Closer to the Edge: the grand finale escrita por mrsdaddario


Capítulo 5
One Last Time




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1773 – Litoral da França

Foram dois dias de cavalgada até o litoral meridional da França, perto de Nantes. Era um ponto portuário, portanto era só o porto e hospedarias ou bares. Era fim do outono, quase inverno, então tinha mais embarcações ancoradas do que no alto-mar.

O sol já descia no horizonte, fazendo os cabelos de Sophia brilhar como um farol. Charles não tardou em recolocar o capuz da cabeça avoada da irmã; ele também se escondeu em uma capa com capuz, por mais que quem o visse pensaria “não, não pode ser o Rei da Inglaterra”. Mas era melhor prevenir, só para garantir. Charlotte parecia a própria Morte com a capa preta e sua feição era de alguém pronta para um funeral.

Talvez fosse esse o caso.

A orla feita de madeira era elevada, de modo que era possível entrar direto no convés. Os dois percorreram todo o percurso do porto com a madeira rangendo sob os pés, seguindo Charlotte e se observando cada embarcação, se perguntando qual deles era o navio. Sophia já estava com um pequeno ataque de hiperatividade, enrolando os dedos no interior da capa até que finalmente perguntou:

– Qual deles é o... – ela se esforçou para lembrar o nome, então Charles sussurrou “conçu”. Ela não sabia se era esse o certo, portanto preferiu confiar na memoria do irmão e arriscou. – Conçu?

– Nenhum deles. – respondeu Charlotte, sem diminuir o passo. Antes que os gêmeos se indignassem, ela levantou a mão e pediu a palavra. – Nenhum deles porque o Conçu foi destruído faz cinco anos. Meu irmão agora está com outro navio. Mesmo nome em homenagem ao outro, mas não é a mesma construção.

– E sabe qual deles é o novo? – perguntou Sophia.

Charlotte revirou os olhos.

– Você é idiota assim ou apenas é loira de nascença? É óbvio que eu sei qual deles é o Conçu pour la Mer.

Sophia respirou fundo enquanto caminhava, várias vezes, parecia até que estava passando mal. Mas era só uma tática que usava sempre que sentia que iria explodir. Claro, ela podia simplesmente ter um ataque de raiva, iria ser uma cena icônica, mas era uma princesa, afinal. Então, simplesmente disse:

– Você está com raiva e está descontando na pessoa errada.

Charlotte parou de supetão e se virou para Sophia. Os olhos verdes da morena pareciam navalhas ao encarar os olhos da mesma cor de Sophia.

– Não, criança, eu não estou com raiva. Estou furiosa e faça-me o favor de ficar calada porque, até agora, a única coisa que te mantem a salvo é o fato de que é minha sobrinha. – ela hesitou só por alguns segundos antes de continuar – E também porque seu irmão aqui é um ótimo diplomata, mas para o seu bem – ela prensou dois dedos um contra o outro os passou na boca, como um zíper. – Não faça essa reunião de família ser mais trágica do que o necessário.

Charlotte pôs fim a conversa quando se voltou ao percurso com passos largos e decididos, dando a sensação que quebraria a madeira caso pisasse mais forte. Sophia mordeu a língua e se controlou bastante para não soltar um comentário, aprendera ao longo da viagem que não importa se você usa uma coroa sobre a cabeça ou o poder que o sangue que corre por suas veias possui, nunca irrite Charlotte Green. No entanto, gostaria de falar para ela que entendia a dor, que se o irmão morresse também estaria desolada; mas Charlotte estava perdendo o irmão, enquanto eles estavam perdendo o pai.

Foi o último navio, imponente e com o nome em dourado, a madeira era escura e toda entalhada, parecia mais uma obra de arte do que um navio. Lamparinas ao longo da amurada iluminavam a figura de três pessoas no convés. Os três indivíduos levantaram a cabeça juntos quando Charlotte pisou na madeira forte e escura, seguida dos gêmeos.

– O bom filho a casa retorna. – disse em tom zombeteiro uma mulher morena com olhos extremamente azuis, a imensidão azul encarando os dois irmãos atrás de Charlotte. – Literalmente.

O homem ruivo ao lado da mulher morena soltou um assovio quando os dois empurram o capuz para trás, retirando a capa.

– Vocês dois são a imagem cuspida de seus pais. – os gêmeos não tiveram reação, aquela coisa de colocar tudo em uma mascara. – Desculpe, tenho que ser mais respeitoso com Vossas Majestades?

