I Won't Give Up escrita por Kaline Bogard


Capítulo 3
Parte 03 de 03


Notas iniciais do capítulo

Acaba aqui mais uma fic e mais uma participação no DeLiPa!

Que venha o próximo :3

Boa leitura.



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I Won't Give Up

Kaline Bogard

Parte 03 de 03

Ele pensou que estava preparado para a cena. Não estava.

A construção escolar ocupava quase todo o quarteirão e havia sido lavada pela onda. O mesmo pensamento se refletia nos homens da equipe de Suzuki e Hayato, agora reunidas com um terceiro e maior grupo de resgate. Estupefação. Incredulidade. Dor.

Todas aquelas crianças... Todas aquelas inocentes crianças...

Kagami deixou os olhos percorrerem a área frontal do Colégio, tentando tirar a aflição e a revolta de si e colocá-las de lado, para ter cabeça o suficiente para se concentrar na missão. Não era possível que ninguém houvesse sobrevivido!

Então, como uma resposta a sua prece desesperada, um dos bombeiros passou pela porta principal praticamente correndo.

— Encontramos sobreviventes! Estão presos no ginásio!!

O alerta foi como um sopro renovado de esperança que mobilizou todos os homens ali presentes. Sem perder mais tempo, alguns se apressaram; Kagami entre eles, para o interior da escola. A situação lá dentro era um reflexo de tudo o que viram até então: a onda não tivera piedade.

Saltando entulho e deslizando um pouco sobre a camada de barro, avançaram pelo corredor até a área do pátio interno e descoberto que se ligava com o ginásio. Alguns dos móveis, inclusive um armário, foram arrastados para todos os cantos, assim bloqueando as portas do local.

Como excelentes homens treinados, eles logo se organizaram para remover os obstáculos, incentivados pelos inúmeros pedidos de socorro que podiam ouvir. Pouco a pouco, conseguiram liberar a passagem. Hayato, comandante de maior patente, avançou e abriu a porta.

Cerca de trinta pares de olhos pequeninos se fixaram nele. Aqui e ali se ouviu um choro mais alto. Uma mulher de meia idade, certamente a professora, parecia tão assustada quanto os alunos.

— Estávamos na aula de Educação Física... — ela sussurrou.

Kagami espiou o ginásio. A estrutura era alta, as janelas elevadas e pequenas deram vazão a pouca água; e a estrutura reforçara oferecera a proteção perfeita! Aquelas pessoas estavam no lugar certo, na hora certa. E se salvaram.

— Por aqui, senhora. Vamos encaminhá-los a faculdade de Tohoku. Estamos reunindo os feridos leves e sobreviventes em pontos específicos para facilitar o reconhecimento e reencontro.

A professora lançou um olhar para Hayato, assim que o homem começara a falar.

— Foi tão ruim assim? — ela perguntou, sua voz traía o desconsolo.

— Temo que foi pior — Suzuki respondeu — E o pátio lá fora... nem todos tiveram tanta sorte.

Imediatamente a mulher voltou-se para seus alunos, crianças por volta dos nove anos, e deu instruções típicas dos treinamentos de terremotos, orientando que ficassem em fila e mantivessem a calma.

Assim saíram dali, as vítimas escoltadas pelos oficiais, recebendo ajuda para atravessar as dependências da escola, principalmente os menorezinhos.

Passar pela área da frente foi a parte mais difícil. Ainda que fossem jovens, aquelas crianças compreenderam a tragédia: coleguinhas do dia a dia estavam mortos. Alguns já sendo recolhidos para camburões, afinal, nada mais se podia fazer por eles.

Um dos paramédicos aproximou-se rápido, indicando que os resgatados deviam ser levados para o VSAE, que os transportaria até a praça, ponto onde os helicópteros podiam pousar com segurança.

— Por aqui — o homem ia orientando.

— Você tem alguma notícia de Aoba? — Kagami perguntou para aquele desconhecido.

Ele coçou a nuca, pensando brevemente na questão.

— Parece que o mar recuou o bastante para os VSAE e VSAT, mas a coisa ainda está bem ruim.

Suzuki, que estava por perto, prestou atenção na interação. Não era a primeira vez que ouvia Kagami perguntar sobre aquela área.

