Double Betrayal escrita por MelanieSofie


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bem, é a minha primeira história de uma relação entre duas mulheres. Estou ansiosa por saber a vossa opinião.
P.s: Qualquer problema de linguagem deve-se ao facto de eu ser portuguesa e a adaptação têm com certeza erros. Os de ortografia bem, eu sou totó mesmo.



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Algures em Lisboa, Junho de 2015

Lisboa cheirava a morte. Tudo morria nessa cidade, toda a música desaparecia no ruído dos carros, todas as árvores apodreciam com o ar, todas as pessoas adoeciam com essa terra. Mas isso não interessava muito, pelo menos não para um garota sentada num dos milhares de parapeitos que existem.

Não tinha nada de especial, ninguém é especial nessa cidade, apenas apertava o indicador contra os lábios enquanto olhava para um dos arbustos. Tinha-se queimado num dos ferros da sua janela, quando apoiara a mão nele, nada naquele sítio fazia muito sentido. Mas nada além disso se destacava, nada nos seus pensamentos, nada no seu olhar, era uma mera garota que provavelmente não tinha melhor que fazer. Pelo menos era assim que eu a via. Não consigo especificar quando verdadeiramente comecei a me interessar por ela, pois, era excessivamente revoltada e preconceituosa, sem falar na forma terrível como ria. As pessoas a tratavam por Elizabete.

Ela tinha um daqueles risos horríveis, capazes de fazer todas as pessoas à volta parar de rir. Ou pelo menos era assim que eu o sentia. Os seus olhos se desviara do arbusto, que era como qualquer outro arbusto à beira da morte, para uma das camas do quarto. Não era um sítio muito bonito, o metal começa a enferrujar e os lençóis tinham pequenas manchas amareladas devido à velhice, mas isso não parecia interessar. Na verdade, nada lhe parecia interessar. O seu olhar incidia, nomeadamente, numa camisa vermelha com folhos. Não era bonita, nem era horrível, mas sim, de uma mediocridade aceitável à vista, no entanto, ela não parecia satisfeita. Dentro dela decorria uma verdadeira revolução envolta de um problema tão estúpido que me custa o expor. Mas sinto-me no dever de o fazer, ela se indagava sobre o motivo pelo qual existiam folhos, isto é, não compreendia porque haveriam de gastar camadas extras de tecido numa camisa para o verão, sendo que isso apenas a se faria sentir mais sufocada pelo calor. Analisando um pouco mais friamente, talvez não seja tão estúpido assim, no entanto, contrariada ela acabou por a vestir.

Os motivos, que a levaram a tomar tal decisão apesar do armário cheio de roupa bem menos quente e sem folhos, são me completamente alheiros, ela se limitou a colocar a camisa sobre o corpo e a abandonar o quarto. Não era uma casa suja, as paredes tinham sido pintadas à poucos meses e toda a umidade do tecto tinha desaparecido, mas tinha o mesmo cheiro que existia na rua. Aquele cheiro que não é exatamente podre, mas que parece que alguma coisa está errada, mesmo sem se saber muito bem o quê. Talvez cheire a saudade, do quê não tenho bem a certeza.

Lisboa é uma daquelas cidades que está permanentemente a chorar, mas são lágrima muito secas, pois, se fossem verdadeiramente úmidas as ruas estariam bem mais limpas e a vegetação bem mais verde. Mas o lixo não incomodava Elizabete, ela pisava toda a chiclete, toda a lata vazia e todos os sacos de plástico, como se eles fizessem parte da calçada. Na verdade, para um verdadeiro lisboeta, uma cidade sem lixo não têm alma.

O seu rosto carregava uma expressão incompreensível, talvez uma mistura entre determinação e profunda irritação, ou apenas revolta. Era difícil de saber muito bem o que ela sentia, ela tinha um daqueles olhos que por vezes pareciam não ter nada para dizer, no entanto, em outros pareciam que tinham um mundo inteiro por contar, no entanto nem um ruído saia daqueles lábios finíssimos. Talvez a sua expressão se devesse ao tempo, escorriam-lhe praticamente gotas de suor pelos cabelos castanhos e o seu nariz, ligeiramente arrebitado, encontrava-se num tom bastante avermelhado graças aos grãos de pólen que circulavam pelo ar. Era uma cidade verdadeiramente detestável.

