Outono escrita por Makimoto


Capítulo 3
Capítulo 3 — Memórias Vivas;


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, omgg, peço perdão pela demora com o capítulo (e espero tê-los compensado tecendo ele um pouquinho maior que os outros!). Eu sou naturalmente lerda e por isso eu costumo demorar até para concretizar coisas que eu já tinha pensado, hahah, me desculpem por isso. Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer os comentários maravilhosos que eu recebi no último capítulo e o apoio que muitos de vocês, leitores, estão me dando com palavras tão gentis. Eu também gostaria de deixar um agradecimento especial para a Pamela (que me ajudou com a revisão da primeira parte do capítulo) e ao Yago (que eu nem consigo listar todas as razões porque eu vivo cutucando e incomodando ele quando preciso de ajuda hahah). Podem ter certeza que eu estou dando o melhor de mim aqui. Sem mais falação... boa leitura! ♥



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Emiko piscou exatamente três vezes quando sua mente elaborou a possibilidade de quem poderia ser a figura próxima à janela. Ela não disse nada, não fez nada, ficou ali parada como uma estátua embasbacada tentando entender se o que estava vendo era real ou apenas uma peça arquitetada por sua mente sonolenta; pois, embora a penumbra do cômodo a impedisse de ver com perfeita clareza o rosto alheio, a garota tinha certeza de sua identidade mesmo que ditassem as leis da natureza que aquele encontro era inconcebível.

Hibiki, o que você est

— Eu já te chamei três vezes e você ainda não desceu. — Exclamou uma cópia brilhante dela mesma que passou andando ao seu lado. — Nós vamos nos atrasar para a aula de novo!

— Desculpe, eu me distraí. — Respondeu a figura que outrora tanto a intrigou, relutando em desgrudar os olhos da janela. — Você já teve um pressentimento estranho, do nada, de que alguma coisa ruim vai acontecer?

— Como o que? — Indagou a garota etérea. — Você levar um fora da loirinha do segundo ano? Não seja tão dramático.

O garoto — que tinha cabelos castanhos e espetados, desalinhados de uma maneira charmosa — parecia distraído com alguma coisa do lado de fora. Não moveu um músculo. Sequer piscava. As cortinas dançavam ao redor dele, lhe conferindo uma aura quase mística. Refletia sobre coisas que, sabia, não deveria dizer à companheira. Era nítido em seu olhar que ainda haviam coisas por falar, porém ele optou por mantê-las para si e somente sorrir.

Emiko assistia o desenrolar da cena com um aperto no peito. Lembrava perfeitamente de tê-lo especialmente radiante naquela manhã, porém só naquele momento percebeu o quão triste era aquele sorriso. Sua garganta ardia e seu estômago borbulhava de nervosismo. Estava mergulhada em um transe infinito e profundo onde suas memórias mais velhas, tão antigas que ela quase não se lembrava que existiam, emergiam e se misturavam bem na sua frente.

De repente, Hibiki foi atingido por uma bola de basquete que o acertou em cheio na cabeça e arrancou-lhe uma onomatopeia de dor.

— Anda logo. — Retrucou a ruiva etérea que acenava com a cabeça. — Senão eu vou fazer questão de realizar essa sua profecia furando a sua bola novinha.

Hibiki sorriu com serenidade e covinhas se formaram em suas bochechas, concedendo-lhe um ar ainda mais jovial, ao que ele apanhou a bola no chão e começou a andar em direção à porta.

Por um momento o olhar dele se cruzou com o de Emiko, a concreta, que ainda estava parada lá observando tudo, e foi como se pudesse ver através de seu corpo estático. Aflita, ela recuou um passo. Seus dedos formigavam. Ignorando-a, entretanto, ele continuou caminhando como se não houvesse nada ali e, no exato ponto onde seus corpos colidiriam, Hibiki a atravessou. Uma onda de espasmos invadiu o corpo da ruiva, roubando-lhe o ar, e a fez cambalear com sutileza.

Sua vista esmaeceu e ela percebeu — embora não a tempo — seus sentidos se esvaindo rapidamente ao passo que tombava no chão.

————— ♣ —————

O abrupto som de batidas na porta perfurou seus ouvidos e ela abriu os olhos imediatamente. Com a visão embaçada, piscou até ser capaz de enxergar o ambiente ao seu redor e pôs a mão sobre o peito em uma tentativa débil de apaziguar seu coração acelerado. Deu-se conta de que estava no próprio quarto. Fragmentos de imagens do que vira na noite passada, no interior do quarto do final do corredor, brilharam com ardor em sua mente e ela levou a mão direita aos cabelos quando sentiu uma dor aguda na lateral da cabeça.