– Menos com formalidades, Grover. – disse Charlotte, ríspida. – Perdemos muito tempo com o joguinho de Annabeth. Onde está meu irmão?

Os três, Grover, a morena e o loiro com a mesma cor de azul nos olhos, apontaram para o outro lado do navio. A porta entalhada e com vidro colorido obviamente era a cabine do capitão. Charlotte não disse uma palavra; apenas virou os calcanhares e se dirigiu para a porta, com os irmãos ao seu encalço.

A sala a seguir era toda em madeira, praticamente estérea, apenas com uma mesa grande com papéis e mapas enrolados e uma cadeira. Dos dois lados, as paredes se abriam em grandes sacadas com vista para o cais e a outra para o mar cinza. A única decoração seria o quadro retratando uma tempestade em alto mar com moldura dourada.

Charlotte foi em direção à parede do quadro, pegando um frasco de perfume e espirrando a fragrância, observando a nuvem que se formou. Ela espirrou o perfume perto da parede e então a nuvem sumiu de repente rente a ela. A morena repuxou o canto dos lábios em um sorriso e bateu na parede até ouvir o que queria, empurrou um ponto e a parede se abriu em um retângulo, indo para trás e então para o lado, dando passagem.

– Valdez e seus truques. – suspirou Charlotte, andando para a passagem secreta sem olhar para trás.

A próxima sala era como uma biblioteca, um recanto de leitura. Uma parede toda feita de janelas do chão até o teto e a outra com estantes cheias de livros. No centro das estantes, a parede aparecia com um mapa dos quatro cantos da Terra. Havia ainda um conjunto de sofás azuis perto das janelas e o chão era coberto por tapetes persas coloridos. A parede de livros ainda se abria para uma entrada à sala de jantar, mas o que interessava era as duas portas no fim do cômodo.

Charlotte as abriu com um empurrão, fazendo as portas baterem na parede. Era uma sala pequena e estreita, um corredor na verdade. O corredor levava a uma janela espremida entre as paredes, onde uma garota olhava o mar cinzento além dela.

– Chegaram a tempo. – disse a menina.

Ela tinha cabelos loiro-escuro e quando se virou para os visitantes, ficaram visíveis os olhos meio verdes meio cinza. Tinha quinze anos no máximo, usando um vestido branco sujo com sangue e outras misturas. O cabelo cacheado estava puxado para traz com um tipo de tiara de pano, como uma enfermeira da antiguidade.

– Lana... – Charlotte começou, esperando o pior. A garota estava em frangalhos; só tinha quinze, mas sabia propriedades curativas e todo esse tempo tentava desesperadamente salvar Percy. Manteve-se forte por um bom tempo, mas a expressão dela de choro não era bom sinal. – Seus pais estão bem?

Lana Isadora Jackson deu de ombros fracamente, olhando os próprios pés.

– Meu pai está piorando. Mamãe não sai de perto dele, está se mantendo forte. Não chorou uma única vez ou entrou em pânico. – ela levantou os olhos, encarando os irmãos mais velhos. – Ela vai desmoronar quando ele vir a falecer.

Sophia sentiu um arrepio com o olhar da – era certo chamar assim? – irmã mais nova. Lana não parecia o tipo que mostra fraqueza tão facilmente; mas os olhos dela davam a sensação que tudo aquilo era culpa deles. Charles também percebeu isso e, mesmo não sendo o momento, gostaria bastante de entender toda a história.

– Falecer?! – exclamou Charlotte. – Vocês disseram que tentaram de tudo!

– E tentamos! – se explicou Lana. – Porém o veneno da facada está muito perto do coração...

Charlotte a calou com um gesto.

– Detalhes sobre a sua incompetência não me interessam. – a frase foi como uma facada para Lana, que se limitou a encarar a tia. – Agora com licença, vou ver meu irmão. Pela ultima vez, aliás, graças a você.

Ela pegou a maçaneta como se fosse o pescoço de Lana, entrando no quarto e fechando a porta atrás de si. Sophia encarava a porta, com perfeita ideia de que tinha que entrar ali, mas antes ainda tinha que perguntar:

– Porque não a enfrenta? Quero dizer, ela não pode ter tanto poder assim.

