Kayla

Nunca quis me tornar uma deusa, ainda mais me tornar uma tomando o lugar de minha mãe. Para mim, tudo isso era perda de tempo e paciência. Quando eu via pelo lado mas aceitável, achava que Sádica seria muito melhor do que eu com um cetro na mão e uma coroa na cabeça. Mas não tive escolha, era virar uma deusa ou voltar para o Inferno. E, para ser sincera, lá é o último lugar da minha lista que quero visitar.

Se não fosse por Claire — uma garota que conheci tentando ajudar Sádica a matá-la —, eu não estaria aqui. Devo muito a ela, mas não posso fazê-lo. Quando ela passou o cetro para mim, o poder fora forte demais para ela. Neste momento, Claire não se lembra de nada. Nem de mim, nem dos outros.

Só não consigo entender uma coisa; como a magia do cetro pode ter trago Claire de volta a vida? Em um momento, ela estava morta e no outro...ela estava viva novamente. Não sabia que a magia de minha mãe era tão poderosa assim...

—Venha, Kayla. Você só está me atrasando! — Gritou Sádica, quebrando pela milésima vez um dos meus vasos com rosas. Essa garota tem problemas, sério.

Sádica — minha irmã maligna, por assim dizer — podia ser minha inimiga, mas ainda era minha irmã. Ela morava em um cativeiro, não podia deixá-la sem um lar então a convidei para morar no meu palácio, que antes pertenceu a nossa mãe. Minha irmã teve um passado muito...vulgar e tenebroso, até mesmo para mim. Ela era a mais velha — vinte segundos — e a mais cruel.

Suspirei e me virei para olhá-la. Ela estava vestida com uma blusa preta de manga comprida e gola alta, um short curto preto e botas de cano longo pretas. Seus lábios estavam cobertos por um batom preto e seus cabelos estavam soltos com algumas mechas cinzas. Seus olhos expressavam uma luxúria que somente eu conseguia ver.

Somente eu conseguia enxergar quem Sádica realmente era.

Fui até ao seu lado e a acompanhei até a porta de entrada, em silêncio. Iríamos visitar uns velhos amigos nossos, por isso Sádica estava com pressa. Ela estava muito animada para rever Toby e, principalmente, Jack. Não, não é o Eyeless Jack, e sim o Laughing Jack. Eyeless Jack nunca iria querer olhar em nossas caras.

—Deixei Claire com o Slender e Sally. Ela está bem mas realmente não se lembra de nada. — Disse Sádica, friamente.

—E o Jeff? Decidiu se iria ficar lá com ela ou...

—Ele irá ficar por lá. — Sádica me interrompeu e olhou para o céu. — Aquele idiota vai acabar matando-a...

—Não fale assim, Sádica. — A repreendi, me posicionando à sua frente e colocando minhas mãos em seus ombros. — Tenho certeza que Jeff irá se controlar.

—Eu o conheço há muito mais tempo que você, Kayla. Um dia o que restou da alma dele vai desaparecer, e você sabe muito bem disso.

Olhei Sádica nos olhos e pensei a respeito disso. Jeff só gostava de Claire porque ainda tinha uma parte de sua vida antiga; uma parte de sua alma. Não gosto nem de imaginar o que ele fará quando aquela parte desaparecer por completo.

—Vamos, senão iremos nos atrasar. — Falei, me afastando de Sádica. Continuamos andando pela enorme e assustadora floresta, em um profundo silêncio.

* * *

Não foi tão difícil encontrar a nova cabana de Toby naquela enorme floresta. A última delas foi quase impossível, mas essa até foi fácil. Ainda não concordo em Toby ficar se mudando a cada semana. Eu sei que ele quer se afastar de Clockwork — não me pergunte o porquê — mas não precisava fazer isso.

Bati três vezes na porta da cabana. Sádica parecia nervosa por algum motivo que eu não sabia. Era difícil ler a sua mente, já que se alguém tentasse, ela saberia. E a história não acabaria muito bem.

A porta se abriu, revelando uma menina de mais ou menos doze anos, com cabelos roxos que iam até o final das suas costas, pele pálida, olhos vermelhos que pareciam refletir o fogo de uma raiva desconhecida. Ela parecia uma boneca de porcelana no quesito de suas feições. Usava um vestido preto que ia até a metade de suas coxas e luvas pretas que pareciam ter sido feitas em crochê. Suas botas de salto a deixavam quase do meu tamanho, então supus que ela era baixinha.

—Olá, Sádica. — Cumprimentou a menina, olhando para minha irmã.

—Olá, Joanne. — Sádica percebeu que eu ainda não conhecia a menina. — Kayla, essa é Joanne, ou se preferir, Little Kill. Joanne, essa é a minha irmã, Kayla.

Dei um sorriso para Joanne e ela o retribuiu da mesma forma.

—É um prazer conhecê-la, Kayla. — Pude ouvir um barulho semelhante a um sibilar de cobra.

—Vocês ouviram isso? — Perguntei, me preparando mentalmente para uma batalha.

Sádica e Joanne se entreolharam.

—Não foi nada, não. — Respondeu Joanne. — Vamos, entrem.

Quando passei pela porta, quase fui atingida por um livro. Tive sorte de ele ter batido ao meu lado, na parede da cabana. Olhei ao redor, procurando quem havia feito aquilo, e aproveitei para examinar um pouco o lugar. As paredes eram de algum tipo de madeira velha, assim como por fora. O piso era de carpete branco, que não combinava muito com o resto das coisas. Havia um sofá, onde se encontravam Toby, Liu e Laughing Jack. Eles estavam conversando e rindo, como se fossem pessoas normais.

—Nossa, quanta alegria. — Disse Sádica, interrompendo a conversa. Os garotos a olharam, parando de rir.

—Você irradia alegria pura, Sádica. — Disse Jack, se levantando.

—Palhaço idiota. — Sádica deu um sorriso e correu para abraçá-lo. Nunca achei que a minha irmã podia sentir amor por alguém, ainda mais por um palhaço assustador que parecia ter saído de um filme antigo em preto e branco.

—Você mudou bastante, Kayla. — Disse Liu, me encarando com aqueles enormes olhos verdes. Quando eu o olhava, podia sentir uma certa diferença entre ele e seu irmão, Jeff. Liu com certeza não era igual a ele, já que não matava por prazer e sim por justiça. Por isso gosto mais dele.

—Me tornei a deusa da tortura. Claro que eu mudei. — Falei, sendo meio ignorante. Liu riu e me puxou para um abraço. Ele era como um irmão para mim antigamente mas agora...parecia mais como um velho amigo e, por incrível que pareça, desconhecido.

Tudo parecia estar tão diferente mas, ao mesmo tempo, tão igual...