Corbeau escrita por Coeur Pirate


Capítulo 1
Corbeau.


Notas iniciais do capítulo

Eu tô de postar essa fanfic há tempos, mas não encontrava um caminho legal pra ela 3.Basicamente, é uma one levinha (nas pegações, porque acho que no drama eu posso ter exagerado), coisa e tal tal e coisa.Se vocês estiverem afim de ouvir alguma música durante a leitura, aconselho "Corbeau" e "Place de la République" da Coeur de Pirate.A indicação é opcional (eu nem posso obrigar vocês), para uma maior imersão na história, já que eu não sou exatamente segura quanto a minha própria escrita.Sem mais, Boa leitura!



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– ÚNICO -

Começou com uma ligação as nove e quarenta num domingo de julho. Naruto deixou o celular cair duas vezes por puro desleixo até atender o aparelho. Ouviu a respiração acelerada do outro lado da linha, mas não proferiu som algum. Talvez por sono, talvez porque o som de outra pessoa respirando lhe desse algum alento. Naruto não se importava em deixar perguntas em branco.

A chamada durou um minuto e vinte e um segundos até a pessoa desligar, e Naruto levantou da cama com um humor melhor que de costume.

Há quatro quarteirões dali Sasuke descansava as pernas em cima das malas, o telefone sem fio em sua mão direita descansava em seu colo. Ele piscou os olhos algumas vezes tentando espantar o sono, antes de chutar os sapatos novos e arrancar a camisa de botões brancos. Se jogou no sofá-cama duro sem tirar as almofadas verde-musgo dali e dormiu poucos instantes depois.

Por volta das onze, Naruto desceu do ônibus caído aos pedaços ignorando as maldições que uma velhinha urrava da janela. Ele não sabia se eram para si, mas também não se importava. Ele encara o ponto de ônibus, encontrando prontamente o número de telefone que tinha pichado ali anos atrás. Desde então tinha sido roubado duas vezes, mas nunca se desfez do número antigo, mesmo depois dos trotes ridículos.

Na época de escola, Naruto sempre via a mesma menina naquele ponto de ônibus. Ainda aquele instante, se ele fechasse os olhos, sentiria a ansiedade de antigamente só pela possibilidade dela nota-lo. Achava esquisito se sentir assim, já que a menina estava morta. Ele a encontrou junto com a polícia da ultima vez que roubaram seu celular. Nunca soube se ela chegou a ligar para ele.

Olhando para os lados, o homem de olhos azuis saca um canetão do bolso do moletom e rabisca em baixo do próprio número, a tinta preta se sobressaindo a pichações que não lhe pertenciam:

“Me ligue de novo.”

Nem soube a quem se referia ao escrever aquilo – se a garota morta de cabelo colorido ou a pessoa que ligou para ele aquela manhã – e talvez fosse a garota morta. Apenas sentiu a vontade se apoderando de si beirando à exasperação e fez. Também não se demorou muito, resolvendo que estava de humor bom o suficiente para voltar para casa a pé. Talvez passasse na casa do padrinho para almoçar, já que em sua casa a única coisa que lhe aguardava era uma fruteira com uma maçã de estado duvidoso.

Ninguém ligou pra ele nas próximas duas semanas.

Até que, num fim de semana chuvoso, viu naquele mesmo ponto de ônibus que alguém escreveu abaixo de sua frase:

“Seu e-mail:”

Talvez fosse muita burrice escrever seu e-mail ali, quando qualquer um podia encher sua caixa de entrada com anúncios ao estilo “Aumento peniano” e “Parabéns, você foi sorteado para se foder se enviar o número da sua conta para nós!”, além do que Naruto não tinha nada com que pudesse escrever.

Trinta minutos depois e ele voltava de casa a pé com a caneta no bolso direito da calça.

Sasuke há essa hora estava de costas para a janela. Estudava para o teste que teria no dia seguinte. Ele anotou o e-mail de manhã, enquanto esperava o ônibus. Naquela tarde, ao voltar, ele mandou a primeira mensagem se apresentando como “Corbeau”.

