Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 2
II. Lua cheia que floresce somente à noite


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por tudo no primeiro capítulo. :)



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Não foi como se o que eu começara a sentir por Sam tivesse desaparecido depois de eu contar a ele, logo depois do beijo, que era uma garota e acabei vendo nitidamente sua cara de descontentamento e até mesmo nojo. Não é como se eu tivesse ficado bem quando, provavelmente por pena, ele começou a fazer amizade comigo, nós acabamos por nos tornar melhores amigos e o assunto do beijo foi esquecido para sempre. Também não foi como se eu tivesse tido coragem de dizer a ele, mesmo depois de um ano cada vez nos aproximando mais, tudo o que eu sentia mesmo sabendo que não devia sentir.

Sam era a única pessoa que me tratava bem o tempo todo, e quando o meu primeiro ano naquele colégio terminou, ele repetiu o segundo e nós acabamos caindo na mesma classe. Lembro-me da felicidade egoísta que senti quando isso aconteceu e até pensei que, devido à presença dele, agora ninguém mais me perturbaria, já que Sam era grandão e podia descer a mão na cara de quem quisesse. Hehe, doce ilusão.

Ele mal olhava na minha cara e eu precisava ir enchê-lo quando estava carente de companhia — coisa que sempre estou — e mesmo sabendo que ele era meu amigo, todas as pessoas que costumavam transformar minha vida escolar num inferno nem se abalaram, continuando a colar ofensas no meu armário, gritando "ei, sapatão!" sempre que me viam e me trancando no banheiro sempre que surgia a oportunidade.

Angelina sempre dizia que eu era muito mole por não fazer nada além de pedir desculpas ou ficar chorando pelos cantos quando alguém me encurralava para tirar com a minha cara ou algo assim, e eu sei que sempre fui, mesmo. Era como se algo me impedisse de revidar ou de simplesmente ignorar o que diziam, então tudo me atingia com uma força indescritível. Eu odiava tudo o que acontecia, mas nunca havia feito nada para evitar. Mesmo que eu quisesse, não havia possibilidade de eu impedir tudo, então estava convencida de que eu estava fadada a ser perturbada pelo resto da vida.

Já Sam era diferente. Ele podia andar pela escola sorrindo para as paredes, com suas calças vermelhas e óculos de armações enormes, que ninguém dizia nada. Podia, diferentemente de qualquer outra pessoa, ter uma orientação sexual distinta que ninguém movia uma palha para perturbá-lo por causa disso. Mesmo amigável e magrela, Sam era muito alto e apenas isso era o suficiente para qualquer um pensar duas vezes antes de chamá-lo de ex-integrante da Restart. Ah, não é só isso, não: ele também tinha amizade com todo mundo na escola mesmo, incluindo os caras enormes, monstrões e briguentos do time de basquete, ou seja... era como se fosse "se você preza pelo seu pescoço, não mexa com o Sam".

Como já mencionei anteriormente, eu imaginava que tudo pudesse se tornar bom quando eu entrasse no ensino médio, mas um ano inteiro se passou sem nenhuma melhora e o segundo veio pior ainda. Eu já havia começado mal, primeiramente por ainda estar apaixonada pelo amigo gay que me confundira com um garoto e "segundamente" não ter feito nada a respeito das perseguições e o bullying que eu sofria.

Ah, Liana... Esse ano promete.

Promete te ferrar de todas as formas, só se for.

O colégio estava total e estranhamente movimentado naquela manhã do início de março. Eu era quase sempre a primeira a chegar — estratégia desenvolvida para não ter que passar nos corredores entupidos de alunos e escutar "já chegou, traveco?" —, mas naquela manhã havia aparecido um pouco mais tarde e dei de cara com um monte de gente ao redor da minha sala. Pessoas cochichavam, quase todos garotos que eu não conhecia.

— Você viu aquela japonesa? — ouvi um deles dizer para o colega. -- Aquela de roupa larga e preta, fones nos ouvidos e carinha de marrenta?

— Acabei de ver — disse um outro em resposta. — Ela é muito linda!

— Que música será que ela tava ouvindo? — perguntou mais um garoto se metendo na conversa. — Eu vou lá falar com ela!

O primeiro rapaz que havia falado balançou negativamente a cabeça e revirou os olhos.

— Vai lá, iludido. Ela não abre a boca pra falar com ninguém, ignora todo mundo. É uma gata arisca, hihi! — Ele abriu um sorriso enorme enquanto duvidava do amigo, as mãos enfiadas bem no fundo do moletom de um seriado qualquer. — E eu aposto vinte reais que você não arranca uma palavra da japinha.

