A rosa no jardim escrita por slytherina


Capítulo 1
Fly bitch


Notas iniciais do capítulo

"Oh, estou deslumbrado, você me atinge com um raio. Eu seguro a barra, então eu desisto, desisto por qualquer uma. Me pegue, jogue fora meu coração e ponha um outro novo em mim. Então, logo estamos nos tocando. Você me olha e é como se me atingisse com um raio". Starry eyed - Conor Scott



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1.


– Licencinha, licencinha! - A garota alta e magra abriu passagem entre as pessoas para se aproximar do balcão da cafeteria.


Tanto fez que acabou esbarrando em outra garota que também esperava para ser atendida. A outra se virou para ela, já se preparando para soltar um palavrão, ou partir para a briga, mas ficou aturdida pela beleza da trapalhona. Alta, morena, de longos cabelos cacheados, e olhos cor de mel. Parecia uma modelo ou atriz de cinema.


A magrela também contemplou a "gata" à sua frente. Loira, com rosto de boneca e busto empinado.


– Menina, já te disseram que você é um pedaço de mal caminho? - A magrela piscou e deu um sorriso malicioso para a outra.


A "gata" ficou vermelha e baixou os olhos, mas não conseguiu evitar de sorrir de volta.


– Bonnie, Mocha-branco-frapuccino pra viagem, pronto. - O bartender anunciou.


A "gata" virou-se e recebeu seu pedido. Ela ainda olhou de relance para a bela esguia, mas saiu rapidamente da cafeteria.


A magrela balançou a cabeça e pensou "Ah, se ela me desse bola". Então tentou se concentrar em atrair a atenção do bartender para fazer seu pedido.


Mais tarde, a garota magra que se chamava Rose, resolveu tratar de negócios. Ela ainda tinha na mão o panfleto de emprego. Na verdade era um anúncio pedindo uma cantora que tocasse instrumento musical, para entrar para uma banda folk. Ela resolveu prestar atenção no endereço e se dirigiu para lá, levando seu violão nas costas, e uma mochila com seus pertences em um ombro.


Ao chegar no local, percebeu que havia uma aglomeração de garotas dos mais diferentes tipos e tendências musicais, cada uma com um instrumento na mão, tentando conseguir a vaga. A maioria delas estava com um violão também.


"Ai, meu Deus! Já vi que não vou conseguir esse emprego". Pensou com seus botões. Resolveu se arrumar um pouco, passou batom preto nos lábios e tentou ajeitar os cabelos sob o chapéu coco preto. Talvez se ela tivesse comprado roupas novas e não tivesse vestido aquela saia jeans esburacada, ... talvez se ela tivesse investido seu último salário em acessórios da moda ... Agora estava na "casa do sem-jeito". Não adiantava mais lamentar ter vindo com a roupa errada ou ter vindo com um violão velho e desafinado. A solução era fazer uma bela apresentação e rezar para ser exatamente o que o pessoal da banda estava procurando.


Uma a uma as garotas foram se apresentando na audição. Uma a uma foi sendo rejeitada. Ao chegar perto do palco, Rose percebeu uma coisa angustiante. A líder da banda, a mulher que tinha o poder de decisão, sobre quem entrava e quem estava fora, não era outra senão a "gata" da cafeteria.
"Ai, meu Jesus! Eu tinha que dar em cima da minha possível futura chefe? Já estou fora, nem adianta tentar mais nada."


– Rose Garden, você é a próxima. - Alguém anunciou no microfone.


Rose agarrou seu violão e subiu para o palco, como quem vai para o matadouro. Colocou a alça do violão e ajeitou-o. Olhou para o grupo de quatro garotas que compunham o "júri" e suspirou fundo. Começou o riff no violão e cantou a primeira frase da canção.


– Pode parar. Fora! - A "gata" deu o veredito.


– Mas ... eu nem cantei a música ...


– Foi o suficiente. Não estamos interessadas na sua música.


– Ok! Mas ... ao menos pode me dizer onde eu errei? Para que eu possa me corrigir e não cometer o mesmo erro.


– O seu nome, garota. - Uma das integrantes da banda falou. Ela era miúda e tinha um cabelo de rapazinho, mas dava pra perceber por sua suavidade que não era realmente um rapaz.


– O que tem meu nome? - Rose sentia-se patética por ficar no palco, sendo ridicularizada por pessoas estranhas que nem a ouviram cantar.


– "Rose Garden"? Realmente? Isso no mínimo é muito simplório e amador. Por que não "Sue Kimma Boot"?


– Pensei que essa fosse uma audição para músicos e não concurso de extravagâncias.


– Chega, garota! Você está fora!


Rose fechou a cara e saiu rapidamente dali, não se dignando a agradecer pela chance ou a cumprimentar o pessoal da banda para uma futura oportunidade. Estava desapontada e ofendida.


