Capítulo I - A Noite que Passou

Magnolia - 7 de dezembro de x791

Lucy submergiu na banheira, sentindo a água quente encontrar-se com cada centímetro de sua pele. Se pudesse, ficaria um bom tempo escondida ali dentro, até que sua mente clareasse e se tornasse menos confusa.

Sem opção, quando o fôlego lhe faltou, emergiu. Totalmente contrariada, encostou a cabeça na pedra fria e encarou o teto.

A maga celestial desejou por um momento que tudo que tinha acontecido na noite passada não tivesse passado de um sonho. Paradoxalmente, no instante seguinte temeu que realmente suas lembranças se tratassem apenas de uma aventura vivida durante o sono. Uma aventura maravilhosa.

Fechou os olhos. Não tinha sido um sonho. O desconforto que sentia em seu baixo ventre era bem real.

Sem desviar os olhos do forro, suspirou.

Ela sabia que aquilo acabaria acontecendo. Por mais que tenha negado a si mesma e aos outros com todas as forças. Com o mago do fogo praticamente - talvez “literalmente” fosse o termo mais adequado - morando em seu apartamento, obviamente eles acabariam chegando a tal ponto.

Ainda assim, a loira afastou esses pensamentos todas as vezes que vieram lhe atasanar, argumentando consigo mesma que o romance deles mal tinha começado para avançar de forma tão veloz. Afinal, o primeiro beijo deles tinha ocorrido não fazia nem dois meses.

Mas ali estava ela, em um tremendo conflito mental, sem saber se o que tinha acontecido era certo ou errado, ou talvez se o momento em que tinha acontecido era adequado, questionando-se como seria a relação dos dois dali em diante, temendo que, se algum dia, por uma terrível brincadeira do destino, o relacionamento deles acabasse, a amizade que cultivavam fosse definitivamente afetada.

Se a relação deles tinha avançado de forma veloz? Naquele momento ela tinha plena certeza de que tinha avançado de forma monstruosa.

A maga realmente queria poder prolongar indefinidamente seu banho reflexivo, mas decidiu que passava da hora de sair quando percebeu os dedos enrugados e que a água, antes pelando, já estava gelada a ponto de lhe causar calafrios. Resignada, levantou, torceu os cabelos, tomou a toalha e envolveu o próprio corpo, saindo da banheira.

Lucy foi se arrastando até a porta e, apenas quando colocou a mão na maçaneta, se deu conta de que Natsu ainda estava dormindo em seu quarto.

Irritada consigo mesma, bufou.

Ela não havia trazido uma mísera peça de roupa.

— Argh, Lucy!— Censurou-se, mentalmente. — Como você foi esquecer de pegar suas roupas? - Continuou o sermão.

A resposta era clara: Ela nunca fazia isso. Sair do banheiro apenas de toalha era um hábito seu, estando o dragon slayer ou qualquer outra pessoa em seu apartamento ou não.

Mas agora, ela se sentia constrangida por isso.

Desanimada, novamente suspirou.

Torcendo para que o mago ainda estivesse mergulhado em seu típico sono pesado, decidiu que sairia pé-ante-pé, pegaria uma muda de roupas e voltaria para o banheiro para se trocar. Contudo, suas expectativas foram completamente frustradas.

Tão logo abriu a porta, a garota percebeu que Natsu já havia despertado.

Estarrecida, encarou a figura que se encontrava sentada em sua cama. A visão do peito descoberto, fez com que ela prendesse o fôlego por um segundo. O lençol branco, cobria as pernas do rapaz e era a única coisa que interferia em sua nudez completa. Quando se deu conta deste fato, sentiu o rosto corar violentamente.

— Ohayo! - Ele exclamou, abrindo aquele largo sorriso que o fazia parecer uma criança e conseguia derreter a maga por inteiro.

Vê-lo sorrir de forma tão inocente fez Lucy pensar que quem estava com ela na noite anterior era outra pessoa. Isso porque, enquanto a tocava o dragon slayer mantinha uma expressão tão lasciva… muito diferente do que ela estava habituada.

— Você está bem, Lucy? - O mago perguntou, tirando-a de seu breve devaneio.

— Ahn? Como assim? - Perguntou, desconcertada, ao perceber o quanto tinha se distraído.

— Você está ficando vermelha. - Justificou ele, o semblante preocupado.