O outro garoto aceitou na hora o desafio. Eu não pretendia ficar parada ali até perceberem que eu ouvia a conversa, então tentei entrar na sala. Os três estavam parados na porta, obstruindo o caminho, e me olharam de cima a baixo quando pedi licença falando bem baixo.

— Bom, a japa é linda — um disse com uma sobrancelha erguida e soltou uma risada nasal em seguida. — Já certas pessoas... — E então entrou na sala.

Tentando disfarçar o desconforto pelo que havia acabado de escutar, me apressei em passar pelo espaço que ele havia deixado para trás, entrando também e dando de cara com uma aglomeração em volta de uma única mesa, a primeira da fileira mais próxima à porta. O garoto que havia atirado uma indireta muito direta na minha cara abriu caminho na reunião de pessoas, e pelo espaço, vi uma figura sentada naquela mesa.

Era uma garota bem estranha. Era pequena, talvez um pouco mais baixa que eu — o que não era novidade, já que eu era a menina mais alta da sala — e tinha um corpo com curvas que iam de muito poucas à totalmente não-desenvolvidas. O cabelo muito preto e liso caía até os ombros, adornado pelo capuz erguido da blusa também negra, assim como o restante das roupas bem largas e aparentemente não muito femininas. As únicas coisas brancas nela que identifiquei eram a pele e os fios do fone de ouvido que usava.

O rapaz da porta foi até ela e, totalmente desavergonhado, olhou para a garota com uma expressão convencida.

Bom dia — ele disse com uma voz de locutor e um sorriso que devia ter sido incrivelmente sedutor —, minha princesa oriental.

A sala ficou em silêncio, como se esperasse alguma resposta da parte dela, que só direcionou seus olhos de gato para o cara com uma expressão de "mereço" e depois voltou a encarar a tela do celular à sua frente. Logo, o cômodo foi preenchido com os risos debochados dos outros alunos. Os únicos que não riram foram, obviamente, o garoto, a japonesa e eu.

— Ora, você prefere do jeito difícil, então. — Ele se recompôs mais rápido do que todos imaginávamos e jogou a cabeça para arrumar a franja oleosa. — Tudo bem, amor, eu tenho um certo gosto por desafios.

O garoto aproximou-se da mesa dela e curvou as costas para encará-la de perto, como se quisesse ver se a faria se constranger ou algo do tipo. Ao contrário do que ele pensava, a garota ergueu o olhar e devolveu a encarada firmemente, sem hesitar, corar ou algo do tipo. Ela tinha um olhar severo; as sobrancelhas escuras estavam curvadas e os lábios, franzidos. Os dois trocaram aquele olhar até o garoto levantar a mão e ousar encostar no rosto dela, acariciando sua bochecha com os dedos.

Ela afastou-o de si na mesma hora. Levantou-se da mesa e encarou-o com um misto de nojo e raiva que doeu até mesmo em mim, que não estava nem mesmo por perto na hora. A surpresa veio assim que abriu a boca, dizendo de um modo mal humorado:

— Não encosta em mim. — A voz saiu surpreendentemente masculina, apesar de baixa e bastante jovem se comparada à dos outros rapazes que deviam ter sua mesma idade. Não tinha uma entonação afeminada ou "mole", era realmente a voz de um garoto, e uma voz suave e anormalmente bonita. Ela, ou ele, olhou para as pessoas ao redor de si com a mesma ignorância com a qual havia tratado o menino abusado que lhe tocara na face. — Puta que pariu, vão se foder todos vocês.

E então sentou-se outra vez, recolocou os fones no ouvido, revirou os olhos e bufou com uma expressão de terrível descontentamento. Eu, assim como todo mundo, fiquei extremamente surpresa. Santo Deus! Que voz era aquela? A japonesa era um garoto? Podia ser uma garota com a voz um pouquinho masculina, mas... Mas podia ser mesmo um cara, mas com um rosto, porte físico e corte de cabelos um pouco femininos. Bom, eu era tipo o inverso disso, então ele também podia estar na mesma situação que eu... Não é?

Antes de obtermos qualquer tipo de explicação plausível, a sala voltou a ficar num completo silêncio, que foi quebrado apenas quando o garoto que havia acabado de ser empurrado gaguejou alguma coisa:

— V-você... é um cara?

O japonês ou japonesa ergueu o olhar outra vez, colocou o cabelo atrás da orelha e a mão no queixo e olhou-o de cima a baixo. Um sorriso de canto de boca, irônico e maldoso, surgiu pouco a pouco em seus lábios.

