Evolution: Parte 3 escrita por Hairo


Capítulo 26
Saindo das Sombras


Notas iniciais do capítulo

Prontos para o que vem por aí? Acho que não... hahhahahaha

Quero ver quem acertou o que vai rolar... =p

Boa leitura!! =)



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Capítulo 26 – Saindo das Sombras

Mary Jane estava sentada na sua cama, com as mãos no rosto, respirando pesadamente e claramente perdida nos próprios pensamentos, enquanto a lua descia no lado de fora do grande centro Pokémon. Estivera contando com uma grande vitória naquele dia, e ainda não podia entender como aquilo havia se transformado em uma enorme derrota, sem mais nem menos. Sem nenhuma explicação plausível.

Lembrava-se claramente de cada momento em que estiver no quarto com Dave e Mindy. Lembrava-se de cada palavra da conversa e de tudo o que vira ali. Não havia nada de irregular. Nada fora do lugar. Claro, Mindy nunca fora receptiva com ela, e pelo olhar da garota ela não sabia que a ruiva havia acompanhado Dave e Jake por um tempo após a sua separação. Por um lado, aquilo era positivo. Confiava que Dave a perdoaria, mas apostava com a mesma firmeza que Mindy faria exatamente o contrário.

Já Dave estivera aparentemente arrependido. Depois de descobrir que a maioria das acusações que direcionara a ela eram, na verdade, culpa de Jake, o menino percebera a injustiça que cometera com a amiga. Agora ela só poderia esperar que todos os seus esforços para ajudar a polícia a recuperar Eevee fossem prova incontestável de sua verdadeira lealdade, e fizessem com que o menino, depois de tudo, conseguisse deixar de lado tudo o que ocorrera entre eles.

A garota estava vasculhando sua cabeça em busca de algum sinal que tivesse deixado passar, qualquer coisa que pudesse explicar o súbito desaparecimento do casal de treinadores, mas não estava obtendo sucesso. Frustração nunca fora algo com que ela se desse muito bem. Levantou-se bufando e começou a andar de um lado para o outro. A Equipe Rocker deve ter grampeado aquele quarto e ouvido toda a nossa conversa. E depois deve tê-los sequestrado. É minha culpa que a operação não deu certo.

Eles atrasaram a operação por quase uma hora, na espera de Dave e Mindy, mas quando perceberam que os dois não iriam aparecer, seguiram o plano que tinham antes. Apenas Susan havia ficado para trás para procurá-los. Invadiram o prédio que seria da Equipe Rocket apenas para encontrar uma recepcionista assustada e genuinamente surpresa. A equipe de segurança particular do prédio, assim como todos os funcionários, foram muito prestativos na busca, uma vez que o detetive Henry apresentou o mandado de busca e apreensão, que lhe dava o direito de vasculhar o edifício.

Ainda assim, tudo o que encontraram foram alguns trabalhadores fumando em locais proibidos, dois jovens operadores de informativa com porte de pequenas quantidades de drogas e um diretor com porte ilegal de armas no décimo quinto andar. Todo o resto estava normal. Nada fora do lugar. Apenas um prédio comercial, com empresas e escritórios de advocacia espalhados de andar a andar e um grande estacionamento de três andares no subsolo.

Tinham conseguido acesso a planta do prédio disponível na prefeitura da cidade, mas nem isso mostrou nenhum tipo de esconderijo secreto de onde a Equipe Rocket pudesse estar operando. Nada daquilo fazia sentido, e Mary Jane não sabia porquê. Havia testemunhado pessoalmente Blaine entrando e saindo do prédio uma enormidade de vezes na última semana. Eles haviam levado a recepcionista para a delegacia, para prestar depoimentos, uma vez que ela alegava nem ao menos reconhecer a foto do cientista, mas o próprio detetive havia dito para a ruiva que as evidências da recepcionista seriam de pouquíssimo uso, e se eles não conseguissem provar nada, teriam de liberá-la em vinte e quatro horas, no máximo.

Mary Jane acreditava na moça, que foi levada para a delegacia algemada e em lágrimas. Ela parecera genuinamente surpresa e assustada desde o início, e havia se mostrado altamente prestativa durante toda a operação policial. Ou era uma mentirosa muito hábil, ou era inocente. E em ambos os casos, a polícia pouco podia fazer para prendê-la ou fazê-la entregar seus possíveis companheiros de crime.

A agente Rocket que fora capturada a caminho de Pallet também continuava encarcerada com a polícia, mas Mary Jane e Susan haviam conversado a fundo durante a reunião sobre os métodos questionáveis usados pela mulher mais velha para fazer com que a criminosa revelasse suas informações. A polícia teve de se fazer de surda, ou então seriam obrigados a prender Susan ali mesmo por tortura. Só o detetive Henry e um homem de sua confiança ouviram o relato, porém, e deixaram aquilo passar, em vista das situações. Mary Jane discordava daquele tipo de atitude, mas aquela não era a hora nem o local para discutir. O importante era que todo o tipo de informação que eles teriam esperanças de extrair da agente já fora tirada. Qualquer coisa que ela ainda não houvesse dito, permaneceria sem dizer.

O detetive naquele momento estava tentando conseguir um mandado de busca para o ginásio, para que pudessem averiguar a existência do túnel que Susan mencionara na reunião, mas a própria Susan já havia ido até lá, após a operação, e não encontrara a entrada. Ficara terrivelmente irritada por ter deixado a agente Rocket, mesmo sob tortura, lhe enganar. O detetive disse que seria muito difícil qualquer juiz conceder aquele mandado, devido à influência da Liga Pokémon e, principalmente, por que qualquer juiz iria querer saber ao menos como a informação fora obtida, e aquilo seria um grande problema para Susan.

Para Mary Jane aquilo não importava. Nem ao menos valia a pena perder tempo com o mandado, uma vez que Susan buscara o túnel e não o encontrara.

O que importava mesmo era que agora, além de Eevee, Dave e Mindy estavam desaparecidos. A polícia só considerava alguém oficialmente desaparecido depois de vinte e quatro horas sumido, mas até mesmo o detetive admitia que a maior probabilidade era de que o casal estivesse sob a custódia da Equipe Rocket. Susan parecia inconsolável e incrivelmente irritada. Mary Jane sabia que ela teria subido em seu Charizard e ido atrás da filha imediatamente, até mesmo sozinha, se ao menos soubesse para onde voar.

Alguma coisa dera terrivelmente errado aquela tarde, e nem ela, nem Susan nem a polícia pareciam ter a mínima ideia do que havia sido. Apenas algumas coisas podiam ser ditas com absoluta certeza. Dave e Mindy estavam desaparecidos. A operação de desmantelamento da Equipe Rocket havia falhado. E ninguém sabia o que fazer para reverter essa situação. Estavam de volta à estaca zero novamente. Se aceitar a derrota fosse uma opção possível, eles não teriam o que fazer, se não àquilo.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Dave acordou com uma forte dor na parte de trás da cabeça, onde havia recebido o golpe que o apagara. Levou a mão à nuca e se arrepiou ao sentir um pequeno pedaço de pele irritado, com um minúsculo furo no meio, quase do tamanho de uma picada de mosquito. Além do golpe, algum tipo de sedativo deve ter sido usado para mantê-lo inconsciente, ele percebeu. Não sabia onde estava, ou sequer quanto tempo ficara desacordado.