As ruas, como se não bastassem ser extremamente estreitas, estavam sobrelotadas de pessoas e de carros, algo que se tornava progressivamente mais sufocante ao se aproximar do Largo do Chiado. Eram principalmente estrangeiros, com línguas que pareciam mais gemidos de sofrimento do que algo falado por milhões. O seu destino aproximava-se.

Era um café extremamente emblemático da cidade. Tinha inclusive uma estátua dedicada a Fernando Pessoa, um dos mais importantes poetas portugueses, no entanto, esta era encarada mais como uma atração de circo do que propriamente como uma homenagem que merece respeito. Ela sentou-se numa das mesas da pequena esplanada, no entanto, ao contrário daquilo que esperaríamos, essa mesa já estava ocupada por outra garota. Parecia um pequeno anjo com cabelos dourados e ondulado, no entanto, algo não parecia bater muito certo. Tudo parecia estar em extrema harmonia, as pequenas sardas, o rosto redondo e as duas flores que usava no cabelo, no entanto, o olhar que carregava distorcia um pouco a imagem. Ela tinha uns olhos bonitos, num castanho chocolate exatamente igual ao castanho dos olhos de Elizabete, mas tinha um daqueles olhares que nos olham por dentro e deixam cautelosos. Como se ela por dentro não fosse aquilo que parecia.

Não gostava de olhar para ela, mas naquele momento não podia evitar, era impossível olhar para uma sem ter a outra no campo de visão. Depois de pedirem cafés e pastéis de Belém, elas começaram a conversar. Comportavam-se como se fossem amigas à anos, no entanto qualquer pessoa um pouco mais perspicaz conseguia detectar que algo não encaixava, inicialmente, conversavam sobre coisas banais, no entanto, as perguntas não eram sentidas nem existia um verdadeiro interesse em responder. Mas se tornou ainda mais estranho quando Elizabete desviou a conversa.

“Chegaste a ver aquele filme que te mencionei no outro dia?” Mais uma vez não era uma pergunta que parecia verdadeiramente sentida, honestamente, ela parecia estar quase em sofrimento, como se desejasse ir para o mais longe possível, no entanto, isto estava extremamente bem ocultado pela capa de um sorriso. Não gostava de a ver assim. Num gesto ousado ela pegou a mão da outra garota.

“Não me lembro. Qual era o nome, mesmo?” Ela parecia ligeiramente incomodada com o toque, no entanto, acariciava a mão de Elizabete com a outra mão.

Nada daquilo fazia algum sentido.

“Uma Longa Jornada, sinceramente Rachel, nunca ouve nada do que eu digo.”

“Não digas isso.” Ela colocou a outra mão sobre a de Elizabete. “Sabes bem que não é verdade.”

Nada ali batia certo, eu tinha passado bastante tempo a observar Elizabete, ou pelo menos o suficiente para saber que ela jamais gostaria de um filme romântico. Ela passava a vida a escrever num blog sobre feminismo e ensaios filosóficos, nunca a vira sequer pousar os olhos sobre algo remotamente romântico. No entanto, conversava sobre o tal filme como se fosse uma obra-prima cinematográfica. Eu admito que poderia ter superado isso, se ela, no momento seguinte, não tivesse perguntado a Rachel, se não adorava os folhos da sua camisa. Não era possível que a garota sentada daquela janela a observar, de uma maneira quase perturbadora, um arbusto fosse a mesma garota que se sentava naquela mesa de mãos dadas com Rachel. Eu tinha visto, com estes olhos que por vezes veem demais, o olhar de desprezo que ela lançara para a camisa, toda aquela revolta tola, tudo isso…

Eu não conseguia aceitar. Se pudesse teria saltado para o meio dessas duas e gritado tudo aquilo que eu pensava sobre a conversa delas, mas não podia, eu sabia muito bem onde era o meu lugar. Por isso aguardei um pouco mais, até que finalmente mudaram a temática.