– Claro que tem. – respondeu Lana. – Sempre teve e sempre terá. Charlotte Green nunca perde e quando perde se vinga. Tenho amor a minha vida, sabe. Meu pai costuma dizer que ela se acha a pior então age como se fosse a melhor – Lana balançou a cabeça – Não tenho tanta certeza. Talvez esse jeito impossível seja jeito de família. – ela então abriu um sorriso torto. – Assim como o sorriso rebelde.

– Não tenho duvidas disso. – murmurou Charles. – Aliás, sobre o nosso pai... Antes de entrar gostaria de saber o que houve para ele estar nessa situação.

– Motim, revolta. Não sei. – admitiu Lana. – Acontece que algum francês da tripulação inventou uma mentira sobre o capitão e muita gente acreditou. A verdade é que esse francês não gostou muito de receber ordens de um inglês casado com a última rainha da Inglaterra. No fim ele foi punido e os que estavam ao lado dele aprenderam a respeitar seu superior. Mas, antes de morrer, o idiota parisiense quase fincou uma faca na minha... Nossa mãe. – ela se corrigiu – No entanto, entre ele e ela estava nosso pai. – Lana de repente ficou muito interessada em suas unhas. – Ele se colocou na frente de uma faca encharcada com veneno por ela.

Lana limpou uma lágrima rebelde que escapuliu de seus olhos, mas daí veio outra e de repente ela se sucumbiu, caindo no chão e chorando baixo. Nem Sophia nem Charles resolveram atrapalha-la.

Eles então entraram no quarto.

O cômodo não tinha nada de imperial ou escandaloso. Só tinha uma cama de casal e nada mais. A cama tinha mosqueteiros brancos e nela tinha uma pessoa deitada e duas de cada lado. A mulher loira segurava a mão da pessoa na cama e estava de costas para a porta, então a única que viu a entrada dos gêmeos foi Charlotte, mas ela também não ligou muito para isso.

– O que você fez foi idiota. – disse ela para a pessoa deitada. – Porque fez isso?

– Olá para você também maninha... – a voz do homem deitado mal era audível. – Simplesmente quis salvar Annabeth... – declarou, acariciando o rosto triste da esposa. – Ou então sou apaixonado pela ideia de morrer.

– Isso deve ser de sangue. – supôs Charlotte, fazendo-o abrir um leve sorriso. – Sabe tanto quanto eu que posso reverter essa situação... Desde que aceite, é claro. – ela hesitou, respirando fundo para continuar. – Fez um bom trabalho, Percy. Confiei em você e não me decepcionou. E se aceitar a proposta, a morte não mais será um empecilho.

Percy a respondeu como se já tivesse pensado muito nisso:

– Consigo ver em seus olhos que uma parte sua ainda permanece morta. A vida depende da morte. Se não, qual seria o propósito? Viver para sempre, literalmente para sempre, é um fardo. Pode me chamar de egoísta se quiser, mas não quero isso. – ele conseguiu entortar o canto da boca em um sorriso. – O que te faz eterno é a sua história. Mas quem disse que não vou viver para sempre?

– Essa frase é minha. – proferiu Charlotte, mas a voz estava carregada de mais para parecer brava. - Se é assim... Gostaria que soubesse que eu... – a garganta dela pareceu seca de repente, mas nunca que essa frase sairia de sua boca tão verdadeira. – Amo você, seu idiota inconsequente.

Percy abriu outro sorriso fraco.

– Eles... Eles conseguiram? – perguntou, com esperança na voz.

Charlotte assentiu, levantando o olhar para os irmãos que até então só assistiam.

Annabeth se virou totalmente para os filhos e abriu um sorriso que não conseguia fazia dias. Os batimentos de Sophia ficaram mais fracos e, naquele momento, ela perdoou a mãe por tudo que tinha feito. Como uma garotinha de dez anos, ela se impulsionou direto para os braços da mãe. Annabeth continuava a mesma, o mesmo abraço caloroso, o mesmo cheiro, os olhos cinza e os cabelos dourados. Parecia bem mais velha que sua idade de 42 anos, mas quando abrira o sorriso ficava instantaneamente mais nova, como se tivesse vinte e sete outra vez. Charles estava mais tímido, como sempre. Ele abriu um pequeno sorriso para a mãe e se juntou ao abraço.