Tudo a sua volta estava escuro, em tons de cinza e preto, mas ele conseguia ver sua sombra no chão, o que indicava ao menos uma fraca fonte de luz vinda de trás de seu corpo. Virou-se instintivamente e percebeu uma pequena janela gradeada. Estava escuro do lado de fora, mas ele conseguia ver o brilho dos prédios e dos postes de luz vindo de algum lugar abaixo. Estava em algum lugar alto, provavelmente um prédio, mas não podia dizer se a cidade ainda era Veridiana.

Não podia nem dizer que horas eram. Queria concluir que passara apenas uma parte daquele mesmo dia desacordado, mas isso era impossível de provar. Por tudo o que sabia, ele poderia ter passado uma semana sedado e nada poderia lhe indicar aquilo. Sabia que estava com fome e com sede. Com muita fome e sede.

Observou os arredores e percebeu mais dois corpos imóveis, aparentemente desacordados, mas estava escuro demais para reconhecê-los. A sala era ampla, mas ainda assim os corpos estavam bem próximos um do outro. O menor deles estava sentado apoiado em uma parede, a cabeça caída de um modo que o queixo tocava o centro do peitoral. O maior estava deitado da mesma maneira que o menino estiveram há pouco.

Mindy, ele pensou, fazendo um brusco movimento para se levantar. Aquilo pareceu acordar quem quer que estivesse sentado, mas Dave não se importou. Aproximou-se da menina, sem prestar atenção a mais nada ou ninguém.

– Ela está sedada. Deve acordar em breve – disse uma voz que Dave conhecia muito bem, mas que não esperava ouvir novamente.

Ele levantou os olhos da garota desacordada e fitou, cheio de confusão e raiva, a fria expressão de Jake sentado ao seu lado.

– Você... – Disse Dave, pego de surpresa. – O que você está fazendo aqui?!

Jake se levantou e deu um passo atrás, aparentemente preocupado com que Dave fosse repetir o que fizera da última vez que se encontraram. Dave podia ver a marca onde ele havia desferido o soco, mas levou alguns momentos a mais para se lembrar de que a sua marca já deveria ter sumido. Aquela aparentava ser nova.

– Calma... – disse o garoto, cauteloso. – Eu estou na mesma situação que você aqui. Somos todos prisioneiros.

Dave ainda estava sem palavras. Na verdade, estava quase sem ar. Aquilo não fazia o menor sentido na sua cabeça. Se Jake estivera trabalhando com a Equipe Rocket, por que ele estava preso ali? Será que ele tinha sido enganado? Será que ele tinha sido injusto com o garoto? Dave vislumbrou aquela hipótese por um momento, percebendo o quanto queria acreditar naquilo, mas então se lembrou de que não era possível. Ele confessou...

– Eles colocaram você aqui para conseguir alguma coisa. Para me enganar novamente – concluiu, irritado. – São muito estúpidos se acham que eu vou cair no mesmo truque duas vezes...

– Não, eles me colocaram aqui para me matar... – disse Jake, sem vacilar. Dave não esperava aquela resposta.

– Te matar? Por que eles querem te matar?

– Por que eu sei demais. Porque eu estive com o Eevee, observando-o, estudando. Eu não descobri nada, é verdade, mas eles não acreditam nisso.

– Quem não acredita nisso sou eu. Você é um bom mentiroso, Jake. Será um bom agente, quando crescer.

– Eu não vou crescer, Dave. Eu vou morrer... – disse o garoto, novamente. Dave pensou ter ouvido sua voz falhar, como se o garoto estivesse prestes a chorar, mas a escuridão lhe deu cobertura, e ele se recuperou. – Eu vim atrás da Equipe Rocket, sim, mas para resgatar o Eevee. Sou só um garoto, mas gosto de pensar que sou inteligente. Sabia que o número para que eu ligava para fazer contato era de Saffron. Por isso vim até aqui.

– Saffron? Estamos em Saffron?

– Sim, estamos.

Como é que viemos até aqui? A última coisa que me lembro era Veridiana.

– Vim até aqui e achei Jack e Jody – continuou Jake. – Tentei descobrir mais informações, mas eles me descobriram primeiro. Ouvi com meus próprios ouvidos quando ordenaram a minha morte. Jody foi quem os convenceu que ainda não era o momento. Acho que ela realmente gosta de mim...

Aquilo era muito para a cabeça de Dave processar, principalmente com Mindy desacordada ao seu lado.

– Ela disse que não sabe quanto tempo conseguiu comprar para mim, porém, mas me prometeu que iria ao menos tentar salvar a minha vida. Honestamente, eu duvido que ela consiga. Eu sei que você não sabe, mas ela não é uma pessoa muito importante aqui dentro.

– E você acreditou nisso tudo?

– Sim, acreditei. Talvez ela esteja mentindo, eu sei, mas que uso eles teriam para mim? Eles tem vários cientistas a seu serviço. Os melhores, eu desconfio. Não tem por que me manter vivo. Assim como não tem por que manter vocês.

– Eles não gostam de matar – disse Dave, percebendo aquilo pela primeira vez.

– Mas mataram Kato... – respondeu Jake, sem entender.

– Sim, mas precisaram. Kato sabia demais, e tinha um risco menor. Matar pessoas gera problemas que eles preferem evitar. – Como aquilo estava claro na cabeça do garoto ele não sabia, mas precisava acreditar naquilo, para continuar a ter esperanças de sobreviver. – Uma morte gera um corpo, um desaparecimento, um grupo de pessoas próximas à vitima que sentirá a sua falta e que exigirá respostas. Eles são capazes de matar, sim, mas sabem que é um risco que não se deve correr sem necessidade.

– Então você acha que eles não vão correr esse risco comigo? Acha desnecessário?

Dave considerou aquilo por um momento, mas não gostou do que concluiu.

– Não sei – disse finalmente. – Nós sabemos onde está a sua base, e temos algumas, mesmo que poucas, informações sobre o Eevee. Conhecemos algumas vozes e rostos. Somos um risco para eles. Não um grande risco, mas ainda assim, um risco. Não sei se valeria a pena nos matar.

Jake respirou fundo enquanto Dave ainda olhava para ele perdido em pensamento. No lugar do chefe da organização, Dave não os mataria, mas ele não tinha certeza se sua mente funcionava do mesmo jeito que a deles. Na verdade, tinha fortes desconfianças de que não. Mas ali, com Mindy em seus braços, ele não era capaz de pensar naquilo por muito tempo. Estava preso na sede da Equipe Rocket, junto com uma pessoa que ele odiava e outra que ele amava, cada vida pendendo por um fio. E não tinha a menor esperança de conseguir escapar.

Naquele dia ele descobriu o quão calmo e silencioso podia ser o desespero.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

– Senhor, Blaine está aqui para falar com você.

