Outono escrita por Makimoto


Capítulo 1
Capítulo 1 — Folhas Ruças;


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoas! Sejam-vindos à "Outono". Eu espero sinceramente que vocês gostem da história e que se sintam à vontade aqui. Eu adoraria receber críticas sobre o texto e sou super de boa com elas, hahah~ Vou deixar um pequeno glossário de alguns termos que usei durante o capítulo a título de curiosidade:

¹Shunkashūtō Gakuen :: "Escola Shunkashūtō (e Shunkashūtō é um termo que significa 'as quatro estações' porque é a junção dos kanjis das quatro estações do ano);
²Kaiten :: Termo em japonês que significa "Rotação" e é o nome da cidade fictícia onde se passa a história;
³Light or Darkness :: Joguinho genérico que inventei, hahah~
⁴Kitsu :: Antigo termo para "Kitsune", que significa raposa, e é o apelido que o Kai deu para a Emiko;
⁵Uwabaki :: Chinelos especiais, geralmente feitos de algodão, que as pessoas usam no interior de casas e escolas (japoneses não gostam de usar nesse lugares sapatos que usaram na rua);

É isso! ♡



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A garota colocou os livros sobre a carteira, a do fundo, encostada na parede, e permitiu que seus olhos viajassem através do vidro da janela e se perdessem na paisagem do lado de fora. Havia um carvalho no pátio e alguns estudantes conversavam embaixo dele, parecendo satisfeitos, enquanto outros se deslocavam para a entrada do prédio ao mesmo tempo que o toque escolar soava alto e imponente. As letras de metal na entrada, com os dizeres “Shunkashūtō Gakuen¹”, dispostas uma do lado da outra em um arco comprido, faziam sombra no chão.

Duas ou três pessoas já estavam na classe, mas nem elas notaram a presença da recém-chegada nem o contrário; com a mão apoiada no queixo e uma expressão vaga no rosto, a ruiva parecia absorta demais em seus próprios pensamentos para se importar com qualquer coisa que acontecesse ao seu redor. E, apesar de alguns cumprimentaram-na discretamente, sem dizer nada, ela apenas retribuiu com um simples aceno sem nada acrescentar.

As cadeiras foram sendo ocupadas uma a uma ao mesmo tempo em que os estudantes conversavam entre si, porém ela não demonstrava nenhum interesse em envolver-se mais profundamente em qualquer interação. Seus ouvidos captavam palavras recorrentes, mas nenhuma delas era capaz de prender-lhe a atenção. Suspirou longa e lentamente à medida que a sua vista, naquele momento voltada para o lado de dentro do aposento institucional, perdia o foco e era tomada por borrões errantes.

Emi? — indagou uma voz conhecida.

Através de um reflexo involuntário, ela virou o rosto e ergueu o olhar. Precisou de alguns segundos para se desfazer do transe no qual estava imersa, porém, logo em seguida, reconheceu com facilidade a figura familiar que estava de pé diante dela. Seus lábios imediatamente se curvaram em um sorriso simpático.

Bom dia, Hal.

Você está bem? Parece distraída... — ele ergueu a sobrancelha, curvando os lábios finos em um meio-sorriso.

Ele tinha cabelos longos, na altura do queixo, sutilmente bagunçados e charmosos. Isso entrava em contraponto com o fato de ele usar o uniforme escolar — composto de um paletó azulado, que cobria a camisa social branca, adornada por uma gravata escarlate, com calças da mesma cor — do modo mais arrumado e distinto possível. Diferente dela, que tinha um moletom de um roxo opaco por cima de sua própria farda, ele, por si só, era uma figura chamativa.

Hal era um estrangeiro mestiço, filho de uma japonesa e um britânico, e havia se mudado para Kaiten² pouco depois de ingressar no ginásio. Uma vez que viviam próximos um do outro, Emiko e o rapaz não tardaram a ficar amigos e assim o eram até o presente momento. Ele sempre fora popular entre as moças de sua idade, e até entre algumas dos anos posteriores, mas isso nunca deteve nenhuma influência sobre o moreno ou foi um problema para a outra.

Sim. — Respondeu ela, coçando o cabelo enquanto se endireitava na cadeira. — Eu só dormi pouco ontem, ainda estou um pouco lerda.

Eu sei, eu te vi online no LoD³ até umas três da manhã. — Hal ergueu a sobrancelha.

É, então, falando nisso, eu ia te perguntar se você conseguiu pegar o item que... — Porém, antes que ela pudesse concluir a frase, braços agarraram os quadris dele.