Por cima do ombro de Annabeth, eles puderam ver Percy. Ele estava um caco, destruído mesmo. Os olhos verdes estavam opacos e o cabelo negro mais desgrenhado do que o costume. A pele estava pálida e ele tremia mesmo com os vários cobertores. Estava sem camisa e a atadura preenchia o ombro esquerdo e boa parte do peito. Mesmo com tudo isso, ele ainda conseguiu sorrir e, quando o fez, teve o mesmo efeito que Annabeth: os anos não lhe foram dolorosos.

Percy se colocou na frente de uma faca por Annabeth e não importava se ele sabia que estava envenenada ou não, aquilo foi o ato mais corajoso que alguém poderia fazer por outro alguém.

– Acho que isso lhe pertence. – Sophia retirou o cordão do pescoço e o entregou nas mãos da mãe. – Fica melhor na senhora do que em mim.

– Senhora? – perguntou, com uma sobrancelha levantada. Ela botou o cordão de volta ao pescoço e, realmente, ficava melhor nela. – Você só tem dezessete anos a menos que eu.

– Questão de respeito.

– Então isso é uma unanimidade. – comentou Charles, agachado ao lado da cama. – Porque você não tem respeito com ninguém.

Sophia o encarou e o olhar fulminante não fez nenhum efeito.

– Irmãos sendo irmãos desde quando o mundo é mundo. – murmurou Charlotte. – Têm muito que conversar, pelo visto. Não vou atrapalhar.

Ela então deu um beijo na testa do irmão e saiu do quarto. Assim que a porta se fechou, Percy sussurrou o nome dos filhos muito fracamente, quase inaudível. Charles e Sophia então se levantaram, indo ao outro lado da cama e se agachando ao pé do móvel.

– Não esperem que peça desculpas pelas coisas que fiz. Não é exatamente do meu feitio. Fato, não teria outro jeito de chamar sua atenção e encontra-los de forma segura. – ele se interrompeu com uma forte tosse. – De qualquer modo, assim como a coroa, o navio também é hierárquico. – os olhos verdes opacos encontraram os da mesma cor, mais brilhantes. – E como seu irmão já possui o trono...

Deixando a frase no ar, Sophia iria cair se já não estivesse sentada. Não que ela não estivesse pronta para redigir algo, também se preparou juntamente com o irmão, caso algo acontecesse a ele e não houvesse herdeiros para ser coroado. Mas, bem, Sophia nunca esperava por isso. Sabia que era algo justo: Sophia e Charles na Inglaterra e Lana e o irmão de cinco anos, Louis Henrique, com os pais.

– Charles é rei em terra, e você poderá ser rainha no mar. – incentivou Percy.

Ela sentiu a mão de Charles pressionando a sua, e quando o olhou exibia um sorriso encorajador. Sophia desenhou com o indicador nas costas na mão de Charles – algo que eles aderiram desde crianças, faziam isso quando tinham que ter uma conversa, mas não podiam sair para um lugar privado. Era isso ou conversas silenciosas pelo olhar. Ela escreveu V-O-C-Ê V-A-I F-I-C-A-R B-E-M? Charles respondeu V-O-U S-E-N-T-I-R S-U-A F-A-L-T-A e completou M-A-S F-I-C-A-R-Á M-E-L-H-O-R A-Q-U-I D-O Q-U-E L-Á. Sophia concordou com um aceno na cabeça e desenhou N-Ã-O P-E-N-S-E Q-U-E V-A-I S-E L-I-V-R-A-R D-E M-I-M. Ele acabou soltando uma risada.

– Nem morto me livro de você, maninha. – disse ele.

Sophia segurou a mão do pai, onde um cordão de ouro com um pingente em formato de círculo e com o relevo de uma caveira repousava.

– Aceito. – ela apertou ainda mais a mão dele. – Prometo usar sua confiança e honrá-lo.

– Sei que vai. – a fala de Percy ficou arrastada, saindo mais como um sussurro embargado.

O aperto em sua mão se soltou de repente e o sorriso desapareceu por completo. Os olhos perderam todo o brilho e aceitou a morte como uma amiga. Era para ter morrido assim que nascesse, entretanto a Morte dera-lhe uma chance de viver, mas já era sua hora de ir. Pela primeira vez em muito tempo, Annabeth ao seu lado, sempre ao seu lado, demonstrou fraqueza, deixando que as lágrimas caíssem.

Sophia levantou a mão, desesperadamente querendo consolar a mãe, mas Charles segurou sua mão mais fortemente e o puxou para si, o olhar com a clara mensagem de que era melhor deixa-la sozinha. Sophia se deixou levar pelo irmão para fora do quarto, ouvindo o choro desolador de Annabeth completamente impotente.