Apoiou os pés no chão e inclinou-se sobre os joelhos, permitindo-se puxar ar para dentro dos pulmões e expeli-lo lentamente, e esperou até que a tontura passasse. Seus olhos se voltaram para o relógio sobre o criado-mudo e ela demorou algum tempo para perceber que estava atrasada.

Mais batidas.

Emi? — A voz de sua mãe soou abafada do outro lado da porta. — Está tudo bem, querida? Você está atrasada.

Eu sei, mãe. — Respondeu com a voz mais natural possível. — Eu já vou sair.

Vou esperar você lá embaixo para tomar café.

A garota ouviu os passos se distanciarem e suspirou mais uma vez. Não conseguia esquecer sobre o que vira na noite anterior, ou achara que vira, mas a urgência de sua rotina a obrigou a afastar aqueles pensamentos por hora. Os indícios indicavam que tudo não passara de um sonho — causado, provavelmente, pelo stress da noite anterior —, mas ela tinha suas duvidas. Era real demais para ter sido apenas uma mera alucinação. Se não fosse, entretanto, significava que estava ficando louca. E nenhuma das opções parecia muito agradável.

Recompôs-se nos instantes seguintes e coçou a cabeça preguiçosamente.

Caminhou até o banheiro, localizado no corredor do lado de fora do seu quarto, e despiu-se antes de girar a chave para ligar o chuveiro e enfiar-se debaixo dele. Invadida por uma refrescante onda de alívio, a menina fechou os olhos e permitiu que a água escorresse pelo seu corpo magro — e até um pouco pálido — e lavasse todo o sentimento de confusão que tomava conta de si. Apreciava o som do líquido batendo no chão. Encostou as mãos na parede da cabine enquanto seus cabelos alaranjados se amontoavam em sua face e deslizavam pelos seus ombros.

Retornou para o quarto enrolada na toalha e prontamente vestiu o uniforme que estava pendurado na parte interna do seu guarda-roupa. Penteou os cabelos, arrumando-os em uma trança improvisada, e apanhou a bolsa que continha seu material escolar. Olhou-se no espelho uma última vez, forçando-se a sorrir do modo mais natural que conseguiu, para só então cruzar novamente a porta do quarto.

Quando finalmente se viu no corredor, os olhos de Emiko foram tragados para a porta no final dele. Fixaram-se ali por alguns segundos e ela sentiu aquela sensação ruim se apoderando de si novamente. Milhares de perguntas lhe assolaram a mente, a maioria delas sem resposta, e ela ficou ali, perdida em devaneios que faziam pouco sentido, até que a voz da mãe, chamando-a do andar de baixo, fê-la se libertar.

O que aconteceu? — Perguntou a mãe logo que a menina entrou na cozinha e se acomodou na mesa. — Perdeu a hora?

A mulher estava de frente para o fogão, com a mão segurando o cabo de uma frigideira em uso, e vestia um avental por cima das roupas. Tinha o cabelo preso em um coque e era ainda mais jovial sob a luz do sol que entrava pela janela. Estava no auge dos trinta e nove anos e se assemelhava muito à própria Emiko, principalmente na cor do cabelo, dos olhos e na envergadura corporal.

Sim. — Respondeu simplesmente. — Acabei dormindo demais. Desculpa.

Não tem problema.

Papai já saiu?

Sim.

Honoka, sem perguntar nada, aproximou-se da mesa e despejou o conteúdo da frigideira — um pedaço de peixe grelhado — dentro de um prato que estava logo a frente de da filha. Depositou também próximo a ela um punhado de arroz e Missoshiru¹. Emiko juntou as mãos em agradecimento, orando pela comida recebida, e apanhou os Hashi² para se pôr a comer.

A mãe se apoiou no encosto traseiro de uma cadeira do lado oposto ao da filha e repousou seus olhos nela, que, depois de algum tempo, começou a se sentir ligeiramente incomodada. Emiko ergueu os olhos na direção da mulher e franziu o cenho.

Algum problema?

Não, é que... — ela fez uma pausa. — Você não faz mais aquela coisa com a cenoura, aquela coisa que você... e ele...

Os olhos de Honoka se encheram de água, mas ela mexeu no nariz e pigarreou para disfarçar. Emiko percebeu. Depois de olhar para o próprio prato, se deu conta da raiz do problema.

Desculpa. — Soltou os Hashi delicadamente.

Tudo bem, eu só... — respirou fundo. — Desculpe, querida, eu... sinto falta. Sinto falta de vê-lo sentado aqui.

