O Diário Secreto de Christopher Robinson escrita por Aarvyk


Capítulo 17
Décimo Sexto Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Pela paz eu faço mais"
—Gabriel, o Pensador



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–O que você está fazendo aqui? – minha voz saiu mais como um sussurro.

Christopher não me respondeu. Ele virou o corpo, colocou os pés para dentro do meu quarto e ficou de pé na minha frente. A primeira coisa que observei foram suas mãos,estavam sem luvas, e o casaco preto aberto que cobria o cabelo loiro. Ele também estava sem touca, o que era praticamente um milagre.

–Como conseguiu invadir minha casa? – perguntei, ainda um pouco assustada. – Ou melhor, como sabe onde eu moro?

–Consigo invadir vários lugares e sei onde muita gente mora, Blakely.

Sempre tão vago e misterioso...

Meu olhar foi para o diário em minhas mãos. O estendi em direção a Christopher, aquilo o pertencia.

–Não! - exclamou. – Você disse que eu poderia confiar em você. Estou confiando, Blake.

Respirei fundo e fechei os olhos. A intenção dele era de que eu descobrisse sobre o pai dele. Mas uma hora ele teria que saber que eu já descobrira. Não podia esconder para sempre, mas gostaria.

–Christopher, eu...já sei sobre o seu pai – confessei, sentindo um gosto estranho na garganta. Acho que era a culpa e a empatia misturadas, só que o problema mesmo era o meu autocontrole. Não queria nem um pouco chorar.

Christopher não se moveu por um bom tempo, ele parecia estupefato demais. Sua expressão facial era a mesma de sempre, séria e sem sentimento algum.

Eu lera tantos livros de psicologia para ver se ele deixaria de ser um mistério para mim e ainda não conseguia desvendar nada a respeito de seu comportamento.

–Como você... – foi então que percebi que a voz dele estava embargada por choro.

–Christopher, eu... – não consegui nem sequer terminar a frase.

Ele se sentou na minha cama e colocou as mãos no ouvido, parecia com raiva. Eu sempre teria que supor as coisas que tivessem Christopher Robinson no meio, porque nunca tinha certeza quanto a ele.

–Foi o Ezequiel, não foi?

–Não, não foi Ezequiel quem me disse – expliquei em sussurros, não queria que meus pais escutassem a nossa pequena discussão e ele já estava prestes a explodir ali mesmo. – Foi você! – Christopher pareceu ter acordado do ataque de raiva assim que disse aquilo e olhou interrogativo para mim, finalmente prestando atenção no que eu tinha a dizer, então respirei fundo e prossegui: – Eu estava na arquibancada e escutei alguns passos, eram vocês dois e aí você disse que...

–Você escutou o que eu disse? – Christopher olhou no fundo dos meus olhos.

Aquele brilho na íris dele era desespero?

–Sim, escutei.

Christopher abaixou a cabeça.

–Você me escutou chorar – dessa vez foi um sussurro quase inaudível e não uma pergunta, mas uma afirmação difícil de dizer. Para ele, chorar era sinônimo de fraqueza, para mim era o contrário.

Me sentei na cama também.

–Alguns dias antes, eu tinha escutado uma conversa do Ezequiel com o pai dele e eles conversavam sobre o seu pai – expliquei. – Na verdade, não diziam nada demais e acabei ficando confusa, porque você tinha dito que ele havia morrido.

–Mas morreu – contrapôs. – Meu pai não é o mesmo há três anos, Blake.

Suspirei. Não gostava daquele assunto, me deixava para baixo.

–Quero que leia o diário, tudo bem? - ele se virou para mim e segurou minhas mãos. – Se você já sabia sobre meu pai e não disse nada a ninguém, é só mais um motivo que eu devo confiar em você – Christopher se esforçou e sorriu um pouco, então se levantou bruscamente e soltou minhas mãos. – Eu tenho que ir, não posso ficar muito tempo.

Ele caminhou até a janela. Quando vi que já estava indo, quis que não fosse.

–Espera! – Christopher parou de andar, mas não se virou para mim. – Você está sem touca, certo?

–Sim. Por quê?

Caminhei cuidadosamente até ele, como se estivesse pisando em ovos. Christopher me encarou por alguns segundos, até que coloquei minha mão no gorro de seu casaco preto.

–Blake...

–Só quero ver o seu cabelo – puxei o capuz. – Você sempre está de touca.

Sorri ao ver todos aqueles fios loiros. Christopher não tinha muito nem pouco cabelo, estava em uma medida e quantidade ideais. Quando passei um dos meus dedos por uma das mechas, vi que estava levemente molhado e bagunçado, mas, acima de tudo, tocar aquilo era como apertar algodão.