Naruto só respondeu dois dias depois, quando um cliente enviou o arquivo que devia ser traduzido. Ainda pensou em se apresentar com um apelido idiota, como “Lamen”, mas se intimidou com o nome do outro. Não achou seu primeiro nome apresentável, e Sasuke o conheceu como “Uzumaki”.

Em dois meses, os dois trocavam e-mails diariamente. Corbeau odiava usar celular, e Naruto nunca soube o porquê. Mas ele sabia, entretanto, que Corbeau gostava de música instrumental e escutava-a frequentemente em seu mp3. Achava graça pelo colega ter um mp3 que funcionasse e até se surpreendeu por ainda existir algum.

Em contrapartida, Sasuke sabia que Uzumaki comeria lotes de macarrão instantâneo se não fosse por seu padrinho. Sabia que ele dormia pouco por insônia e tinha problemas de nervosismo pela manhã, mas só naquelas em que ia à padaria. Primeiro Sasuke riu na frente da tela do notebook, mas quando recebeu outro e-mail com um “é sério” escrito, pediu desculpas. Nem ele soube por quê. Ele soube, contudo, que Uzumaki tinha que ir a padaria todo o sábado de manhã, para comprar duas baguetes de queijo para o padrinho e uma para si.

– - - - - - -

No dia 10 de outubro, às três e trinta da tarde, os dois estavam sentados nos lados opostos do banco de cimento no mesmo ponto de ônibus. Sasuke levava seu notebook na mochila para a assistência técnica e Naruto tinha seu smartphone na mão esquerda, atualizando a caixa de entrada a cada três minutos.

O padrinho de Naruto morria assistindo televisão aquela manhã. Corbeau nunca soube disso.

As nove e quarenta do dia seguinte Sasuke ligava para Uzumaki. Ele não sabia de seu aniversário, tampouco entendeu quando o amigo soluçou no telefone. Pediu desculpas, de novo sem entender o porquê e explicou o ocorrido na madrugada passada. Depois de cinco minutos seguidos por suspiros e fungadas ele cogitava pedir seu endereço para lhe fazer companhia, mas Uzumaki desligou a chamada sem se despedir.

Sasuke ligou no dia seguinte, e no dia depois desse. E depois. E depois.

Mesmo quando tinha o notebook novamente consigo, Corbeau ligava todas as manhãs. No final da segunda semana, Naruto acordava trinta minutos antes das dez e Sasuke tirava o telefone do gancho enquanto passava o café.

No final de outubro, Corbeau comentou com falso tédio ao telefone que o gato da vizinha entrara no apartamento noite passada e destruíra sua cortina azul-escuro, e por isso qualquer bisbilhoteiro que passasse pela rua o encontraria perambulando pelo apartamento minúsculo. Naruto riu com a informação, e pediu com deboche malicioso que tivesse cuidado com o que faria dentro do apartamento.

Na noite da última sexta-feira do mês, Naruto descia do ônibus comendo seu quarto alfajor (como ele adorava ofertas!) quando, já tomando o rumo para casa, viu de relance algumas frestas de luz. Ele parou, deu meia volta e encarou fixamente a janela, vendo uma sombra passar de um lado para o outro entre os rasgos de uma cortina azul até terminar seu doce.

Se sentia engraçado como quando via a menina naquele mesmo ponto há tanto tempo atrás. Ele ainda se lembrava do sorriso fácil que ela exibia e tinha consciência que o seu próprio sorriso, tão fácil de se exibir, era uma cópia infiel daquele. Ao menos passava uma imagem alegre para os outros, coisa que ele constatou com o uso da artimanha.