— Tch. — Soltou um som debochado e ergueu uma sobrancelha, a pequena argola prateada no canto do lábio inferior reluzindo com a luz da lâmpada. — Eu sou o que você quiser, meu príncipe ocidental.

Imaginei que, no momento, ele pensou algo como "agora que já me encheu o suficiente, vou fazer esse maldito pelo menos passar um pouco de vergonha". E foi exatamente o que fez. Praticamente todo mundo que estava presente explodiu em risadas da cara dele, esquecendo por um segundo do quão estranho haviam achado o gênero do garoto de cabelos compridos, e logo arrastaram o "príncipe ocidental" para fora da sala para tirarem com a cara dele no corredor.

Eu, parada de pé só olhando para tudo, só consegui ficar com pena da situação de ambos, primeiramente do rapaz que estava agora sendo zoado no corredor e depois do japonês zoeiro. Já que o segundo estava na mesma situação que eu, a de não se parecer muito com o padrão de um cara, ele provavelmente passaria muito em breve a escutar os mesmos comentários que eu escutava — e eu não via motivo nenhum de ele merecer isso. Havia acabado de chegar e já havia passado por aquela situação terrível logo antes das aulas...

Por que as pessoas daquela escola eram tão cruéis com as diferenças umas com as outras?

Éramos todos diferentes, mas ainda assim iguais em uma coisa: éramos todos humanos, com o mesmo direito de gostar ou não de uma coisa ou outra. Eu gostava das minhas roupas, dos meus cabelos e de boa parte do que havia em mim; o garoto também devia gostar de si mesmo. Só porque nossos gostos não eram como os dos outros alunos, significava que nós merecíamos ser provocados o tempo todo e viver escutando asneiras?

Naquele dia, fui me sentar no meu lugar quase explodindo de nervosismo. Pouco depois, uma professora entrou sem entender o porquê do tumulto de minutos antes e comentou algo sobre o aluno novo, coisa que confirmou o fato de que ele era mesmo um garoto — mesmo que isso já tivesse ficado bem claro para quem escutara a voz dele. Mandou que o menino fosse se apresentar na frente da sala e, ainda que ele tivesse insistido em não fazer isso e dito que era frescura, a mulher praticamente arrastou-o para a frente da lousa.

— Diga olá, querido. — Ela sorriu com os dentes sujinhos de batom vermelho e olhou para ele por detrás das lentes dos óculos, que tinham uma armação de gatinho. Aquela professora não estava na escola havia muito tempo, portanto ainda tinha esperanças de fazer tudo funcionar de um jeito organizado e bonitinho, como nos colégios em que vemos por aí nas novelas. Eu achava isso bem corajoso da parte dela e até invejava um pouco sua ousadia. — Vamos, não temos o dia todo.

— Oi — ele murmurou com a pior má vontade do mundo inteiro. Novamente, a voz que escutei era claramente masculina. — Eu vou me sentar agora.

— Oh, não, você não vai, querido — respondeu ela. — Diga seu nome ao seus novos colegas de classe.

O garoto olhou-a com um desgosto visível, deixando claro que preferiria estar baleado no meio de uma guerra do que estar ali. Seu rosto tinha olheiras profundas e uma incrível expressão de cansaço. Não havia nada nele que fizesse eu me interessar ou algo assim, e eu reparei que ele era o total antônimo, o contrário de Sam.

Ele não iluminava o ambiente e não era vivo, colorido e de animação contagiante. Suas roupas não tinham cores vibrantes e chamativas, e ele não tinha no rosto um sorriso constante e amável. Não conversava com todo mundo e, quando abriu a boca, foi para dizer que odiava todos e debochar de alguém.

Se Sam era diurno, aquele garoto era noturno. Se Sam era o Sol, bem... Ele era a Lua.

Alexander... Hoáng — ele disse, enfatizando o sobrenome meio incompreensível que tinha e então, sem esperar resposta, voltou para o lugar onde estava sentado e ali ficou enquanto um burburinho se instalava na sala. Por algum motivo, a professora o chamou para confirmar seu sobrenome na lista de chamada porque achou que estava errado, então ele explicou alguma coisa para ela e foi se sentar.

Foi bastante curioso e desconfortável ver a mudança que Alexander provocou na sala. Praticamente ninguém prestou atenção em nada naquela primeira aula, todos insistiam em perder seu tempo encarando a nova celebridade como se fosse algum tipo de extraterrestre ou algo assim. Lembro-me de quão horrível era aquela sensação; era como se você fosse alguém à parte entre todos, como se simplesmente não devesse estar ali no momento.