–Seu cabelo é melhor que o meu – comentei baixinho.

Ele riu, parecia melhor agora.

–Não é não – disse, olhando nos meus olhos. –Castanho é uma cor linda.

Tentei não sorrir muito, minhas mãos soavam de nervosismo.

–Espero que leia o diário – Christopher colocou uma perna para fora da janela e me encarou.

Colocou o capuz e sorriu, eu só conseguia ver seus lábios na escuridão da noite e também porque o gorro preto tampava uma boa parte de seu rosto, deixando a mostra apenas os lábios.

Foi só eu piscar que ele já não estava mais ali, olhei para fora da janela e o vi correndo pelo meu jardim.

Como ele subiu até o segundo andar mesmo?

Balancei a cabeça por alguns segundos, não acreditando que Christopher Robinson viera até minha janela. Belisquei forte meu braço.

–Ai! – exclamei, vendo minha pele branca se tornar avermelhada.

Então era verdade tudo o que acabara de acontecer?

Olhei para o diário secreto em minhas mãos.

É, acho que sim!

Joguei todo o ar dos meus pulmões para fora, encarando o livro em minhas mãos.

Se era o desejo de Christopher... Talvez eu devesse ler mesmo.

Deitei na cama e me apoiei na cabeceira, de modo que ficasse um pouco mais sentada. Passei a mão pela capa do livro, era um pouco fosca e parecia antiga. Ao abrir cuidadosamente o diário, notei que as páginas eram amareladas e antigas, também não havia linhas e margens, mas a escrita de Christopher parecia completamente reta. Ele escrevia de preto e sua letra era maravilhosa.

“Nem sei por que estou escrevendo isso, acho que não vai ajudar em nada. Minha mãe disse que colocar os sentimentos no papel é uma das melhores coisas que se pode fazer, que isso evita guerras contra si mesmo e explosões de temperamento.

Eu já estou escrevendo há um minuto e não estou sentindo minha raiva sair de mim. Odeio isso! ODEIO!”.

Era um pequeno trecho e em baixo estava uma data.

“23/01/2014”.

Dois mil e catorze era o ano retrasado. Então o pai de Christopher já batia nele há cerca de um ano.

Em baixo havia outro trecho, escrito dois dias depois daquele que eu acabara de ler. Era também escrito de caneta preta.

Não sei por que voltei a escrever aqui, minha mãe insistiu novamente e bem, aqui estou eu.Me chamo Christopher Robinson, não nasci em Tottenham, mas moro nesse bairro há um ano. Nasci em um pequeno vilarejo, em uma casa tão antiga quando a idade do meu pai e da minha mãe juntas, pode parecer legal, mas tivemos que nos mudar de lá no começo do ano passado, quando todo o nosso dinheiro se foi e o meu pai praticamente morreu.

Tudo começou com pequenas latinhas de 350 ml. Meu pai, Hunter Robinson, nunca havia bebido na vida e aí quando bebeu pela primeira vez, viciou e se tornou alcoólatra. Foram de latinhas para litros, de litros de cerveja para litros de vinho, de litros de vinho para litros de whisky e assim foi indo... Até todo o nosso dinheiro se acabar de uma vez por todas e perdermos a nossa linda e antiga casa.

Minha mãe, Rebecca Robinson, trabalhava como enfermeira no vilarejo e ajudava as pessoas, quase como uma médica, já meu pai era responsável pela nossa sobrevivência no sentido de comida, ele plantava tudo que iríamos precisar. O que não tínhamos, trocávamos com as outras pessoas do vilarejo.

Era uma vida ótima.

Era.”

Quando fui virar a página para continuar a ler, algo caiu no meu colo. Era uma foto. Um Christopher Robinson pequeno e ao lado dele havia um homem. Será que aquele era o pai dele? O tal Hunter Robinson?

Na fotografia eles pareciam felizes. Christopher estava esticando os braços para o pai pegá-lo no colo e ambos sorriam um para o outro. Mas eles eram completamente diferentes fisicamente.

Um era loiro, o outro moreno. Um bronzeado, o outro com a pele tão branca quanto à neve. Será que era mesmo o pai dele na foto?

Ao virar a fotografia, li uma frase escrita por Christopher.

A esperança é a última que morre.”

Naquele momento, tive certeza de que ele ainda o amava, de que ele ainda achava que tinha como contornar o alcoolismo e ter seu pai de volta.

Mas eu sabia muito bem que Christopher Robinson estava iludido.


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