Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 5
Capítulo 5




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A semana passou lindamente terrível para mim. Flávia, a vizinha do som alto, havia atendido ao meu pedido e agora, ao menos na manhã, mantinha a música baixa, mas, agora tinha a criatura nefasta, aquela desgraça, só para me irritar, começou a deixar o som ligado justo na hora que eu tirava para dormir. Maldita. Comecei também a conhecer os outros loucos moradores daqui porque, um dia desses que cheguei tarde, Flávia me encurralou no corredor e não tive escolha a não ser conversar com ela. Descobri que ela trabalhava aqui costurando para fora. A pensão pertencia a um casal, Odete e Rodolfo, que eram casados há muitos anos e tinham, se não me engano, uma dúzia de filhos, mas nenhum morava aqui. Camilo, o gay do cachorrinho chamado Ricky Martin, era namorado de Jorge, o outro gay que me ameaçou por ciúmes. Tinha também uns outros moradores, mas eram estudantes e só apareciam mesmo para dormir. Desses não sei nem os nomes.

No trabalho eu ia relativamente bem. A clientela havia aumentado e o bar começava a prosperar. A única coisa que não estava prosperando era minha paciência. Chegava todo dia com olheiras, sono e de mau humor. Para completar minha sorte, Jonas, meu melhor amigo, havia se tornado amiguinho dela, da Lívia. Agora até brigava comigo se eu falasse mal dela. Não aguento isso. Ele tá virando um amigo da onça.

Por sorte hoje era domingo. Trabalharia mais que o normal, mas estava feliz. Hoje, finalmente, tive uma noite tranquila de sono, sem pagodes ou sertanejos para me atazanar. Levantei cantarolando e me dei conta de que já passava de meio dia. Tinha pouco dinheiro na carteira, mas decidi sair para almoçar hoje. Há quase um mês vivo de sanduiches e barrinhas energéticas. Já até emagreci por causa disso. Me arrumei e saí.

Assim que estava descendo, escutei um falatório vindo da sala. Olhei até com medo do que veria. Aquele pessoal da pensão me assustava. E, como esperado, me assustei. Montaram uma mesa improvisada, na verdade era uma porta velha sobre dois cavaletes, estava sem toalha e todos, desde o casalzinho ternura e Ricky Martin até os donos da pensão almoçavam ali. Tentei passar despercebido, mas me viram.

–Rogério, meu filho, venha almoçar com a gente. Todo domingo eu preparo um almoção para o pessoal. É de graça, não tem que pagar mais nada. –Odete me convidou.

Comer essa comida, rodeado desse pessoal maluco? É ruim, hein!

–Obrigado, dona Odete, mas tenho que sair.

–Que dona, me chame de tia.

Tia? Mais essa agora. Não tenho nenhum parentesco com você para te chamar de tia.

–Agradeço muito, dona Odete, mas realmente não posso.

–Ai, Rogé, deixa de bobeira e venha se sentar conosco. –Camilo me pediu.

Jorge me lançou um olhar de ódio. Os outros, especialmente Djair, abafavam o riso. Antes que eu apanhasse do seu parceiro ciumento, decidi sair dali. Uma vez ouvi falarem que os gays, quando brigam, viram mais machos que os homens. Não quero ser a cobaia que testara essa teoria.

–Não posso, Camilo. Se me dão licença. –Disse me retirando.

Antes de sair ainda pude escutar a criatura gritar “amargado”. É, ela conseguia estragar meu dia em poucos segundos.

Almocei uma comida sem graça num restaurante a quilo e voltei para aquele muquifo. Estava cansado e a comida não havia me caído bem. Se eu soubesse que passaria mal, teria comido aquela comida da dona Odete, ao menos economizaria uma grana.

Tomei um banho rápido e fui para o meu bar. Ainda estava passando mal, mas não poderia me dar ao luxo de faltar. Domingo era um dia muito movimentado e Jonas e a peste não conseguiriam tocar sozinhos. Jonas logo percebeu que estava passando mal e a cada meia hora vinha ver como estava. Lívia também reparou, mandou eu ir ao médico, mas recusei. Depois disso ela não me disse mais nada, mas reparei que, vez ou outra, ela aparecia para me ver. Só consegui fechar o bar lá pelas 4 da manhã. Eu estava mal, nem aguentava andar direito. A comida vinha toda hora na minha garganta, suava frio. Jonas que trancou o bar para mim, não tinha mais forças para nada. Percebi que Lívia ainda não tinha ido. Estranho, ela nunca me esperava.