Annabeth estava destruída, como seu uma guerra civil tivesse sido detonada dentro dela. Seu coração estava em pedaços e não tinha certeza se poderia colá-los. Não tinha forças para nada, nem mesmo para abafar o choro. A dor era lancinante de mais a angústia transbordava em forma de lágrimas, gritos de agonia ecoando pelas paredes. Ela se debruçou sobre o corpo morto do homem que sempre amou e choramingou e soluçou o que prendia faz três semanas.

Sua mente, de grande ajuda, mostrou imagens e cenas dos dois juntos. Do sorriso torto e debochado que a irritara no inicio e que passou a amar.

– Q-quem é você?

– Isso depende de quem você é. Annabeth Chase?

Ela se lembrava que ficou sem fala e então se limitou a assentir.

– Então posso dizer quem eu sou. Meu nome é Percy Jackson.

O beijo viciante e o cheiro de menta e maresia, o gostinho corrompedor de ter os lábios nos dele e os corpos colados em suspiros e gemidos.

– Duvides que as estrelas sejam fogo...

– Duvidas que o Sol se mova...

– Duvidas que a verdade seja mentirosa.

– Mas nunca duvides que te amo.

Amava o primeiro fio de cabelo bagunçado as pontas dos dedos dos pés. Amava o jeito que a olhava e o jeito que a tocava sem nem ter encostada nela. Amava ainda os olhos verde-mar, adotada como cor favorita, sempre a fazendo acreditar em si mesma e nas palavras que ele dizia.

– Percy, me solte! Você não pode me levantar, sabe disso.

– Nunca. Vamos ficar juntos. Você não vai escapar de mim. Nunca mais.

Por um bom tempo, Annabeth pensou que amor era só uma mistura lancinante de produtos químicos em seu organismo e que tal sentimento figurado era para poesia e sonetos. Mas então ela conheceu Percy. Maldição ou não, ela o amor até sua última fibra e com todas as partes do seu coração. Annabeth amou Percy como nunca imaginou que fosse possível amar alguém tanto assim.

– Prometeu que ficaria tudo bem no final, que no fim seria feliz, mas não é um final feliz sem você nele, droga! – ela suspirou contra a pele fria dele. –Você me prometeu que ficaríamos juntos, Cabeça de Alga... – ela encarou o rosto sem vida de Percy. – Você prometeu! – gritou. Um brilho passou pelo seu campo de visão e ela se lembrou da sua adaga mantida presa à cama. Uma ideia insana e hipnotizante passou pela sua mente. – Mas se não será você a manter como prometido – sua mão alcançou a adaga, brilhante e de uma mortal sedução – então serei eu mesmo.

Totalmente idiota e talvez leve a nenhum lugar especial. Mas quando respirar parece-lhe sufocante e cada segundo nessa vida tem a mesma sensação de um afogamento, o sangue escorrendo pela sua própria pele e vindo das suas veias parece uma pintura de tão lindo. Então outro corte vem acompanhado de outro mais forte que o último e a cada gota de sangue derramado sai junto com o pesar abafado.

Annabeth estava a centímetros de outro corte quando alguém exclamou:

– Retiro o que disse, loiras devem ser mesmo burras. – Charlotte apanhou a adaga das mãos praticamente sem forças por causa de tantos cortes nos pulsos.

Annabeth não iria suportar olhar para Charlotte. Não, não para os olhos da mesma cor dos dele. Não para as feições similares as das dele. Não para o olhar inquisitivo fazendo-a se sentir mais culpada por dentro. Ela optou por fechar os olhos enquanto as mãos ágeis de Charlotte limpavam suas feridas e a escondia com ataduras.

– É a mulher mais sábia que eu conheço. – admitiu Charlotte, enquanto enrolava os curativos no braço ensanguentado. – A mais inteligente também. Porém sabedoria e inteligência não valem de nada se não forem usadas em momentos como este. E, claramente, também usadas com prudência. Não foi isso que fez.

– Você não entende... – sua voz soou estrangulada.

Charlotte pareceu achar graça. Annabeth abriu os olhos, mas manteve o olhar baixo, encarando os lençóis sujos com seu sangue. Pela visão periférica, viu Charlotte fechar os olhos do irmão e esconder a visão avassaladora de seu rosto sem brilho sob os cobertores.

