Fugira.

Ofegante, procurava organizar seus pensamentos. Não sabia o porquê, mas aquele primeiro contato o havia arrepiado por completo. Não era algo que não estivesse acostumado, afinal era uma das pessoas com a melhor lábia do colégio, mas não assim.

Não daquela forma.

~*~

Tudo começara com um Verdade ou Desafio realizado semanalmente na noite de sábado. Todos bebiam, rindo à toa, e o relógio indicava o início da madrugada quando a garrava traçou seu destino, apontando a ele. Do outro lado, via Jackie, uma amiga de infância.

"VouD, Pedrinho?"

Todos gritavam, sendo que sequer sabiam exatamente o que acontecia. O clássico coro gritando "Desafio" veio à tona, instigando o garoto de 16 anos a responder logo.

"Ah, que se foda; quero Desafio nessa merda!"

Gritos. Grunhidos. Ele havia escolhido a melhor opção do jogo!

"Ow, ow, cala a boca!" Jackie berrou, gesticulando entre alguns acessos de risos. "Caralho, fiquem quietos!"

Silêncio.

"Quero que você vá com o Cristiano para o armário. E só saia de lá com um selinho!"

Mais gritos e baderna. O pessoal ficou eufórico com a ideia, inclusive Cristiano, que era abertamente o cara mais rodado do colégio.

Mulheres? Não, não. Homens.

Tinha a mesma idade que o Pedro; era mais magro, porém elegante. Trocaram alguns olhares e Cristiano lançou alguns sorrisos, não obtendo resposta, antes de irem juntos ao armário.

Quando entraram, Pedro fechou a porta calmamente e já começou a falar:

"Olha, eu não quero nem saber que a..."

Sentiu seus lábios ocupados pelos do outro, que iniciava um beijo lento, mas bom. Era incrível como, apesar da sua vasta experiência com mulheres, não sabia como reagir àquela serpente que, enquanto juntos, encantava-o pouco a pouco.

Não podia mentir: aquilo era bom. Beijar, no geral, o era. Ainda mais quando sentia...

Um beijo bem dado.

Muitos estariam honrados se o primeiro beijo tivesse sido bom assim, mas ele não. Tinha uma reputação a manter, pensara, então não podia ter um problema daqueles nas costas.

Abruptamente, separou-se do outro, sentindo os efeitos do abandono instantaneamente. Atordoado, correu disparado pelos corredores da casa, saindo pela porta dianteira em direção ao seu refúgio habitual: o beco.

~*~

Por mais que tentasse, os pensamentos não se ordenavam. Tudo parecia muito confuso a ele. Por que Desafio? Cristiano? Sorrisos? Armário? Beijo?

Gostar?! Não poderia ter feito aquilo!

Seu modo de criação travava uma batalha acirrada com seus sentimentos, gritando sob as vozes paterna e materna o que era certo: "gays são do Demônio!", "você não pode ser gay, senão vai pro Inferno!", "Isso não é de Deus" e muito mais lhe circundava.

Mas não poderia recusar: havia gostado do beijo.

Que beijo!

Medo e frenesi misturavam-se, trazendo-lhe confusão e atordoamento. O que com garotas era simples e fácil, com ele virou uma tempestade.

“Afinal, por que é tão difícil?”, pensava consigo. “Mas que Inferno!”

Não sabia dizer. Não conseguiria responder ali, na hora. "Por quê?!"

Mas algo lhe era verdade: que lábios, que beijo!