Mei escrita por zireael


Capítulo 1
Me beije




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/618026/chapter/1

Não floresceu de repente, aconteceu aos poucos, bem devagar. Um sorriso aqui, um olhar ali, um toque acolá, e então ela acordou e percebeu que seu coração já estava tão cheio que transbordava.

Começou devagar, na forma de pequenas ondas oscilantes guiadas pelo vento. Era um sentimento que beirava na ponta de um precipício sem medo de se deixar ir, mas que por alguma razão se segurava.

Começou quando ela passou a observar pequenos hábitos mais atentamente. Como o hábito nervoso que Sophia tinha de ocupar suas mãos com a primeira coisa em sua frente, ou simplesmente tamborilar os dedos na perna. Constantemente, quando desconfortável, a garota iria simplesmente correr as unhas por suas coxas, como se estivesse se coçando, mas em movimentos lentos e com a mão espalmada.

I like the way you walk. I like the way you talk.

Começou quando nenhum movimento passava despercebido, principalmente quando ela dançava, rebolando os quadris com sensualidade.

Começou quando respirar ficava difícil a cada olhar e a cada sorriso.

This feels like falling in love.

Explodiu à exatamente meia-noite do primeiro dia de 2015. “Dizem que dá sorte, vai ser divertido”, ela disse.

Explodiu juntamente com os fogos de artifício, e foi tão quente quanto, tão colorido quanto, e tão bonito quanto.

I never had nobody touch me like I'm glass.

Mei tremeu quando sentiu lábios macios lhe beijarem com tanta delicadeza. Era para ser um beijo casto, apenas um selinho, uma brincadeira para abrir o ano novo. Foi o que Sophia havia dito. Porém o suave gosto de canela nos lábios de Mei era convidativo demais para Sophia recusar. Sentiu um choque em sua espinha quando suas línguas se tocaram tão lentamente.

And it feels like love, love, love.

Voltaram para a festa logo depois, de mãos dadas e sorrisos bobos, porém com uma leve tensão que foi prontamente diluída com algumas taças de espumante e piadas idiotas das amigas. Nem Isabela, muito menos Zafira – que era muito mais atenta – perceberam como os lábios de Mei, antes pálidos, estavam avermelhados, ou como o batom de Sophia estava ligeiramente borrado.

Uma inquietação borbulhante fermentou dentro de Mei durante os 13 dias seguintes. À luz do dia era razoavelmente fácil se distrair da queimação em seu peito com os jogos e atividades que as amigas sugeriam. De férias na casa de praia dos pais de Sophia, tinha virado rotina do grupo jogar futevôlei pela tarde, foi como conheceram os meninos que convidaram-nas para a festa de ano novo. Entretanto é lei da natureza a chegada da noite, e com ela vem a calmaria. A praia, que já não é muito movimentada durante o dia, fica deserta; e todos se escondem dentro de casa. É nessa hora que elas dividem um quarto, dividem uma cama. É quando dormem sob o mesmo cobertor, e quando Sophia institivamente se aconchega mais ao corpo de Mei porque ela é tão quente e o quarto tão frio, e a sensação é tão gostosa.

Mei se perguntava se Sophia conseguia ouvir o ritmo tão desesperado do seu coração, porque ela podia jurar que sentia suas costelas doerem a cada batida. Acreditava que o desejo de ser beijada por lábios tão gentis mais uma vez estava devorando a sua sanidade.

Sussurrou seu nome no quarto semiescuro e aguardou por uma resposta, que veio em um murmúrio abafado. A respiração quente de Sophia fez cócegas em seu pescoço e Mei suspirou. Sophia esperava que Mei falasse alguma coisa, ela tinha a chamado afinal de contas, entretanto a única coisa que ouvia era o som distante das ondas se chocando contra as pedras.

–Mei? –Sussurrou, levantando sua cabeça para tentar ver o rosto da amiga.

–Eu quero te beijar de novo.

Falou baixo – muito baixo – e por um instante pensou que talvez tivesse sido baixo o suficiente para que Sophia não escutasse, mas depois de reavaliar a proximidade de seus rostos, percebeu que não tinha como.

–Me desculpe... –A voz de Mei soou genuinamente culpada, o que Sophia achou engraçado. Fofo, até.

In the moment, we're lost and found […] And how you told me after it all, we'd remember tonight for the rest of our lives.

Sophia a beijou com a mesma lentidão da primeira vez, sorrindo quando sentiu o mesmo gosto leve de canela. Mei congelou, a respiração presa em um bolo na sua garganta, mas não demorou para retribuir o beijo. Arfou quando sentiu seu lábio inferior ser puxado levemente entre os dentes de Sophia.

How does it feel? Do you feel like you did before? Do you see the world getting small?

Abandonando a delicadeza, Sophia deixou seus lábios deslizarem até a base do pescoço de Mei. O cheiro do sabonete de orquídea não passou despercebido por seu nariz já acostumado. As costas de Mei arquearam e suas mãos apertaram o ombro de Sophia quando sentiu seu pescoço ser chupado com força.

Dói, mas é tão bom.

Mei levou uma de suas mãos até a nuca de Sophia e arranhou o lugar, depois emaranhou seus dedos no cabelo da garota para puxá-la para mais um beijo. A pele de seu pescoço queimava onde os lábios de Sophia haviam tocado, e a sensação se espalhou por seu corpo quando ela sussurrou:

–Eu queria fazer isso da primeira vez, deixar uma marca em você, porque eu gostei demais de te beijar e não queria que ninguém mais fizesse isso. Não gosto de dividir.