— Eu est-tou ótim-ma! - Ela gaguejou, sem graça.

— Que bom! - Exclamou, novamente animado. - Por um segundo pensei que estivesse se sentindo mal.

— Não, eu realmente estou ótima! - Reforçou, xingando-se mentalmente por ter corado.

— Então por que está vermelha? - Natsu perguntou, confuso.

— Eu não estou vermelha! - A garota retrucou irritada.

— Está sim. - Garantiu. - Está vermelha dos pés a cabeça. - Comentou, a expressão de preocupação se convertendo em pura malícia ao fazer uma triagem da silhueta feminina envolta apenas pela toalha branca. Lucy, instintivamente, se encolheu.

— Para com isso! - Pediu, em desespero, sentindo o rosto pegar fogo.

— Parar com o quê? - O dragon slayer perguntou, confuso.

— De me encarar! - Respondeu ela.

— Ah! - Exclamou Natsu, compreendendo a situação. - Isso não faz sentido. - Comentou, em seu tom inocente habitual.

— Por que não? - Indagou, irritada.

— Eu vi tudo o que tinha que ver ontem a noite. - Lembrou, virando os olhos para cima e levando o indicador a boca, como se as lembranças da noite anterior lhe ocorressem. - E também peguei, apertei…

— NATSU! - A loira gritou, quase desmaiando de constrangimento.

— Ué, mas eu fiz! - Falou, sem entender as reações da maga celestial.

— Mas não fique colocando em palavras. - Pediu. - É vergonhoso demais. - Justificou, direcionando-se ao armário e pegando suas roupas habituais.

— Ok, então. - Assentiu, levantando-se da cama.

— VISTA ALGUMA COISA!!! - Lucy berrou, virando de costas, pois o lençol que o protegia escorregou até o chão.

— Não precisa gritar! - Natsu comentou, indiferente. Lucy tensionou, ouvindo os passos dele se aproximarem. - Eu vou tomar banho. - Praticamente soprou no ouvido da garota, fazendo-a se arrepiar inteira.

Lucy amaldiçoou o modo exagerado que seu corpo reagia com qualquer gesto do mago do fogo e soltou um gritinho quando sentiu o tecido felpudo que a envolvia simplesmente desaparecer.

Apavorada, virou-se cobrindo os seios, percebendo que o dragon slayer corria para o banheiro, já enrolado em sua toalha.

— NATSU!!! - Berrou, furiosa, mas a única resposta que obteve foram as gargalhadas abafadas pela parede que os separavam. - MALDITO! - Completou, tentando deixar sua insatisfação o mais explícita possível.

Mesmo irritada, a maga celestial não perdeu tempo em colocar suas roupas. Mais depressa do que se lembrava já ter feito algum dia, vestiu-se completamente, sentando-se a beira da cama em seguida, ainda sentindo o desconforto resultante da noite anterior. Inevitavelmente, as lembranças começaram a lhe ocorrer.

Fechando os olhos, a maga quase pode reviver a sensação de ter as mãos quentes do dragon slayer passeando por seu corpo, com a indisfarçável curiosidade da primeira experiência. O modo como as presas dele arranhavam seu lóbulo; as mordidas que deu em seu pescoço; a trilha de beijos que traçou de seus lábios ao seu umbigo… A simples lembrança desses momentos deixavam seu corpo prestes a entrar novamente em combustão.

— Você tem certeza que está bem, Lucy? - Pela segunda vez naquele dia, a maga celestial foi arrancada bruscamente de seus pensamentos. Seu susto foi ainda maior pois, ao abrir os olhos, percebeu que o dragon slayer a encarava sério, tão próximo que seus narizes já estavam praticamente colados.

— Eu… Eu… - Começou, completamente atrapalhada. - Eu já mandei se vestir! - Gritou, quando viu que ele continuava apenas de toalha, esquivando-se em seguida. Definitivamente, ela precisava controlar esses momentos de distração. Agora mesmo não saberia dizer se tinha passado muito tempo viajando ou se Natsu é que tinha tomado um banho extremamente rápido.

— Hai, hai. - O mago do fogo respondeu, com certa indiferença, catando suas roupas que ainda estavam espalhadas pelo chão.

— Se demorarmos muito, Erza vai arrancar nossas cabeças! - Lucy comentou casualmente, na tentativa desesperada de arranjar um assunto que dispersasse a atmosfera constrangedora do ambiente, virando o rosto para não ver o mago se vestir.