— Caralho, que carinha bizarro — Sam, que estava sentado ao meu lado, pronunciou-se. Eu mal havia o visto até então, portanto me assustei um pouco. — Ele mora no Brasil, tem essa cara de japonês e nome de inglês. E esse sobrenome, é japonês mesmo? Daqui a pouco, ele começa a falar italiano... Não estou entendendo nada.

Eu me recuperei da surpresa e olhei para Sam, passando o olhar para Alexander em seguida. Copiava o que estava no quadro negro ignorando os outros alunos ao seu redor, que o cutucavam e o entupiam de perguntas constrangedoras e maldosas. Senti, por algum motivo, meu sangue subindo naquela hora.

— Alexander... não é nome de inglês, é? — falei aleatoriamente. — Ou é?

— Ah, deve ser... — Ele cruzou as mãos atrás da cabeça e relaxou o corpo encostado à parede das janelas. Estava bonito como sempre, com os cabelos presos com um lápis e sem os óculos de grau, o que fazia seus olhos castanhos e lindos parecerem um pouco menores. Lançou-me um olhar simples, mas que, como usual, me fez estremecer nos alicerces. — E você, Lia, achou o que dele?

— Nada — respondi monótona. — Mas tem um cabelo bonito. Como... o seu.

Sam abriu seu sorriso radiante e eu tenho consciência de que devo ter ficado com uma cara totalmente besta naquele momento. Valia a pena tentar atropelar minha timidez para elogiá-lo, mesmo que isso fizesse minhas bochechas esquentarem como o asfalto no sol de meio-dia quando eu o via sorrir em agradecimento.

— Ah, sua linda. — Ele balançou a cabeça em desaprovação, apertou minha bochecha e eu sorri como uma idiota em resposta. — Mas você está errada. Meu cabelo destrói o desse japinha andrógino, amor.

Eu dei risada e Sam me acompanhou. Ele era sempre muito amável e brincalhão comigo, o que me impedia de me "desapaixonar" por ele mesmo que isso fosse me fazer um bem tremendo. O que eu sentia sempre que estava perto dele era apenas uma vontade de ficar ali para sempre, aproveitando o carinho que ele me dava e me sentindo totalmente querida, algo que eu não me lembrava de já ter sentido antes. Namorar uma pessoa tão brilhante e gentil como Sam devia ser como alcançar o paraíso, mesmo, pois a companhia dele era uma das coisas que eu mais estimava no mundo inteiro.

Em todo o ano que já havia passado conhecendo Sam, ele nunca mencionara estar namorando ou já ter namorado alguém, mas sempre o via a se agarrar pelos cantos com gente que eu não conhecia. Isso acontecia pelo menos umas duas vezes por semana — pelo menos as que eu via, já que eu infelizmente não podia me grudar em Sam o tempo todo —, sempre com caras bonitos. Ultimamente, ele não andava se relacionando com muitos garotos e gastava boa parte de seu tempo perseguindo um menino briguento do primeiro ano, que se chamava Kevin e provavelmente já tinha roubado o coração do meu Solzinho.

Kevin era, de longe, a coisinha mais pequenininha, angelical e abraçável que alguém poderia ver andando pelo colégio. Eu, mesmo vendo sua usual cara de quem comeu e não gostou, imaginava que ele era bonzinho e fofo antes de quase apanhar dele umas quinze vezes. Kevin achava que eu era um garoto meio afeminado e condenava qualquer tipo de homossexualidade, mas desistiu de quebrar a minha cara assim que descobriu que eu era uma garota — é, ele batia em qualquer coisa viva, exceto garotas, mas continuava me olhando feio sempre que passava por mim. Eu vivia me perguntando o motivo de ele não ter batido ainda em Sam, já que ele não temia nem caras mais velhos ou maiores que si mesmo, mas depois de algum tempo acabei aceitando a ideia de que o garoto simplesmente havia aberto uma exceção para o jeito dele.

Apesar de eu achar que Sam gostava dele e também não achar legal o modo como aquele menino me olhava, eu simplesmente não conseguia odiá-lo ou considerá-lo meu inimigo, já que eu mesma praticamente não me incluía no grupo de "gente que pode ser que um dia fique com o Sam".

Depois de Sam e eu trocarmos algumas palavras até o fim de todas as aulas, fui embora com um peso terrível na consciência. Assim que cruzei o portão para sair da escola, vi um aglomerado de pessoas do lado de fora e pude ver, por um vão entre os alunos, que Alexander era quem estava no centro do círculo. Eu olhei para o grupo e pude escutar, levando uma pontada no coração, as perguntas incômodas e os deboches que faziam a ele. Quantas vezes eu já passara por aquilo, de me encurralarem na hora da saída apenas para poderem dizer e fazer o que quisessem sem nenhum monitor, professor ou qualquer outra pessoa para impedir?