O rosto de uma garota surgiu pela lateral do braço dele. Ela era baixinha, bonita, tinha cabelos curtos e negros e estava sorrindo. Saiu de detrás dele e acenou para a ruiva sentada na carteira.

Ah, oi, Chiyoko. — Era a namorada.

Você parece cansada, Emiko. — A recém-chegada disse. Por um momento, a ruiva não conseguiu deduzir se isso era um comentário maldoso ou apenas uma observação perspicaz.

Não é nada para se preocupar.

Você está comendo direito? — Ela insistiu. — O Hal vive comendo porcaria. Ele só come direito quando eu vou na casa dele e preparo alguma coisa. Não é?

O garoto balançou a cabeça positivamente parecendo um pouco desconfortável.

Emiko repetiu que não era nada grave e os dois se afastaram, acomodando-se em carteiras no meio da classe, uma ao lado da outra, enquanto a ruiva os acompanhava com o olhar. Outros alunos foram entrando, ocupando gradualmente os lugares restantes, mas ela só conseguia olhar para ele. Suas íris claras prenderam-se no perfil do rapaz. Elas delinearam seu nariz, seu queixo quadrado e bem desenhado, como uma escultura antiga, e findaram-se ao alcançar os ombros largos e encobertos pelo paletó escolar. Repetiu o percurso pelo menos três vezes, prestando atenção no modo como a boca dele se movia quando, vez ou outra, a morena ao seu lado o cutucava para cochichar qualquer coisa.

O professor entrou na sala com uma expressão séria na face, portando uma valise negra em uma das mãos, e acomodou-se na mesa central do aposento. Não foi preciso nenhum sinal mais claro para que todos entendessem que era hora de silenciar e prestar atenção na aula. A balbúrdia foi, de maneira gradual, cessando e a quietude tomou conta do ambiente antes que o homem decidisse a se pronunciar.

Ele cumprimentou os presentes e, sem demora, começou a preencher o quadro negro com anotações. Todos abriram os cadernos numa ação quase sincronizada e puseram-se a anotar tudo, inclusive o casal alvo do olhar da ruiva, mas ela, com um semblante preguiçoso e desanimado, voltou seus olhos para a janela mais uma vez e vasculhou o perímetro externo em busca de alguma coisa mais interessante que pudesse engaiolar sua atenção.

Perdeu-se, por horas que pareceram instantes, no cair das folhas de outono, que eram um claro prelúdio do inverno que logo chegaria. Sua mente esvaziava. Apoiou o queixo na mão novamente e suspirou. As vozes dentro da classe iam se dissipando e perdendo volume a medida que ela viajava para lugar nenhum. Em movimentos apáticos, a garota permitiu-se divagar sobre cenas do último livro que lera, e o filme que assistira na noite passada, antes de adormecer no sofá, depois de sair do jogo online que vinha detendo sua atenção nos últimos dias, e sequer percebeu o tempo passar.

————— ♣ —————

O sinal tocou e ela, como quem desperta de um longo sono, espreguiçou-se e observou os colegas se levantarem e irem deixando a classe em grupos animados de conversa. Carteiras se arrastaram e o fluxo de pessoas escoou para fora sem demora. Emiko se levantou despreocupadamente e enfiou os livros dentro da bolsa de couro. Foi só naquele momento que ela se deu conta de que o sol já estava se pondo, que toda a paisagem tinha sido tingida de laranja, e que já não havia mais ninguém ao seu redor. O som do silêncio era quase reconfortante; e ela mal conseguia se lembrar desde quando tinha começado a pensar assim.

Deixou o aposento e atravessou o corredor, ignorando sumariamente os que estavam lá, recostados nas paredes ouvindo música ou conversando entre si, e marchou em direção escadas que a conduziriam ao andar de baixo. Não tinha vontade de falar com ninguém. Fazia o mínimo de esforço possível. Seus passos eram automáticos, involuntários, e ela se deixava guiar por instintos que não tinha ideia da origem.

Foi até os armários na saída da escola, retirou os Uwabaki⁵ que adornavam seus pés, depositando-os dentro de seu compartimento próprio, e tornou a calçar seus sapatos marrons. Voltou pelo mesmo caminho, mas, ao invés de subir as escadas, tomou o caminho que a conduziria à quadra esportiva nos fundos da escola. Reparou que as luzes estavam apagadas e não havia ninguém por perto; e isso foi o suficiente para fazê-la estranhar a situação.