— Você conhece alguém em Aoba? — ele indagou, soando mais gentil do que em qualquer momento até então. Nascera ali, mas sua família se mudara há muito tempo atrás, quando ainda era um bebê. Não tinha nenhum vinculo pessoal com alguma vítima, a não ser a condição de ser humano. Afinal, ninguém passaria por uma tragédia dessa e sairia com a alma ilesa.

Taiga concordou com um aceno de cabeça, em dúvida se conseguiria encontrar a própria voz. Então sentiu uma mão pousar sobre seu ombro. Era Hayato.

— Vá com essas crianças até Tohoku — o comandante disse — Estão reunindo as pessoas em ambos os campus e organizando as buscas e identificações. Temos pessoas o bastante para terminar aqui.

Gratidão brilhou nos olhos de iris avermelhada e Taiga assentiu, seguindo com o novo time rumo ao VSAT, grande o bastante para levar todos em segurança, poderoso como um tanque.

Ao chegar à praça, dividiram-se em três grupos. Dois foram alojados imediatamente nos helicópteros militares que ali aguardavam. Kagami ficou com o terceiro grupo. Não precisaram esperar muito, a viagem aérea era rápida.

Pousaram no telhado da faculdade e foram encaminhados para dentro, um lugar muito mais limpo e organizado do que os outros em que passara. Como nenhum dos recém chegados estava ferido, nem mesmo levemente, receberiam ajuda no sentido de se identificar e facilitar as chances de encontrar algum parente vivo.

Kagami separou-se deles e interceptou uma enfermeira.

— Com... licença — foi logo falando — Vocês tem alguma informação sobre Aoba?

A moça ergueu os olhos da prancheta, não pareceu surpresa com as condições de Kagami, cujo uniforme estava molhado e sujo de lama. Não era algo inédito naquela tarde trágica, afinal de contas.

— Sinto muito. Temos assistentes sociais tentando organizar tudo, mas são informações de Kozuru, Nigatake, Okino... Os sistemas de comunicação estão precários e mesmo assim já sabemos de mais de dois mil mortos e três mil desaparecidos.

—... — Taiga não conseguiu dizer nada. Processar a informação foi dureza. Sentiu, mais do que tudo, que aqueles números aumentariam muito antes do pesadelo acabar. Engoliu em seco.

De alguma forma, aquele homem enorme parado a frente da enfermeira tinha um ar de desamparo tão grande naquele instante que a mulher se condoeu.

— Voluntários estão coordenando os registros no andar debaixo. Vá lá ver se eles tem algo pra você, quem sabe não terá mais sorte.

— Obrigado — respondeu por fim, obedecendo. Em seu caminho, passou por vários médicos, muitos portando braçadeiras de outros países. Só então a dimensão da catástrofe alcançou a consciência de Kagami. O Tsunami tornara-se tão violento que atraíra a atenção e compaixão over sea! Além de profissionais, via grandes fardos de mantimentos, roupas e cobertores. Solidariedade de todas as formas.

Tirou o celular do bolso e verificou o sinal. Um tracinho de nada surgira na tela, indicando que pessoas trabalhavam duro para recuperar a comunicação. Não foi o suficiente para completar ligação ou enviar uma mensagem. Desanimado, voltou a guardar o aparelho.

Alcançou o piso inferior. Era tudo caótico, com pessoas querendo informações, indo de um lado para o outro. Logo localizou um oficial fardado e rumou automaticamente até ele. Tratava-se de um homem alto, mas não tanto quanto Kagami, de rosto sério, quase soturno.

— Senhor — chamou-lhe a atenção. Notou a identificação presa ao peito, chamava-se Yusuke — Estou a disposição para sair em ação outra vez. Acabei de voltar de Nakayama. Se tiver alguma equipe indo para Aoba...

— Acabamos de enviar um grupo para lá — o homem respondeu — Mas estamos escalando homens para Shifukuji. Sua ajuda é bem vinda.

Taiga acenou concordando, um tanto surpreso com a falta de sorte! Por pouco não conseguira ir direto para Aoba. Tivera a chance de vir até o campus investigar e nada descobrira. Não podia simplesmente virar as costas para o que acontecia. Escolhera salvar vidas como profissão e fizera um juramento. Daiki tinha treinamento. Acreditava nele e não desistiria de ter esperança até o último segundo possível.

