmente era um general poderoso na Rússia. Era uma fotografia de Christopher e ele, a semelhança deixaria qualquer um perplexo.

Os olhos, a boca, nariz e pele eram iguais. Até o cabelo loiro era da mesma tonalidade. Hans usava uma roupa militar, cheia de insígnias e adornos. Já Christopher, estava o imitando, colocando o uniforme dos soldados russos, o gorro felpudo preto e a farda verde escura. Ambos estavam sorrindo e pareciam estar na frente do congresso.

Sorri de um modo estranho. Por fotos, Hans e Hunter pareciam ser inofensivos. Comparei as duas fotografias, buscando algum olhar maldoso em um dos dois.

Fiquei tão concentrada, que nem notei a silhueta na janela, mas eu nem mesmo me assustava mais quando Christopher aparecia em meu quarto tarde da noite.

Era quase meia noite segundo o relógio na minha cabeceira.

—Qual página está lendo? – sussurrou, dando passos lentos e silenciosos até a cama, onde eu estava aconchegada. Ligara o abajur especialmente para ler naquele conforto.

—Vendo suas fotos na Rússia – mostrei. – Sua família é mais interessante do que eu achava.

Christopher sorriu simpaticamente, sentando-se no chão, ao lado da cama. Pensei em contestar, mas fiquei um pouco envergonhada de chamá-lo para sentar-se ao meu lado.

—Por que seu avô tirou Robinson do nome? – perguntei baixinho, tentando desviar meu constrangimento e não acabar corada.

 –Robinson era da minha bisavó – explicou Christopher. - Durante a Guerra Fria, meu bisavô, um americano, se apaixonou por uma russa. Então o filho deles acabou sendo um meio-termo, mas quando virou general, meu avô renunciou de vez a nacionalidade americana e também ao sobrenome.

 Parecia um daqueles filmes de amor e tragédia tipo “Austrália” ou “Titanic”. Daria um bom best-seller. Sorri, só que percebi que Christopher estava sério até demais.

  –Zarov é um sobrenome forte – elogiei. – Assim como Robinson.

 –Um sobrenome forte para uma família muito fraca – disse ele, abraçando suas pernas. – Ainda não consigo pensar em nada para sábado à noite.

  Não sabia o que dizer, por isso achei melhor me concentrar no diário. Coloquei a foto na página e a virei. Solitária na folha amarela antiga, havia apenas uma frase ali.

  “Conhecer o país onde se fará a guerra é à base de toda a estratégia”.

   –Lembro do dia em que escrevi isso – sussurrou, ainda abraçado as pernas e sério. – Foi meu avô quem falou, e acho que, pela primeira vez na vida, ele está me ajudando mesmo eu o odiando.

  Parecia que aquela frase fazia algum sentido estranho para a nossa situação. Estávamos em busca de uma estratégia para enganar o meu pai e talvez essa estratégia fosse o conhecimento sobre o inimigo.

 –Não entendo muito – Christopher falou sozinho, levantando-se do chão. – Mas uma vez ou outra meu avô me explicou sobre estratégia militar.

 –O que ele disse? – perguntei, sentindo que talvez estivéssemos perto de uma resposta. 

 –Disse que eu deveria prever os passos do meu inimigo – Christopher olhava para a janela aberta, de onde um vento frio vinha. Ele ficou quieto por alguns minutos, enquanto eu me perguntava o porquê da relação com o avô ser tão ruim. Diante das frases que Hans Zarov falara, eu não estava tão certa sobre ele ser um monstro igual a Hunter Zarov.

Christopher foi até a janela, apreciando as estrelas do céu relativamente limpo daquela noite. Então, de repente, se virou sorridente.

—Acho que já sei! – disse, vindo até mim. – Seu pai quer me analisar, certo? – assenti com a cabeça, olhando para Christopher e vendo um brilho em sua íris, ele parecia realmente animado. – Então eu tentarei fazer ele se sentir analisado – disse, por fim.

Um nó se formou em meus neurônios. Parecia um plano bobo.

—Oi? – sussurrei, fazendo uma careta estranha. Não havia entendido nada.

Christopher revirou os olhos e então tornou a explicar:

—Psicólogos e advogados só conseguem chegar a uma conclusão por meio de perguntas. Eu já sei o que ele fará, mas agora tenho que arrumar uma forma inteligente de interceptar isso.

