Faith Hardeed: A Sina da Digna escrita por Misofonico
Sinto um par de grossas mãos segurarem meus braços atrás de minhas costas. Estou completamente indefesa e ainda atordoada com tudo que está acontecendo. Ouço risadas ao meu redor. Procuro por ajuda na sorveteria com meus olhos. Ninguém. Então dois capangas me colocam no centro do local. Um de meus olhos está doendo muito e lacrimeja.
– Você sabe por que está aqui? - Pergunta Fields se agachando e levantando meu rosto com uma das mãos - Responda! - Ele grita e ouço o eco por alguns segundos.
– Porque eu o ofendi naquela liga...
Não concluo minha fala porque ele começa a rir. Seus colegas forçam falsas gargalhadas.
– Você é tão inocente - Diz ele se aproximando de mim e comando a passar a mão por meu ombro - Não é por isso, sua vadiazinha soberba.
– Então é por...
Pof! Ele desfere um soco no meu nariz e o sinto quebrar. Um fio de sangue percorre minha depressão labial e fica preso aos meus lábios.
– Não me interrompa, sua cadela mal educada - Ele fala massageando o punho com gostas de sangue - Nós estamos aqui para mostrar para Pesadelo que não seguimos as ordens dele como aqueles imbecis sugadores de sangue - Fields agora acaricia meu rosto com seu polegar - E nada melhor para dar o recado do que devorar a filha dele após nos divertirmos com ela.
Vejo um brilho malicioso surgir em seus olhos nas últimas três palavras. Sinto meu coração desacelerar. Minha testa fica úmida contrariando meus lábios que estão secos tirando o sangue. Vou ser violentada. Nunca dei um beijo se quer em toda minha vida quanto mais...
Sem perder tempo ele aponta para dois capangas que prontamente seguram meus braços e me erguem com animação. Fields acaricia meus cabelos e em seguida abre meu macacão.
– Pare com isso, agora! - Digo em desespero tentando amedrontá-los - Ou vão se arrepender muito.
O crítico de arte arranca minha roupa e a usa para amarrar minhas pernas. Meu corpo se arrepia ao sentir o ambiente frio da sorveteria. Estou usando roupas íntimas e não quero deixar de usá-las.
– Por-Por favor, não me toque! - Gaguejo sentindo meus olhos marejarem - Eu arranjo dinheiro para vocês. Alguns clientes querem que eu restaure relíquias de grand valor...
Ele olha para o meu corpo e passa a língua pelos lábios. Em seguida esfrega as mãos freneticamente.
– Tarde demais, vaquinha!
Ele arranca meu sutiã e em seguida o cheira.
– Que tipo de psicopata você é! - Grito enquanto me sacudo e tento me libertar das mãos fortes dos homens que me seguram.
Ele se aproxima e passa os olhos por meu corpo.
– Caramba, eu não fazia ideia do quanto você era gostosa garota - Ele diz se aproximando vagarosamente - O macacão esconde muito bem suas curvas.
Vamos não diver...
Blam! A porta da sorveteria abre com agressividade. Uma silhueta entra no local e vejo um rapaz muito bonito entrar com semblante raivoso. Ele ergue a mão, a abre e em seguida a fecha com força. Gritos de agonia e dor tomam conta da sorveteria que os ecoa. O garoto se aproxima de mim, estende a mão e num segundo sinto um frio a minha volta. Olho para baixo e vejo que estou vestindo um vestido turquesa bonito com mangas largas trabalhadas em renda. Uma sensação aliviadora se instala em meu nariz e parece que ele consertou-se. O sangue parece ter evaporaro. Fields e seus capangas estão ajoelhados no chão, alguns caem enquanto continuam a agonizar.
– Vocês vão pagar com a vida por esse ato de covardia com uma dama - Diz o jovem de cabelos cacheados e castanhos arrumados num despojado topete - Que isso sirva de exemplo para todos de Leporem que tentarem o mesmo.
Ele abre a outra mão e a fecha.
– Não, por favor, meu Digno! - Implora Fields ainda atordoado e com olhos marejados.
O local se silencia e os homens que uma vez me atacaram agora estão sem vida no piso frio. Seus corpos se transformam em grandes e fortes lobos mortos.
– Venha comigo, madame - O garoto estende a mão e a seguro enquanto me levanto. Ele ergue a mão para os animais sem vida e eles evaporam no mesmo instante.
Saio de mãos dadas com ele pela porta e o ar puro da noite invade meus pulmões.