– Não entendo, é? – perguntou a morena. – Para ser livre, dei tudo que tinha. Definitivamente, não tenho mais ninguém. Aliás, não tenho nada. Minha família se foi. Inocência perdi completamente. Bondade é algo que nunca tive. Minha luz foi totalmente apagada. Eu não vou viver para sempre, Annabeth. Vou sobreviver para sempre. Agradeça por ainda ter a vantagem de poder morrer.

– Então porque me impediu de ser agraciada com tal bênção? – teimou Annabeth.

– Por quê? Ora, droga, por que ainda tem seus filhos! – Annabeth finalmente reuniu força e coragem para encarar a imensidão verde-mar. – Ainda tem alguém para chorar por você. Ainda tem alguém que se importe. Ainda tem alguém que a ame. Ouvir a própria mãe chorando é uma dor que te deixa impotente e há três filhos na outra sala sem saber o que fazer para te ajudar. Há mais um do outro lado do oceano esperando pela mãe. Se não consegue ser forte por você seja forte por eles. Consegue fazer isso?

Annabeth lançou um olhar para os cobertores onde seu Percy descansava eternamente, alheio a sua dor e a seu choramingo. Lembrou-se da lista que fizera para si mesma quando o pai morreu: levante a cabeça, limpe as lágrimas, finja um sorriso e permaneça forte. Annabeth pegou os estilhaços do seu coração e seu orgulho.

Sou Annabeth, pensou ela. Annabeth Mary Jackson. Tenho o sangue Chase nas veias. Sou filha de Atena e Frederick. Fui Rainha da Inglaterra e se aguentei uma guerra contra outro país posso aguentar outra dentro de mim mesma. Aprenda a conviver com a dor e transforme a saudade em memórias boas.

Passando os dedos no rosto, ela limpou as lágrimas e levantou o queixo, olhando diretamente para Charlotte.

– Claro que consigo.

***

Charles não conseguiu dormir.

Era de se esperar que conseguisse pelas noites em claro. O sofá era desconfortável e não podia se movimentar muito caso não quisesse cair. A sala de leitura não possuía cortinas e as luzes do porto iluminavam tudo como se fosse dia. Não se lembrava de quando desistiu de encontrar alguma boa posição então, com muito cuidado para não acordar Sophia que dormia como um anjo no sofá ao lado, pegou alguns livros e começou a lê-los. Lembrava-se porém de que quando o sol raiou estava na metade do sexto livro.

Com os raios solares, acordou também a Cachinhos Dourados. Sophia se espreguiçou preguiçosamente, o colar de ouro remexeu-se em seu pescoço.

– Chuck? – chamou.

– Sim?

– Ah, ótimo. Está acordado.

– Não, não. – debochou ele. – Falo dormindo, não sabia?

Sophia pegou uma almofada e mirou no rosto do irmão. Infelizmente, anos convivendo com ela fez com que seus reflexos melhorassem e ele pegou a almofada colorida no ar, por pouco não o acertando, sem tirar os olhos do livro. Sophia resmungou algo explicando que sua lentidão é proporcionada pelo sono antes de se espreguiçar novamente e enfim se levantar.

– Preciso da sua ajuda. – disse ela.

– Para? – perguntou Charles, sem retirar os olhos do livro.

Sophia remexeu em sua bolsa de viagem até encontrar o que queria. O diário com a capa de couro e fechado com uma corda estava tão escrito, reescrito, desenhado e gasto que tinha o dobro do tamanho de quando Sophia ganhou o caderno como presente. Boa parte dele descrevia os últimos acontecimentos, mas aquilo era muita informação. Se alguém achar, provavelmente ocorreria problemas. Não, era melhor repartir. Ninguém saberá a história completa a não ser os que fizeram parte dela.

– Terra chamando Sophia! – Charles chamou, quase gritou, estalando os dedos de frente para o rosto dela. – Sophia Deborah Chase, acorda!

– Que foi?

– Ajuda para...?

– Ah, sim. – ela indicou o diário. – Escrevi o grand finale ontem, no entanto, é melhor que ninguém venha a saber do fim. Só preciso de um esconderijo digno.

– Felizmente, estamos em cima de um perfeito. – sugeriu Charles.

Sophia juntou as sobrancelhas.

– O navio?

– Não, idiota. O mar, é claro!

