No meio da noite quando Hermione despertou, acabou assustando-se ao notar que ainda estava abraçada a Rony. Antes de sair daquela posição, a morena permitiu-se olhar para o rapaz com um pouco mais de atenção. Notou que seus cílios eram tão ruivos quanto os cabelos, que caíam sobre a testa deixando-o ainda mais bonito; pelo rosto algumas poucas sardas se espalhavam, e seus lábios, um tanto separados pela respiração, eram tão bem desenhados que lhe deixava inquieta como se uma força maior a puxasse para ele. Pensar em Rony era como se houvesse um bando de borboletas dentro de seu estômago prontas a voar a qualquer minuto, era algo que a própria Hermione não conseguia evitar, e mesmo que seu passado tenha sido doloroso e traumático, com ele tudo parecia diferente, de um jeito bom.

Por mais que o início da relação tenha sido boa, Victor nunca fora um cara atencioso, carinhoso tampouco, contudo, com o passar dos meses seu bom relacionamento foi transformando-se de forma negativa. Agora, já madura, a jovem via que na verdade a paixão arrebatadora que teve pelo moreno havia lhe deixado cega em relação aos defeitos que o rapaz possuía. Ali ela se dava conta que fora uma tola por passar tanto tempo presa a alguém que apenas lhe mantinha como prêmio.

"Vocês são um bando de perdedores. Minha garota é a mais gata e a mais inteligente, não são como essas mulheres fúteis que vocês encontram na farra!" Era o que ele mais dizia quando estava na presença dos amigos, mas na ausência desses mesmos amigos, Victor se tornava um cara frio, que mal olhava para a jovem. Viam-se com pouca frequência, e em grande parte das vezes ele fazia com que ela se sentisse culpada pela relação ter esfriado. Certa vez a morena chegou a cogitar que o problema era exclusivamente seu, já que ainda não havia perdido sua pureza e Victor jogava-lhe na cara que tinha necessidades masculinas. Foram dias e mais dias com esse mesmo pensamento, até que Hermione decidiu dar um fim a relação.

Tinha plena ciência que seu pai seria contra o término, pois o genro era para ele como o filho que sempre desejou, mas que nunca teve. Sabia que estaria sozinha no mundo depois de tal decisão, sabia de tais consequências, só não fazia ideia de que naquela mesma semana um pesadelo sem fim lhe assombraria pelo resto da vida.

Mas ali com Ronald dormindo a seu lado um novo sentimento surgia, um genuíno sentimento de gratidão. Olhar para ele, sabendo que mesmo depois de lhe contar todo o seu passado sombrio e saber que nada havia mudado era para ela um grande alívio. Enfim, a tão famosa "luz no fim do túnel" começava a surgir para a jovem. O único problema em tudo isso era que, Hermione não sabia decifrar se o que estava sentindo naquele momento em que o olhava era apenas esse mesmo sentimento de gratidão, ou se era algo a mais. Tentaria descobrir com calma, depois que toda a tempestade passasse.

Os primeiros raios de sol começavam a surgir quando Rony acordou. O rapaz olhou assustado para os lados a procura de Hermione e não a encontrou. Levantou e caminhou até a porta de seu quarto e respirou aliviado por ver que a morena ainda estava ali com a menina, ambas dormindo.

O ruivo aproveitou para tomar um rápido, porém relaxante banho, enquanto o café era passado na cafeteira. Colocou uma roupa qualquer e voltou à cozinha para terminar de aprontar a mesa.

Rose foi a primeira a acordar. A menina foi a passinhos curtos até onde estava o ruivo e sentou-se de frente para ele. Ambos conversavam divertidamente até que Hermione apareceu. A morena encostou-se na parede e ficou a observar a relação da filha com o rapaz. Era uma cumplicidade que a menina não possuía com mais ninguém, nem mesmo com o padrinho Neville.

– Mamãe! - Rose falou com um sorriso faceiro nos lábios.

– Bom dia minha linda princesinha! Dormiu bem? - A morena questionou.

– Sim mamãe, muito bem.

– E você, dormiu bem? - Rony perguntou a Hermione que apenas confirmou com a cabeça soltando um longo suspiro em seguida. - Sabe, eu estive pensando em esperar uns dias até lhe contar sobre uma parte da minha vida que ainda desconhece, mas não acho justo com você, com nós dois.

– Do que está falando?

– Rose fique aqui, tudo bem? Vou mostrar uma coisa a sua mãe. - O ruivo pediu, deixando a menina se deliciando com o café da manhã.

