capítulo 14

best friend

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“ — Olá, Scorpius.”

O loiro, Scorpius, apelidado carinhosamente de mutante por Rose Weasley, estava completa e visivelmente confuso. Não era pra menos, claro, porque ele não fazia ideia que a outra pessoa que disputaria o trabalho de "garçom/garçonete" da Butter & Burguers era a prima louca de Albus. A prima louca cheia de sardas pipocadas no rosto e um sorriso presunçoso nos lábios. 

Por aquela ele não esperava.

— Ahm... Rose? — franziu o cenho e deu uma risada nervosa. — Nossa, isso é tão surreal, nunca que eu imaginaria você aqui...
Ele estendeu a mão para retribuir e, como se não fosse o suficiente para um cumprimento pré-planejado pela Weasley, se aproximou agilmente de seu rosto e deu um beijo em sua bochecha. A surpresa foi imediata. Se Rose fosse um robô, certamente seu sistema estaria em curto circuito — mas como Rose era uma mera humana, o vermelhidão suas bochechas, causado pela aquela atitude inesperada, foi o suficiente para indicar que, por dentro, seu sistema havia sim entrado em leve colapso. 

Por aquilo ela não esperava.
— Ah, então vocês são amigos? — Florence se surpreendeu também, e parecia que ela não estava fingindo alguma expressão como da última vez que Rose estivera ali com Lily. — Grande coincidência, essa! Mundinho pequeno, não?

— Nós... nós não somos amigos. — Rose respondeu sem perceber que deixava tudo aquilo ainda mais estranho.

— Só conhecidos. – o garoto ao seu lado completou, olhando por um segundo para a ruiva e voltando seu olhar para Florence.

A ruiva resolveu não prolongar o assunto, e parecia que Scorpius estava disposto ao mesmo. Ambos pareciam, de certa forma, desconfortáveis com a presença um do outro.

— Bom, vamos ao que importa...

  Eles sentaram-se em uma das mesas e a mulher engatou uma explicação sobre as condições de trabalho, o salário, os horários, como funcionava tudo, e o motivo de poder contratar apenas um deles (as contas haviam aumentado após a compra de uns aparelhos de cozinha novos, e eles só tinham condições de pagar um salario no momento).

 Mesmo que ambos já tivessem ouvido metade daquilo, Rose mantinha sua concentração unicamente na dona do local, como se tudo aquilo fosse importante não só para o trabalho, mas também para sua sobrevivência. O garoto ao seu lado percebeu, em uma das vezes que havia olhado discretamente pra ela, que a garota sequer piscava. Aquilo era de uma certa forma assustador para qualquer pessoa, mas ele achava interessante. Ele nunca havia conseguido se manter concentrado em apenas uma coisa. As distrações pareciam sempre chamar mais sua atenção, apesar de seu grande esforço.

Quando Florence pegou um papel com uma tabela e colocou em cima da mesa para que os dois pudessem analisá-lo, Scorpius já tinha voltado sua atenção àquela história do emprego. Ele havia ouvido, em parte, quase tudo.

— Esse serão os horários, e certamente podemos fazer ajustes. Mínimos, mas podemos. Isso aqui está um sufoco nas quintas sextas e preciso de alguém livre nestes dias. Minha filha trabalha aqui aos finais de semana e hoje — Rose olhou para uma garota alta que corria de um lado para o outro no local para tentar atender todos. — Portanto só será necessário alguém aos sábados se ela não puder. Mas quanto a isso podemos decidir em particular. — e lançou-lhes um olhar rígido, como se fosse necessário lembrar de que apenas um deles conseguiria o trabalho. No caso, não precisava. Já que a única coisa que a dupla a sua frente fazia era assentir e assentir de novo, ela levantou-se da cadeira. — Bom, vou buscar o que precisaremos para os testes. 

Quando ela saiu de perto dos dois, Scorpius suspirou.
— Droga, o horário de quinta feira vai bater com algumas aulas minhas... – murmurou dando uma olhada na tabela. 
Rose encarou a tabela também, como se entendesse o que ele dizia. Sabia de cor seus horários, e sabia também que poderia mudar sua aula de história francesa de quinta para segunda e, dessa forma, conseguiria trabalhar tranquilamente. 
— Pra mim fica bom esse horário aí — comentou.
Ele deu risada, encarando-a.

— Você está tirando vantagem, não está?

— O quê? Claro que não. — respondeu rapidamente, mesmo sabendo e no fundo não era bem verdade.

Florence voltou animada, porém comedida. Em seus olhos brilhavam a satisfação dela saber que não terá que trabalhar como uma condenada no estabelecimento depois de contratar um deles.