Eu sei mãe. — A ruiva engoliu em seco. — Eu também.

Com gestos desajeitados, a garota enfiou os dedos no Missoshiru e pegou dois cubos de cenoura. Colocou-os no prato e endireitou-os no prato, logo acima do pedaço de peixe, de modo que formassem dois pequenos olhos. O peixe era a boca que, levemente curvado, lembrava um sorriso. Seus olhos buscaram os da mãe, que observava curiosa o resultado, e notou que ela passou a sorrir com serenidade depois disso.

Alguém entrou no quarto dele ultimamente? — Emiko perguntou de repente quando sentiu que podia tocar no assunto.

Não. — A mãe, que já tinha voltado para junto do fogão, respondeu calmamente. — O seu pai tinha sugerido que eu fizesse uma faxina, só para tirar o excesso de pó, mas eu não cheguei a fazer de verdade. Por que?

Nada. — Desconversou. — Eu estou atrasada, mãe. Até mais tarde.

Terminou o café-da-manhã, endireitou a bolsa no ombro e acenou para a mãe em despedida. Caminhou até a porta da frente, que se abriu em um rangido, e foi de súbito assaltada pela luz forte do sol diretamente em seus olhos.

O jardim, outrora coberto pelo manto da noite, era naquele momento perfeitamente visível para ela. A grama verde, que se estendia como um tapete, brilhava ao ser tocada pela iluminação do astro-rei e tornava a atmosfera mais vívida. As orbes acastanhadas de Emiko percebiam uma muda de rosas crescendo em um dos cantos.

Ele adorava rosas.

— Você não acha meio maricas gostar de rosas? — Ele indagou enquanto se preparavam para sair.

— Eu acho que você tem que parar de se preocupar com o que o que você gosta ou deixa de gostar vai parecer. — Devolveu a garota.

Embebida de lembranças, Emiko atravessou aquela parte da casa, abriu o portão negro, fazendo força para desemperrar a tranca, e fechou-o atrás de si. Olhou para os dois lados da rua — um conduziria a um pequeno parque, onde ela costumava brincar quando criança, e outro desembocaria direto na movimentada avenida da escola — e optou pela direita. Apertou o passo porque sabia que tinha perdido a hora e a ideia de receber uma advertência tão cedo não era exatamente convidativa.

Era impossível não reparar na discrepância entre aquele caminho quando estava iluminado e quando não estava. Detalhes que antes passaram despercebidos — como a cor vibrante das flores em cima do muro onde ela e Hal pararam para conversar, ou as vitrines das lojas, abertas para comércio, que exibiam itens variados e chamativos — agora se destacavam com mais nitidez.

Seu olhar, todavia, era tão vago que ela sequer percebeu que já estava perto da construção escolar.

Seus pensamentos viajavam de um lado para o outro, beirando as palavras ditas por Hal e findando nas imagens confusas de Hibiki em sua cabeça. Não tinha falado sobre o último desde que voltara. Eram limites que ela não se sentia pronta para cruzar e todos os seus esforços estavam concentrados em ser capaz de manter sua rotina habitual sem sentir vontade de fugir e ir embora de novo.

"Fugir..."

Acho melhor você maneirar aí porque já está saindo fumaça das suas orelhas. — A voz masculina de Kai cortou o silêncio.

Emiko virou o rosto e deu de cara com o colega de treino. Ele estava trajando o uniforme escolar desta vez — sem o paletó, que estava amarrado na alça da bolsa à tiracolo, com a camisa social frouxa e a gravata pendurada de qualquer jeito — e sorria de modo confiante.

O que você está fazendo aqui?

Eu... estudo aqui? — Retrucou com ironia.

A sua originalidade sarcástica é uma coisa impressionante mesmo.

Também senti saudades, Kitsu. — Finalizou o rapaz com um sorriso confiante nos lábios.

Os dois cruzaram juntos os portões de entrada da Shunkashūtō e adentraram o prédio escolar principal. Haviam jovens por todos os lados, dispostos em grupos que conversavam animadamente pelos corredores, mas nenhum pareceu se importar com a presença deles, de modo que o caminho para a sala de aula — desta vez no laboratório do segundo andar — não teve nenhum obstáculo significativo.

Devido à falta de demanda, havia apenas um professor de biologia para o primeiro ano e ele comumente juntava as turmas. Esse era um dos raros momentos durante o período letivo em que os alunos de uma mesma série, pertencentes a classes distintas, tinham permissão para interagir juntos. Era, também, um dos poucos dias em que Emiko e Kai podiam conversar durante a aula já que o educador tinha que prestar atenção em mais pessoas do que habitual.