Rony pegou a mão de Hermione e direcionou-a até uma porta que até então ele não havia lhe mostrado. Era um pequeno quarto que ficava próximo a área de serviço. O rapaz pegou uma chave que estava dentro do bolso da bermuda que usava e destrancou a porta dando passagem para que a morena entrasse. Assim que acendeu a luz, a jovem notou que haviam diversos equipamentos ali, imaginou que aquela era a sua sala de trabalho, mas então seus olhos focalizaram diversas fotografias penduradas pela parede. Rony, que tinha a cabeça baixa, puxou uma cadeira e pediu que Hermione se sentasse. Foi até um armário, pegou uma pasta preta e entregou-lhe.

– Eu tinha planejado fazer isso de outra maneira, mas depois de tudo o que me contou sobre sua vida, eu não vi outra alternativa a não ser lhe contar sobre a minha. Hermione eu sou o fotógrafo do site Através das Lentes.

– Você me enganou esse tempo todo? - Ao contrário do que Rony imaginava, a morena não fazia um escândalo, em vez disso a sua reação foi muito pior. O rapaz notou em seus olhos um sentimento de decepção, que fez seu coração doer como nunca havia feito.

– Deixe-me explicar, por favor. - Ele levantou seu rosto para que pudesse olhar diretamente para ela. - Essa é a minha profissão. Sempre gostei de fotografar lugares comuns e pessoas comuns, e quando fui montar meu site, eu vi que coincidentemente havia muitas fotos suas. Não foi nada programado, simplesmente aconteceu. Confesso que fiquei meio encucado com a quantidade de fotos de uma mesma pessoa em lugares tão diferentes, mas não levei a mal. Não fiz com nenhuma segunda intenção.

– Harry sabia disso?

– Não, ninguém sabia. Quando lhe vi na festa de aniversário dele, eu simplesmente me encantei por você, mesmo sem me dar conta disso. Com o tempo eu fui me envolvendo mais do que eu queria e agora estammos aqui. Eu queria te contar, queria mesmo, mas sabia que se eu o fizesse você arrumaria um jeito de fugir de mim.

– E por que agora seria diferente?

– Porque sei que confia em mim.

– Como eu posso confiar em alguém que mentiu pra mim? Eu me abri pra você como não fiz com mais ninguém. Eu expus uma parte da minha vida que eu preferia esquecer, e o que recebo em troca? Mais mentiras....e de alguém que eu jamais esperei.

– Não, Hermione! É justamente por querer o seu bem que estou lhe contando isso. Eu nunca menti pra você. Só não havia contado quem eu era desde o início.

– Pois devia ter contado! - No rosto da morena as lágrimas já corriam livremente, e ela não fazia nenhuma questão de esconder que estava decepcionada com o ruivo.

– E você teria dado uma chance para eu me aproximar? – Questionou ele com a voz um tanto alterada, assim como a dela. - Teria me deixado conhecer todo o seu passado? Olha, eu sei que errei, mas estou tentando concertar tudo. Quero o seu bem, e o da Rose também, e acho que só posso conseguir proteger vocês se souber tudo a meu respeito.

Hermione permanecia em um silêncio ensurdecedor, o que para Rony era pior que levar uma facada no coração. A morena levantou-se da cadeira, entregou a pasta ao rapaz, limpou o rosto e saiu do pequeno quarto, indo direto ao quarto onde estavam suas coisas. Pegou tudo e foi até a cozinha onde Rose estava. A menina abriu um sorriso ao ver a mãe, entretanto, o mesmo sorriso morreu ao notar sua aparência triste.

– Está chorando, mamãe, se machucou? - Tudo o que Hermione fez foi assentir e abraçar a menina logo em seguida.

– Já acabou seu café? - Perguntou com a voz embargada. A menina fez que sim com a cabeça e a mãe disse que iriam para a casa de seu padrinho.

– O Rony vai junto? – Indagou inocente.

– Não meu amor. O Rony tem umas coisas pra fazer e não vai poder ir com a gente.

– Posso me despedir dele então?

Hermione concordou e deixou que Rose fosse de despedir do ruivo. A menina pulou em seu colo, depositando um beijo estalado na bochecha do rapaz que a abraçou com força. Seus olhos também estavam marejados, mas recusava-se a chorar. Assim que colocou a menina no chão, olhou novamente para a jovem. Ela se segurava para não sucumbir novamente ao choro, e pediu que não lhe procurasse mais. Rony mesmo hesitante concordou, o rapaz sabia que não adiantaria muita coisa relutar, principalmente sabendo do estado em que Hermione se encontrava.

Ele acompanhou-as até o ponto de ônibus mais próximo e ficou a observá-las indo embora em um táxi, tornando realidade o medo que tinha de não ter mais Hermione em sua vida.