— Acho que podemos começar, certo?

Não levou muito tempo para Rose e Scorpius se verem vestidos em uniformes um tanto constrangedores, vistos que na Weasley sobrava tecido (até demais) e no loiro era justamente o oposto, fazendo o mesmo imaginar se alguma vez na vida poderia voltar a ter filhos. Ou voltar a respirar.

A mulher em sua frente reprimiu uma careta ao olhar para ambos, mas, mesmo assim, não comentou nada. Sua filha, a garota alta de cabelos presos em uma colinha mais alta ainda, teve que colocar a mão na frente da boca. Estava prestes a gargalhar, era óbvio.

— Eu acho que elas querem zoar com a nossa cara — Scorpius, que se mantinha ao lado de Rose, comentou baixinho.

— Você acha? — ela levantou uma sobrancelha enquanto dobrava o tecido que havia sobrado nas mangas. — Nós somos a piada da vez.

E então eles começaram. No meio da movimentação de gente, eles teriam de fazer uma única coisa bem simples: o mesmo que fariam caso fossem contratados. Ser garçons.

Rose pegou rapidamente o bloquinho que Florence havia deixado no balcão e começou a atender. Tentou ser o mais rápida e eficiente que podia, porém depois de um tempo as mangas que insistentemente desciam pelos seus pulsos começaram a lhe irritar! Depois de diversos pratos, mesas limpas, alguns pedidos confundidos e uma diferença grande de gorjetas entre os dois jovens, a Weasley sentia seu cabelo grudando em seu rosto e a respiração ofegante de tanto trabalhar.

— Uau, você é bem esforçada — Scorpius se encostou na parede depois de fechar a conta de um garotinho. Parecia extremamente desconfortável com sua roupa, assim como a garota.

— Obrigada.

Alguns segundos se passaram, nos quais eles ficaram em silêncio. Rose tentou reparar se alguma pessoa havia entrado na lanchonete ou se alguém precisava dela, mas já sabia que não. Eles haviam dado conta dos clientes.  Não demorou até que a própria percebesse que, por algum motivo, seria melhor puxar algum assunto com ele.

— Você conseguiu não se perder mais no campus?

Ele sorriu e fez que sim, como se achasse muito engraçado ela ter puxado algum assunto — ou, no caso, esse assunto em particular. Principalmente quando não esperava sequer que ela conversasse com ele.

— Eu já te agradeci por ter me ajudado, né?

Ela assentiu.

— Já. — Rose lembrou-se da confusão que ele estava naquele dia, e de que havia perdido um período para levá-lo até onde deveria. Deu risada. — Você se complica demais pra entender cartografia. Caramba, foi muito engraçado!

— Engraçado? Teve uma hora que eu pensei que você fosse me bater por ter que me levar até lá. — ele olhou para ela confuso. A garota reparou em como seus olhos continuavam com a mesma tonalidade cinza, mas não gélidos, e sim calorosos, divertidos. 

— De onde você tirou isso? Eu estava com um humor razoável ainda! — tentou se defender apontando para si mesma. 

— Razoável?! — gargalhou, e então tentou ficar sério quando viu que Florence estava indo na direção deles. — Nem sei como você acabou me ajudando no final, mas tem razão: foi engraçado.

Rose não queria comentar, mas pensou que em todas as vezes que os dois haviam se encontrado sem querer, e teve certeza de que havia sido engraçado — com exceção, claro, do jantar dos Weasley.

Caótico, estranho, constrangedor e, no final de tudo, hilário. Pela primeira vez achou que isso era algo legal.

Florence avisou a eles que poderiam tirar os uniformes amarelados e que, quando voltassem, ela conversaria sobre o resultado do teste. Rose voltou do banheiro rapidamente, já que o uniforme estava em cima de sua roupa e só havia precisado tirá-lo. Scorpius, ao contrário, parecia uma garota se preparando para sair. Mas, claro, ele não ganharia de Dominique nesse quesito por nada.

— O resultado não foi surpreendente, mas satisfatório, já que... — a mulher começou, e Rose se concentrou em suas palavras. Quer dizer, ela havia dado seu máximo, tinha que ganhar a vaga. Apesar de alguns imprevistos, tudo tinha ocorrido de certa forma... bem.

Mas, por mais que a garota tivesse dado seu suor — literalmente — pelo emprego e para enfim se tornar independente do dinheiro de seus pais e desejos de sua mãe, nada daquilo tinha sido suficiente.

Scorpius havia ganhado a vaga.

O idiota, mutante dos olhos cinza, filhinho de papai e coisa albina do Scorpius Malfoy havia ganhado a vaga. Ela não podia acreditar. A garota simplesmente não podia acreditar! Mais dias olhando para os classificados, mais dias naquela incerteza de como ganharia dinheiro...