Kitsu⁴? — Uma voz de repente cortou o ar.

Emiko virou-se para ver quem era e se deparou com um rapaz alto, levemente bronzeado, de cabelos negros como as asas de um corvo. Ele estava vestindo um uniforme de basquete vermelho e carregava uma bolsa à tiracolo. Quando o olhar dos dois se cruzou, o maior franziu o cenho parecendo não compreender a presença dela ali.

Já falei para não me chamar assim. — Retrucou, fitando-o diretamente, parecendo um pouco irritada. — Onde estão os outros? Achei que eu estivesse atrasada.

Você não leu o recado no quadro de avisos lá no pátio?

Não, eu... — Emiko estava um pouco confusa. — O que tinha lá?

O treinador cancelou hoje. — Kai informou.

Foi a vez dela de erguer a sobrancelha.

Ele não disse o motivo, mas eu aposto que foi causa do filho dele de novo. — Suspirou frustrado. — Aquele moleque vive arrumando confusão e acaba sempre sobrando para o cara limpar a sujeira.

E o que você ainda está fazendo aqui, Kai?

Eu fiquei com vontade de treinar. — O rapaz deu de ombros. — Não tenho nada para fazer em casa mesmo.

Ela o encarou, depois o portão da quadra, e por fim permitiu que seu olhar recaísse sobre o rapaz novamente.

Quer fazer algumas cestas? — Indagou ele repentinamente

Ele recebendo um aceno positivo da estudante como resposta.

Emiko dirigiu-se até o vestuário feminino, localizado nos fundos, e abriu a bolsa para procurar o uniforme. Puxou sem muito cuidado o traje avermelhado, com um enorme seis estampado na frente e atrás, e vestiu-o no lugar da farda escolar. Prendeu o cabelo num rabo-de-cavalo desleixado, com algumas mechas de tamanhos desconexos pendendo dos lados, e rumou de volta para a quadra.

Parou na entrada quando seus olhos de mel capturaram o exato momento em que Kai, posicionado no interior do Círculo Central e com os braços esticados, arremessou a bola laranja e a encestou com perfeição. As cordas presas ao aro de metal balançaram para lá e para cá com o movimento. O som da bola batendo no chão irrompeu a quietude na qual todo o local estava imerso e foi como a sirene, alta e dolorosa, arrastando-os de volta para a realidade.

Ele foi lentamente voltando à posição inicial e sequer tinha percebido que estava sendo observado. Estivera concentrado demais, imerso em um momento de reflexão profunda dentro de si mesmo, e só demonstrou ter notado a presença da outra alguns segundos depois.

Eles já eram parte do mesmo time de basquete desde o início do ano letivo há certa de um mês. E a chegada dela fora marcada por muitos conflitos. A escola tinha sido sempre quase completamente dominada por times esportivos masculinos desde a fundação, pelo menos no que se referia ao cenário competitivo, e o treinador se recusava terminantemente a recebê-la na equipe. Além de Kai — aluno do mesmo ano, mas de classe diferente da dela -—, que já conhecia por pertenceram por terem participado de algumas aulas juntos no ano presente e no anterior, Emiko nunca tinha interagido com nenhum dos outros garotos antes.

Dizem que houve uma conversa misteriosa entre o treinador e a mãe da garota. Ninguém que compunha o time sabia, de fato, o conteúdo, mas todos eles lembravam da cena em que ela, ruiva e branca, deixou a sala do homem com os olhos inchados e um sorriso no rosto. Ele, por outro lado, coçava a cabeça nitidamente contrariado. Emiko fora apresentada no dia seguinte como reserva do ala armador e a equipe se dividiu, a princípio, entre os que não se importaram com a decisão e os que não apoiaram a ideia.

O que foi? — Indagou ele, de repente, arrancando-a de seus devaneios.

Nada. — Retrucou quase automaticamente ao perceber que esteve distraída. — Vamos jogar, vai.

Ela caminhou em direção à metade esquerda da quadra, pisando sobre as linhas brancas desenhadas geometricamente no chão, até parar ao lado do garoto. Bateu de leve o ombro contra o dele, em uma brincadeira amigável, e, por um momento, seu semblante pareceu assumir um ar mais jovial. Kai lhe ofereceu a bola e ela prontamente a pegou, segurando-a entre os dedos com firmeza, e só então a ruiva voltou sua atenção para a cesta.

