Uma Xícara de Vida escrita por StoryTeller


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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— Café. Espresso.

Pago, pego o copo e me sento à mesa de costume.

Essa é uma de minhas cafeterias favoritas. Há uma livraria no segundo andar com espaço para quem quiser ler seus próprios livros. Mesmo de lá é possível sentir o cheiro dos grãos de café torrados e moídos. O cheiro de madeira da construção antiga também preenche o lugar.

Minha mesa fica na parede, próxima às escadas. Daqui eu posso ver todos os outros clientes e bisbilhotar suas vidas. Gosto de criar histórias para eles. Imaginar o que estão bebendo, por que estão ali, sobre o que falam, como vivem...

Apesar de que, algumas vidas eu conheço. Aquele ali sentado na mesa à janela, sim, aquele mesmo, com o laptop. Ele é um freqüentador tão assíduo quanto eu. Está sempre escrevendo alguma coisa. Uma vez ele me viu observando e me pediu para ler o último capítulo de seu livro. Um drama romântico, ou algo assim. Não entendi muito bem o enredo, mas acho que ele escreve bem. Já aquela família vem todos os sábados à tarde. O filho deles já deve estar lá em cima, na livraria. Aquele senhor passa aqui de vez em quando, ele resmunga bastante com as atendentes, mas ouvindo uma conversa entre elas, descobri que a neta dele trabalha aqui. Acho que ele vem para se certificar de que está tudo bem com ela. Existem outros, mas neste momento só reconheço esses.

Aquelas garotas ali no canto. Falam tão alto que o pobre escritor levanta os olhos de vez em quando da tela, aborrecido. Imagino que não haja nada interessante naquela conversa. Mas não devo pensar assim, certo? Para elas importa. Maquiagem? Moda? Garotos? Não, você está se prendendo aos paradigmas. Vejamos, a garota loira de óculos passou na universidade que queria. Em poucos anos ela se tornará uma ativista, gerenciando diversas empresas multi-nacionais. A ruiva, com tinta nos dedos teve seu primeiro quadro avaliado e será exposto numa galeria de arte conceituada em São Paulo. Elas estão conversando sobre como será a festa de comemoração, por isso escolheram um lugar calmo como esta cafeteria e por isso estão tão animadas... Parece bom pra mim. Foi uma ótima escolha de lugar e posso me sentir feliz por elas.

Oh-oh, parece que me enganei. Dois garotos do time de futebol da universidade local acabaram de chegar. Devem ser os namorados. É, são os namorados. Que decepção. Parece que nada de empresas e galerias de arte para aquelas duas.

Uma garota sentada sozinha. Ela brinca com as mechas negras que insistem em cair sobre seus olhos enquanto se debruça sobre uma pilha de papéis. O que será que ela está fazendo? Ela é até bonita, a forma como enrola o cabelo no dedo é adorável. Se eu fosse um outro idiota, provavelmente iria até a mesa dela e tentaria iniciar uma conversa. Bem, parando pra pensar. Mas mesmo assim, eu não me arriscaria a incomodá-la e arruinar a beleza de seu cotidiano. Melhor desviar o olhar.

Com o tempo, os adolescentes vão embora, assim como o idoso — não sem antes ralhar com a neta — e a família. Sobraram eu, o escritor e a garota. Ele finalmente interrompera seu digitar enfurecido e agora beberica uma xícara de cappuccino enquanto revisa seu ultimo capítulo. Ele me percebe observando e acena levemente. Acho que ele me entende. A garota fatia uma torta de maçã enquanto fala agitada no telefone. A papelada deveria ser sobras do trabalho da semana. É curioso pensar nas vidas que vêm e vão nesta cafeteria. Esse lugar é apenas mais uma das inúmeras franquias dessa loja na cidade, entre tantas outras lojas de café.

Essa corrente pulsante de calor que é a vida humana . Ela nos cerca e nos arrasta consigo, nos levando aonde quer que seja. Observá-la de longe é um passa-tempo relaxante pra mim. Me faz esquecer minha própria corrente que insiste em me arrastar consigo, levando-me para meu próprio fim.

Finalmente, pego meu copo e levanto-me com dificuldade da mesa. O jovem escritor me ajuda a retomar o equilíbrio. Agradeço pela consideração e caminho lentamente até a porta. Passo sob o olhar da jovem que mal me percebe. Ela parece fascinada pelo escritor, do outro lado do salão. A cafeteria fechará em breve, e logo ela terá uma desculpa para acompanhá-lo. Sorrio levemente ao lembrar-me da época em que tinha tempo e vigor para dispor como bem entendesse. Minhas costas estão me matando.

Minha atendente favorita se oferece para pedir um taxi. Ela me trata tão bem quanto a seu avô.Eu agradeço e digo a ela que me contentaria se jogasse meu copo descartável no lixo. Mudo a bengala de mão e me dirijo para a saída. O fluxo implacável continua a arrastar-me consigo. “Ainda não”, continuo repetindo. Observar a vida dos outros dá-me ânimo para terminar de viver a minha.

Continuo a sentir o leve roçar da correnteza.

“Algum dia”, por fim concedo.


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