Defeitos de Fábrica escrita por Lorena Luíza


Capítulo 1
I. Se o Sol desaparece


Notas iniciais do capítulo

Primeira história postada. Espero que vocês gostem! :D
Dedico essa história a todos os meus amigos que me suportaram sendo idiota e falando sobre essa fic durante meses, meses e meses até escrevê-la. Dedico-a, também, a todo mundo que duvidou de que eu poderia escrevê-la e conseguir fazer alguém gostar dela! Também dedico-a a todo o povo preconceituoso, seja homofóbico, racista, transfóbico ou qualquer coisa RUIM assim ♥ viver numa casa cheia de pessoas de mente vazia nunca me impediu nem vai impedir de ter meus personagens lindos e dar vida a eles!
Espero que gostem disso tudo! ♥



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Existem poucas coisas piores do que viver escutando que você é um erro, e uma dessas coisas é realmente ser um.

Liana

Com toda a certeza do mundo, eu não era a única pessoa a viver sem a aprovação de ninguém. Não era a que mais sofria por isso e muito menos a que mais escutava comentários negativos sobre o jeito de se vestir, de se comportar e muito menos de ser. Havia, espalhada em diversos cantos do mundo, uma infinidade de adolescentes apanhando dos pais, se envolvendo com drogas, álcool, crimes e coisas que nem mesmo se comparavam ao que eu chamava de "problemas", mas ainda assim eu consegui me sentir a criatura mais azarada do universo naquele dia do ano passado. E o pior é que, antes de aquilo acontecer, eu estava achando tudo o máximo e chegava a pensar que minha vida nunca estivera indo tão bem.

Começando pela parte em que eu havia acabado de entrar num período novo e geralmente conturbado da vida — o ensino médio — e diferentemente de como haviam sido o ginásio, primário e todas as outras épocas estudantis em toda minha longa e cansativa existência de dezesseis anos, ele não estava sendo um completo inferno. Isso havia sido o suficiente para me deixar bem por algum tempo, acredite, e além disso diversos fatores externos aos estudos estavam contribuindo para eu achar de verdade que minha vida realmente melhoraria dali para frente.

Apenas para ser a cereja do bolo, logo nos primeiros dias reparei que havia alguém da escola nova que me encarava gentilmente, e não com a expressão de "meu Deus, o que é aquilo?" dos olhares com os quais eu era acostumada. Por mais que eu me constrangesse, eu gostava do modo como aquele rapaz alto, sorridente e aparentemente mais velho que eu me observava. Gostava mais do que devia.

— Pode ser que ele esteja na sua, mas também pode ser que ele sorria para você por ter pena da sua posição de pobre coitada que acabou de chegar numa escola nova e não tem amigo nenhum — minha irmã disse acidamente quando eu contei a ela sobre o rapaz. — Apesar de que isso seja clichê demais para acontecer com alguém como você. Enfim, me conte mais: ele é bonito? Em que ano está? Você já sabe o nome dele?

Angelina prosseguiu me enchendo de perguntas, mas a única que pude responder foi a primeira. Ele era bonito e muito sorridente, além de parecer ser do tipo extremamente amigável. Eu sempre o via rindo pelos cantos com gente de todo tipo, incluindo funcionários da escola e até mesmo pombos (sim, eu o vi conversando com um pombo, e só para constar, invejei muito aquele bicho). Sob o meu escudo de timidez, era como se eu já me divertisse apenas vendo o quão extrovertido, divertido e engraçado ele podia ser.

Mas aí, certo dia, eu estava sentada num canto durante o intervalo na usual companhia de pessoa nenhuma e ele estava do outro lado do pátio, conversando com um povo que me olhava esquisito e ocasionalmente soltava uma risada escancarada e escandalosa de alguma coisa. Eu estava ótima apenas dando uma espiada com o rabo do olho quando, do nada, ele acabou percebendo que eu o encarava.

Voltei a sentir o choque que sempre sentia quando nossos olhares se encontravam e alguma coisa me forçou a disfarçar, mas o garoto abriu aquele sorrisão de orelha a orelha e fez um gesto estranho com a mão. Vem cá, vem. Bateu a mão de levinho ao lado do lugar onde estava sentado, os lábios se movendo numa frase convidativa que não tinha som, mas que eu podia reconhecer bem o que queria dizer. Senta aqui com a gente, senta.

No piloto automático, lembro que balancei a cabeça negativamente. O rapaz insistiu e eu repeti o gesto sorrindo muito, mas muito envergonhada. E foi aí que ele falou alguma coisa para as pessoas que estavam ali sentadas, levantou-se, bateu no próprio traseiro para limpar a calça e veio andando em minha direção. Cogitei a possibilidade de brincar de avestruz e ir enfiar a cara no buraco mais próximo, e acho que só não o fiz porque não vi nenhum buraco por ali — afinal, meu coração estava quase saindo pela boca! Como se me conhecesse há tempos e nós já fôssemos até amigos, ele se jogou no banco ao meu lado com as mãos enfiadas nos bolsos da blusa e um sorriso encantador no rosto.