Estreitou os olhos, fixando seu alvo, e lentamente foi escorregando as mãos sobre a bola até posicioná-las do modo correto: uma em embaixo, perpendicular às costuras negras, com a outra apoiada na lateral para ajudar a guiar o arremesso. Havia um eco de silêncio em torno dela. Respirou fundo, concentrando-se apenas no que estava a sua frente, no que tinha que fazer naquele momento, e, num movimento atlético e rápido, a garota esticou os braços e empurrou a bola habilmente em direção à cesta partindo da Linha de Lance Livre.

Acertou.

E foi um alívio.

Nada mal. — A voz dele ressoou novamente. — Podia ter conseguido com um ângulo melhor e tudo mais, mas...

Como você é generoso. — Entortou os lábios, pressionando-os um no outro, enquanto segurava uma risadinha de canto.

O quê? — Perguntou em um falso tom de surpresa.

Vou me lembrar disso da próxima vez que você quiser companhia e eu for a sua única opção. — A garota bateu levemente no ombro dele uma vez mais.

Você podia ter ido embora se quisesse. — Ele deu de ombros em um tom sutilmente divertido. — Estou começando a achar que você é quem queria a minha companhia e eu acabei salvando a sua noite.

Aí você acorda desse seu sonho perfeito.

Ele riu discretamente e tomou a bola das mãos da ruiva em um movimento rápido. Bateu-a no chão seguidas vezes, serpenteando com os pés em direção à Linha de Três Pontos, e de lá arremessou a esfera alaranjada direto na cesta e fazendo chacoalhar as cordinhas mais uma vez. Foi seguido por ela logo depois, que tomou a bola para si e, em resposta, marcou outro ponto. Primeiro um depois o outro, e a competição informal se estendeu por quase uma hora, com o som ritmado da bola quicando no chão e quebrando a taciturnidade outrora instalada.

A lua se ergueu no céu, imponente, brilhante, e as estrelas a cercaram marcando o início do que seria uma noite fresca.

Quando havia suor o suficiente para encharcar o seu rosto, Emiko entendeu que já era a hora de dar fim à competição. Ela ergueu o braço, acenando em rendição, e arremessou a bola direto para as mãos do rapaz. O seis branco, impresso sobre o tecido fino do uniforme esportivo, delineava o corpo esguio da ruiva e crescia toda vez que ela respirava muito profundamente. A garota esfregou as costas da mão na testa, removendo dali suor remanescente, e Kai aproximou-se dela com uma corrida curta.

Até que não foi tão ruim. — ele disse. — Eu achei que você, lerda do jeito que é, ia demorar mais pra aprender a manusear a bola direito, mas, nesse ritmo, quem sabe eu até confie na sua Assistência no nosso jogo da temporada contra a Wakusei⁶.

Vou deixar você falar o que quiser de mim só porque marcou mais que eu.

Vou fingir que é só por isso. — Ele ofereceu uma risada amigável.

Ela devolveu o sorriso discretamente e acenou antes de dar as costas para ele e dirigir-se novamente ao vestuário feminino. Apanhou suas coisas e pendurou a bolsa no ombro de qualquer jeito. Caminhou em direção a saída, sob a fraca iluminação da quadra, e acenou para Kai, que ainda permaneceria lá por alguns minutos em um treino solitário, ao passo que se afastava.

Sua felicidade, ultimamente, tinha origem quase que exclusivamente no clube de basquete. Era só quando estava lá que conseguia se abster das perturbações que insistiam em ocupar sua mente. Nos efêmeros momentos em que ela segurava a bola, que seus dedos escorregavam trêmulos, porém decididos, sobre a superfície áspera da esfera, era como se todos os pensamentos ruins que a atormentavam simplesmente perdessem a importância.

Talvez agora fosse capaz de compreender o que ele tanto gostava naquele lugar.

Depois de atravessar o portão da quadra e passar ao lado dos armários de sapatos mais uma vez, a garota alcançou a verdadeira entrada da escola Shunkashūtō. Diferente de mais cedo naquele dia, onde havia luz e estudantes aqui e ali, aquele lugar parecia estranhamente solitário. Não havia mais ninguém. Podia, inclusive, ouvir grilos cantarolando distantes. Era um pouco macabro quando ela parava para pensar.

Vai acabar tropeçando se não prestar atenção.

Uma voz masculina de repente cortou o ar e Emiko se virou de súbito. Quando seus olhos ganharam foco novamente, o viu ali, parado bem na sua frente, encostado ao muro que se ligava ao portão da instituição de braços cruzados.

Hal... — Foi só o que ela conseguiu dizer.


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