Juntou-se ao time de resgate e partiu para Shifukuji. Encontrou elementos repetidos até então: lama, entulhos, carros virados. Um barco pesqueiro interrompia uma avenida. Morte. Desorientação. Pessoas feridas. Tudo similar a Nakayama, talvez a Aoba... A toda Sendai!

Dividindo-se em duplas, conseguiram salvar um casal preso em um carro capotado e cheio de água. Um verdadeiro milagre. Encontraram um homem aprisionado sob entulhos. Resgataram um terço dos expectadores presos em um cinema. Foi o momento mais perigoso: o prédio tinha um gerador próprio e a fiação destruída oferecia risco de eletrocussão ao menor deslize.

Encontraram outro grupo que estava nas imediações prestes a encerrar as buscas por aquele dia. Escurecia rápido e logo não podiam fazer mais nada a não ser colocarem a eles mesmos em perigo. Reiniciariam novamente no dia seguinte.

Voltar para o campus da faculdade foi estranho. Taiga olhava constantemente para seu celular, em busca de algum sinal de seu amante. E não era recompensado em nenhuma vez. O abatimento aumentou quando a bateria acabou. Seu desânimo encontrava reflexo nos rostos dos homens dentro do VSAT. Não havia clima para conversa.

Caos ainda reinava no campus, agora com a luz restaurada graças ao conserto de seus geradores. Kagami foi logo em busca de informações. Soube que algumas pessoas tinham sido resgatadas com vida em Aoba e levadas para o hospital em Fukushima. Conseguiu os nomes deles: nenhum era Aomine Daiki.

Descobriu que o numero de mortos já passava de cinco mil pessoas. Os desaparecidos iam por volta de sete mil pessoas. Foi um duro baque para seu animo. Sentiu uma vertigem leve e um princípio de pânico. Aquele número somava doze mil vítimas. Aoba estava destruída...

Pensou em ir testar as linhas de telefonia fixa, tentar falar com os amigos que deixara em Tokyo. Ouvir uma voz conhecida que lhe dissesse que tudo ficaria bem. E que não fosse mentira.

Antes que conseguisse, foi abordado por uma moça, uma estrangeira que tinha uma braçadeira dos Estados Unidos da América.

— Pega — ela disse em um japonês carregado de sotaque. Estendia uma embalagem plástica com roupas e um cobertor — Policia e Bombeiros alojados lá no segundo andar. Tem vestiário e refeição. Descanse para amanhã.

— Aa — foi tudo o que Kagami conseguiu dizer.

Foi para a direção indicada; mas, ao invés de parar no segundo andar, continuou subindo até o telhado do campus, passando incógnito através do fluxo de pessoas que diminuía gradativamente até ele ser o único caminhando pelo corredor. O lugar estava escuro, pois toda a energia se desviara para pontos estratégicos onde pessoas estavam alojadas.

Ali estava silencioso. O ar abafado carregado com o cheiro do mar. Dois helicópteros permaneciam vigilantes, silenciosos depois de suas hélices bradarem por toda a tarde cumprindo a missão humanitária.

Respirou fundo.

Queria apenas um pouco de silêncio. Mas não aquele causado porque todos ao redor estão mortos. Apenas... o silêncio da solidão.

Ficou um tempo incontável ali, segurando o kit que recebera, reunindo coragem para se encontrar com os colegas de profissão, discutir os planos para amanhã. Decidiu que sairia com o time rumo a Aoba, custasse o que custasse.

Por fim, caiu em si e recuperou o bom senso. Não podia esconder-se ali daquele jeito. Ainda precisava se apresentar e se reportar ao comandante, muito provavelmente aquele mesmo homem que estivera falando no megafone a poucas horas atrás.

Poucas horas atrás?

Kagami ficou um tanto chocado ao dar-se conta de que passava pouca coisa das sete horas da noite. Chegara a Sendai apenas quatro horas atrás. Como era mesmo aquela lei da relatividade? Dez anos ao lado de Daiki pareciam ter passado como um piscar de olhos. Quatro horas sem saber se ele estava bem eram como várias eternidades de sofrimento.

Respirou fundo, tentando absorver um pouco de coragem. Muito havia a ser feito. Estava sujo de lama, tanto o uniforme úmido quanto o rosto. Precisava de um banho, comer alguma coisa. Ver se podia recarregar o celular de alguma forma. Encontrar um canto pra se jogar durante a noite para ter um mínimo de descanso, pois duvidava que conseguiria dormir um minuto que fosse, com tanta coisa em sua cabeça.