— E aí — disse simples e docemente. — Primeiro ano, né? Gostando do ensino médio?

Nervosa, apenas consenti com um ou dois acenos de cabeça e um sorriso um pouco desconfortável. Com a preocupação de poder acabar dizendo algo errado, preferi ficar quieta. Ele murmurou um "hm" e torceu os lábios.

— Meu nome é Sam, eu sou do segundo. — Ele abriu um sorriso radiante. — Quer dizer, não é Sam... É Samuel, mas sabe, ninguém precisa saber disso.

Devolvi o sorriso pensando em dizer que não, que era um nome bom, mas aí ele diria que era feio sim e podia ser que uma discussão totalmente boba começasse. E foi por isso que, rindo junto a ele, fiz que não com a cabeça.

Lembro-me de que, naquele exato momento, passou na minha cabeça um trocadilho infame com o nome de Sam — Sun, já que ele iluminava qualquer lugar em que estivesse presente, quase como se fosse o próprio Sol ou algo assim. Sim, um Sol, era isso! Isso era o que ele era para mim: o único alguém capaz de estar fazendo eu me sentir viva e aquecer profundamente todos os cantos do meu coração.

— Você é bem... tímido. — O rapaz coçou a nuca e se achegou do meu lado. — Eu venho te olhando desde o começo das aulas na semana passada, e bem... Eu te acho um loirinho muito lindo mesmo.

O sorriso que eu mantinha até o momento desapareceu num piscar de olhos. Senti um rubor tomando conta do meu rosto e um nervosismo total fazendo minhas pernas e mãos começarem a tremer. Droga, não pode ser, pensei. Ele estava achando que eu era um cara.

Não, não que eu o culpasse por isso, eu sabia muito bem que me parecia com um, só que isso me deixou envergonhada e decepcionada num nível impossível de se compreender. O que estava errado era que eu estava totalmente iludida até então só pensando que, por algum motivo desconhecido, um cara bonito e aparentemente simpático como Sam havia se aproximado de mim sabendo do que eu era e sem se importar com isso. Talvez até quisesse ser meu amigo, mas não, ele tinha que achar que eu era um cara e me paquerar assim mesmo.

Não é preciso dizer que foi como se minhas esperanças de acabar começando algo com ele tivessem despencado no mesmo momento e ido parar no subsolo, e não só porque ele achava que eu era um garoto — todo mundo achava! —, era porque eu não era um, mesmo!

Eu já estava quase dizendo a ele que era uma garota quando ouvi alguém berrar seu nome. Falando que nós nos veríamos depois, Sam correu de volta ao grupo onde estava pouco tempo atrás e acenou para mim de longe.

Certo, eu não tinha certeza de nada e já sofria antecipadamente... Mas o que fazer?

Os minutos que faltavam para o intervalo acabar passaram voando, e devo ter passado as últimas aulas sem prestar atenção em praticamente nada. Normalmente, o fato de ficarem me cutucando, jogando bolinhas de papel ou me enchendo diretamente era o que mais ocupava minha mente durante as aulas, mas naquele dia somente a carinha desavergonhada do Sam preencheu meus pensamentos.

Era uma droga ele achar que eu era um cara, e eu não ter dito logo que era uma garota era uma droga maior ainda. No momento, eu não sabia se devia ter pena dele, que estava interessado numa pessoa sobre a qual não sabia nada, ou de mim, já que o meu estado ultrapassava todos os limites de confusão naquele momento. Eu estava achando até então que havia uma possibilidade, mesmo que mínima, de começar algo com Sam, e então ele vinha dizer que sou um loirinho muito lindo?

Acho que aquela foi a primeira vez em que pensei que tudo seria mais fácil se eu fosse um garoto de verdade. Não, não, é sério. Naquele dia, isso fez tão sentido que até me assustei um pouco com o pensamento. Eu nunca havia me sentido assim em relação a nada, de modo que sempre estive muito bem sendo uma garota.

Por outro lado, se eu fosse um cara, as coisas descomplicariam totalmente para mim: ninguém implicaria com minhas unhas roídas, com meus cabelos curtos, com meu corpo liso, com minhas roupas masculinas ou com a minha mania de ficar acumulando trocentos bonés e usar apenas um ou dois — sendo assim, ninguém teria um mísero motivo para me encher, teria?

Estava viajando tanto enquanto pensava nisso que nem mesmo escutei o sinal batendo. Percebi que já era hora de ir embora apenas quando os alunos ao meu redor se levantaram, então fiz o mesmo e comecei a reunir meus pertences antes de guardá-los em minha mochila.