– Mande-o entrar, Gabrielle.

Geovanni estava sentado acariciando o macio pelo de seu Persian. Havia estado com Blaine mais de uma vez desde que ele voltara do exilio, mas não tivera a oportunidade de verdadeiramente falar com o cientista aposentado. Odiara tê-lo deixado partir após o fiasco do projeto de Eevee meses antes, mas ele havia provado que aquela fora uma decisão acertada. O homem manteve a sua lealdade a equipe, e ainda colaborou no assassinato de um dos maiores riscos que Geovanni tinha a solta. Justamente o riso que um dia havia sido seu tão estimado pupilo.

A recente demonstração de eficiência e disciplina também o haviam agradado profundamente. Não era fácil colocar o plano de evacuação de uma sede em atividade, e ele confiava apenas nos seus agentes mais bem treinados e experientes para tal missão. Limpar um prédio de todos os vestígios de sua presença já seria um desafio grande o suficiente para qualquer um, mas aquilo não era suficiente. Eles precisavam criar um ambiente que parecesse verdadeiro e, acima de tudo, constante, para substituir toda a sua estrutura.

Empresas falsas, com empresários falsos, que estavam operando no prédio há anos, eram mais do que uma maquiagem a mais, mas um truque necessário para deixar a polícia perdida e sem direção. Fora um grande riso deixar aquela operação ao cargo de Blaine, mas ele não decepcionou. Conseguiu evacuar o prédio e estabelecer os seus “novos donos” mais de vinte e quatro horas antes da chegada das forças policiais.

E ainda conseguiu me capturar um prêmio de bônus em Veridiana. Definitivamente não se fazem mais criminosos como antigamente...

A presença de Dave e Mindy, agora prisioneiros junto ao seu amigo traidor Jake era algo com que o líder da organização não contara, mas que apreciava mais do que se permitia admitir. Por tanto tempo estiver atrás daquele grupo de adolescentes, por tanto tempo sua maior preocupação era o seu movimento e as suas ações, e agora ele os tinha ali, a mercê de seus dedos, prontos para sofrer ou fazer o que quer que ele gostaria que fizessem.

No fundo ele sabia que Eevee era o maior culpado de tudo aquilo. Por mais espirituosos que fossem os jovens, eles não tinham metade da capacidade mental daquele incrível Pokémon. Não havia nada naquele mundo como Eevee, a não ser as coisas que estavam escritas nas mais antigas lendas do planeta. Ainda assim, uma parte dele ressentia os jovens. Afinal, aquele incrível Pokémon escolhera a companhia deles, em vez de tudo o que ele mesmo estava lhe proporcionando. Sim, tivera pouca responsabilidade nos poderes de Eevee, mas sabia que ele nunca fora tão forte como era agora, e isso sim era inteiramente por causa do treinamento intenso e exaustivo oferecido pela Equipe Rocket, um nível infinitamente superior ao que qualquer treinador pudesse lhe proporcionar.

Ali, Eevee poderia se transformar em uma das criaturas mais poderosas do planeta, se não a mais poderosa, caso nenhuma das lendas se provasse ser verdadeira. E aqueles estúpidos garotos nunca perceberam isso... Como são ingênuos. Concluiu.

– O senhor queria me ver, chefe? – Blaine continuava o mesmo homem sério e centrado que fora na sua juventude, mas havia algo de diferente nele agora que voltara, Geovanni notara. Ele parece sempre estar com raiva...

– Sim, gostaria de falar com você, especialista Blaine. Não tivemos a chance de discutir o seu exilio desde que retornou.

Sentiu o choque de medo que subiu pela espinha do velho cientista e apreciou o momento. Sentia-se bem quando via que mesmo aquelas pessoas aptas e capazes ainda sentiam-se intimidadas com o seu julgamento. Sim, ele estava muito satisfeito com Blaine, apesar de tudo, mas não pretendia deixar aquilo tão claro para ele. Sabia muito bem a utilidade do medo.

– Senhor, com todo o respeito, acreditava que já havíamos discutido todos os termos quando deixei a organização pela primeira vez.

– Você nunca deixou esta organização, especialista. Sabe muito bem disso. Caso contrário, não estaria aqui agora.

Blaine não respondeu, engolindo o que Geovanni entendeu como mais uma pequena pitada de raiva. O homem já adquirira experiência em esconder as suas emoções, mas o chefe ainda o conhecia bem demais para deixar qualquer coisa passar.

– Você estava meramente afastado – continuou. – Um afastamento merecido, sem dúvidas, afinal você atingiu o que muitos antes de você não haviam atingido. O simples fato de identificar o gene responsável pela regeneração das células de Eevee foi um tremendo passo para nós, e acreditávamos – o senhor incluso – que poderíamos continuar o resto da pesquisa sem a sua ajuda. A sua idade já estava lhe impondo mais obstáculos do que aos outros cientistas.

Blaine sentira aquele golpe, Geovanni percebera. Sabia que o homem era orgulhoso e que não gostava de ser chamado de velho, nem mesmo reconhecendo a própria velhice. O líder, porém, gostou de perceber que ele conseguiu manter-se calado. Quantos anos e castigos precisei lhe impor para que aprendesse essa preciosa lição? Tentou-se lembrar, sem sucesso.

– Mas agora está de volta, pois parece que mesmo que fuja do seu objetivo, seu objetivo vai até você. E você demonstrou um senso de lealdade muito raro, além de sua reconhecida competência nas últimas semanas. Estou grato por isso.

Agora que já havia suportado as provocações, não havia por que não elogiá-lo. Justiça, afinal, era o que impunha o tipo de lealdade que aquele homem demonstrara. Um grande exemplo para todos na organização.

– Você será condecorado, especialista, e terá sua posição de volta, caso a deseje.

– Agradeço o reconhecimento, senhor, mas, se me permite sinceridade, preferiria voltar a minha ilha e aos meus modestos projetos científicos.

Geovanni sorriu por um momento. Já havia deixado Blaine se afastar uma vez, e conhecia as objeções que o homem tinha a sua linha de trabalho. De algum modo, mesmo morto, as ideias daquele pupilo idealista ainda o influenciavam de um modo que seu superior não conseguia entender. Era para o professor ensinar o aluno, e não ao contrário... Ainda assim, o homem se mostrara digno daquilo que pedia, e Geovanni estava inclinado a lhe conceder seu desejo. Afinal, caso no fim percebesse que ele era necessário, sabia muito bem onde encontrá-lo.

O telefone tocou subitamente, capturando a atenção do magnata do crime antes que ele pudesse responder ao pedido de seu empregado. Ele sabia que Gabrielle nunca deixaria que seu telefone tocasse no meio daquele encontro a menos que o assunto fosse de extrema relevância. Será que temos novos problemas com o Eevee? Pensou, mantendo o susto para si mesmo.

– Um momento, especialista – disse, ao sacar o telefone. Nem mesmo precisava dizer uma palavra para que Gabrielle entendesse que podia lhe falar.