Ela pôs a bolsa sobre uma carteira no canto da classe, próxima à janela, como de costume, e o rapaz acomodou-se ao lado dela.

Ao correr os olhos pelo local, Emiko percebeu que Hal estava sentado na primeira fileira. Ele não costumava sentar muito atrás, mas estava especialmente na frente daquela vez. Como se tivesse sentido o peso do olhar dela, o garoto se virou e o olhar deles se cruzou por um momento — no que pareceu durar séculos — e, antes que se tornasse incômodo, a voz de Kai, que percebeu o que estava acontecendo, a arrancou de seus devaneios momentâneos.

Você bem podia me ceder esse lugar aí. — Murmurou ele.

E tirar de você a chance de prestar atenção nessa aula fantástica permitindo que se distraia com a paisagem do lado de fora? — Ela ergueu a sobrancelha e devolveu em um tom irônico. — Nem pensar.

Engraçadinha.

Vê como a vida não cansa de te dar motivos para me agradecer? — Ela riu em tom arteiro.

Uma garota, com longos cabelos castanhos cheios de cachos, enfiada no uniforme escolar, que parecia anormalmente apertado sobre suas curvas, aproximou-se de Kai. Ela estava sorrindo e mexia o tempo todo no cabelo.

Oi, Kai, você... Você vai fazer alguma coisa depois da aula? — Indagou ela, em tom, aos olhos de Emiko, irritantemente feliz. — Pensei que podíamos ir naquela lanchonete nova da rua de trás e comer alguma coisa.

Eu bem que gostaria. — Respondeu. — Mas eu tenho treino até tarde e eu não posso faltar senão o treinador me mata.

Antes que ela tivesse tempo de esboçar uma reação triste, Kai afirmou que ficaria feliz em adiar e que estava, de fato, louco para comer no novo estabelecimento, fazendo-a lhe dar as costas e distanciar-se com uma expressão de visível contentamento.

Ele voltou sua atenção para Emiko e percebeu que ela observava a outra garota com o cenho franzido.

O que foi?

Nada. — Retrucou levemente desconcertada. — Estava apenas aqui, pensando com os meus botões, que eu mereço uma compensação por te aguentar todos os dias e me perguntando por qual razão você nunca me levou para comer nada.

Eu só faço isso com garotas bonitas. — brincou. — Foi mal.

Kai ganhou um olhar fuzilante simultâneo à chegada do professor. Depois de cumprimentar a sala, o homem, que vestia um jaleco branco perfeitamente limpo, pediu que todos abrissem os livros na última lição dada.

————— ♣ —————

Quando o sinal tocou, anunciando o fim das aulas, a ruiva suspirou aliviada e esticou os braços para se espreguiçar. Estava cada vez mais difícil manter a atenção concentrada nos estudos, nos livros, na tarefa de enfiar na cabeça todas aquelas informações que, perante os pensamentos que habitavam sua mente na maior parte do tempo, pareciam apenas triviais. Ela sabia, porém, que precisava se esforçar para recuperar o tempo perdido nas férias que deveria ter passado estudando.

Sentia uma exaustão infundada se apoderar do seu corpo. Era quase irritante a sensação de estar exaurida sem ter feito absolutamente nada que a justificasse. Tudo ao seu redor era cansativo e cinza, sem graça, fastidioso, e era estranho pensar que ela — normalmente assolada por uma vontade constante de ir embora assim que as explicações terminavam — um dia viu graça naquele lugar.

Vamos nessa? — Kai a chamou.

Ela concordou com a cabeça, e depois de apanhar os seus pertences, saiu da sala de aula, que era mais uma vez banhada pela luz alaranjada do crepúsculo, acompanhada do rapaz cujo os olhos de Hal, ríspidos e sérios, mantinham sob vigilância sem que nenhum dos dois percebessem.

Está tudo bem? — Kai deu início a uma conversa.

Hm? — Emi parecia não ter prestado atenção.

Perguntei se está tudo bem. — Ele cutucou a cabeça dela. — Cabeça-oca.

Ah, sim, está sim. — Respondeu apática.

Você parece mais distraída que o habitual. — Insistiu. — Se estava se perguntando como eu consegui nascer tão atraente, bom, era mais fácil perguntar diretamente para mim.

Prefiro enfiar minha cabeça num formigueiro. — Tentou parecer séria, mas só para esconder o riso contrariado que ele lhe arrancou.