As luzes do pequeno hall estavam apagadas. Seu dedo mal tocou o interruptor da campainha. O barulho estridente em seus ouvidos o deixou tão ansioso que sentiu necessidade de se sacudir, virando as costas para a porta. Dava dois passos para longe, o nervosismo tomando conta de suas mãos trêmulas enquanto levava uma à nuca, massageando o lugar. Os olhos grandes e azuis estavam bem abertos, fitando a escada com esperança quando ouviu o leve rangido do ferrolho, seguido do giro na maçaneta e, por fim, o vento quando a porta se abriu.

Naruto ainda tinha a mão firme na própria nuca e os olhos alarmados quando se virou. Ele encarou seus olhos amendoados com tanta intensidade que não percebeu as pantufas verde-água que o rapaz usava ou suas pernas finas a mostra.

— Pois não? – Os olhos escuros do sujeito se estreitaram e uma ruga apareceu entre suas sobrancelhas. Naruto desviou a atenção para a boca pequena e pálida.

— Descul-pe. Eu errei de... É. –Ele piscou os olhos para o chão, não se lembrando de estar tão nervoso desde sua primeira avaliação de física. Ou desde sua última ida à padaria.

Sasuke viu o homem virar as costas e andar até as escadas, dando meia volta e parando à sua frente. Parecia inquieto demais. Nervoso demais. Talvez se medicasse com calmantes e estes estivessem em falta.

— Você, assim, por um acaso, eu sei lá, é o... Co... Corbeáu? – O loiro pigarreou algumas vezes, as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Ele odiava francês.

Sasuke não respondeu a pergunta. Após uns instantes escancarou a porta, dando passagem, e piscando os olhos sonolentos convidou com uma gentileza desconhecida, até então:

— Pode entrar Luci.

Naruto estancou no lugar com a boca entreaberta, balançando a cabeça.

— Meu nome não é – ‘

— Uzumaki? – O moreno soltou um riso curto, sem som. – O meu também não é Corbeau.

— Meu nome é Uzumaki. – Ele diz pausadamente, ainda no batente da porta. – Naruto Uzumaki.

Ele fecha os olhos e retorce o rosto, desgostoso. Corbeau sabia, com certeza, qual o significado do nome “Naruto”. Esperava uma piada sem graça sobre lámen, alguma chacota ou mesmo um sorriso pelo nome estúpido. Tal atitude não soava como o Corbeau que conhecia, mas caía muito bem na figura a sua frente.

— Ok, Luci. Está escuro aí. Entra.

Não foi o timbre, a falta de deboche ou o pote de sorvete em cima da mesa que o fez entrar com a rapidez que um ímã gruda na geladeira. Os olhos de Corbeau não o intimidaram como seu apelido fez, mas também não imploraram que ficasse ou estavam deslumbrados. Ainda assim, Naruto custava a acreditar que Corbeau pudesse chamá-lo daquela forma.

Mas ele fez.

Mais tarde Naruto reclamou ter sido enganado, pois dentro do pote de sorvete tinha um punhado de arroz que, segundo o moreno, não tinha dado certo. Ele discordou veemente àquela madrugada, enquanto comia no mesmo pote.

Às sete da manhã Naruto estava jogado em metade do sofá-cama ao passo em que Sasuke jogava leite no seu cereal sem açúcar. Às nove e dez, voltava da padaria com uma baguete de queijo e quatro pães.

Algum tempo depois Luci acordou. Corbeau prestava atenção no notebook e tinha algumas apostilas empilhadas do seu lado direito.

— Bom dia. – Resmungou sem jeito, se apoiando nos cotovelos. Sasuke não respondeu.

Ele ignorou a vergonha crescente que cutucava seu mau humor e se levantou, procurando pelo moletom laranja. Sentia as mãos soarem frio e tinha a impressão de que desmaiaria a qualquer momento.

—Você dormiu? – Perguntou, arrumando o capuz do moletom vestido. Tentava se tranquilizar. Pigarreou sem motivo e se virou para a janela.

— Não.

Naruto sentiu o incômodo crescer a medida que a vergonha desaparecia, dando lugar ao mal estar.