Um sorriso apareceu na boca do homem ao telefone e ele não pode deixar de arregalar os olhos com a notícia que estava recebendo. Sua felicidade era palpável e ele parecia até mesmo ter perdido o ar por instantes. Geovanni raramente deixava seus sentimentos transparecerem tanto quanto transpareceram naquele momento. Blaine permaneceu impassível, talvez até mesmo com mais raiva.

– Obrigado pela notícia, Gabrielle. Aguarde um momento por mais instruções.

Desligou o telefone com um baque e levou as duas mãos à boca, exalando uma respiração funda, carregada de leveza e de sucesso. Levou alguns minutos em silêncio, enquanto Blaine continuava a observá-lo. Parecia que sua mente estava trabalhando em uma velocidade extremamente alta e o homem mais velho sabia que não deveria interromper o seu superior quando ele estava daquela maneira, não importa por quanto tempo ficasse calado.

– Blaine – ele finalmente falou, ainda hesitante, olhando para a mesa de madeira vazia a sua frente. – Acho que não posso conceder o seu desejo. Preciso que você continue o trabalho em Eevee. Sozinho.

Blaine fora pego de surpresa. Estava preparado para uma negativa, mas não para o que se seguira.

– Sozinho, senhor? Mas isso atrasaria muito o progresso...

– Não me importo – Geovanni disse, bruscamente. Sua mente estava, sem sombra de dúvida, em um lugar completamente diferente. – Eu preciso de toda a sua equipe para um outro objetivo.

– Qual objetivo, se me permite perguntar, senhor?

– Preciso transformar lendas em realidades – Ele respondeu, simplesmente.

*-*-*-*-*-*-*-*-*

Mindy levou mais tempo do que o garoto para acordar, Dave não sabia porquê. Talvez o sedativo que lhes deram fizera um efeito mais forte no seu corpo. Os minutos em que ela passara desacordada foram os piores. Jake se afastou e sentou-se no outro lado da cela onde estavam presos. Dave não via nenhuma saída da sala, apenas paredes brancas. A única exceção era a janela, e o menino passou boa parte do tempo tentando adivinhar por que, apenas para alcançar o que sempre alcançava quando tentava entender a Equipe Rocket: nada.

Quando Mindy acordou, porém, o menino quase desejara que ela voltasse a dormir. Ao ver Jake, explodiu em lágrimas e acessos de raiva, e Dave teve de segurá-la para que ela não agredisse o menino mais novo. “Traidor” foi a palavra mais leve que ela usou, e chegou até mesmo a responsabilizar o menino pela morte de Kato, seu pai. Não que Dave achasse que Jake não merecesse, mas brigar ali não lhes traria benefício algum e talvez deixassem quem quer que estivesse tomando conta deles muito irritado. Era um risco que ele não estava disposto a correr.

Depois disso, o silêncio reinou por mais tempo do que Dave conseguiu contar. O dia já havia amanhecido, e pela luminosidade do lado de fora já havia passado da metade do dia, e ainda assim ninguém havia lhes trazido comida ou bebida. E eles continuavam sem nenhuma informação. Sentados em um canto oposto a Jake, Dave e Mindy não podiam fazer muito mais do que sentar-se abraçados, confortando um ao outro, enquanto ouviam e observavam seu antigo companheiro controlar as lágrimas.

Somente a noite os prisioneiros descobriram onde era a porta. Ou quase isso. Uma pequena janela se abriu na parede oposta a janela já existente. Nada mais do que uma buraco retangular, um pouco mais largo do que as regulares aberturas para o correio nas portas de muitas casas. Por ali, três bandejas de comida e três garrafas de agua foram lançadas para dentro do aposento.

Dave e Mindy hesitaram em comer a pasta sem cor que lhes deram como comida, mas a fome era maior do que o nojo. Tiveram um grata surpresa quando descobriram que o gosto era ligeiramente salgado, quase como o de pão. Nunca tinham provado nada como aquilo antes, e não podiam dizer que era verdadeiramente saboroso, mas parecia nutritivo e tinha um gosto neutro, quase agradável. Cada garrafa de agua, eles calcularam, tinha cerca de um litro, então concordaram em beber metade para matar o longo período de sede, e economizar o resto para beber em intervalos regulares até a próxima entrega, se é que haveria uma.

Depois de comer, Dave e Mindy foram explorar a parede pela qual a comida entrara, e se surpreenderam quando não foram capazes de encontrar nenhum vestígio de uma abertura, ou simplesmente uma divisão que indicasse a existência de uma porta de saída, ou ao menos do pequeno espaço pelo qual receberam comida, que eles sabiam existir. Frustrados, não tinham outra opção que não voltar às suas posições originais e esperar, mesmo sem saber pelo que.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Blaine quase esqueceu de seus prisioneiros naquela dia, lembrando-se apenas pela noite que tinha de providenciar comida e bebida para eles. Na verdade, esquecer era uma maneira exagerada de ver a coisa. Ele era um cientista, acostumado com um trabalho de laboratório, e não um carcereiro. Geovanni não brincara quando lhe disse que ele estaria sozinho para cuidar de Eevee. Apenas dois agentes continuava no projeto que ele agora comandava, e agentes era, mais uma vez, uma maneira exagerada de ver a coisa. Estavam mais para guardas de luxo.

Gabrielle havia lhe dito que Jack e Jody estava em treinamento, e lhe contado que foram eles que tinha encontrado Eevee e ajudado a monitorá-lo desde então. Quando os conheceu, Blaine não teve dúvidas de por que aquela missão havia sido tão complicada. Não entendia como alunos como aquele conseguiam sobreviver ao treinamento báscio dos agentes. Ainda assim, Gabrielle lhe deixou claro que eles não deveria ser transferidos para nenhuma outra função que não relacionada ao projeto Eevee.

Blaine tinha muitos anos de experiência na organização para saber o que aquilo significava. Os dois provavelmente se envolveram nas operações por acaso, e agora estavam próximos de mais do caso para poder se afastar livremente, mas não se provaram ser de confiança o suficiente para lidar com qualquer outra coisa. Blaine temia pelo futuro dos dois uma vez que o projeto chegasse ao fim, mas nem ao menos se permitia considerar inseri-los em seus planos.

Ele nunca esperara que Geovanni lhe permitisse sair ileso da Equipe Rocket. Nunca acreditara que, uma vez que recolocado na posse de Eevee, o homem fosse afastar o cientista chefe do projeto. Anos antes tentara apresentar seu conhecido, o Dr. Fuji, para assumir seu lugar, mas Geovanni nunca demonstrara interesse no homem até pouco tempo atrás, quando ele foi considerado um dos mais brilhantes cietistas genéticos da atualidade pelos jornais.

Blaine sabia que as reportagens que patrocinara sobre Fuji atingiriam o chefe do crime organizado de um jeito ou de outro. Um novo especialista em genética seria necessário, agora que Blaine estava aposentado, mas ele sempre soube que Geovanni não arriscaria outro homem chefe no projeto de Eevee. Quando saiu, deixou Kato no comando, mas quando Kato permitiu que Eevee fugisse, tudo foi por água abaixo. E agora, Kato não estava mais disponível. Blaine estivera com ele desde o começo, e era o mais apto a continuar a pesquisa e atingir os objetivos necessários. Blaine, porém, tinha outro motivo para querer Fuji no radar de seu chefe.