O fato de estarem querendo destruir a vida escolar de Alexander antes mesmo de ela começar me fez morrer de raiva. Não estavam contentes apenas me perturbando? Por que tinham que olhar para ele também? Todo o mundo podia simplesmente esquecer que Alexander havia entrado na escola e continuar olhando apenas para mim, afinal era assim que sempre havia sido.

Eu não o conhecia e ele aparentava ser um chato, mas ainda assim algo dentro de mim me fez sentir uma necessidade terrível de impedir que o que havia acontecido mais cedo acabasse se repetindo. Sim, era por isso que eu devia voltar a chamar o máximo de atenção para mim, mesmo que, por dentro, eu odiasse isso. Não, eu não ia deixar que perturbassem Alexander como faziam comigo, pelo menos não enquanto eu estivesse por perto. Eu saí da frente do portão e fui até lá. Abri caminho entre os garotos, puxei Alexander por um braço e me tornei a heroína da vida dele.

Só que nunca.

Não consegui me aproximar. Para falar a verdade, eu não me movi um passo de onde estava. Eu tinha medo daqueles caras, meu egoísmo fez com que eu não pudesse nem mesmo abrir a boca para dizer uma palavra que pudesse ao menos tentar impedir que o atazanassem. Ao invés de fazer algo, eu apenas segurei firme a alça da minha mochila pendurada num ombro, fechei os olhos para não ver o que acontecia, virei as costas e fui embora covardemente.

Por outro lado, nos dias seguintes eu realmente tomei uma atitude. Eu observei Alexander atentamente a semana inteira, e sempre que eu via que alguém estava indo enchê-lo, tomava a frente e fazia com que prestassem atenção em mim e passassem a me perturbar em seu lugar. Doía passar por aquilo? Sim, doía.

Mas antes em mim do que nele.

A semana estava quase terminando quando, como de costume, eu entrei na escola mais cedo que todos os outros e passei pelo corredor dos armários. Era mais um dia pela frente para sofrer em dobro, mas estava tudo bem, porque o novato Alexander não seria quem se submeteria à tudo aquilo. Estava tudo bem se fosse eu, afinal eu já passava por isso desde... desde sempre, então não importava. Ele talvez nem mesmo conhecesse aquilo tudo, e eu precisava prezar para que continuasse assim. No corredor, passei os olhos pelos armários à procura do meu, e foi aí que eu vi aquilo.

Era o armário do Alexander. Havia, colados por ele todo, papéis com palavrões, desenhos obscenos e ofensas tão podres, sujas e sem fundamento que senti meu estômago revirar apenas de ler tudo. Apesar disso, nada me deu uma sensação tão ruim quanto ler o maior papel, onde se lia a seguinte frase em letras chamativas e vermelhas:

"Ninguém precisa de mais um traveco por aqui, então pode voltar para onde você veio, veadinho. Liana é vergonha o suficiente para o colégio e a cidade inteiros, então suma ou se mate, travesti repugnante."

Neste mundo, onde nada é o certo
Aquele que tenta mudar o que se sabe é um hipócrita
Embora possamos compreender tais ações
Os estúpidos inequivocamente devem lamber as feridas uns dos outros para entenderem

Às vezes, as pessoas ignoram coisas mundanas
Deixe-me notar
Talvez, seja algo mais simples

Do isolamento, vem o ódio
O ódio cria inimigos
Até agora, pensei que isso seria simples...

Deixe o brilho do luar sobre eles! Todos nossos erros e falhas
Como eu sinceramente poderia continuar sem falhar?
Iluminando o futuro perfeito para nos tentar
Não com neon ou postes,
Mas com uma lua perfeitamente redonda que floresce somente à noite
(Yoru Ni Shika Sakanai Mangetsu, ONE OK ROCK)


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado! E vamos fazer como no capítulo anterior e deixar de exercitar a fantasmice? Guia para comentário:
Gostou? Sim? Não?
Gostou do quê?
Não gostou do quê?
E os personagens? São legais? Ou não? De qual você gostou mais dessa vez? De qual você está com um ódio mortal?
A escrita! Acha legal? Tem erros?
E o enredo? Como você se sentiu ao ler esse capítulo?
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Peguei a tradução da música Yoru Ni Shika Sakanai Mangetsu do site Letras, então espero que não esteja errada. Por não falar japonês, fica foda traduzir da música original, então tenho que recorrer a esses sites. Pensei em traduzir de algum site norte americano, porém deixei assim mesmo.
Até a próxima!