Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 7
Capítulo 7




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O resto do dia foi mais tranquilo para mim. Fiquei no quarto o dia todo. Não vi mais a criatura nefasta e nem a besta. Dona Odete veio mais duas vezes aqui ver como eu estava e para me entupir mais de sopa. Acho que comi hoje o que eu não comia há dias. Camilo e Ricky Martin também passaram por aqui. Ele, gentilmente, me trouxe uns biscoitinhos salgados. Agradeci. Eram da marca que eu gostava. Só espero que, por isso, eu também não apanhe do Jorge. Já basta a besta para me bater. Também dormi muito o dia todo, como consequência fiquei sem sono de noite. Levantei-me, entediado e morrendo de calor, e fui para a sacada pegar um pouco de ar. Quando olhei para o lado vi o meu pior pesadelo, a besta na sacada da criatura nefasta.

–Fraquinho você, hein. Um soco e já caiu. –A besta grunhiu.

–Um soco que eu não esperava. Obrigado por me deixar com o olho roxo. Isso coloriu minha vida.

–Disponha. Sempre que precisar, basta me falar. E, se se atrever a olhar para a minha mulher de novo, não será só o olho que te deixarei roxo.

Simpático ele.

–Agradeço pelo aviso.

A criatura gritou lá de dentro e ele entrou mansinho.

Perdi até a vontade de ficar aqui fora. Vai que eu veja mais alguma assombração noturna. Voltei para minha cama e tentei dormir. Só espero que essa besta não more aqui, senão corro o risco de acordar com mais algum soco.

Levantei cedo. Não consegui dormir muito bem. No quarto ao lado tinha dois animais que não pararam quietos a noite toda, não quero nem imaginar o que estavam fazendo. Decidi sair um pouco para caminhar. Encontrei a Flávia na pracinha. Acho que ela faz caminhadas. Sei que me arrependerei depois, mas preciso saber das fofocas.

–Bom dia, Flávia! –Cumprimentei.

–Bom dia, Rogério! Está melhor?

–Um pouco. Só esse meu olho que ficou com essa mancha horrível.

–Daqui uns dias some. Pelo menos não quebrou o nariz.

–Menos mal que foi só no olho.

–Você faz caminhada? Eu caminho todo dia e nunca te vi por aqui. Se fizer, podemos marcar de caminhar juntos.

Se eu fizesse, eu mudaria minha rota para não caminhar com você.

–Não, não faço. Só decidi sair um pouco hoje.

–É uma pena que não faça, mas ao menos hoje terei uma companhia.

–Flávia, posso te perguntar algo?

–Tudo o que você quiser, gato.

E lá vem as cantadas a essa hora da manhã.

–A besta que me atacou mora na pensão?

–O Carlos?

–Acho que é, não sei o nome.

–Está com medo dele, Rogerinho?

Se ela soubesse como adoro que diminuam meu nome.

–Não. É apenas precaução, digamos. Não quero ser acordado com mais nenhum soco.

–O Carlos vive e não vive aqui.

–Como isso? Ele briga com ela e vai embora e depois faz as pazes e volta?

–Não, não é isso. Ele é representante comercial e quando não está viajando vem para cá.

–Aquela besta é representante comercial? Como ele faz para persuadir os clientes a comprarem? Bate neles?

–Você é uma comédia, Rogério. Não até que ele é bem simpático. Sempre levou jeito com as pessoas.

–Claro, uma simpatia. É tão simpático que a simpatia dele tá marcada aqui no meu rosto.

–O Carlos não é mal. Você vai mudar de ideia quando conhecê-lo.

–E como funciona isso dele viajar?

–Ele costuma viajar uma semana, quinze dias e depois volta e fica, mais ou menos esse tempo.

Muito reconfortante isso. 15 dias convivendo no mesmo local com a besta. 15 dias tranquilo e 15 dias correndo risco de vida.

–E a Lívia está com ele há muito tempo.

–Curioso você, hein.

–Um pouco.

–Ela está com ele já deve ter uns 2, 2 anos e pouco.

Dois anos enrolando ela e ainda não casaram?

–E são noivos? Digo, não vi aliança.

–Que eu saiba, não. Mas a Lívia já está fazendo pressão para casarem e formarem família.

Queira Deus. Que formem família, comprem casa, tenham 20 filhos e sumam dali o mais rápido possível.

–Espero que ela consiga.

–Agora chega de falar deles. Que tal se falássemos de nós? Você é comprometido?

–Digamos que sou enrolado.

Sou enrolado desde que me mudei para aquela pensão de loucos.

–Enrolado é? Eu também tenho meus rolos, mas nada muito sério.

Sabia que essa fofoca me sairia custosa. Tive que aguentar a Flávia falar de seus rolos amorosos um tempão e ainda tomar um café na padaria com ela. No fim descobri o que tinha que descobri. Enrolei bastante para voltar para a pensão e quando o fiz, só tomei um banho rápido e corri para o trabalho. Sei que não poderia deixar de ver a criatura nefasta, mas poderia tentar evitar ver a besta.

Cheguei lá e, após as piadas do Jonas com meu olho roxo e inchado, abrimos o bar. A criatura chegou atrasada, mas não reclamei porque hoje quase não dá movimento. Ela atendeu as poucas pessoas que estavam lá e veio falar comigo.

–Desculpe-me pelo Carlos.

Como se suas desculpas fossem curar meu olho roxo.

–Da próxima vez prenda aquela besta que tem como namorado.

–Não tenho culpa se ele é estourado.

–Mas tem culpa dele ter me batido.

–Tá bom então. Da próxima vez vou deixar você se arrastar pela escada. Também não te ajudo mais.

–Por favor, não me ajude. Toda vez que me ajuda acabo mal. Minha vida piorou depois que te conheci.

–Escuta aqui, amargado, eu não tenho culpa de suas infelicidades. Deixe de ser igual a um velho ranzinza e tente ao menos ser feliz.

–VELHO RANZINZA, era o meu avô, que descanse em paz.

Queria terminar a frase com uma ofensa, mas a besta peluda estava parada na porta do meu bar me olhando enquanto estalava os dedos. A noite seria longa. Que não me acerte o nariz. Se aproximou da criatura e a beijou para marcar seu território e depois começaram a conversar como se eu não estivesse ali.

–O que faz aqui, Carlos?

–Vim conhecer o local de trabalho seu, amor. Ver se te tratam bem.

–Umas pequenas discussões, mas nada sério. Vem, quero que conheça o Jonas. Ele é o cozinheiro.

–Mas quem vai atender as mesas? –Reclamei.

–Acho que você consegue se virar um pouquinho sem a minha mulher, não é? –A besta falou.

A criatura saiu arrastando ele até a cozinha e eu tive que ir atender os clientes. Era o cumulo eu ter que servir de empregado no meu próprio restaurante. Aquela besta peluda era tão abusado quanto a criatura nefasta. Realmente eram o casal perfeito.

Continua.


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