Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 3
III. Mantenha-se real


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês gostem! Obrigada por tudo no capítulo dois.



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Eu me lembro perfeitamente do dia em que minha irmã, três anos mais velha que eu, recebeu seu primeiro salário. Eu devia ter doze ou treze anos naquela época, e nunca vou me esquecer de como fui arrastada para o cabeleireiro e o shopping contra minha própria vontade, muito menos do tamanho da mudança que aquele "simples passeiozinho" — como ela mesma disse — provocou não apenas na minha, mas na vida da minha família inteira.

Angelina sempre soube o que eu achava do modo como nós duas nos vestíamos, assim como eu sabia do tamanho da revolta dela em relação à isso. Desde pequena, nunca foi como se ela ou eu nos sentíssemos bem enfiadas nas camisetas fechadas e comportadas que nossa mãe nos forçava a vestir e muito menos com as saias longas e totalmente desconfortáveis como as das garotas dos lugares que frequentávamos.

Minha irmã mais velha nunca gostou do modo como nossa mãe prezava demais pelo que os "irmãos" da igreja pensariam de nós duas do que com o bem estar e auto satisfação de suas duas filhas. Eu, como sempre, jamais havia feito nada para mudar isso, mas Angelina era tão rebelde que fazia coisas inimagináveis para tirar a mãe do sério. Já perdi as contas de quantas vezes ela havia aparecido em casa com roupas curtas emprestadas das amigas da escola, trazendo alguma garrafa de bebida sabe-se lá de onde ou com uma tatuagem de henna na coxa ou na batata da perna.

Apesar de ela sempre ter tido as piores atitudes, eu diria que sempre fui a mais perseguida, já que Angelina nunca havia demonstrado ter vontade de meter a tesoura nos cabelos ou pegar "emprestado" alguma roupa do primo que morava na casa logo ao lado. Apesar de ser secretamente lésbica, Angelina sempre foi o contrário do estereótipo de uma, sendo feminina demais e estereotipada de menos. Bom... já eu, não.

Eu, ao contrário dela, nunca me senti atraída por meninas, mas ainda assim nunca gostei de ter cabelos compridos, usar roupas com babados ou acessórios nos cabelos — e era exatamente por isso que minha família achava que a lésbica da casa era eu. Uma bela estupidez, já que meu gosto por roupas não tinha absolutamente nada a ver com minha sexualidade, muito menos com minha personalidade ou algo do tipo. Morando numa casa comandada por uma mulher extremamente severa e religiosa como a minha mãe, nunca tomei nenhuma atitude para explicar como eu me sentia ou dar um jeito de parar de andar por aí do jeito que ela queria, e não eu, e era por isso que não me lembro de ter vivido bem de verdade com tudo o que escutava e via.

Ninguém nunca tentava disfarçar o incômodo quando eu, quando pequena, perguntava o motivo de ter que usar rosa ou não poder ganhar de presente de aniversário aquele tênis tão bonito ao invés da sapatilha com lacinhos. Nenhuma criança do jardim de infância deixava de dizer que eu tinha algum tipo de problema quando queria vestir a Barbie com as roupas do Ken e nem um único parente evitava perguntar aos cochichos à minha mãe, quando visitava minha casa, se eu ainda estava naquela fase de querer ser um garoto.

Só que eu nunca havia sentido a menor vontade de ser um. Por que motivo meu gosto por roupas influenciaria numa coisa dessas, e que sentido isso podia fazer na cabeça de alguém?

Angelina sempre soube e entendeu tudo o que eu sentia. Ela era a única pessoa em quem eu sempre podia confiar e contar cada coisa, explicar cada sentimento em seus mínimos detalhes e ter certeza de que minha ouvinte não diria que eu tinha algum tipo de problema sério na cabeça. Angelina era, além de minha irmã mais velha, minha única e melhor amiga, mas ainda assim eu não quis me deixar ser arrastada para o shopping naquele dia.

— Nós só vamos passear, tonta. — Lembro-me da cara emburrada dela enquanto tentava me convencer. — Vai, vamos. Vai ser divertido!

— Você pediu permissão para a mamãe? — eu perguntei relutante. — Você sabe, Lina, ela não gosta que saiamos sem avisar.

— Ora, mas é claro! — ela exclamou em resposta. — Me diga uma vez em que fiz algo sem pedir permissão a ela!