Por mais longe que tivéssemos chegado, ainda não era o suficiente, pelo menos havíamos evoluído um pouco.

—Tenho que pensar melhor – disse ele, tirando o sorriso do rosto, já que vira que ainda não chegara a uma grande resposta. – Minha mãe deve estar enlouquecendo... – olhou para o relógio, dando um sorrisinho nervoso.

Rebecca Robinson era um mistério para mim. Não sabia nem como era a aparência dela já que ainda não vira fotos dela no diário.

—Como sua mãe é? – minha boca teve um breve minuto de rebelião.

Corei logo ao ver que Christopher me olhava atentamente, não deveria ter perguntado, quer dizer, minha boca não deveria ter ganhado vida própria.

O garoto loiro pareceu ter ignorado minha pergunta e seguiu para a janela, onde eu sabia que era apenas piscar para ele sumir, mas antes de fazer suas acrobacias e se esconder nos arbustos do jardim da vizinha, Christopher focou seu olhos em mim.

—Ela é linda como você – respondeu, se misturando a escuridão da noite.

                                                   ***

Havia um jogo de futebol entre os meninos na quadra, por isso eu estava comendo meu lanche na arquibancada. Christopher estava tirando dúvidas com a professora Juliet sobre basquete, segundo ele, já não precisava mais que eu o ajudasse com o esporte.

Observei atentamente os garotos da minha sala fazendo dribles e gols. Desde que Harrison e seu grupo fora embora, o mais novo queridinho de Tiffany Queen era Jason Herley, um garoto que até então era apagado, mas se mostrou uma pessoa relativamente adorável. Era rude algumas vezes, porém não me zoava.

Depois da grande decepção que Tiffany tivera com Christopher, que não comparecera ao seu aniversário e ainda a delatara à diretora, ela andava atrás de qualquer garoto para se preencher. Foi aí que conheceu Jason.

Pelo canto do olho, vi alguém se sentar ao meu lado. Era Ezequiel, que até então eu nem sabia se tinha vindo à escola. Ele andava mais quieto ultimamente e também sorria menos, o que era estranho, porque Ezequiel era o mais sorridente e alegre dentre nós três.

—O que aconteceu? – perguntei, na remota esperança de que ele fosse realmente me dizer o que tinha acontecido.

Ele deu uma mordida na maçã que até então segurava, mastigou por alguns segundos e só depois veio dar atenção a mim.

—Ezequiel! – falei, um pouco mais impaciente. – O que aconteceu?

—Só estou comendo, ora... – mostrou a maçã.

Respirei fundo.

—Você parece triste – falei, no tom mais doce que consegui.

—Apenas parece – ele sorriu de um modo estranho, olhando para o jogo de futebol. – Jason fez mais um gol!

Balancei a cabeça negativamente, enquanto ele fingia estar bem e se animava com o jogo.

Continuei o observando e o fingimento continuava.

Só que então não aguentei mais, me levantei e me coloquei na frente dele.

—Para de fingir – falei mais alto do que de costume. – Você é meu amigo, eu me preocupo com você!

O olhei nos olhos. Castanho escuro contra castanho esverdeado.

—Qual é o seu problema? – perguntei, dessa vez em um sussurro triste.

Ele pareceu finalmente ter parado com o fingimento.

—São problemas familiares, Blakely, apenas isso – disse, na maior naturalidade.

—Mas... – não consegui pensar em nada para contestar. – Só... Tem algo para eu fazer por você? Algo que... Possa te ajudar?

Engoli a bile, que já subia pela minha garganta.

Ezequiel se levantou, ficando de frente para mim e me olhando intensamente. Durante uma boa parte da minha vida, andei vazia e sozinha, olhando para cada pessoa do mesmo modo intenso que ele me olhava naquele momento, a intensidade era sinônimo de dor. Eu queria amigos e por isso olhava daquele jeito para muitas pessoas em forma de pedido, é claro que não funcionava.

Só que, antes de eu poder pensar em uma forma caridosa e amigável de ajudar Ezequiel, ele se inclinou em minha direção e fez algo que eu nunca pensei que faríamos um dia.

Ele me beijou.


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Notas finais do capítulo

Gente, muito obrigada a todos que estão comentando! A história anda indo tão bem, mesmo comigo postando raramente :) muito obrigada a todos, até os fantasminhas.