— Certo… Eu vou para casa. – Anunciou de repente, as palavras saíram atropeladas com rapidez de sua boca, a língua enrolando mais que o comum dando-lhe um sotaque quase britânico. - Bom te ver, Corbeáu.

— Já vai? – Sasuke ergueu o rosto para encará-lo. A boca entreaberta, mostrando a ponta da língua rosada e um pouco de seus dentes da frente. – Foi falta de educação minha, eu sei. Tenho um seminário se aproximando e, já que você estava dormindo, pensei em revisar o conteúdo.

Uzumaki piscou os olhos, descrente do pedido de desculpas de Sasuke. Não tinha pronunciado as palavras explicitamente, mas ele se desculpara assim numa ocasião anterior. Naruto sabia que o que desencadeou seu movimento seguinte foi algo que pensou encontrar nos olhos tão escuros de Sasuke, algo que o instigou. O fez sentir as batidas do coração em seu peito e um mal estar diferente do anterior se apossar de seus membros.

Ele se ajoelhou, fechando o notebook com um baque e envolveu o pescoço de Sasuke com a mão, o polegar tocando na pele lisa de sua bochecha. Foi uma pausa pequena entre suas pequenas ações até que seus olhos se voltassem para a boca pequena ainda entreaberta, e a capturasse com a sua própria. Sem toque nenhum, só sentindo o calor de seus lábios, aguardando alguma reação de Corbeau.

Sasuke também se ajoelhou, as duas mãos passando pelo tórax de Naruto antes de se encontrarem em sua nuca. Ele quebrou o contato, dedilhando uma trilha da nuca do outro até os cabelos louros.

— Eu sou hétero, Luci.

Os olhos tão azuis se arregalaram um pouco e ele viu Naruto afastar o notebook do meio. A mão quente desceu por sua clavícula e parou em cima de seu peito.

— Eu também. – Respondeu arredio.

Sua mão se desencostava do tecido da camisa de Corbeau quando ele o puxou para outro selar de lábios, e como se pensassem na mesma sintonia, Naruto adentrava as mãos pela camiseta de algodão azul escuro.

Os beijos e os toques passaram por fases diferentes a cada nova investida; inocentes, exploradores, úmidos e quentes. Uma das apostilas servia de travesseiro para Naruto, que tinha entre as pernas o joelho de Sasuke, pressionando o volume sem machucá-lo, entretanto. Sua própria coxa era usada para friccionar a ereção do moreno, que seguia ritmo com o desespero do beijo.

Era ávido, necessitado. E mesmo adorando cada canto que era tocado pela língua de Sasuke, Naruto se separou para sanar uma curiosidade em particular, uma pulga que estava atrás de sua orelha desde a noite passada. Esbaforido, com o rosto tingido de vermelho e as mãos apertando descaradamente as nádegas de Sasuke, ele perguntou:

— Por que “Luci”?

— É um apelido para Lúcifer. – E, vendo o espanto dele, Corbeau explicou melhor: Lúcifer era o anjo mais bonito do paraíso, Naruto.

Sem perceber, Uzumaki mordeu os lábios e reprimiu um gemido. Naquele instante, não reparou no motivo absurdo do apelido peculiar, e mesmo que a indignação começasse a crescer em suas cordas vocais, ao final ele sequer se lembrava o porquê.

— Repete. - Pediu com a voz quase sumida.

Sasuke apertou os olhos, mas fez mesmo assim:

— Lúcifer, da bíblia, lembra?

— Não. – Negou, balançando a cabeça. – Não quero saber desse apelido ridículo. Chama meu nome de novo.

—Naruto?

Os dois se olharam de novo por alguns segundos, e algo lhes atingiu de súbito. O sorriso fácil que Naruto exibia esmoreceu antes que Sasuke se levantasse para se sentar no sofá com uma postura impecável. Uzumaki se apoiou nos cotovelos, confuso, admirou a figura de Corbeau ajeitar os próprios cabelos. De alguma forma, soube que Sasuke tentava se encontrar e se por no lugar à medida que ele próprio queria buscá-lo de volta, mas não sentia tal necessidade.