Sei que dei risada, e quando vi, nós duas já estávamos saindo de casa. Eu realmente esperava que fôssemos apenas fazer um passeio, mas Angelina me arrastou para o primeiro salão de cabeleireiro que viu pela frente. Eu fiquei sentada olhando-a cortar e cachear as pontas dos cabelos já pensando nos problemas que ela arrumaria em casa por causa disso até que, me levando até a cadeira na frente do enorme espelho, ela disse ao cabeleireiro:

— Desce a tesoura no cabelo dela.

Lembro que tanto eu quanto ele olhamos assustados para ela.

— É o quê? — eu perguntei surpresa.

— Esse cabelão enorme? — foi a vez do moço perguntar.

— Você disse que queria deixar bem curtinho, não é? Então se pronto. — Angelina me abriu um daqueles sorrisos enormes que só ela sabia dar. — Hoje eu tô podendo, então eu vou te dar um dia de princesa.

— Você é louca? Se eu apareço em casa com o cabelo cortado desse jeito, a mãe manda me exorcizar!

— E daí? Deixa ela chamar o padre, quem se importa?

— Olha, Angelina, eu me importo!

Ela apenas me olhou com uma cara desacreditada, e em seguida olhou para o cabeleireiro e disse:

— Pode cortar, ela não sabe o que diz.

O moço ficou parado sem entender nada. Parecia tão confuso quanto eu. Que diabos Angelina estava fazendo? Ela estava querendo que nossa mãe me estrangulasse, era isso? Mas que tipo de irmã ela era?

— Sua biruta! — Eu estava me erguendo da cadeira quando ela, ficando brava, empurrou meus ombros e me forçou a continuar sentada. — Angelina!

"Angelina" coisa nenhuma, menina! Eu estou tentando te deixar feliz, entende? — exclamou ela. Podia ver em seus olhos que estava doida para me dar um sacode bem no meio do salão. — Você não vive falando que não gosta do cabelo, das roupas, do caralho a quatro? Então, idiota, me escuta: eu estou te fazendo bem, porque você é a minha irmãzinha burra do coração e eu te amo. Estou cansada de ver essa sua carinha de depressão sempre que tem que se olhar no espelho, e agora que posso, tô tentando mudar isso. Olha, eu dou um jeito de convencer a mamãe de que tá tudo bem, entã—

— Tô achando o discurso muito lindo — interrompeu o cabeleireiro. — Só que, minhas lindas, eu não tenho o dia todo pra ficar esperando vocês resolverem seus probleminhas de família. Ou corta, ou não corta. — Ele olhou para mim. — E aí?

Fiquei olhando para a careca reluzente dele sem achar nada para dizer. Por dentro, já havia anos que eu estava louca para me livrar daquele cabelo enorme, morto e feio que só me fazia passar calor e gastar tempo enquanto tomava banho, mas imaginar o que minha mãe faria caso eu aparecesse sem ele em casa era totalmente aterrador.

Por outro lado, eu já estava ali, afinal. Talvez não aparecesse outra oportunidade, já que eu geralmente não ia nem ao salão nem à lugar algum sem a presença de minha mãe. Quem sabe, depois de ver que a coisa já estava feita, ela decidisse me perdoar e tudo ficasse perfeitamente bem. Com sorte, podia até abrir um espacinho no coração para deixar eu mudar um pouco o guarda-roupas, quem sabe até mesmo o da Angelina...

Eu sabia que estava me enganando, mas ainda assim a ansiedade me venceu e meus olhos brilhavam enquanto, pouco a pouco, o peso dos cabelos compridos ia deixando minha cabeça. Não senti, ao contrário do moço que os cortava, o menor arrependimento ao ver as mechas de um louro feio e ressecado caindo no chão. Passei os longos minutos olhando meu reflexo no espelho, os olhos acinzentados rodeados por olheiras e o nariz repleto de sardas compondo meu rosto que, pouco a pouco, se iluminava com o que eu via à minha frente.

— Você é tão linda, parece uma boneca — disse o cabeleireiro quando deixou meus cabelos pouco acima dos ombros. Não era o suficiente para mim. Não estava bonito assim, muito menos parecido com o que eu queria. — Eu sei que não tenho nada a ver, mas... Não faz isso, mocinha. Deixa como está, nos ombros, está tão delicado assim.

— Você quer deixar assim, Lia? — Angelina perguntou. — Olha, já vai ser um choque e tanto para a véia, mas tira mais se está com vontade.

Eu olhei para os dois pelo reflexo do espelho sem dizer coisa alguma. Eu já havia passado pela pior parte, que era desapegar de vários palmos de cabelo, e agora que isso já estava feito, não iria desistir. Já teria, provavelmente, que ficar com os ouvidos doendo de tanto escutar em casa por ter cortado quase tudo, então que fosse pelo menos de um jeito que eu gostasse.