Ambos se encaminharam para a quadra de basquete, que, desta vez, estava bem mais iluminada que no dia anterior. O portão já estava aberto — o que significava, necessariamente, que já havia gente lá dentro — e isso, por uma razão que Emiko não foi capaz de explicar, a fez se sentir entusiasmada.

Kai esboçou um sorriso de canto.

O som escorregadio dos tênis roçando no chão, bem como o retumbar ritmado e grave da bola de basquete quicando, podiam ser ouvidos mesmo a distância. Bastou que entrassem para se depararem com uma competição acirrada entre dois times — Um com apenas um jogador e outro com dois — que disputavam a posse da bola em movimentos rápidos, precisos e extremamente técnicos. Não havia erro, nem falha, cada ato era minunciosamente primoroso.

Um apito interrompeu o embate.

Muito bom! — Berrou um homem que, após levantar-se do banco lateral da quadra, se pronunciou em um tom grave e imponente. — Vamos fazer mais uma série de passes antes do exercício do Ryūma!

O treinador — um homem visivelmente velho, todavia dono de uma envergadura atlética — só reparou na chegada dos dois que faltavam quando se afastou da linha branca que delimitava a área esportiva. Trajava um macacão azul, tinha um boné na cabeça e uma prancheta em uma das mãos. Ele se aproximou em passos apressados e balançou o braço livre repetidas vezes na direção do corredor, localizado no meio das arquibancadas, que dava no banheiro.

Vão se trocar. — E, no momento em que ambos viraram, ele chamou: — Miyamura, quero dar uma palavrinha com você.

Emiko parou e encarou-o um pouco confusa.

Kai apoiou a mão sobre o ombro dela e — em um gesto que ela não sabia dizer era como “se deu mal” ou “eu estou aqui com você” — saiu andando.

Algum problema, treinador?

Não. — Respondeu ele com um meio sorriso. — Hoje eu quero que você treine junto com os rapazes.

A garota permaneceu imóvel, como um animal empalhado, sem saber o que responder. Cogitou não ter ouvido direito. O homem, por outro lado, continuou falando.

Você tem se esforçado bastante e eu acho que já está na hora de você participar dos treinos de equipe. — Ele apontou com a cabeça a direção onde os outros integrantes do time estavam reunidos. — Vai.

Uma euforia inexplicável tomou conta dela. Desejou ouvir aquelas palavras por tanto tempo que era quase insólito ouvi-las fora de seus pensamentos. Sabia que o início seria difícil, e que provavelmente levaria muito tempo para obter maestria naquele ofício, principalmente porque sempre foi uma pessoa mais presa aos livros que aos exercícios corporais, mas, pela primeira vez em muito tempo, alguma coisa realmente a deixou profundamente feliz.

Os quatro rapazes, trajando o uniforme vermelho com detalhes em preto, se aproximaram dela.

Quem diria... Você não é tão ruim quanto parecia, princesinha. — o mais alto, Naoki, afagou de maneira brincalhona os cabelos dela — Agora eu vou poder pegar pesado com você.

Como se você fosse capaz. — Devolveu a brincadeira.

Ei, não me subestime! — Ele exclamou. — Eu não vou parar depois que você começar a chorar!

Todos os rapazes, reunidos, pareciam estar contentes com o acontecimento. Foi impossível para ela não relembrar uma cena semelhante, tempos atrás, quando o treinador anunciou que uma garota faria parte do time e a recepção não foi a mesma; pelo contrário, as nuances variavam de raiva a decepção.

Não fica aí com essa cara de idiota. — Murmurou um deles, de cabelos castanhos e pontudos, que chegavam à linha do queixo, com um sorriso eloquente. Ele era o capitão. — Não estrague tudo agora.

Kai voltou do banheiro — onde tinha ido anteriormente — a tempo de ver Ryūma e Emiko conversando de um lado e, como crianças entusiasmadas que eram, os outros dois — Naoki e Rei — tentando roubar a bola um do outro.

Tch... — ele suspirou antes de se juntar à eles.


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Notas finais do capítulo

Eu tinha imaginado escrever um capítulo inteiro só para o Kai, já que eu foquei bastante no Hal no anterior, mas, conforme expliquei para alguns leitores em particular, eu acabei engordando o início com diálogos que, a medida que eu fui escrevendo, cheguei à conclusão de que eram importantes e que faziam diferença na história. Desse modo, o Kai apareceu relativamente bastante nesse capítulo e ainda vai aparecer mais um pouquinho no próximo (já que tive que adiar uma cena super fofinha que eu pensei em pôr nesse capítulo por falta de espaço). Sintam-se livres pra comentar e me criticar (construtivamente) à vontade. ♥