Meu coração gelou enquanto, guardando minhas canetas no estojo, vi Sam parado na porta. Sorria, como sempre, com sua expressão encantadora. Tinha a mochila azul vibrante pendurada em apenas um ombro e estava com o cabelo médio, castanho claro e liso preso num coque mal feito que desmanchou-se antes mesmo de ele dar cinco passos, assim como a minha sanidade. Era como se, a cada centímetro que se dissipava entre Sam e eu, eu ficasse mais próxima da morte. Como diabos eu vou falar pra ele que não sou um cara?

— Sonzinho bom de escutar, huh? — Ele sorriu, se referindo ao sinal do fim da aula, e então colocou as mãos na minha mesa e me encarou. — Ah, não sei onde você mora, mas vamos fazer o caminho de volta juntos? Te acompanho até a sua rua. Não deve morar longe, né?

Eu me ergui da cadeira e abri a boca para responder a pergunta, mas nada além de ar saiu dali. Admito que a possibilidade de engrossar a voz e fingir que era um cara só para agradá-lo e me aproximar dele passou pela minha mente, mas de modo algum eu conseguiria fazer isso.

Seria péssimo se um dia fizessem algo do tipo comigo, portanto decidi não submeter Sam à algo que eu não desejava para mim mesma — mas ainda assim nem uma sequer palavra escapuliu de meus lábios. Eu havia escutado de alguém por aí que ele não gostava mesmo nem um pouquinho de meninas, então estava mesmo me sentindo desencorajada.

Depois de guardar as minhas coisas com o olhar baixo, balancei negativamente a cabeça em resposta.

— Ah, que é, cara? O gato comeu a sua língua? — Sam perguntou e deu risada. — Vai, me fala seu nome ou eu vou mesmo te dar um motivo pra você ficar quietinho.

Acho que não consegui conter a expressão estranha que tomou conta do meu rosto naquela hora. Perguntei-me preocupadamente se ele me bateria ou algo assim, já que, apesar de eu não achar Sam de modo algum uma pessoa ruim, eu não o conhecia o suficiente para saber o que exatamente era capaz de fazer.

Sam, ainda sorrindo, foi saindo da sala na frente. Parou para me esperar na porta, e eu fui receosa até lá depois de colocar minha mochila nas costas.

— Sam. — Minha voz saiu num fio. Não importava se eu me parecia fisicamente com um garoto ou não, eu simplesmente não tinha uma voz grossa e também não agia de um modo parecido com o "padrão" de um rapazinho da minha idade. — Você vai... me bater?

Ele ergueu uma sobrancelha e torceu os lábios numa careta engraçada. Deu para ver em sua expressão que havia estranhado minha voz, mas ainda assim não mostrou surpresa o suficiente para ter visto de cara que eu era uma garota por causa dela. Droga, a lentidão dele iria me forçar mesmo a ter que dizer isso?

— Ora, claro que não! — exclamou e sorriu em seguida. Senti o peso de um piano sendo tirado das minhas costas; pelo menos, apanhar eu não apanharia, mas logo o peso voltou multiplicado por três: — Farei pior que isso.

Antes que eu pudesse me surpreender, Sam me segurou pelos ombros e forçou minhas costas contra a lousa. Sem saber como reagir, arregalei os olhos enquanto via os lábios bonitos dele formando um sorrisinho maldoso. Um palavrão passou pela minha cabeça enquanto, pouco a pouco, a distância que separava nossos rostos se dissipava. Não, ele não podia estar prestes a me beijar, ele nem mesmo me co—

Minha mente ficou totalmente colorida, como ele, quando eu percebi que jamais podia duvidar do tamanho da cara de pau de Sam, o maldito Sol que teve coragem de roubar o primeiro beijo de alguém cujo nome nem mesmo sabia.

Além disso, também aprendi que jamais se deve ficar quieto quando alguém se aproxima de você achando que a sua pessoa seja uma coisa que não é (e nem pode ser), algo que com toda certeza teria evitado que tudo aquilo acontecesse e eu acabasse, feliz ou infelizmente, me apaixonando perdida e estupidamente pelo Sam.


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Notas finais do capítulo

Caso tenham gostado, por favor me digam o que acharam, adicionem aos favoritos e acompanhem! Também aceito todos os tipos de críticas construtivas. Tenho certeza de que não se arrependerão e eu ficarei muito feliz! Além disso, caso queiram me ver no Wattpad, sou a @Lorena_Luiza.
Ah, não sejam leitores fantasmas! Se você gostou e não sabe como comentar, aí vai uma dica pra saber o que dizer:
Gostou? Sim? Não?
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Não gostou do que?
E os personagens? São legais? Ou não? Qual você gostou mais? Qual você está com um ódio mortal?
A escrita? Legal? Tem erros? Se tiver, avisa? ;u;
O enredo? Como você se sentiu ao ler o capítulo?
Pronto! Ou você pode fazer do seu jeito, fica ainda mais legal! Só não seja um fantasma :c