Ele tratou de repor seu sorriso no lugar, antes de perguntar com ar divertido:

— Pelo menos isso quebrou a tensão, né?

— Sim. – A resposta veio tão aérea quanto o próprio Sasuke aparentava estar.

Apesar do pouco tempo e da conexão que tinham, não tinha como Luci descobrir as batalhas que Sasuke travava com suas raízes. Corbeau, entretanto, conhecia Naruto melhor que o próprio.

— Era te beijar ou te encher de porrada, para te deixar menos arrogante. – Naruto franziu o cenho, ainda mantendo o sorriso. – Mas já que você se encantou tanto com meus beijos que 'tá no mundo da lua, talvez eu deva te socar até te deformar.

— Você não conseguiria tocar em mim se eu não quisesse, Luci. – Corbeau parecia mais calmo, e isso instantaneamente dissipou os temores de Naruto. Sasuke não tinha levado a mal, continuaria a falar consigo, então. – E eu não sou arrogante.

— Uma ova que não é. – Uzumaki bufou, esperando ser retrucado.

Mas, novamente, Corbeau teimava em surpreendê-lo, e, sendo assim, Naruto esperou mais algumas semanas para que alguma de suas investidas dessem certo.

E mais semanas se passaram. E meses se passaram. Corbeau e Luci, como apelidos, rimavam mesmo se não fossem pronunciados. Naruto e Sasuke se tornavam mais que isso. Ambos significavam, um para o outro, mais do que se atreviam, mesmo até, a pensar.

Naruto odiou ser chamado de Luci por mais de um mês, por ser criado em família católica, mas não o mandou parar em instante algum. A cada vez que seu nome era proferido por Sasuke, sentia uma pontada gostosa no peito que se alastrava por seu corpo. Mesmo o apelido escroto se tornou uma forma de elogio para ele depois de algum tempo, e mesmo o francês – que Naruto sempre odiou tão arduamente – se tornou uma língua interessante, se fosse escutada na voz de Sasuke.

Em contra partida, Naruto descobriu muito mais do que gostaria, e muito pouco para conhecê-lo o suficiente. Sasuke nunca tinha ido para França, mas era fluente em francês – o que intrigou Naruto até o último fio de cabelo, e o que também Sasuke fez questão de manter em segredo. Sasuke era extremamente caseiro, e se tivesse condições financeiras para ter tudo o que o conforta a seu alcance, nunca mais sairia de casa. Mas, por alguma razão, também oculta, Sasuke viajou para vários lugares do mundo.

Naruto perguntou se viajara com a família; ele respondeu que viajava sozinho para conhecer o mundo. Então, Uzumaki perguntou a ele o que ele mais gostava nas viagens; Sasuke respondeu que odiava viajar.

Receoso, Luci perguntou se Corbeau estava ali para ficar; Corbeau não lhe respondeu nada.

Mesmo que, apesar dos pesares, estivesse num país tão afastado de onde pertencia, de onde sua família era, Sasuke não sentia vontade de partir. O gato de sua vizinha vivia entrando no apartamento e bagunçando a casa inteira – seu sofá, agora, estava arruinado pelas unhas do bichano – e seus encontros com Naruto eram quase diários. Implicavam muito, um com outro, e se protegiam de conversas alheias. Se atacavam entre si, vez ou outra, e protegiam-se dos outros, quando possível.

E mesmo com tudo isso, Sasuke não lhe contaria a verdade. Não contaria à Luci, o ser que, aos seus olhos, era o mais bonito que havia na terra, que partiria em pouco tempo. Não lhe contaria que se chamava de Corvo em homenagem ao seu irmão, ou que aprendera francês com ele, ou que se via livre de amarras – mesmo que se amarrasse a Naruto sem perceber – por obrigação e, também pelo mesmo irmão. O irmão que lhe trazia lembrancinhas sempre que voltava de uma viagem, e que o deixou muito antes de completar seu desejo de ser livre e torná-lo, Sasuke, livre. Mesmo que, para Sasuke, liberdade significasse estar preso.