  — Parabéns Scorpius, eu não vejo alguém ganhar tanta gorjeta em tão pouco tempo! – Florence falou com um grande sorriso entusiasta no rosto.

Hump! Rose apostava que ele só havia ganhado tantas gorjetas porquê vivia fazendo aquilo com os cabelos enquanto anotava os pedidos e perguntava “algo mais?” para os clientes. Sabe, colocar os fios mais longos do cabelo para o lado... E ela, ao contrário, só sabia mexer nas mangas do uniforme e passar o pulso na testa pra ver se parava de suar com aquelas camadas de roupa.

— Rose, você também foi bem.

Florence estava sendo gentil com a filha mais velha dos Weasleys, Rose sabia disso. Por mais que se esforçasse em anotar os pedidos corretamente, às vezes esquecia as mesas corretas e acabava se atrasando com os pratos. Quase levara tombos nos próprios copos de água que derrubara e por pouco não quebrou uma pilha de coisas na frente dos clientes.

Rose não gostava de ser mediana, medíocre ou simplesmente bem. Mas ela gostava menos ainda a ideia de ter perdido para ele e ter que buscar um novo emprego, de novo.

Olhou para os próprios pés antes de levantar os olhos na direção do garoto. Ela o odiou um pouco por ter perdido pra ele, mas no final, ele simplesmente tinha sido ótimo nos parâmetros de Florence. E, neste caso, era isso que importava para ganhar o emprego, certo?!

— Parabéns Scorpius... — Rose disse com tom de cansaço e até mesmo tristeza ao ver sua oportunidade ir completamente para o lixo – V-Você mereceu.

Por mais que o corpo do loiro estivesse cheio de adrenalina e alegria só de pensar que com o dinheiro a mais que ganharia no trabalho ele seria enfim capaz de comprar uma nova moto de última geração — talvez uma Ducati?! —, se sentiu mal e até mesmo egoísta após lembrar de todas as história que Albus o contara sobre a situação de Rose.

Ele sabia exatamente como era querer ser livre, capaz de ter o próprio dinheiro e tomar as próprias decisões sem que ninguém decidisse para ele o que era melhor, viver por si mesmo e não os sonhos de alguém.

Scorpius sabia que se as chances de que se arrepender da decisão eram grandes. Seus amigos o chamariam de idiota, sua mãe daria risada e o aconselharia a voltar a procurar empregos, e seu pai... Bom, ele provavelmente ficaria aliviado de não ter que ver seu filho manchando a masculinidade dos Malfoy por ter usado ele uniforme constrangedor.

Olhou para a ruiva ao se lado (que mantinha a todo custo a dignidade) e suspirou. É, ele realmente iria fazer aquilo...

— Bem, na verdade Florence... Eu... eu, eu não vou poder aceitar a vaga. — O pescoço de Rose girou numa velocidade impressionante em sua direção. — Eu tava pensando aqui e aqueles horários não batem com os meus, e eu também tô interessado em conseguir algum estágio por aí...

A dona da lanchonete parecia que iria ter um ataque do coração com a cara que fez ao ouvir Scorpius proferir aquelas palavras.

— Mas, menino, nós acabamos de conversar, você parecia estar tão animado.

— Sim, é verdade, né... eu... eu estava mas ai eu lembrei dessas coisas eu eu te falei. Sabe, faculdade de Medicina, não é muito fácil, não... — ele enrolou com aquela pressão, desviando os olhares entre as mulheres ali e o relógio em seu pulso.

Rose não acreditava em nada daquilo. Não no sentido ruim, ela só não conseguia acreditar que a mesma pessoa que segundos atrás parecia que iria saltar felicidade pela a vaga e esfregá-la na cara dela agora estava... Desistindo?!

Era isso mesmo?

— Você tem certeza disso? — Florence perguntou com um pouco de irritação na voz ao perceber que perdia um dos seus possíveis melhores funcionários.

— Sim, eu tenho.

Ele olhou para o relógio e, como se tivesse um compromisso marcado, se despediu de ambas, deixando-as embasbacadas com sua atitude. Pegou suas coisas e saiu do restaurante.

Rose não sabia o que fazer, o que dizer...

E antes mesmo que Florence pudesse falar alguma coisa para ela, a ruiva se viu correndo até ele.

— Scorpius Malfoy! Você ficou louco?! –gritou para o estudante que subia em sua moto e começava a colocar o capacete na cabeça – Por que você fez isso?!

Ele sorriu.

— Porque é isso que se faz por amigos – falou antes de ir embora e deixar uma Weasley completamente sem rumo.