O careca hesitou antes de realmente fazer o que eu havia pedido, mas logo eu estava do jeito que eu sempre queria. A visão era tão diferente que eu mal acreditava no que estava logo diante de mim, naquele espelho enorme e repleto de adesivos de flores aqui e ali. Estava perfeito. Eu jamais havia me sentido mais bonita. Um pouco maior de um lado, levemente raspado do outro e bastante... hm, vivo, talvez. Eu não sabia que tinha uma juba tão descontrolada e rebelde até então.

Não havia mais uma montanha de cabelo para colar na minha nuca num dia de calor, muito menos para ficar entrando na minha boca numa ventania ou enroscando em todos os lugares em que eu passava — e quem dirá para receber os amigáveis chicletes dos garotos da escola. Eu não passaria mais ódio todo dia de manhã para penteá-lo, e também não teria que sair explicando por aí que o motivo de eu ter um cabelo tão grande a possessividade da minha mãe em relação ao meu corpo. Além disso, eu estava bem daquele modo.

Eu tenho consciência do quão estranho foi, mas abracei o cabeleireiro antes de ir embora e pedi desculpas pela enrolação. Assim que saímos, eu senti que estava mesmo diferente. Tudo bem, era apenas um corte de cabelo, mas eu me sentia literalmente mais leve. O modo mais limpo como eu via o mundo se dissipou um pouco quando saí na rua e uma criança, da outra calçada, me apontou para me mostrar à mãe e falou algo que não pude entender. Aquilo, somado ao modo estranho como Angelina me olhava, me fez começar a me perguntar se eu havia sido a única pessoa a me achar bonita daquele jeito.

— Eu estou feia? — cheguei a perguntar enquanto andávamos sem rumo. — Você está me olhando de um jeito tão estranho.

— Não é isso. Está diferente. — Ela parou de andar para me olhar, colocando as mãos no quadril e me analisando com as sobrancelhas louras franzidas. — Cara, sua roupa tá uma desgraça. Não tem nada a ver com o cabelo.

Tive que olhar para baixo para me lembrar de como estava. Minha saia rosa ia até os joelhos, deixando de fora minhas pernas de palmito, e o casaco branco se parecia com algo que vemos naqueles brechós repletos de velhinhas. Realmente, se eu fosse a criança do outro lado da rua, também apontaria para mim — afinal não era comum ver uma garota de treze anos andando por aí com sidecut e roupas de uma mulher de, pelo menos, cinquenta anos a mais que ela. Não que eu realmente achasse isso impossível ou estranho.

Naquele dia, eu estava tão empolgada que me deixei levar por Angelina até o shopping, onde ela entrou comigo em muitas lojas de roupas e não reclamou uma única vez das peças que eu quis pegar. Não exagerei, já que não queria detonar o salário dela, mas admito que acabei escolhendo bastante coisa — claro que não chegava nem a ser um terço do suficiente para realmente repaginar um guarda-roupas, mas ainda assim me senti incrivelmente feliz quando saí de uma loja com algumas sacolas de roupas de garotos nas mãos e uma sensação diferente no coração.

Eu nunca havia feito compras daquele jeito. Sempre que precisava de roupas novas ou algo assim, quem saía para escolhê-las era minha mãe, assim como sempre havia sido com Angelina até ela surtar e começar a andar seminua por aí mesmo contra a vontade da mãe.

As duas viviam como cão e gato dentro de casa desde que eu me dera por gente, e esse era apenas mais um entre trilhões de motivos para eu viver tão fechada e quieta em relação ao que eu realmente queria fazer. Se qualquer pio ou olhar diferente que eu dava era razão para minha mãe começar a reclamar, o que seria de mim caso eu agisse como Angelina? Eu sempre havia sido totalmente frágil em relação à brigas, discussões e coisas assim, portanto o máximo que poderia fazer seria abaixar a cabeça e começar a chorar como um bebê de quatro anos.

Pensando nisso, eu estava começando a me arrepender do que havia acabado de fazer enquanto voltava para casa. Colocar o pé dentro dela fora um desafio e tanto. Eu não queria entrar, mas eu não podia viver para sempre do jeito que minha mãe queria. Uma hora ou outra, eu teria que abrir as asas, e aquela hora era agora.

— Quero saber agora onde vocês duas estavam — ouvi uma voz brava dizendo logo depois de Angelina abrir a porta. — Escuta aqui, Angelina, eu já estou cansada de...

Sua boca se fechou na hora em que ela apareceu no corredor e me viu. Seria tão bom se eu não tivesse uma memória tão boa para coisas tão dolorosas quanto o modo como ela me olhou naquela hora...