Após voltar para o centro da cidade começou a perambular sem ter realmente nenhum lugar para ir. Fizera planos de conseguir o emprego e depois arranjar um local para passar a noite, mas agora ... Precisava juntar dinheiro para voltar para casa, talvez pagar por uma cama em um albergue por essa noite. Só havia uma coisa que ela poderia fazer para conseguir dinheiro rápido.


Retirou o violão do estojo, colocou um recipiente de plástico no chão, ajeitou a alça do violão e começou a tocar e cantar. Não era a primeira vez que se apresentava em troca de algumas moedas nas esquinas. Sabia que nem sempre se ganhava alguma coisa fazendo isso, então resolveu fazer para se divertir, passar o tempo fazendo algo que amava. Nada melhor do que uns covers de suas divas folk prediletas.


Após algum tempo, uma dúzia de pessoas se aglomerou ao redor, e passou a pedir músicas. Alguns a filmavam com o celular sem nenhum pudor. Na medida do possível, Rose atendia aos pedidos, afinal estavam sendo generosos. Ela dizia o próprio nome entre uma música e outra, para tornar-se conhecida sabe-se lá onde iriam postar seu vídeo.


Ali perto, um grupo de garotas estava passeando e ouviu a cantoria.


– Ei, essa cantora é boa. - Uma delas falou.


– É, canta legalzinho. - Bonnie, a "gata" e líder da banda folk "Fly bitch" não se impressionou muito.


– Legalzinho? Essa é uma das melhores covers de Joan Baez que já ouvi. - Uma delas falou.


– Ok! Se vocês estão tão empolgadas com essa cantora de esquina, vão lá falar com ela. Afinal não ficamos mesmo impressionadas com nenhuma daquelas garotas hoje.


– Elas eram ridículas, Bonnie. Esta é uma cantora de verdade.


– Ok! Mas mesmo que esta seja a Baez em pessoa, não é esse o som que nós cantamos.


– Escute o que você está falando, Bonnie. Você acaba de chutar Joan Baez da banda.


Todas se entreolharam e caíram na gargalhada. Depois de se acalmarem, resolveram conferir de perto a apresentação da cantora cover.


– Putaqueopariu! - Uma delas exclamou ao ver quem era a cantora.


As outras ficaram mudas e perplexas. Somente Bonnie ficou séria e parecia não se empolgar com o show que a outra estava dando.


Rose cantava de olhos fechados, por isso não viu o burburinho, mas após o último acorde que foi seguido de aplausos, resolveu abrir os olhos e agradecer ao público. Teve um choque ao ver a banda de garotas que a rejeitara antes.


– Ei, Rose, esse é seu nome verdadeiro, não é? - Uma das garotas da banda perguntou.


– Sim, esse é o meu nome verdadeiro. - Rose respondeu séria.


– Você ainda quer a vaga na banda? - Bonnie, a líder, perguntou.


2.


Naquela noite, Rose dormiu em um albergue, mas no dia seguinte, ao procurar o pessoal da banda, ela foi tratada com simpatia. Elas fizeram um pequeno ensaio de uma das músicas, muito mais para saber onde poderiam encaixar Rose em suas apresentações. Bonnie ainda era a mais ranzinza de todas, e sempre via defeitos na performance de Rose. Esta imaginava que era porque dera em cima da outra, naquele dia na cafeteria. Resolveu ficar calada e tentava agradar a chefe.


Após mais algumas reclamações pela limitação técnica de Rose, resolveram usar um de seus covers nas apresentações, para agradar os mais velhos e os fanáticos pelas divas folk.


Depois disso, elas resolveram sair para se divertir um pouco e convidaram a novata. As componentes da banda eram: Judy, a garota que parecia um rapazinho, e que tocava um tambor chamado djembê, serrote musical e tábua de lavar. Alison, que tinha um "quê" de Janis Joplin, sem a porra-louquice, e que tocava Baixo com arco, e mandolin. Melissa, uma tigresa loira, com os cabelos sempre selvagens e estáticos, e que tocava violino e mandolin. E Bonnie, a líder, que fazia os vocais e se apresentava com violão acústico e banjo.


Foram para um bar da moda, com música ambiente e garçonetes em trajes sensuais. Até o bartender era uma mulher. Rose lamentou não ter se arrumado melhor, pois o ambiente parecia chique, mas nenhuma das garotas da banda parecia se importar muito com isso.