Não podia mais se esconder ali. O pânico passara, deixando apenas a tristeza.

Retomou o caminho para dentro do prédio. Conforme descia, ia encontrando com mais e mais pessoas, se deixando envolver por aquela movimentação caótica que parecia longe de acabar. Assim que chegou ao segundo andar, calculou quais as chances de encontrar com os colegas de Brigada e deduziu que eram mínimas. Eles deveriam estar espalhados por toda Sendai. Olhou de um lado para o outro, tentando decidir o próximo passo, quando sentiu um calafrio estranho.

— Taiga...?! — ouviu seu nome sendo chamado em um tom que trazia surpresa e desconfiança. E aquele timbre de voz...

Arrepiou-se ao mesmo tempo em que o sangue gelava-lhe nas veias. Lentamente girou sobre o próprio eixo. O coração ia aos saltos. E foi agradavelmente recompensado com a melhor visão que poderia ter naquele momento. Aomine Daiki. Parado no corredor de acesso entre os andares, atrapalhando o caminho sem se importar, obrigando os demais a desviarem para não colidir. Folgado como sempre. Vestindo um uniforme policial, daqueles que ele usava quando ainda era um simples oficial. Também estava sujo de lama. Mas não parecia ferido.

Kagami abriu os lábios e tentou pronunciar alguma coisa, sem que nenhum som se fizesse ouvir. Perdera a voz. O mundo saiu de foco. O barulho desapareceu. Então existia apenas os dois e mais ninguém. E era suficiente.

Vendo que o outro não sairia daquela estupefação, Daiki avançou até ele; mancava de leve evidenciando uma injuria sofrida. Ao alcançá-lo o puxou de encontro a si, abraçando-o com toda a força de que foi capaz. Taiga tentou corresponder com igual intensidade, ainda que desajeitado pela posição em que estava preso.

Tantas dúvidas surgiram em sua mente ao mesmo tempo, a ponto de não ser capaz de formular uma única frase inteira. Rendeu-se ao momento, deixando-se envolver pelo calor familiar que tanto sentira falta.

— Foi você que me salvou, Taiga — Aomine sussurrou com carinho, enquanto Kagami escondia o rosto na curva de seu pescoço e gotas quentes de lágrimas molhavam sua tez — Saí mais cedo de Aoba para comprar o seu souvinir.

A frase simples explicava muita coisa. Não tudo, claro. Mas haveria tempo para falar sobre aquilo depois. Talvez logo que Kagami engolisse aquela bola amarga que apertava sua garganta, uma mistura de felicidade, alivio e culpa. Lá fora o mundo sofrera um golpe terrível da natureza. Milhares estavam desaparecidos, outros milhares perderam a vida. Apesar disso, a pessoa mais importante para si estava bem. Sentiu-se feliz a ponto de explodir.

Contra todas as possibilidades, sua esperança tinha sido recompensava. Pois aquele tempo todo, desde que ouvira as notícias estarrecedoras, Kagami jamais desistira.

Fim


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Notas finais do capítulo

E é isso. Eu sempre quis escrever sobre o Tsunami de 2011, mas nunca tive inspiração ou um plot que me animasse, até juntar a imagem do DeLiPa6 com a imagem que o Akkira me passou.

Pesquisando por aí as informações sobre o Tsunami eu vi que as vitimas chegaram a um total de (mais de) 13.000 mortes e 16.000 desaparecidos. Então as chances desse final de conto de fadas acontecer é... tipo, mínimo! Mas de impossibilidades se fazem muitas histórias e eu entrei na barca. Não me julguem.

Por fim, as imagens que deram vida a esse texto:

Enviada pelo Akkira: http://i.imgur.com/JZrUMYR.jpg
Escolhida no DeLiPa6: http://i.imgur.com/4yFf485.png

Tentei trabalhar o tema da segunda imagem de duas formas, a inversa (quando um longo caminho parece passar rápido demais e a gente nem percebe) e a sugerida pela imagem (pouco tempo que parece se arrastar pela eternidade). Deu certo?

Se vier oportunidade faço a fic pelo POV do Aomine para explicar tudo o que aconteceu com ele!!

E é isso. Abraços e obrigada poder ler :D