Enquanto Corbeau era um espírito livre por obrigação, Luci se prendia por obrigação. Compartilhavam da mesma solidão sem pronunciar uma sílaba a respeito. Sasuke não sabia que Naruto não tinha mais para quem ir à padaria, mas sabia que ele continuava indo todos os sábados. Naruto, também, não sabia que, toda quarta-feira à tarde, enquanto estudava, Sasuke alternava entre as pesquisas de passagens aéreas e revisões de matéria.

Era uma quinta-feira de janeiro, Naruto deitava no chão e tinha a cabeça apoiada na mesma apostila de antes. Esperava Sasuke sair do banheiro, pensava no que podiam fazer aquele dia e tinha, paralelo a esse pensamento, a imagem de uma menina que se assemelhava àquela do ponto, com o sorriso tão fácil, que vira aquela manhã. A textura macia dos lábios de Sasuke massagearam os seus. Seus dedos, entrelaçados sobre sua barriga, se apertaram uns contra os outros.

Luci queria mais, mas Corbeau se afastou antes que seu corpo se acostumasse à ideia de ter Sasuke perto de si. Para sempre.

— Eu sou hétero, Corbeáu. – Zombou com o mesmo sorriso fácil no rosto.

— Estou indo embora, Luci.

O sorriso fácil e falso de Naruto se mantém, mas ele para de respirar. Algo em seu peito dói como se uma agulha, vindo de dentro, o atravessasse. Solta o ar que mantinha nos pulmões, engole em seco. Suas mãos soam frio.

— Quando?

— Agora.

Luci não consegue segurar o sorriso em seu rosto, mas não se derruba em prantos. Seria absurdo, ele sabia que Corbeau partiria no instante em que ele não respondeu sua pergunta. Não faria um escândalo, vinha secretamente se preparando para esse momento.

Ele não estava preparado.

— Certo. – Ele se senta, tenta umedecer os lábios, mas tem a impressão que sua língua também está seca.

Luci se levanta, incapaz de olhar para Corbeau e de se despedir. Ruma para a porta com o vago pensamento de gastar todo o seu último pagamento em alfajor, quando escuta seu nome:

— Naruto?

Ele vira o rosto de forma robótica, encontrando Sasuke, com seus lábios finos e seus olhos amendoados. E de repente ele vê todas as palavras que trocaram serem escritas nas paredes da sala.

— Se fala Córbu, não Corbeáu. – O moreno zomba, mas seu rosto está muito sério. Naruto sente que está tomando bronca do professor de biologia no segundo ano, e isso o faz sorrir. Sasuke não retribui o gesto. – Adeus, Luci.

— Até mais, Corbeau. – Ele responde, ainda sorrindo. Ao fechar a porta do apartamento, entretanto, lágrimas grossas rolam por seu rosto. O sorriso se mantém.

Aquela não era uma despedida definitiva, apesar das palavras de Sasuke.

Naruto desceu as escadas pensando em prisões ambulantes, e que Sasuke estava numa delas.

Luci, ao sair do prédio, encontrou o ponto de ônibus. Amaldiçoou-o até soluçar. Aquele ponto de ônibus lhe dera problemas demais para uma vida só.

No passado, lhe dera uma paixão platônica e lhe arrancara da pior forma.

Agora, lhe trazia alguém que não ficaria ao seu lado. Alguém que era seu, entretanto.

Seria sempre.


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Notas finais do capítulo

E então? Exagerei em alguma coisa, ficou bom, não ficou? Tá uma droga? ... Eu sei lá, não tenho mais o que falar aqui. HAIEUHAEIUAEH Mas sério, me falem o que vocês entenderam :DVejo vocês nos reviews?Beijos, Coeur Pirate.