Quando se afastou do projeto, o cientista sempre soube que uma vez que eles encontrassem uma barreira maior, que os cientistas não conseguissem ultrapassar, ele seria o primeiro nome na lista de procurados por Geovanni. E se antes estivera cansado de trabalhar para o crime, agora aprendera a se arrepender. Sua vida inteira estava nas mãos da Equipe Rocket, e ele era muito orgulhoso para permitir que aquilo acontecesse. Não estava disposta a ficar esperando a próxima vez que seria necessário, para ser convocado a contribuir sem ter opção.

Não, ele tinha que por um fim a isso tudo. E essa oportunidade apareceu quando Kato entrou em sua sala. A ideia de seu antigo prodígio era complexa, arriscada e envolvia um sacrifício que Blaine não estava disposto a cometer inicialmente, mas quando Kato lhe contou que precisava fazer aquilo para salvar a vida de sua filha, Blaine não soube como responder. Sentiu pena do seu discípulo e colega de profissão.

Aprendera ao observar as operações criminosas que, para quem quer que estivesse fugindo ou sendo feito de alvo, o pior que podia acontecer era ter a sua família exposta. Nem mesmo Kato sabia de sua filha até que ela saísse em jornada, mas quando descobriu que a menina estava diretamente envolvida com o Eevee de Geovanni, ele sabia que era apenas uma questão de tempo até que ligassem um ao outro.

E uma vez que alguém fizesse aquela conexão, a vida da garota estaria acabada. Não literalmente, Kato sabia, mas ela seria mantida sob constante vigilância, e usada com peça de coerção toda vez que Kato discordasse ou quebrasse qualquer regra. Kato seria um escravo, e a menina sofreria toda vez que quisessem alguma coisa dele. E ele não estava disposto a deixar aquilo acontecer. Blaine já havia visto aquela história se repetir vezes demais para se opor. Não desejava aquele destino a ninguém.

Kato sacrificou-se para que a Equipe Rocket não tivesse motivos para perseguir a menina, mas ele também sabia que ela os perseguiria. Talvez Blaine conseguisse convencê-la de fugir, mas aquilo ainda a colocaria em risco uma vez que ela não se separaria de Dave, e, consequentemente, de Eevee. Não, não bastava sacrificar-se para salvá-la. Era preciso por um fim ao projeto de Eevee. E aquela era a parte mais complicada de todas, e a responsabilidade que Blaine jurara assumir por ele.

Ele estivera severamente preocupado nos últimos dias, sabendo que a pequena aventura de Dave e Mindy havia falhado e agora os dois estavam presos, sob as garras de Geovanni. Planejara fazer com que os dois estivessem envolvidos de mais com as operações policiais para agirem sozinhos, mas fizera a leitura errada da situação, e os dois acabaram ali.

Blaine, tentara ajudar a polícia em sua operação, e agiu da melhor maneira que podia para confirmar a eles que prédio atacar, mas ainda assim eles atrasaram a operação. Isso deu tempo suficiente para que o plano de evacuação fosse executado com perfeição. Blaine já arriscara demais entrando e saindo do prédio durante o processo. Tinha que garantir que a execução seria infalível, ou Geovanni o poderia considerar responsável, o que prejudicava as fases seguintes. Se a operação tivesse dado certo, Dave e Mindy estariam presos interrogando milhares de agentes atrás de informações que nenhum deles teria para oferecer, dando a Blaine tempo e calma para trabalhar.

Pretendia colocar um fim naquilo tudo sem a ajuda dos dois, mas agora esperava poder se aproveitar ao menos das vantagens que a sua companhia trazia. O risco era grande, sim, e talvez Kato não o perdoasse jamais, mas Kato não estava mais ali, e ele tinha que fazer o melhor que podia com o que tinha em mãos. E com Dave ali, as coisas poderiam, no final, ser mais fáceis.

O passo seguinte era aquele em que Blaine tinha mais confiança, e, ainda assim, era o que mais lhe atormentava. Ele precisava distrair Geovanni. Fazê-lo deixar o projeto de Eevee de lado, pelo menos por enquanto. E sabia que a única maneira de fazer isso era entregando-lhe um projeto maior. O problema é que quanto maior o projeto, maior os riscos que ele envolvia. Se tivesse sucesso, talvez Geovanni se tornasse ainda mais poderoso do que seria caso tivesse sucesso com Eevee. Blaine, porém, não podia se preocupar com isso. Ele tinha um promessa a cumprir.

O cientista teve que usar de suas recentes descobertas para indicar ao chefe criminoso um caminho para encontrar uma lenda. Claro que não diretamente, mas ele ainda tinha contatos na Equipe que lhe permitiam deixar migalhas que alguns agentes mais competentes pudessem encontrar. Era um sacrifício também de todo o seu trabalho e reputação, mas isso valia menos do que a sua vida, no final. Ele não queria morrer como o conhecido descobridor de um Pokémon lendário. Queria viver feliz e em paz, e cumprir a promessa que fizera ao seu aluno. A obsessão pela lenda era algo que cabia apenas na mente de Geovanni.

Mas essa era uma lenda que, se provasse ser verdadeira, poderia mudar a história da humanindade e do mundo Pokémon. Um Pokémon que, se de fato existisse, abriria a possibilidade para que o criminoso que agora o caçava criasse o Pokémon mais forte de todo o mundo conhecido. Pensar naquilo arrepiava Blaine, mas fora a única maneira que conseguiu pensar de salvar Eevee. A única maneira que conseguiu pensar de salvar a filha de Kato. A única maneira de se salvar.

A movimentação na sede era enorme. Mesmo depois de tanto tempo, o cientista nunca havia visto tanto alvoroço na sede da Equipe Rocket, e aquilo o assustava. A única coisa que podia fazer, porém, era rever e repensar cada passo que teria de dar dali em diante. Só assim poderia se sentir seguro com o seu sucesso, enquanto mantinha todas as dúvidas e toda a sua culpa fora de sua cabeça. Está feito. Agora não posso mais voltar atrás... ele se repetia. Agora eu só tenho que esperar um ou dois dias, e ai começar a fase final. Quando tudo estiver um pouco mais calmo, conseguiremos sair daqui. Ou morreremos tentando.

*-*-*-*-*-*-*-*-*

O sol já havia se levantado três vezes antes que alguma coisa mudasse na rotina de Dave, Mindy e Jake. O trio fora mantido preso sem nenhum tipo de contato com o mundo externo, que não através da janela do alto do prédio. Eles não sabiam o que estava acontecendo, nem por que estavam ali, mas já começavam a se acostumar.

Em intervalos agora regulares a pequena fresta da parede se abria para introduzir uma refeição e um pouco de água. A comida havia melhorado desde a primeira noite, e eles já se sentiam seguros o suficiente para não racionar água. Não tinham mais o mesmo medo de não serem servidos e ficarem longos períodos com fome e sede.