Conversavam sobre viajar, sobre os quadros que queriam ver, as montanhas que queriam escalar e as marcas que queriam deixar. Pareciam duas garotas bobas que não tinham compreendido que a vida não é feita de um material chamado sonhos, mas lentamente algo parecia mudar. A conversa parecia estar a se tornar mais honesta, como se começássemos a voltar a ver a Elizabete da varanda, a garota que queria viajar até a Rússia e jogar xadrez sob um manto de neve.

“Você ficaria toda molhada, sabe disso não sabe?” Disse Rachel, enquanto ria, pela primeira vez, de forma honesta. “Sem mencionar o perigo de o gelo derreter e morrer afogada.”

“Eu teria cuidado, obviamente. Escolheria um local onde o gelo fosse particularmente grosso.”

“Mesmo assim. E onde você colocaria o tabuleiro?”

Elizabete apoiou a cabeça na mão livre e pareceu ficar pensativa durante alguns momentos.

“Não sei, talvez em cima de alguma mesa que por lá estivesse.”

“E se as mesas tivessem cobertas de neve? É a Rússia afinal!” Este comentário pareceu apanhar Elisabete de surpresa. “Não tinha pensado nisso?”

“Honestamente não.”

Pareciam estar a divertir-se com a conversa, a união entre as mãos já não parecia incomodar tanto.

“Você é mesmo tola.” Soltou Rachel com a um sorriso trocista. “Muito tola.”

“E você gosta demasiado de destruir todos os meus sonhos. Ninguém diria que me ama.” O sorriso se transformou num riso sarcástico. Era sem dúvida bem mais agradável do que o de Elisabete, no entanto, tinha um tom ligeiramente esganiçado que fazia os meus ouvidos doerem.

“Depende da perspectiva.”

Eu não sei como devo de explicar o que sucedeu a seguir. Rachel largou a mão dela e se levantou. Se não estivesse com um sorriso tão grande no rosto, teria pensado que não tinha gostado do que Elizabete tinha dito e se preparava para a deixar. No entanto, o que ela fez foi pegar na cadeira e a puxar para mais próximo de Elizabete. Pela primeira vez percebi o que ali se passava, elas eram amantes, no entanto, isso não explicava porque havia uma satisfação mal disfarçada no rosto de Rachel.

No momento a seguir, Rachel apoiou a mão na face de Elisabete e uniu os lábios das duas. Elas estavam a se beijar no meio de uma esplanada de um dos cafés mais movimentados de Lisboa, e não era um beijo inocente, existiam demasiadas emoções entranhadas e intrometidas envolvidas no ato para ser considerado casto. Para além disso, aquilo não era um beijo a que poderíamos ficar indiferentes. Era um daqueles que por vezes encontramos na nossa vida e que mesmo quando estamos do lado de fora nos sentimos parte dele, como se também estivéssemos a ser beijados também. Era desconcertante.

Quando terminaram parecia que nada voltaria a ser o mesmo. Todas as pessoas no café pareciam ignorar que tinha sucedido e continuavam a deliciar-se com os seus pastéis como se aquele dia solarengo fosse apenas mais um entre tantos. no entanto, os lábios de Elisabete, agora ligeiramente avermelhados, não se conseguiam mexer, mais uma vez surgia aquele olhar que parecia ter um mundo inteiro para contar. Como eu gostava de puder decifrar aquilo que ela sentia.

“Gostaste?” Rachel quebrou o silêncio, no entanto, havia um ligeiro sarcasmo nas suas palavras. Pareciam indelicadas. “Demasiado atordoada?”

“Acho que sim…” Ela parecia sem saber muito bem o que dizer, a seu rosto parecia ligeiramente corado e observava atentamente o chão. “Não estava à espera que você fizesse isso.”

“Porquê? Nós somos namoradas não somos?” O tom ligeiramente trocista permanecia. Estava a começar a irritar-me, por outro lado, Elizabete ou não percebera ou fingia não perceber.

“Sim, somos. Mas… você me apanhou despercebida apenas isso.” Havia alguma culpa nos seus olhos.

“Apenas isso. Muito bem.” Agora a mudança era óbvia. Algo estava para suceder. “Ainda bem que gostaste porque a minha irmã vai adorar saber que nem consegues ver a diferença entre nós as duas.”