— Santo Deus, Polliana! — Entrando em desespero, ela levou as mãos à boca. Minha mãe era a única pessoa que, quanto mais eu pedia para não me chamar pelo nome inteiro, mais insistia em me chamar assim; mas aquilo seria a última coisa com a qual eu estaria incomodada àquela hora. — O que você pensa que fez nesse seu cabelo?!

Ela veio até a porta e me puxou para dentro, batendo a porta com força e me sentando no sofá. Já na sala, agarrou meus ombros, forçando as unhas contra a minha pele. Os olhos escuros, faiscando de irritação e raiva, passearam pelo meu rosto, cabelos e corpo sem o menor resquício de preocupação ou pena. Estava repugnada pelo que via, e não fazia o menor esforço para disfarçar isso.

— Sua doente, olha pra você, está parecendo uma delinquente! Isso é coisa de garota de família, de Deus, fazer na cabeça? — Eu podia ver que ela queria gritar, mas não o fez por não querer dizer aos vizinhos. — O que você acha que pensarão de mim agora? Como você quer que eu tenha coragem de sair na rua contigo agora, me diz!

Eu não sabia que dizer. Foi como se o meu modo diferente de ver o mundo, que eu havia acabado de adquirir, estivesse sendo despedaçado logo à minha frente. Ela era minha mãe, eu a amava tanto quanto amava à mim mesma e Angelina... E o desgosto que eu vinha lhe dando havia sido tão grande para ela até mesma se envergonhar de quem e de como eu era.

Não havia mais sinal do que eu sentira no coração horas antes, quando vira eu mesma no reflexo do espelho no salão ou do provador das lojas e ficara feliz comigo mesma. Eu só sentia que estava caindo num abismo infinito, totalmente sozinha e afundando cada vez mais, enquanto minha mãe me olhava lá de cima.

— Por que você está fazendo isso comigo? — As unhas longas seguravam meus ombros com tamanha força que eu podia sentir as marcas que ficaram ali. — Você e Angelina... Eu sou uma mãe tão boa para vocês, eu faço de tudo... E você, que eu não esperava que fosse acabar fazendo algo assim, Polliana, eu estou tão...

Angelina, tomando a frente, respondeu por mim e entrou em casa na minha frente, iniciando uma discussão. Eu ouvia, parada sem dizer nada e com lágrimas começando a escorrer pela face, as duas berrando uma com a outra e trocando argumentos que só faziam eu me arrepender cada vez mais do que havia feito. Não era aquilo que eu queria, eu só tivera vontade de ser diferente... Se eu soubesse que geraria uma discussão tão grande, jamais teria feito coisa alguma.

Por mais que eu nunca tivesse vivido num mar de flores, as palavras e os argumentos que eu ouvi minha mãe usar não se comparavam ao pior dos insultos que eu já escutara. A voz dela dizendo que eu e Angelina estávamos querendo viver em meio à pecados e atos que desagradavam a ela e à Deus, que aquilo só a faria sofrer e que não podia aguentar ver eu me transformando em alguém totalmente diferente... Não existe modo de descrever o quão doloroso era. Meu mundo se desbotava, sendo derrubado sem a menor compaixão.

Não faço ideia de por quanto tempo Angelina e ela discutiram, mas eu havia chegado à um ponto em que mal conseguia prestar atenção em qualquer coisa que dissessem até que minha mãe, antes de ir se trancar no quarto, disse:

— V-vocês duas.... eu não vou esquecer o que vocês estão fazendo com a minha vida. Eu não mereço isso, eu nunca fiz nada de errado. Vocês vão ser castigadas, eu tenho... eu tenho certeza disso. — Ela tirou os óculos para esfregar os olhos e colocou uma mecha do longo cabelo castanho atrás da orelha, se recompondo. — Não sou eu a errada dessa história, eu não vou sair prejudicada disso tudo. Vocês não vão estragar a minha vida.

Angelina continuou berrando até ela subir e nós escutarmos o barulho da porta bater.

Não demorou muitos dias para nossa vida virar de cabeça para baixo por causa do que eu havia feito nos cabelos e pelas roupas que havia comprado. Minha mãe e meu pai passaram a brigar diariamente e eles decidiram recorrer ao divórcio, ela dizendo que não ficaria mais um minuto dividindo sua casa com pessoas que apenas lhe traziam desgosto e vergonha.