Jake tentara gritar por ajuda pela fresta duas vezes no segundo dia, e espiando para fora disse achar ter visto o cabelo roxo de Jody, o que apenas o fez gritar mais por ajuda. Mais tarde, porém, até o menino mais novo não estava certo de que realmente vira o cabelo da agente que ele acreditava ser sua amiga. Dave e Mindy sabiam que, mesmo que a mulher não houvesse mentido para ele — o que eles achavam muito improvável —, ninguém ali os ajudaria.

O tratamento de silêncio que Dave e Mindy tentaram da a Jake no começo de seu confinamento não perdurou por muito tempo. Jake continuava a pedir desculpas incessantemente, e o menino mais novo tinha um talento especial para continuar falando a mesma coisa de maneiras diferentes, até não ter mais ar para falar. Então, ele respirava fundo, e repetia tudo de novo.

Em pouco menos de um dia o casal já havia desistido de ignorá-lo, e Dave ameaçou agredi-lo se ele não mudasse de assunto. O garoto pareceu entender que aquele não seria o melhor caminho para recuperar os seus amigos, e desde então os três haviam conseguido manter uma convivência mais pacífica.

Jake lhes contou como saiu de Cinnabbar com seu Blastoise. Foi interceptado no meio do caminho por Jack e Jody, que perceberam que o garoto estava na trilha dos agentes. De acordo com Jake, os dois tentaram lhe convencer a deixar tudo de lado e voltar a sua cidade natal, mas Jake insistira em lutar com eles. Contou com tristeza que fora vencido e capturado como prisioneiro, mas ainda assim Mindy e Dave seguiam céticos e desconfiados do rapaz.

— Eu sei que vocês ficaram decepcionados comigo, mas eu juro que não fiz por mal.

— Não ficamos apenas decepcionados, Jake — Dave sabia que precisava ser firme com o garoto. — Perdemos a confiança em você. Não sei mais se posso acreditar em nada que você diga.

— Mas você pode, eu juro que pode! — Dissera — Eu juro!

— Jurar não basta — completou Mindy. — O que você fez destruiu toda a confiança que tínhamos em você. Se você a quer de volta, tem que construí-la de novo. E para isso, apenas palavras não são mais suficientes.

— O que vocês querem que eu faça, então?

— Nada, Jake. Eu só quero ficar em paz até que eles decidam o que fazer com a gente. – Dave se virou, deitou no chão frio de costas para o menino e fechou os olhos. Apenas sentiu quando Mindy deitou ao seu lado e passou o braço pela sua cintura, se aconchegando contra o corpo do rapaz.

Do outro lado da sala, ouviam soluços de um choro quase silencioso.

Na manhã do terceiro dia, pouco depois da primeira refeição do dia, o grupo foi surpreendido pelo momento pelo qual estiveram esperando. No local onde normalmente se abria a fresta para a refeição, uma grande porta se abriu para o lado. Os pratos e pequenas garrafas de água já estavam empilhados dentro do aposento onde estavam, e por um momento pensaram que estava indo apenas limpar o lugar, mas quando Jack e Jody entraram e param com as mãos para trás ao lado da porta, dentro do aposento, perceberam que alguém mais estaria ali.

– Jody, tire a gente daqui! Você tem que ajduar a gente! – disse Jake, assim que viu a mulher de cabelos roxos. Os dois trocaram um olhar piedoso, mas ela não disse uma palavra sequer.

Os três prisioneiros se levantaram no momento em que Blaine entrou na sala. Mindy conseguia ouvir o grito de seu pai enquanto morria engolido pela lava quando olhava para o cientista Rocket. Dave pegou em sua mão, em parte para confortá-la, em parte para segurá-la caso ela decidisse pular sobre a garganta do homem. Não que ele não tivesse vontade de fazer o mesmo, mas sabia que ali não era o melhor lugar para aquilo.

— Bom dia, garotos. Peço desculpas pela demora em vir visita-los, mas estive fazendo alguns preparativos muito necessários.

— Preferia ser esquecida aqui a ter de olhar para você novamente — respondeu Mindy, arrancando um breve sorriso do homem.

— Eu sei que sim, Srta. Noah. Felizmente, essa decisão não é sua. Não se preocupe, porém. Não vim aqui falar com você.

— O que você veio fazer aqui, então? — perguntou Dave, tentando se manter seguro de si.

— Eu vim falar com o senhor, jovem Hairo. Temos assuntos de urgência para tratar, eu e você.

— Não tenho nada a tratar com você... – Dave deu um passo atrás, ainda segurando a mão de Mindy.

— Eu sei que o senhor imagina que não, garoto, mas você virá mesmo assim. Imagino que esteja curioso para ver seu Eevee, não está?

Dave sentiu um arrepio correndo pela sua espinha e até Mindy se virou para observar a expressão do garoto. Blaine sabia que Dave não iria recusar uma oportunidade de ver o amigo que viera resgatar.

— Onde ele está?! — Dave tentava disfarçar a raiva e a ansiedade em sua voz, sem sucesso. — O que vocês fizeram com ele?

— Nada — respondeu Blaine. — Ainda. Tirando o sedativo que o demos quando o usamos de isca para capturar vocês, é claro, mas vocês é que tem de se culpar por isso. Quando o chefe viu vocês pelo sistema de segurança do ginásio, não resistiu à tentação e ordenou que fizéssemos aquilo. Acredito que ele tenha dado boas risadas com a sua expressão quando Eevee foi tirado de seu colo uma vez mais.

Dessa vez, fora Mindy quem apertara a mão de Dave para que o garoto não tentasse partir para cima do homem mais velho.

— Se você me acompanhar, Dave. Posso te levar até Eevee. Os outros dois ficam aqui.

Blaine deu as costas e deu um passo em direção a porta.

— Sem eles, eu não vou. — disse Dave, em tom definitivo.

— Ora, rapaz, não seja tolo. É claro que você vem...

E então saiu.

— Vai! — Disse Mindy, baixinho para ele. — Vai logo, antes que mudem de ideia!

Dave hesitou, mas sabia que a menina estava certa. Não podia deixar de seguir o cientista.

— Eu vou voltar.

— Eu sei que vai — ela disse, se aproximando para um beijo rápido. — Agora, vai logo!

E então Dave, sem ter muita opção, saiu atrás de Blaine pela porta.

*-*-*-*-*-*-*-*-*

O local era muito parecido com o andar que ele e Mindy exploraram em Veridian, todos os corredores completamente brancos e aparentemente sem portas. Era muito confuso andar por ali, e ele mal conseguia entender como Blaine não se perdia. Ainda assim, o homem mais velho parecia saber exatamente onde virar, sem titubear por um momento sequer. Dave pensou diversas vezes em fugir, sabendo que poderia correr mais rápido que o velho, mas aquele lugar lhe tirara qualquer esperança.