– Ai meu Deus! Cadê a Harlie? - Pergunto me lembrando de minha indefesa irmãzinha enquanto tampo a boca com as mãos tremendo.
– Infelizmente, ela foi levada para Pesadelo - Mas ainda podemos salvá-la. Conheço um atalho para o sul de Leporem e quem sabe não reunamos pégasos e unicórnios?
– O que? - Pergunto já não entendendo mais nada - Existem mais dessas criaturas e monstros?
– Sim, milhares - Ele responde dando uma risada que o faz corar - Me perdoe. Esqueci que você ainda não sabe sobre Leporem.
Estranho a última palavra.
– Ah é... Já ia me esquecendo disso - De repente ele se ajoelha e procura algo na parte interna de seu terno elegante no qual só reparo agora - Aqui está.
Ele tira uma pequena caixa de ouro e a abre revelando uma linda aliança de prata cravejada com um grande diamante.
– Faith, você aceita se casar comigo? - Ele pergunta fixando seus belos olhos azuis-escuro nos meus.
Eu fico parada por um momento o encarando. Estou alucinando? Percebo meu equívoco quando ele estala os dedos e me desperta.
– Aceita? - Ele pergunta abrindo um sorriso galanteador enquanto me dá uma piscadela.
– E-Eu não posso aceitar, garoto - Respondo ainda com um nó na cabeça - Nem te conheço. Por que eu aceitaria? Vai que você é algum monstro disfarçado e esse anel vai me fritar fornecendo uma refeição deliciosa para você?
Ele cai na gargalhada e acaba me contagiando.
– Ne perdoe novamente, Faith - Ele diz se levantando e fechando a caixinha enquanto me olha sorrindo - Mas não vejo um futuro sem você ao meu lado - O pego olhando fixamente para os meus lábios - Leporem passa por dias difícieis. O sul veio se abrigar no norte. Os lares estão mais agitados do que nunca e certos poderosos, criaturas e plantas tem desaparecido misteriosamente - Ele volta a fitar minha boca então enrusbeço e ele volta a olhar nos meus olhos - Concluindo, de acordo com uma antiga profecia você parece possuir uma sina, um destino para impedir que a escuridão se espalhe por todo o planeta.
Fico durante um minuto assimilando cada letra do que ele disse.
– E se acha que eu faria algum mal a você - Ele se aproxima do meu rosto e sinto sua respiração em minha face - Acredite, não ousaria tocar numa garota estonteante como você sem permissão.
Saio de perto dele para evitar qualquer contato. Meu coração agora está acelerado. Sinto uma pontada na barriga. Pare com isso! Vocês ainda nem se conhecem. Ele é só um amigo e pronto.
– A única forma do mal ser destruído é você aceitando meu pedido, tornando-se minha noiva - Ele torna a abrir a caixinha dourada - Se o problema é nos conhecermos podemos marcar o casamento mais para o fim do meu comando. Assim você decide se aceita ou não. Nesse momento só preciso de você ao meu lado e não penso em acelerar as coisas. E então, topa? Aceita ser Digna ao meu lado?
Ele dá outro sorriso e vejo seus olhinhos safira brilharem. Se eu ficar aqui na Califórnia continuarei com essa mesma vida. Um motivo. E a Harlie? Ela foi levada para o mundo dele então devo salvá-la. Outro motivo. E os monstros que me atacam? Ele pode destruí-los como provou na sorveteria. Mais um motivo.
– Tudo bem, eu aceito! - Digo e no mesmo segundo o rosto dele se torna pura euforia - Mas com uma condição... Ajoelhe-se novamente e me peça da maneira correta.
Ele assente e sorri enquanto se ajoelha diante de mim. Ouço o som das corujas a minha volta. Vejo a lua cheia tão bela junto as estrelas.
– Quer casar comigo, Faith? - Ele perunta segurando uma risada.
– Sim, eu quero! - Respondo e um impulso me faz beijá-lo na bochecha. Ele ruboriza e sinto que eu também.
– Bom, então vamos para lá? - Ele pergunta sem fazer drama.
– Sim! - Respondo, seguro em sua mão e ele me leva até um local afastado da movimentação da cidade. Parece um beco deserto com apenas um poste aceso. Se eu estivesse sem ele provavelmente estaria morrendo de medo. Então me pergunto. Qual o nome dele?
– Qual o seu nome? - Pergunto quebrando o momentâneo silêncio da caminhada.