— No máximo vai nos fazer viajar no vagão de cargas como punição, como da última vez. - O rosado respondeu despreocupadamente, enquanto afivelava o cinto.

— O que vai ser péssimo! - Disse Lucy, tremendo com a lembrança da última viagem.

— Depende. - Começou o dragon slayer, terminando de fechar a camisa. - Se estivermos sozinhos - falou, aproximando-se vagarosamente -, vai ser ótimo! - Concluiu.

Lucy chegou a recuar dois passos, mas logo sentiu a cintura ser envolvida pelas mãos mornas do companheiro de equipe e as costas baterem levemente contra a parede. Tentando manter a normalidade no tom, retrucou em debochada:

— Ah, claro. - Disse, totalmente ignorando as segundas intenções do mago. - Para eu ficar cuidando de você enquanto vomita até a alma? - Zombou, cruzando os braços. Natsu, visivelmente atingido, armou um adorável biquinho irritado, fazendo com que a jovem desse um sorrisinho de canto e arqueasse uma das sobrancelhas, vitoriosa.

— Então talvez devêssemos aproveitar que estamos sozinhos agora. - o dragon slayer tentou dar a volta por cima, falando bem próximo ao ouvido dela, pressionando ainda mais a delicada cintura.

Tentando fingir indiferença, Lucy rolou os olhos para cima. A verdade é que ela estava se perguntando quando o babaca idiota do seu companheiro de equipe tinha se tornado tão insinuante.

— Natsu! - Exclamou alarmada quando o parceiro começou a roçar a bochecha na dela. - Você sabe que a Erza não está nos seus melhores dias. - Lembrou. - E eu realmente não quero ser assassinada por uma ruiva louca espadachim! - Falou, a voz começando a falhar, pois as mãos dele começavam a subir por suas coxas.

— Ela apenas está descontando nos outros a frustração por estar a tanto tempo sem ver Mystogan. - Ele comentou, direcionado-se ao pescoço da parceira.

— O que torna as coisas muito mais perigosas. - Lucy concluiu, tentando manter o foco, tarefa extremamente difícil quando uma pessoa do sexo oposto está abocanhando sua pele. - Vamos! - Decidida, o empurrou de uma vez, caminhando em direção a porta.

Contudo, quando estava prestes a alcançar a maçaneta, sentiu um puxão no antebraço, e quando deu por si, já estava com os lábios colados aos do mago do fogo.

Mesmo contrariada, deixou-se envolver pelos movimentos que o dragon slayer fazia. Afinal, beijá-lo não era nenhum sacrifício.

— Natsu, eu estou falando sério! - Avisou, assim percebeu uma brecha, contudo soou mais como uma súplica que como uma advertência.

— Eu sei. - Ele respondeu, beijando-a novamente, de forma cálida.

Assim que se separaram, fitaram os olhos um dos outros, por longos instantes.

— Promete que não conta para ninguém? - A garota perguntou, referindo-se a noite que passaram juntos.

— Eu não entendo a sua insistência em manter a nossa relação em segredo. - Natsu desabafou, com uma pontinha de chateação.

— Eu só não quero que o pessoal da Guilda fique nos perturbando ou debochando de nós, enquanto ainda não estiver me sentindo segura. - Justificou. De fato, no último mês eles fizeram o possível e o impossível para manter o relacionamento oculto. Até mesmo cederam as chantagens de Happy, que vinha cobrando muito caro para não espalhar acidentalmente para toda a Fairy Tail sobre o beijo que flagrara. - Promete? - Insistiu.

— Prometo. - O mago do fogo concordou, puxando-a para um abraço.

Apesar da pressa, Lucy aproveitou a maravilhosa sensação te ter os braços quentes de Natsu a envolvendo. Deixando a timidez de lado, levou as mãos as costas definidas e acariciou de leve.

Naquele momento, mesmo com toda a confusão que sentia, teve a certeza que não poderia estar mais feliz.

— Acho que eu também vou começar a cobrar pelo meu silêncio. - Comunicou o dragon slayer sem soltá-la, o timbre carregado de segundas, terceiras e quartas intenções.

— Ora, vamos de uma vez! - Lucy, perdendo a paciência, o segurou pela mão e começou a puxá-lo para fora do apartamento.