Ele não vai precisar correr. Um guarda vai me encontrar antes que eu mesmo consiga fazê-lo. Dave não saberia sequer voltar para a própria cela, onde Mindy e Jake tinham ficado sob o olhar frio de Jack e Jody. Dave sequer pensara na possibilidade de algum dos dois tentar fazer algum mal a Mindy antes de sair, mas ali, enquanto andava às cegas pelos infinitos corredors, aquele pensamento o perturbava. Se ao menos ele pudesse fazer alguma coisa.

Ele precisava, porém, salvar Eevee, e Blaine parecia contente e lhe mostrar onde ele estava. Dave não podia deixar aquela oportunidade passar. Sabia que a missão incorria em riscos, e deixou que a ideia de estarem completamente submissos aos seus captores o confortava de certa maneira. Se eles nos quisessem mortos, não tinha sentido em nos manter presos e bem alimentados por tanto tempo.

– Por aqui – Blaine encostou na parede à sua direita e uma porta se abriu a sua frente. Dave nunca teria adivinhado que ali havia uma passagem.

– Eevee está por aqui? Ele está bem?

– Você logo verá por você mesmo...

A iluminação da sala se acendeu assim que o cientista colocou os pés para dentro. Não havia uma lâmpada sequer à vista. O teto inteiro estava aceso, como um grande bloco de concreto brilhante. Dave sentiu-se cego por um momento, apenas a luz branca a sua frente. Quando pode enxergar novamente, Blaine estava sentado em uma cadeira a sua frente, com uma segunda vazia ao seu lado esquerdo.

Ele apontou para a cadeira e pediu para Dave se sentar e olhar para a frente, onde uma grande tela, composta por quatro telas menores interligadas, descia do teto iluminado. Uma mesa de controle estava a sua frente, e Blaine digitou alguns comandos. Com alguns toques dos botões, a tela se acendeu e Eevee apareceu a sua frente.

O Pokémon estava no centro de um quarto largo, de pé e movendo a cabeça de um lado para o outro, como se esperando um ataque a qualquer momento. Entretanto, parecia confortável. Já estivera naquela posição muitas vezes antes.

– Achei que o veria ao vivo – disse Dave, subitamente enfurecido.

– Mas isso é ao vivo, Dave... – Blaine tinha um sorriso provocador no rosto.

– Você entendeu muito bem o que eu quis dizer...

– Você o verá demonstrando um pouco de sua técnica e habilidade. Preferimos que você veja isso pela transmissão, para que ele se sinta mais confortável. Geovanni queria que você soubesse exatamente o tipo de tratamento que seu Eevee tem aqui. E qual treinamento nós podemos oferecer, e você não.

Uma grande explosão de fogo surgiu de algum lugar a sua frente, e Dave se assustou. Seus instintos quase o fizeram comandar um movimento defensivo, mas Eevee fez o contrário. Saltou no ar e girou, acertando o fogo com sua cauda de ferro. O fogo se dissipou com a força do golpe, e antes que Eevee caísse no chão, uma esfera das sombras já estava a caminho do atacante. Dave mal tomara conhecimento do Charmeleon que surgira sem explicação em frente ao seu amigo, e o Pokémon já estava no chão.

– Trabalhamos com um sistema de teletransporte. Percebemos que é a melhor maneira de mantê-lo sem a menor ideia de onde virá o próximo ataque – explicou Blaine, em um tom orgulhoso. – A parede, o solo e o teto são bases de teletransportes.

Os próximos oponentes foram um Blastoise e um Raichu, que surgiram em pontos opostos da sala. A tartaruga gigante lançou um poderosa hidro bomba, enchendo todo o ambiente de água. Dave sabia que Eevee poderia facilmente evitar o ataque, mas o Pokémon ficou parado. A água não era direcionada para ele, mas para todo a parede e o chão.

Quando Dave entendeu o que estava acontecendo, já era tarde demais. Raichu lançara um choque para o ambiente, fazendo com que a corrente fosse transmitida por toda a superfície da sala. Mas Eevee estava no ar no momento do golpe. Ele calculou e pulou pouco antes, evitando o choque e lançando um hiper raio na direção de Raichu, enquanto Blastoise era eletrocutado do outro lado da sala.

– Uow... – ele não conseguiu deixar de dizer.

– Os próximos são um Tauros e um Golem, e em seguida temos um Scyther, um Raticate, um Venomoth e um Gengar, todos ao mesmo tempo.

– E ele os enfrenta a todos, sem um arranhão?

– Não posso prometer nenhum arranhão, mas ficaria surpreso se algum deles o derrotasse. Mesmo o quarteto.

– E quando isso acaba?

– Quando ele não aguentar mais... – disse Blaine.

Dave ficou parado, enquanto via Eevee pular e desviar dos ataques da dupla Tauros e Golem. Os dois pareciam fortes, mas o Pokémon marrom estava claramente brincando com eles, fazendo-os atacar a si mesmos.

– Qual é o proposito disso? – ele perguntou, tentando compreender.

– Esses exercícios são apenas físicos e estratégicos. Além, é claro, de trabalharem a resistência. Uma batalha dessa não tem desafio para o pequeno Eevee, mas ele sabe que se for atingido, sofrerá como qualquer outro Pokémon. A sua habilidade de regeneração não faz da sua pele mais dura ou mais resistente, entende? Ele ainda se machuca e se cansa, mesmo que se cure mais rápido. O desafio consiste em se esforçar ao máximo para acabar com as batalhas o quanto antes, derrotando o máximo de Pokémons com o mínimo de energia possível.

– Incrível... – disse Dave – Mas ele ainda se machuca. O seu treinamento ainda o maltrata...

– Nenhum desse Pokémons é um oponente de verdade. São Pokémons de agentes menores, ainda em treinamento. Nenhum deles é capaz de derrota-lo.

– O seu Magmar o derrotou.

– Sim, por que o meu Magmar não é qualquer Pokemon. Ele tem experiência e foi muito bem treinado, se me permite dizer. E ainda assim, não o teria feito em condições normais... Nenhum Pokémon da equipe Rocket é páreo para o seu Eevee, rapaz. Alguns apresentam mais desafio do que outros, mas no fim, sempre terminam derrotados.

– O que quer dizer? Eu estava lá. Eu vi como Magmar o derrotou. Não havia nada de especial ali.

– O simples fato de estarem em um vulcão já é uma vantagem, já que Magmar está em casa, e Eevee está desconfortável. Mas você está certo, o vulcão pouco fez para influenciar aquela luta. Foi outro o fator decisivo.

Dave sentia um mixo de admiração, raiva, confusão e perplexidade. Nem ao menos sabia o que dizer. Blaine interpretou o silêncio como um convite para continuar.

– O outro fator foi você, Dave. Não apenas os seus instintos atrapalham os dele, mas ele estava mal treinado com você.

– Mal treinado? Mas nós estávamos sempre treinando!

– Assim?! – Blaine perguntou apontando para a tela no momento em que Eevee golpeava o braço de Scyter contra as asas de Venomoth. – Para um Pokémon como Eevee, Dave, seu treinamento nada mais é do que uma brincadeira. Depois de meses afastados, era de se esperar que seu rendimento diminuísse, e muito.