–O que quer dizer com isso? Você quer que eu seja só sua?

–Isso. Eu...

–Por que não me disse antes?

A pergunta fez Sophia se sentar. Ela sorriu antes de responder:

–Eu te beijei, e não foi uma brincadeira de ano novo. Você não falou nada depois então... não sei. –Deu de ombros. –Também, é desnecessário dizer que é difícil saber até onde é só amizade, considerando nossa proximidade. Eu queria saber se não estava só confusa com tudo isso e aquela pareceu uma oportunidade boa para te beijar e tentar esclarecer meus pensamentos, o problema é que te beijar foi... não sei como dizer... eu só...

Mei queria calá-la com um beijo, mas seu corpo parecia paralisado. Lutou para encontrar sua voz e dizer:

–Tudo bem, não precisa explicar. –Sorriu. Foi um sorriso calmo, que em nada refletia o tumulto dentro de si.

Sophia corou, sem saber o que fazer e levemente incomodada com o silêncio que se instalou rapidamente. Abaixou a cabeça e focou nas próprias mãos, brincando com seus dedos. Mei olhou para o lado. O que acontecia agora?

–Vamos dormir? Estou com sono.

Sophia aquiesceu e voltou a se deitar, sendo tomada por uma tensão repentina, que foi embora no momento que Mei a abraçou. Não tinha como ela ver, mas o gesto fez Sophia sorrir.

Pensou que conversariam pela manhã, mas quando acordou Mei não estava mais no quarto.

Zafira, Mei, Sophia e Isabela se juntaram para o café da manhã, como o habitual, e depois foram todas para a sala assistir um filme que Isabela tinha insistido em ver. Mei esperava que aquilo fosse uma boa distração. Ainda não conseguia processar o que tinha acontecido na noite anterior, e se antes o que ela sentia eram pequenas ondas oscilantes, agora ela tinha certeza de que estava no meio de um desastre natural onde todos os elementos resolveram atacar.

O ar parecia escasso e a falta dele lhe deixava tonta; a terra sob seus pés não lhe dava estabilidade para ficar de pé; a água, antes calma, parecia pronta para lhe afogar em fúria; fogo queimava dentro do seu próprio corpo, destruindo-a de dentro para fora.

Eram ataques aleatórios e o gatilho para todos era um simples olhar de Sophia. Porém, os olhos de Sophia pareciam grudados em Mei e isso a inquietava. De certa forma pareciam ferozes, mas deixavam passar um pouco de medo e preocupação.

Mei não sabia o porquê de estar tão agitada. A situação era boa, certo? Elas se beijaram de novo e Sophia demonstrava tanto interesse quanto ela. Era um sentimento recíproco. Ela deveria estar feliz, não aterrorizada. Foi até a cozinha, usando a desculpa de estar com sede, e percebeu quando Sophia a seguiu. As outras meninas não perceberam nada estranho e continuaram focadas no filme.

–Mei, podemos conversar? –Sophia perguntou assim que se afastaram o suficiente da sala.

Engoliu em seco, sendo pega de surpresa quando Mei virou bruscamente para encará-la. Parou no caminho a tempo de não se bater contra o corpo da garota, porém ficando perigosamente perto. Seria comprometedor se as vissem tão próximas.

–Eu estou com medo. –Falou num rompante. – Eu nem sei o motivo, mas o que eu quero me dá medo.

–E o que é que você quer?

–Eu quero você. É o que eu quero por meses, daí você me beijou e não tem mais calmaria dentro de mim. Eu não quero fazer nada errado.

Sophia acariciou seu rosto com a ponta dos dedos, dando um sorriso quase imperceptível.

–Eu também estava com medo, não precisa fugir de mim.

–Eu n-

–Por que eu acordei sozinha então? –Interrompeu. Mei encolheu os ombros.

Tomando a iniciativa, Mei a beijou. Não foi lento como os dois primeiros, mas um beijo necessitado e sem restrições. Ela precisava demonstrar de alguma maneira o que sentia e nenhuma palavra parecia se encaixar perfeitamente. Não tão perfeitamente quanto o lábio inferior de Sophia se encaixava entre os seus enquanto ela dava uma mordida leve. Puxou-a para mais perto pela cintura, mantendo seus corpos colados.

Um barulho vindo da sala a fez e afastar rapidamente. Seu coração acelerado pelo beijo e o medo de terem sido pegas. Ambas relaxaram quando viram que não era nada demais. Subitamente lembrou-se do chupão que escondia em seu pescoço, a marca parecia queimar no momento.

–Mei?

–Hm.

–Quer namorar comigo? Se o que te assusta é se jogar de cabeça e se machucar, não tem problema, podemos ir devagar. Temos muito tempo e nenhuma pressa.

Take a ride with me if that's all right. We'll shine so bright, like the city lights. […] We could go wherever you want girl.

Talvez tivessem mesmo. E talvez um coração partido as aguardasse no final, mas a viajem é longa e o túnel é grande. Quem sabe a luz lá no fim não seja, de fato, somente luz?

Havia tempo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentários são muito bem-vindos! As músicas citadas, respectivamente, são:
Creedence Clearwater Revival - Susie Q
Ed Sheeran - Kiss Me
Zella Day - 1965
The Kooks - Stormy Weather
Birdy - Wings
The Weeknd - Love In The Sky
No Doubt - Push and Shove



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mei" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.