—- Quer dizer que você veio aqui por causa da sua irmã? -- perguntei a Mike, arqueando uma sobrancelha.

—- Para mandar o Sammy mandá-la parar de me encher. -- ele disse. -- A garota fica me fazendo perguntas o tempo todo, e quer saber? A culpa é sua. Você tinha que ser "a herdeira mais rica com menos de vinte anos", tinha que ser "a independente", tinha que ser "um ícone da moda", tinha que "sair viajando o mundo todo". -- ele movia os dedos no ar, fazendo aspas e falava de um jeitinho fino como se estivesse imitando a voz da irmã. -- A pirralha é sua fã. E agora que está rolando esses boatos de que você e o Sam estão juntos, ela enlouqueceu querendo saber se a fofoca é verdadeira.

Deixei a torrada que eu tinha pegado cair de volta no meu prato e olhei para ele.

—- É claro que não é! -- falei por impulso.

—- Ah, claro... -- Charles disse sem acreditar nem um pouco, dava para perceber por causa do sarcasmo dele. -- Vai me dizer também que a lua é feita de queijo? Porque seria uma mentira de menor escala.

Cerrei um punho.

—- Sammy, eu não me responsabilizo pelas prováveis lesões com as quais esses dois vão sair daqui -- falei.

—- Fique a vontade para fazer o que quiser -- ele disse. -- Contanto que tome o café da manhã direito.

—- Ei -- disse Mike. --, não precisa de violência, só estamos obedecendo ordens, gracinha.

—- O quê? -- perguntei.

—- Eu mandei que eles distraíssem você -- Samuel disse, cruzando os braços sobre a mesa. -- E eles conseguiram, não foi?

Franzi o cenho percebendo que aquilo era verdade. Desde que os dois começaram a me encher, eu não tinha pensado mais em Helen.

—- Bem, é verdade -- concordei a contragosto.

—- Viu? Perguntou Mike. -- Somos uns anjinhos.

—- Só se forem anjos caídos infernais. -- resmunguei e voltei a comer.

***

Depois que terminamos, os meninos nos disseram que iam sair para nos deixar a sós, mas Samuel tinha um favor para pedir a Mike.

—- Você poderia pegar algumas roupas com a Rebecca para a Heather? Ela é nossa hóspede hoje a noite e não seria bom que voltasse para casa com a Helen lá.

—-Hóspede? -- perguntei.

—- Já acertei as coisas com seu pai -- ele disse.

—- OK. Mas pelo que eu percebi, o Mike vive chamando a irmã de pirralha, quantos anos ela tem, afinal?

—- Quinze -- Mike respondeu. --, mas você é uma nanica, com certeza as roupas dela vão caber.

—- Cara, você me irrita cada vez mais.

—- Ele costuma fazer isso com os amigos -- Sammy disse. -- Mas se você não fosse tão facilmente irritável, eu já teria parado.

—- Hum... que seja. Mas eu não quero as roupas da irmã dele. -- falei cruzando os braços. -- Preciso fazer compras para tirar parte do estresse que vocês me deram. Será que a Rebecca gostaria de ir ao shopping comigo as duas da tarde?

Mike franziu a testa e trocou um olhar com Charles.

—- Ela vai pirar -- disseram em uníssono.

***

Estávamos sentados na borda da piscina, meus pés balançando dentro da água, que estava fria, mas não o suficiente para me fazer ficar com muito frio.

—- Pode começar suas perguntas. -- ele disse, não muito animado.

Fiquei alguns segundos em silêncio, perguntando-me sobre o que deveria questionar primeiro, então decidi começar pelo menos pessoal para ele.

—- O que você e meu pai esconderam de mim?

A mão dele buscou a minha ao seu lado e ele a apertou, virando-se um pouquinho para mim.

—- O divórcio.

Franzi a testa. Ele não poderia ter dito o que acho que ouvi.

—- O quê?

—- O casamento de seus pais tem estado por um fio. Henry tinha decidido dar mais uma chance por mais algum tempo, mas o que aconteceu hoje o fez ter certeza de que esse casamento não deve continuar. O que era uma possibilidade passou a ser uma certeza.

—- Ele quer o divórcio? -- aquilo ainda parecia impossível para mim. -- Mas, não tem muito tempo, eles estavam num cruzeiro pouco ligando para minha existência, como tudo pode desmoronar tão rápido?

—- Não foi de uma hora para outra. Seu pai vem tentando consertar tudo, talvez essa viagem tenha sido uma das tentativas.

—- Então é por isso que Helen vem se tornando mais e mais insuportável com o tempo. -- eu disse. -- Isso é tão estranho.

—- O que está sentindo?

—- Eu não sei. -- balancei a cabeça. -- Não sei.

Eu deveria estar triste, não é? Ao saber que meus pais estão se separando, essa seria a reação normal. Mas eu só queria deixar isso de lado um pouquinho, para pensar apenas depois. Bem depois.

—- Posso passar para a próxima pergunta?

Ele assentiu meio incerto.

—- Sabe -- comecei. Aquele assunto era delicado. --, eu venho me impedindo de te pesquisar no google há vários dias já, ou perguntar aos outros, então, por favor, me dê uma resposta honesta. -- ele já parecia saber o que eu ia perguntar, pois ficou tenso.

—- Eu sempre vou ser honesto com você.

Suspirei.

—- Obrigada. -- agradeci com sinceridade. -- Então me diga: quem exatamente você era, Sammy? O que aconteceu no seu passado?

Com os lábios pressionados numa linha fina, ele se virou completamente para mim e soltou minha mão.

—- Não se assuste -- pediu. -- Ou fique nervosa, ou triste. E me deixe te explicar.

Assenti devagar. Samuel passou mais alguns segundos olhando para mim, então ergueu as mãos e puxou a camisa por sobre a cabeça. Eu poderia ter prestado atenção em qualquer coisa sobre ele. Os movimentos do subir e descer do seu peito nu enquanto ele respirava fundo, nervoso. Sua pele morena. Os músculos rijos e evidentes por sob a pele. Qualquer coisa.

Mas o que atraiu de verdade a minha atenção foram aa cicatrizes e sua voz ao dizer:

—- Aconteceu a pouco mais de dois anos atrás.