Sophia pensou no assunto. Era realmente perfeito. A água desintegraria o papel e mancharia a tinta. O fim morre com ela. Concordando, Sophia seguiu Charles até o convés deserto. Devia ser uma cinco da manhã ainda, então o Sol não despertara e uma névoa fria cobria o mar e os navios. Sophia rasgou as últimas folhas de seu diário e deixou o vento carregar até a superfície da água. Retirou umas dez páginas até se dar por satisfeita. Então entregou o diário para Charles, com o pedido estranho de retalha-lo e esconder a carcaça em um lugar protegido.

– Vai cuidar da nossa mãe? – perguntou Charles à Sophia.

– Ela é Annabeth Jackson. Nada cuidará melhor dela do que ela mesma.

Charles concordou com um aceno de cabeça.

– Acho que é isso, então. – ele estendeu o braço e Sophia se acomodou no abraço. – Não me crie problemas, senhorita Chase.

Sophia soltou uma risada.

– Você tem uma guerra iminentemente maligna nas Treze Colônias e um príncipe assassinado. Acredite em mim, nunca ninguém me notará.

Charles pinçou um fio de cabelo dourado da irmã.

– Duvido muito disso, irmãzinha. – ele a abraçou mais forte, então a soltou.

– Certo. Você é um fofo e está me fazendo querer chorar. – e estava mesmo, uma lágrima inesperada descendo pela bochecha dela antes que pudesse limpá-la. – Agora vai. Anda. Se manda.

– Você e seu incrível dom de tornar tudo mais fácil. – resmungou Charles. – Te vejo por ai, maninha. Tipo em cartazes de procurada.

– Se eu fizer meu trabalho corretamente, vai ver em cada poste da Grande Londres meu belíssimo rosto. – ela piscou para ele. – Até a próxima vida, Vossa Majestade.

Sophia virou os calcanhares e foi em direção à cabine no mesmo instante em que Charles fez o mesmo, se dirigindo para fora do navio, pegando uma das lamparinas e tendo a madeira rangente sob seus pés. Ambos tinham o estranho sentimento de que tudo ficou bem e nos seus devidos lugares. Dessa vez, nenhum deles olhou para trás.

2015 – Escritório da Runaway, Londres.

O Loubutin e o sapato de couro italiano andavam lado a lado pela Victoria Embankment, de volta à Londres das chuvas constantes e dos conturbados contos históricos. A agencia de Nico, Runaway, ficava na esquina daquela rua, e durante todo o caminho ele ainda assimilava o final que Charlotte o apresentara.

– No fim, Sophia conseguiu o que queria. – Charlotte continuou. – Ninguém exceto os que viveram a história sabe o que realmente aconteceu. Ela só não contava que uma dessas pessoas, no caso eu linda aqui, viveria para sempre. Quero dizer, Sophia sabia, só não acreditava.

– E depois? O que aconteceu?

Charlotte deu de ombros.

– O que se deu com Charles está nos livros de história. A história que se espalhou foi que Sophia, louca pelo “suicídio” – ela fez aspas com os dedos – do noivo acabou por tirar a própria vida. Sabemos que não é verdade. Acabou se tornando Annalise Jackson.

– Ah, esse nome já vi em um livro de história.

– Pois é. Ela acabou sendo a última pirata tradicional. Depois dela, Tortugas se tornara uma ilha fantasma e o restante dos marujos foi exterminado pelos países europeus. Annabeth sobreviveu por mais vinte e dois anos e suas cinzas foram jogadas em partes nos três oceanos principais. Atlântico, Indico e Pacifico. – ela fez uma pausa quase solene. – Exatamente como as cinzas do meu irmão.

– Que os deuses os tenham. – falou Nico.

– Que os deuses os tenham. – concordou Charlotte.

A agencia de advocacia da Runaway ficava onde outrora era o edifício da Scotland Yard, de frente para o rio Tâmisa. Se por fora ele era um prédio em estilo vitoriano e aparentemente gasto pelo tempo, por dentro era uma construção do novo século. O saguão tinha iluminação de led e era todo branco, com o chão lustroso o suficiente para refletir detalhes como um espelho. No centro, uma mesa redonda com dois atendentes de cada lado e um lustre de cristal pendendo-se no alto teto.