Uma garota de cabelos curtos arrepiados e piercing na sobrancelha se aproximou e convidou Rose para dançar. Ela achou engraçado, pois geralmente eram os rapazes que a abordavam, mas tudo bem. Isso também valia. Ela se dirigiu ao salão com a garota. Começaram a dançar algo pop, mas a música mudou para um ritmo latino, com uma forte batida, marcando os movimentos da dança. A garota de cabelos curtos começou a se esfregar nela. Rose achou estranho, mas se era assim que o pessoal daqui se divertia, quem era ela pra cair fora da diversão?


Foi então que alguém a agarrou pelos cabelos e a arrastou no chão literalmente. Uma mulher mais velha e mais encorpada gritava com ela, enquanto puxava seus cabelos. Rose tentava se levantar mas era difícil encontrar apoio, quando alguém te controla pelos cabelos. Isso só podia ser um pesadelo. Ela percebeu com terror que a mulherona se preparava para chutá-la com um coturno. Felizmente alguém quebrou uma garrafa na cabeça dela, fazendo com que a brigona cambaleasse. Rose ficou surpresa ao perceber que fora salva por Bonnie.


Logo, logo, os leões de chácara chegaram e expulsaram todos do bar. Rose ainda sentia a cabeça dolorida, mas achou que estava em débito com Bonnie, por isso se aproximou da outra.


– Obrigada!


– Não há de que. Na próxima vez que viermos a um bar gay, procure saber se a outra garota já tem namorada. Né por nada não, mas lésbicas são muito ciumentas.


– Eu não sabia... Juro, eu não pensei que tudo fosse virar uma grande ...


– Você flerta com uma menina, se esfrega toda nela e ainda vem me dizer que não sabia o que estava fazendo?


Rose ficou escarlate. Baixou os olhos e não respondeu nada.


– Sério, você não existe, Rose. Aqui você tem que ter mais cuidado. Não pode simplesmente sair por aí, flertando a torto e a direito.


Rose levantou os olhos brevemente e encontrou os olhos de Bonnie em si. Baixou novamente, encabulada. Bonnie se afastou e Rose sentiu-se mais envergonhada do que nunca, por se comportar como uma idiota inconsequente, que olhava pros pés, toda vez que ouvia uma recriminação.


Com o passar do tempo a banda ficou afinada, e tudo funcionou muito bem. As garotas se enturmaram e passaram a aceitar Rose como a uma irmã. Eram convidadas a se apresentar em festivais folk, shows beneficentes e em festas rurais. Os fãs sempre tiravam muitas fotos e postavam videos em redes sociais, sem pedir permissão ou pagar direitos autorais, mas elas de comum acordo aceitaram essa situação por se tratar de publicidade gratuita.


Bonnie ainda se comportava como uma censora, mas Rose entendia que ela tinha que agir assim, por ser a líder e a pessoa mais ajuizada delas todas. Só não entendia por que ela parecia detestá-la, mesmo depois de meses de convivência, trabalhando juntas, e compartilhando momentos de lazer irmanamente.


"Acho que ela não me respeita". Pensava Rose. Isso a deprimia e a fazia dedicar-se mais ainda ao seu ofício, estudando música e aprendendo a tocar os outros instrumentos.


Durante uma apresentação, resolveram cantar em dueto. Era um velho sucesso de Joan Baez, e Bonnie inovou, interpretando a canção de uma forma diferente, enquanto Rose ainda entoava o refrão a La Baez. O resultado ficou muito bom, e a vibração no palco era muito boa. O público ovacionou e as garotas se abraçaram felizes. Por um momento, Rose pensou que talvez Bonnie agora a respeitasse um pouco, e que esse seria o melhor presente que poderia ganhar.


3.


No dia seguinte, Bonnie estava inspecionando os instrumentos e anotando as peças que precisavam ser substituídas ou consertadas.


Judy se aproximou e sentou-se em um dos sofás, enquanto dedilhava um dos mandolins do inventário.


– Quando vai dizer a ela? - Judy puxou conversa.


– Dizer o que e a quem?


– Nicky Mnaj. Afinal de quem você acha que se trata? Estou falando da rosa no jardim.


– Você está cada dia mais louca. Devia manerar na fanta uva.


– Não sou eu quem está apaixonada por Rose. É você, Bonnie.


– De onde você tirou esta idéia?


– Doh! Qualquer um pode ver isso. O modo como você olha pra ela, quando acha que ninguém está vendo. O modo como a segue com o olhar, quando ela se afasta. Está tão apaixonada que não sabe como tratá-la, por isso é tão ranzinza e cruel.


– Você lê muito romance da Harlequin, Judy. Está vendo paixões desenfreadas onde há apenas rotina.


– Me engana que eu gosto.


– Sério, nem todo mundo gosta de passar o tempo trocando de namorada, como quem troca de roupa.


– Bonnie, assim você se arrisca a perdê-la. Qualquer dia ela vai encontrar uma garota que a trate bem e ela vai se amarrar. Nesse dia eu vou ter que te consolar, pois vai ficar de coração partido.