Meu pai defendeu à mim e à Angelina até o último momento em que ele e mamãe discutiram. Não hesitou em dizer que suas filhas eram dezenas de vezes mais importantes que seu casamento com uma mulher como ela, e que não sabia como havia permanecido quinze anos com alguém assim. Ele, apesar de sempre andar na linha e seguir à risca os "mandamentos" da minha mãe, nunca demonstrou realmente concordar com suas regras sobre o que era e o que não era correto de se fazer. Mesmo tendo ele ao meu lado, a situação não me foi menos dolorosa no dia em que vi minha mãe deixar nossa casa para ir morar com nossa avó na capital.

Foi, depois de tudo o que aconteceu, como se todos os meus tios, primos e avós por parte de minha mãe e os vizinhos tivessem simplesmente começado a ignorar o fato de que eu, meu pai e Angelina ainda existíamos e continuávamos morando ali, no sobrado verde logo ao lado do consultório odontológico do papai. Nós esbarrávamos na rua com conhecidos e o antigo "olá, como vai?" que recebíamos se tornou um ignorar gelado, isso quando não era o balançar negativo de cabeça e o tão conhecido olhar de "como isso foi acontecer?" e "era uma família tão bonita, por que tinha de acontecer isso?".

Eu não queria que fosse assim. Eu queria, mesmo que Angelina dissesse que aquilo seria uma terrível falta de orgulho, pedir desculpas para a minha mãe e para todos e dizer o quão mal eu me sentia por tudo o que havia os feito pensar. Não queria ter feito ninguém se preocupar com o que os outros achariam ou se afastar de mim por causa do que eu havia feito, eu só queria que, mesmo estando ruim, tudo continuasse como estava antes.

— Mãe — eu disse, do portão, vendo-a sair sem dizer uma única palavra para ninguém. Estendi a mão para tocá-la no ombro. — Esquece isso, por favor. Eu deixo o cabelo crescer, não saio de casa, devolvo as roupas e convenço Angelina a parar de se envolver com o que a senhora não gosta. Só... Só me perdoa, tá bem?

Lembro do tamanho e da cor dos meus olhos naquela semana. Vermelhos de tanto chorar. Por mais que eu não quisesse, recomecei a fazer isso naquele momento. Ela me olhou com o rabo do olho enquanto eu tentava segurar os soluços e desvencilhou-se da minha mão.

— Você... não é minha filha.— Não vi uma gota de arrependimento em seus olhos enquanto, dentro de mim, eu sentia uma agulha fina perfurando meu coração. — Não me toque, pecadora imunda. Não te quero por perto. Você... me repugna.

Tudo o que já havia passado pelos meus ouvidos ressoou na minha mente no momento em que li aquele cartaz. Toda a dor que aquelas palavras me proporcionaram, todos os fragmentos em que meu coração se despedaçara, cada um dos pedaços que, por mais que eu tentasse juntar, sabia que nunca mais poderiam ser colados. Eu não queria que, em hipótese alguma, alguém sentisse aquele vazio dentro de si que eu havia tido o azar de sentir; podia ser qualquer tipo de pessoa, ruim ou boa, ninguém nunca mereceria aquilo — principalmente Alexander. Ergui meu braço para puxar o cartaz, despedaçando-o do mesmo modo que meu coração e deixando-o em partes que jamais se juntariam outra vez. Não, nós não seríamos obrigados.

Por quanto tempo você se preocupará com isso? Aparências!
Embora não seja assim
Adultos tentam egoistamente nos enganar com os seus argumentos sem sentido
Não estamos interessados nesses tipos de argumentos sem fundamento!

Os palestrantes estúpidos que aparecem nos programas de notícias
Nos criticam com suas atitudes importantes
Um fenômeno insano, este é o estado atual das coisas, e isto também é tudo nossa culpa?
Nós são seremos obrigados!

Mantenha a realidade, não tenha medo e então você se tornará honesto com seus sentimentos
Porque se há honestidade e instinto, então estamos invencíveis
Sonho e esperança, encontrando-os devemos prosseguir com firmeza, do mesmo modo que queríamos antes
Preocupados com a reputação inútil, os adultos mantém as aparências

O que ter para poder ser chamado de adulto?
Na realidade, somos apenas crianças?
Continuar firme, até o final com o meu próprio objetivo, isso é algo tão errado?
Talvez, vocês sejam crianças-adultos
Ou só pequenos loucos que não podem sequer crescer?
Não importa, qualquer que seja, eu vou finalmente dizer que a culpa de vocês terem se tornado assim é de vocês mesmos!
(Keep It Real, ONE OK ROCK)


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham curtido e continue lendo! Isso é muito importante para mim, e já estou contente só de você ter vindo até aqui