– Corbin. Corbin Somehand - Ele diz enquanto esfrega as mãos com vigor. Em seguira para as abre e dentro do casulo de mãos fechadas surge uma chama. Nem ouso perguntar o motivo. - É para Malasha nos localizar... - Corbin nem termina de falar e duas esferas de fogo surgem no breu noturno. Por um momento sinto o corpo arrepiar quando um urso-pardo aparece. Seus olhos são feitos de fogo.
– Esse é Malasha. É meu fiél amigo, escudeiro e biho de estimação, como vocês dizem - O rapaz se aproxima do grandalhão e acaricia suas orelhas e focinho. Ele rola pelo asfalto fazendo-o tremer - Amigo, você precisará mudar de forma. Você não vai levar só a mim - Corbin diz se virando para mim e apontando - Ela virá conosco.
O mamífero empurra Somehand para trás e caminha em minha direção. Ele começa a rugir e seus olhos agora soltam fumaça. Meu corpo enrijece. Um bicho feroz vai me atacar e meu futoro esposo não faz nada para impedir? Malasha para diante de mim. O sinto me farejar. Ele se ergue nas duas patas parecendo bravo e ergue a pata com garras afiadíssimas para mim quando... Puf! Um alce está parado na minha frente e dá uma lambida molhada em meu rosto.
– Eca! - Sussurro enquanto seco minha face com a manga de renda do meu vestido novo.
Corbin dá uma gargalhada e o animal solta sons que se assemelham a risadinhas.
– Não foi engraçado! - Indago após Corbin me ajudar a subir em Malasha e o orientar por certo caminho.
Os olhos de fogo do alce iluminam a estrada como faróis.
– Você devia ter visto a sua cara, foi hilária! - Ele diz rindo enquanto observo as luzes das casas ao longe se apagarem - Mas para te deixar mais calma Malasha é indefeso. É como um cãozinho só que maior. Ou menor. Depende em que bicho ele se transforma.
O animal pisa em alguma coisa e quando estou prestes a cair ele se sacode e volto a minha posição inicial com os olhos arregalados de susto.
– Pode se segurar em mim se quiser, Faith - Diz Corbin tentando não soar aproveitador - Já chegamos! - Ele conclui quando Malasha para de andar e o som de seus cascos somem.
Desço da rena com a ajuda de Corbin e ele me conduz até a entrada de um local com cheiro de verde. Parque Nacional de Redwood, leio.
– O que estamos fazendo aqui? - Pergunto sem entender o que vamos aprontar no parque com a árvore mais alta do mundo.
– Tem uma brecha nas raízes da maior sequóia dessa floresta - Ele diz passando a mão pelas correntes e cadeados da entrada do local - Brechas são como portais, sabe? Vamos entrar em Leporem através dessa aqui.
– Okay. Acho que entendi! - Falo após Corbin conseguir abrir as portas do parque e me entregar um pequeno frasco verde-fluoredcente.
– Beba. É suco de homem-camaleão - Ele sussura enquanto vira o frasco na boca da rena e em seguida bebe de outro - Vai nos tornar praticamente invisíveis. Mais para transparentes, mas nessa escuridão terá o mesmo efeito. Bebo a solução e a sinto descer por minha garganta. Tem gosto de grilos e moscas. Argh! Sinto um frio descer por meu corpo e em seguida um calor subir. Estendo a mão sobre os olhos e não a enxergo. De repente sinto algo me puxar pelo braço para parque adentro. Ouço o farfalhar das árvores ao meu redor. Trinc! Olho para o portão e vejo que o mesmo agora está trancado.
– Vamos? A brecha está na sequóia mais alta - Ele sussura e o acompanho por seus vislumbres causados pela luz da Lua.
Observo que ao seu lado tem um animal menor do que a rena. Logo penso que Mashala deve ter mudado de aparência novamente. Finalmente chegamos ao nosso destino. O som de nossos passos param.
– Agora entre por essas raízes com toda força de vontade que conseguir reunir - Ele sussurra mais uma vez e consigo enxergá-lo entrando na árvore como alguém passa por uma porta aberta.
Uma doninha invisível entra em seguida e fico somente eu. O vento frio da noite bate em meu rosto agitando meus cabelos. Olho para trás vislumbrando minha amada cidade e respiro fundo. Você consegue! Eu quero passar por essa brecha para entrar em Leporem! Eu quero, eu consigo e eu vou digo para mim mesma. Fecho os olhos mais uma vez e atravessou as raízes sentindo meu cérebro rodar como um pião maluco.
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