Judy se afastou e Bonnie parou o que estava fazendo. Não queria admitir, mas era tudo verdade. Acima de tudo, tentava ter controle sobre seus sentimentos e seus desejos. Ela não gostava de estar apaixonada pela novata. Não era um envolvimento que ela queria levar adiante, ou deixar florescer. O parceiro ou parceira, que ela procurava na vida, deveria ser alguém estável e confidente, protetor e ajuizado, como seus pais ou como os velhos casais casados que conhecia.


Repentinamente, Bonnie foi tomada de pânico, ao se imaginar casada com um velho, que a tratava como uma garotinha. Largou tudo aquilo e resolveu ir atrás de Rose.


A novata estava sentada em um banquinho ao ar livre, tomando refrigerante, enquanto conversava com uma outra garota, que tinha cabelos verdes e usava camiseta cavada, sem sutiã. Bonnie, viu tudo vermelho. Estava com ciúmes, e não gostava de sentir-se assim.


– Rose, posso falar com você um minuto?


– Claro!


Rose levantou-se e jogou a latinha fora, enquanto a outra garota se afastou. Bonnie lembrou que já vira aquela garota por ali, na platéia, assistindo aos shows. "Uma groupie". Pensou com desgosto.


– Algum problema, Bonnie?


– Na verdade, sim. Um montão de problemas. Cabe a mim aceitar esses problemas e deixar que eles estraguem a minha vida, ou simplesmente virar as costas pra eles, e deixar que se explodam.


– Eu fiz alguma coisa errada, Bonnie?


– Não. Não mesmo. Você só seguiu sua natureza, seus instintos. Você só está fazendo o que te dá na veneta. E isso é perfeitamente normal. A errada aqui sou eu.


– Eu ... eu não estou entendendo ...


– Você nunca entende nada, mesmo. Você não consegue ver o que está diante de seu nariz. É um caso perdido.


Rose continuava sem entender o que Bonnie queria dizer com tudo aquilo. Até que sua chefe perdeu completamente a cabeça e avançou sobre ela, com lábios, dentes, língua e determinação. O beijo foi tão inesperado que Rose esqueceu de respirar.Quando finalmente se separaram, Rose ficou de boca aberta ofegante. Bonnie não parecia estar em melhor estado.


Ao ver que Rose a olhava incrédula e confusa, sem entender nada, ainda, Bonnie resolveu dizer as palavras que mais temia, mas que julgou ser inevitável.


– Eu estou apaixonada por você.


– Pensei ... pensei que me odiasse.


– Eu odeio te amar, mas é algo que não posso evitar, nem lutar contra.


– Por que ... Por que agora?


– Porque eu não quero te perder.


– Não se pode perder... o que nunca se teve.


Bonnie sentiu como se seus pés tivessem ficado presos ao cimento. Ela respirou fundo e colocou a mão na cintura. Sentiu que ia perder completamente o controle e ter uma crise de nervos. Por isso ficou quieta e esperou que as emoções se acalmassem e ela se sentisse melhor.


– Você está se sentindo bem, Bonnie?


– Não, mas ... eu vou ficar bem.


– Venha até aqui. Sente nesse banco um pouco.


Após Bonnie sentar-se no banco, e Rose a seu lado, esta pegou a mão de Bonnie nas suas, e passou a acariciá-las.


– Eu gosto de você, Bonnie. Você é tão bonita e inteligente. Não é difícil me imaginar te amando. - Rose deu um sorriso triste. - O problema é mesmo nossa convivência. Você é perfeita e eu toda errada. Você gosta de lei e ordem, e eu ... sou uma desmiolada. Você disse que odeia me amar. Acho que isso não vai mudar. Você apenas vai descobrir que o ódio vai ficando maior com o passar do tempo, até suplantar o amor. No final você vai lamentar ter me conhecido. E se eu me envolver com você, vou acabar me destruindo nesse relacionamento.


– Cále-se!


– Ok!


– Eu estou disposta a me arriscar. Eu estou disposta a me modificar por você.


– Não faça isso!


– Você vale a pena. O que eu sinto por você vale a pena. - Bonnie começou a chorar.


– Não chora, vá! - Rose começou a chorar também.


– Eu só queria uma chance de ser feliz com você. Por favor!


– Não faz isso!


– Ok! Ok! ... eu só preciso de um tempo pra me recompor. Eu já vou te deixar em paz.


– Bonnie... eu aceito. Eu aceito ser sua namorada.


Bonnie desatou a chorar de novo, e se atirou nos braços de Rose, encharcando o ombro da outra de lágrimas. Depois beijaram-se algumas vezes, até as lágrimas serem substituídas por sorrisos.


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