Dave estava irado, mas era inegável que as conclusões de Blaine faziam sentido. Dave não sabia se queria agredir o homem a sua frente ou lhe fazer outras perguntas.

– Por que vocês o mantiveram comigo, então? – disse Dave, finalmente, mordendo os lábios para não dizer mais. Queria entender o que a Equipe rocket estava fazendo, tentando encontrar alguma oportunidade que pudesse lhe ser útil.

– Por que queríamos testá-lo no mundo real. Não apenas ver como ele interagiria com seres humanos e outros Pokemons, mas analisar a consequência daquilo em seu corpo também. Principalmente em relação ao envelhecimento...

– Envelhecimento?

– Dave, o tempo em que ele passou com você me deixou muito mais próximo de confirmar uma teoria antiga sobre a idade de seu Pokémon. Em treinamento, obrigamos ele a renovar suas células constantemente, e Geovanni nunca nos deixava deixa-lo quieto pelo tempo necessário, mas com você ele passava longos períodos sem necessidade de renovação. Ou ao menos de renovação significativa. Aqui, não era anormal ele chegar perto da morte, tendo que curar órgãos inteiros e grande parte da pele. Com você, o máximo que precisava curar eram alguns arranhões.

– Como?! – Dave estava abismado, mas Blaine levantou um dedo e continuou a falar. Órgãos inteiros?! Era só o que o menino conseguia pensar.

– Deixe-me terminar... Pois bem, com você, ele estava levando uma vida normal, e queríamos ver se as suas células se regenerariam sozinhas, sem um estimulo externo. E descobrimos que sim! Elas se regeneram, Dave. Seu Eevee mantém células novas, trocando-as todos os dias independente de ser ou não estimulado a fazê-lo. Você entende o que isso significa que Dave?

– Não... – ele disse, ainda pensando em quão monstruosos podiam ser os humanos, quando queria atingir um objetivo. Grande parte da pele... Como eles o obrigavam a perder grande parte da pele em treinamentos?!

– Dave, nós achamos que ele é imortal.

A palavra flutuou no ar por um tempo, sozinha, em um silencio absoluto. Dave nem ao menos percebera que a tela havia se desligado. Levou alguns segundos para que ele conseguisse processar o que ouvira. E então, tudo o que estava pensando antes desapareceu.

– Como? Imortal? Do tipo que vive para sempre?

– Sim, Dave. Imortal. Ele não envelhece pois todos o dia seu corpo troca a totalidade de suas células, mantendo ele em seu auge físico – os olhos de Blaine estavam brilhando, mesmo que ele já soubesse de tudo o que falava. – Esse Pokémon tem o potencial de ser o mais forte Pokémon do mundo, se mantido muito bem treinado. Ele nunca envelhece, e continua melhorando a cada vez que o colocamos em teste. Quando chegou mal podia enfrentar duas batalhas seguidas, e quando fugiu, bem, ele enfrentou uma base inteira sozinho, incluindo os Pokémons de Geovanni.

– Isso significa que ele pode fugir daqui sozinho também – Dave pensou, sem perceber que o fazia em voz alta. Achara a sua saída.

– Não será assim tão simples. Lembre-se do momento em que você o encontrou. Eu não estava lá, mas duvido que ele estivesse em boas condições. A luta demandou muito dele.

Dave relembrou dos incidentes dos Ratatas e como encontrara Eevee desmaiado ao lado do rio. Achara que tinha sido os Ratatas que havia feito aquilo com ele, mas agora tudo era mais claro. Ele já estava ferido quando enfrentara os Ratatas. Ele estava ferido da fuga. Aqueles Ratatas nunca seriam páreo para ele, se estivesse saudável, e não o foram mesmo com ele debilitado. Aquilo só o fez admirar ainda mais seu Pokémon.

– Além disso, graças ao período com você, serão necessários alguns meses para que ele recupere a forma que tinha naquela época, calculo eu. E até lá, Geovanni já terá a solução para o problema.

– Que solução? - perguntou Dave, assustado.

– Ele vem trabalhando em um traje que controle Eevee.

– Como assim?! – Dave não sabia como conseguia se sentir mais horrorizado a cada momento que se passava.

– Uma roupa que foca e controla os poderes de Eevee ao mesmo tempo, deixando-o ao mesmo tempo mais forte e mais susceptível aos comandos de seu treinador.

Naquele momento, Dave voltou a olhar para tela, percebendo que não podia mais ver Eevee.

– Ei! Onde ele está?

Blaine, porém já havia levantado. Dave sentia-se uma criança sendo guiada e explicada sobre cada detalhe de como aquele mundo funcionava. Ele estava cansado. Não queria mais nada, a não ser voltar para sua cela para discutir o que descobrira com Mindy. Aquilo era muita informação em muito pouco tempo, e sua cabeça ainda estava tentando girar em velocidade o suficiente para acompanhar as coisas.

– Venha comigo, Dave. Vamos encontrá-lo cara a cara.

*-*-*-*-*-*-*-*-*

Eevee abriu os olhos ao mesmo tempo em que a porta do aposento em que estava se abria. O lugar era pequeno, pouco menor do que o quarto de Dave em sua casa em Grené, mas ainda assim aconchegante. Ele não podia reclamar de falta de conforto com a equipe Rocket. Agora, depois de recapturado, seu aposento era pequeno, mais ainda assim tinha mais espaço do que ele precisava. Trocaria tudo aquilo por um cochilo dentro da mochila de Dave sem pensar duas vezes.

A pequena criatura viu Blaine entrar no quarto, e logo atrás dele viu seu amigo. Dave parou quando o viu ali, deitado em uma almofada negra, em um dos cantos do quarto. Ele já esperava pela surpresa e confusão do menino.

– Eevee! É você! Eevee!

Dave correu para abraçá-lo e seu Pokémon pulou em seu colo sem titubear. Há alguns dias atrás, antes da conversa franca que tivera com Blaine, Eevee chegou a considerar que talvez nunca mais conseguisse sentir aquele abraço. Ali sentia-se mais forte. Ali sentia-se completo.

– Eu não entendo. Ele não estava lutando agora há pouco? – perguntou Dave, perplexo, ainda apertando seu Pokémon em seus braços.

– Aquilo era uma gravação. Queria que você entendesse o que faziam com o Eevee aqui dentro, mas não queria gastar a sua energia. Ele pode precisar dela.

– O que?! Como assim?

Dave não estava entendendo nada. Blaine sorriu para ele. O mais sincero sorriso que ele já dera. Dave teria sentido medo, se houvesse tido a chance de sentir o que quer que fosse, mas antes que pudesse, Jody, Jake e Mindy apareceram pela porta, todos com Pokebolas nas mãos e uma expressão de agitação.

Ali, naquele momento, como um prisioneiro da Equipe Rocket e com Eevee nos braços a única coisa que tinha espaço na cabeça de Dave era a confusão.


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Notas finais do capítulo

E aí? Quem ai está entendido das coisas? Quem aí curtiu? Quero ouvir as teorias e as reações!

Espero todo mundo nos comentários! xD



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