–Vai no médico, Rogério. Deixa de ser cabeça dura. Se quiser eu te levo. –Jonas ainda insistia com isso.

Não vou, Jonas. Sabe que odeio médico.

–Olha o teu estado, Homem! Nem se aguenta em pé. Fica um pouco aí que eu só vou ali em casa pegar meu carro pra te levar.

–Não precisa, Jonas. Já até vou embora.

Comecei a caminhar, mas veio a criatura nefasta me agarrando pelos ombros e colarinho e me jogou sentado no meio fio.

–Mas o quê? –Reclamei.

–Pode ir, Jonas. Daqui ele não sai. –Ela disse.

Jonas apenas me deu um sorriso e uma piscada e saiu rindo. Se fosse outra mulher até entenderia essa piscada, mas para a Lívia? Será que se esqueceu que a odeio?

–Quem você acha que é para fazer isso comigo? Como me joga assim no chão?

–É para o seu bem. Não é porque eu não goste de você que lhe deseje mal. E deixe de reclamar. Daqui a pouco seu amigo chega e você vai se ver livre de mim.

De fato, Jonas não demorou. Em menos de dez minutos ele estava de volta no seu chevette verde escuro. Me jogou na parte de trás e foram ele e Lívia na frente. Logo protestei.

–Ei, você não disse que eu ficaria livre de você assim que meu amigo chegasse?

–Disse, mas Jonas, gentilmente, se ofereceu para me levar em casa. Ele sim é um cavalheiro.

–Então vamos passar antes pela pensão?

–Não, nós vamos direitinho para o hospital. –Jonas falou rindo.

–Não acredito. Com ela eu não vou para o hospital.

–Amigo, gosto muito de você, mas deixa de ser chato. Que implicância com a moça. Não ligue para ele, Lívia. Esse aí morre de medo de agulha. Deve ser por isso que não quer que você vá, para não vê-lo chorar.

Lívia olhou para mim e começou a rir tanto que até ficou sem fôlego. Eu tinha vontade de matar o Jonas, mas nem força para isso tinha. Assim que eu melhorar, terei que dar uns tapas na fuça dele.

Chegamos em pouco tempo numa UPA*. Por sorte estava vazia e tinha médico, coisa rara. Me atenderam, tomei um frasco de soro e um plasil na bunda. Sai de lá melhor, mas mancando um pouco. A picada da agulha me acertou algum nervo. Fiquei todo dolorido. Jonas e a criatura riram de mim até cansarem. Jonas nos levou até a pensão, agradeci a ele por tudo e ele foi embora. Fui me arrastando pelo caminho.

–Quer ajuda? –Lívia ofereceu.

–Não, não preciso de sua ajuda.

–Está bem. Boa sorte para subir essa escada sem corrimão então.

Ela já estava subindo, mas vi que tinha razão, não conseguiria subir aquela escada no meu estado. Não aguentava nem apoiar direito o pé. A picada da agulha repuxava a cada movimento que eu fazia e isso me deixava as pernas bambas. Jonas não mentiu quando disse que tinha medo de agulhas. Esse medo era justificado e eu sou a prova das consequências. Se ficar manco, processo aquela enfermeira.

–Lívia?

–Mudou de ideia?

–Preciso de ajuda, por favor.

Ela voltou rindo e me escorou com paciência até o meu quarto.

–Obrigado.

–Descansa, amargado. Se precisar de algo, grite. Meu quarto é esse ao lado mesmo e sempre acordo com seus chiliques pela manhã. Da próxima vez, coma aqui, ao menos a comida da tia Odete nunca deu intoxicação alimentar em ninguém.

Ela foi rindo para o seu quarto e eu entrei ao meu. Dessa vez tinha que concordar, devia ter comido a comida da velha. Ao menos agora estaria bem e sem a bunda dolorida.

Continua.


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Notas finais do capítulo

* UPA: Unidade de pronto atendimento.



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