Sempre Em Meu Coração escrita por Carpe Librum


Capítulo 1
Para Andy Whitfield


Notas iniciais do capítulo

Esta é a carta que eu há muito queria escrever. Foi no dia em que decidi fazer isso, inspirada pelo lindo livro da Ava, que tive a ideia para o concurso, por isso decidi postá-la no primeiro capítulo.Andy Whitfield era o protagonista da série de TV Spartacus, até que o câncer o impediu de encarnar um herói fictício e o obrigou a um combate bem real. A partir da segunda temporada, ele foi dignamente substituído por Liam Mcintyre, que fez um ótimo trabalho. Mas nós, fãs da série, sempre teremos duas estrelas, mesmo que um delas não esteja mais por aqui.



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Campinas, 27 de abril de 2015.

Querido Andy,

Não sei por que, mas sinto sua falta. Sua morte teve um efeito estranhamente devastador e duradouro sobre mim, como a de um amigo que eu não conheci.

Sei muito pouco a seu respeito, sequer sei se seu nome era Andrew, como me parece lógico, e já não me lembro mais que idade você tinha quando se foi. Não penso em procurar, porém. Por alguma razão, me parece invasivo e artificial ficar pesquisando detalhes de sua vida agora que você não está mais aqui.

Assalta-me a ideia de que se você estivesse, eu provavelmente não me importaria muito se você ia estar se divorciando e se mudando para Los Angeles com alguma modelo em ascensão, ou tendo seu “nonagésimo” filho com a namorada do colegial ou algo assim. Talvez até eu já não me interessasse por seus próximos papeis e não pensasse mais em você. Pouco provável, dada a impressão que deixou em mim, mas ainda assim, sou uma fã que não aconteceu, por isso deixo em paz sua biografia.

De qualquer maneira, penso em você com frequência, como em um velho conhecido, e tenho um ritual bobo de postar uma foto sua todos os anos no aniversário de sua morte, 11 de setembro, que é também o aniversário daquela outra dor que se sente quando irmãos desconhecidos perecem injustamente. Uma dor parecida com a que sinto quando penso em você, embora menos íntima, porque eu não tenho rostos para aquelas pessoas, para você eu tenho.

E você tinha um rosto para o qual eu gostava de olhar. Anguloso, semelhante em vários aspectos aos de outros homens que já vi, mas único no quanto seus traços relativamente comuns compunham uma imagem incomum. Você era um homem bonito, mas, por duvidoso que pareça, não é por esse motivo que eu gostava de te olhar. É sim porque você me deixava curiosa com alguma coisa que eu nunca descobri o que era. Como quando eu era criança e não compreendia que era falta de respeito ficar encarando as pessoas, esperando chegar a resposta para minhas perguntas não feitas.

Talvez eu devesse ser uma pessoa normal, do tipo que lamenta a morte de uma celebridade, depois não pensa mais nisso porque o resto da vida não parou. Ou, quem sabe, alguém quase fora do normal, que se tornasse sua fã e ficasse obcecada pelos detalhes de sua vida e de seus trabalhos. Mas eu não sou nenhuma dessas coisas e, sinceramente, não sei explicar por que não consigo deixar de pensar que você devia ter vivido mais tempo, para que assim eu pudesse, sei lá, vibrar quando você aparecesse no elenco de Arrow, por exemplo. Depois de tanto tempo, eu ainda penso em coisas bobas como essa.

Eu poderia dizer que lamento porque você era um homem jovem, no primeiro papel realmente importante de sua carreira, no auge de uma vida feliz e promissora, quando o câncer chegou. Um inimigo sorrateiro e terrível contra o qual você lutou e perdeu, embora eu tivesse torcido por você como se você fosse mesmo o Spartacus lutando contra a injustiça e transformando-se em símbolo de algo muito maior.

Poderia dizer também que me dói saber que você era marido e pai, e que seus filhos eram quase pequenos demais para ter lembranças suas suficientes. E que eu lamento tanto quanto que, ao mesmo tempo, sua mulher tenha todas as lembranças, dos tempos bons e da dor que enfrentaram juntos, e que, agora que você se foi e ela ficou, seja preciso que ela continue vivendo também com a memória dos dias ruins. Que não possa fazer outras memórias para sarar aquelas.

É verdade que eu lamento por isso. Muito.

Mas acho que o motivo para eu não te esquecer é menos legítimo e mais intrigante do que esses. Acho que meu motivo é que você agora é uma pergunta, um livro rasgado, você me ficou como reticências... Como o que poderia ter sido. E embora aí do outro lado você já tenha descoberto todas as possíveis continuações que sua vida teria, eu continuo a perguntar por que, quando, onde, até quando? Continuo a me perguntar não só sobre a sua vida, mas principalmente sobre a minha própria, pois, de um jeito estranhamente cíclico, acho que perguntar é a resposta.

Você é meu Spartacus, mas não mais por tê-lo interpretado. E sim porque você virou um símbolo. Um símbolo das coisas que eu não sei e pelas quais espero. Das perguntas que eu me faço, mas cujas respostas não tenho e nem posso ou quero ter neste ponto. Da vida que precisa ser vivida agora porque as reticências existem. Ceifando o presente. Adiando as vírgulas para outra hora, quem sabe para outra época. Eu não sei. Mas saber não é realmente o que importa. Perguntas é que são movimento. A vida se faz através delas.

E talvez quase todas possam ser respondidas por aquela frase simples — como todas as coisas sábias — que você tatuou no braço, a sua decisão sobre como viver suas vírgulas e reticências. Esteja aqui agora. Eu estou aqui agora, Andy. E é bonito imaginar que sua lembrança também está, na vida e na alma de alguém que você não conheceu e jamais conhecerá, mas que arranjou um jeito de te guardar dentro de si, mesmo que seja através de uma lembrança imaginada.

Em sua memória, dedico as perguntas que me movem.

Que você esteja em paz, Bringer of Rain, Untamed Warrior, Butterfly (that's for your kids).

Rain


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Notas finais do capítulo

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