Assim que entraram, a secretária virada para porta deu um pulo e correu desajeitada com os saltos Jimmy Choo até eles. Os cabelos ruivos estavam presos em um coque pronto para cair e a roupa preta era tão apertada que ela mais parecia uma das garotas de Charlotte quando ela era Charllisse do que uma atendente de direito.

Pela expressão dela, algo estava errado.

– Bom ver que escolhe seus subordinados pela excelência não pela aparência. – alfinetou Charlotte, fazendo Nico revirar os olhos.

– Ciúmes?

– Faça-me o favor.

A ruiva chegou esbaforida, mal conseguindo desenvolver uma frase.

– Senhor... Tentei impedi-los... Mas... Ai eu estou sem ar... Disse que você não estava...

– Diana se continuar com esse showzinho é melhor encontrar outro alguém para entediar. – disse Nico, fazendo-a se calar imediatamente. – Aliás, onde está Adriana? Ela morreu ou algo assim para não estar aqui com meu café?

– Senhor Di Angelo! – gritou Diana, uma reação tão exagerada que chamou atenção de muita gente no saguão.

Nico resolveu prestar atenção nela por tempo suficiente para ouvi-la sussurrar quem entrou em seu escritório sem hora marcada e ignorando os avisos de Diana. A única pessoa em toda Inglaterra que tinha poder para isso. A ruiva então sussurrou para que apenas os dois ouvissem, então, em um entreolhar de Nico e Charlotte, eles seguiram para o elevador atordoados.

O que ela estava fazendo aqui?

O elevador abriu suas portas para um longilíneo corredor no ultimo andar, em direção à única porta ali. Dos dois lados da porta de madeira com uma placa de metal com o nome de Nicholas, havia dois homens com ternos e ombros largos. Nenhum dos dois prestou atenção nos seguranças quando passaram por eles e entraram no escritório.

De frente para a parede de vidro com Londres como paisagem, na mesa de madeira e sentada na cadeira de encosto alto, uma senhora já enrugada e de cabelos brancos lia o diário de Sophia, ao qual Nico tinha certeza que colocara no cofre atrás do quadro na parede. Ela só levantou o olhar de trás dos óculos de armação de ouro quando acabou a leitura.

– Quando contratei sua agencia para cuidar dos meus assuntos familiares e imagem pública, sr. Di Angelo, foi porque vi no senhor uma confiança. O olhar de alguém que sabe guardar os próprios segredos e mais ainda os mistérios de outros. – ela indicou com as mãos gastas pelo tempo o caderno de couro. – Só não imaginei o quão bom o senhor era nisso.

Nem Charlotte nem Nico ousaram se pronunciar. Quando se tratava de pessoas como ela o silencio era a melhor arma. A senhora apontou o óculos para Charlotte.

– A senhorita deve ser Charlisse Santi, normalmente nascida como Charlotte Green presumo.

– Para uma coroa que usa óculos você é muito perspicaz. – Charlotte soltou e, para sua surpresa, a senhora não a olhou recriminadora.

– Senhor Di Angelo, não vou gastar nem o seu tempo nem o meu. – dirigiu ela a Nico. – Sei que o senhor está com o restante desse documento revelador. O que irá fazer com ele?

Em resposta, Nico apertou o interruptor e a lareira do lado oeste da sala se acendeu, as labaredas remexendo-se e esquentando o escritório. A senhora pareceu satisfeita, entortando a boca seca em um sorriso aprovador. Sem dificuldades, ela mesma segurou o diário e se levantou e foi até a lareira, jogando-o nas chamas.

– Ela continua sendo minha Rainha preferida, sabiam? – a senhora disse, mais para si do que para eles. – Meu nome seria Annabeth. – ela deu de ombros. – Mas meus pais optaram por Elizabeth. E assim ficou. – ela se virou e pegou a pequena bolsa na mesa de Nico, piscando para eles antes de sair. – Rainha Elizabeth II.

A porta se fechou e Charlotte piscou, um pouco atordoada. Nico encarou o nada pela paisagem fria de Londres.

– Você chamou a Rainha da Inglaterra de coroa. – observou ele.

– Não vai ser a primeira vez que dou um apelido para uma rainha.

– Realmente. – concordou Nico. – Tem uísque. Quer beber?

Charlotte achou graça.

– E você ainda pergunta?


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Notas finais do capítulo

Então gente, foi isso. Espero que tenham gostado, porque eu amei voltar com Closer. Vejo vocês por ai amores.

You Know You Love Me XOXO Gossip Girl is Dead