Um saco massivo de pedras parecia ter aterrado diretamente nas costas de Elisabete, o seu rosto levantou-se abruptamente e encarou Rachel nos olhos.

“O quê? O que é que você acabou de dizer?”

“Oh, não percebeu? Eu não sou a Rachel, meu anjo… Eu sou a Chloe.”

Tudo parecia fazer algum sentido naquele momento, aquela rapariga de cabelos dourados e olhos castanhos não era verdadeira amante de Elisabete, mas a irmã gêmea da mesma. No entanto, ao contrario daquilo que eu previa, quando o choque partiu do rosto de Elisabete não ficou tristeza e desilusão, mas verdadeiro desespero. Ela colocou os braços na mesa e enterrou o rosto aí, enquanto murmurava repetidamente:

“Isto não pode estar a acontecer…. Isto não pode estar a acontecer.”

Mas Rachel, ou melhor, Chloe não parecia com disposição para tal situação, com uma expressão dura, abanou o ombro de Elisabete.

“Se controle, mulher! Não é o fim do mundo, eu apenas ajudei você e a minha irmã a perceberem que esta palhaçada não podia continuar.”

Muito lentamente o rosto de Elisabete se ergueu, não estava a chorar, mas não parecia muito longe de tal.

“Você não entende, eu não sou a Maria Amélia, o meu nome é Elizabete.” Agora foi a vez de Chloe sentir o peso massivo das pedras sobre as costas.

“Como assim você não é a Maria Amélia?” O desespero agora atravessava o rosto das duas. “Elisabete é a irmã gêmea da namorada a minha irmã.”

“A gente tentou enganar elas, no entanto, foram elas que nos enganaram a nós.”

“Você também estava a tentar separá-las?”

Era quase patético observa-las, o seu desespero parecia ser suficiente para consumir o planeta inteiro.

“Sim… Uma mulher e outra mulher, não parecia certo. Não queria isso para a minha irmã.”

“No entanto, você gostou de beijar-me.” O rosto de Elizabete tornou-se abruptamente sério e ligeiramente avermelhado.

“Não diga isso em voz alta!”

Por alguns momentos, conseguiram ignorar o facto de terem sido enganadas e soltaram alguns risinhos.

“Nós somos tão estúpidas.” Não consigo dizer com toda a certeza quem proferiu esse comentário, tenho ideia que foi a Chloe, mas não apostaria o meu dinheiro nisso. Estava demasiado distraída a observar duas figuras abraçadas, uma morena e outra loira, que estavam escondidas num canto a rir compulsivamente.

Para além disso, não consigo dizer quantas mas horas elas, a Chloe e a Elisabete, ficaram a conversar. Sei que foram muitas, mas quantas é algo que me ultrapassa. Nem consigo dizer que se ficaram amigas, amantes ou algo entre esse dois, mas penso que nunca mais puderam ficar indiferentes uma à outra.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura, espero que tenham gostado. No entanto, independentemente de gostarem ou não, por favor, deixem a vossa opinião registada para eu puder melhor.
P.s: Eu amo Lisboa de coração, mesmo que possa não parecer, mas ela seria bem mais bela sem tanto carro.
P.s.2: Eu disse no aviso legal que a historia tinha uma pequena inspiração do Memorial do Convento de Jose Saramago, essa inspiração é na parte em que diz que lisboa cheira a morte. O que Saramago diz é que lisboa cheira mal, cheira a podridão, por causa dos corpos, pois a alma, essa aí, é perfumada (não exactamente com estas palavras, mas a ideia é esta), no fundo, Jose Saramago critica a poluição humana, enquanto eu tentei criticar a poluição atmosférica e a maneira como a população trata a cidade.
P.s.3: Sobre a saudade, bem, existe uma zona, mais na periferia, que realmente transmite esse sentimento. Não consigo dizer que cheira a isso, porque sempre estive num carro quando passava por aí, mas realmente sente-se isso, que é uma cidade que chora com saudades de outros tempos. É muito bonito.
P.s.4: Se algum dia puderem, venham a Lisboa, é uma cidade lindíssima.
Beijinhos muitos grandes ♥



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