Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 42
Capítulo 42


Notas iniciais do capítulo

Mais um, pessoal. Espero que gostem!



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Quando chegamos à pousada, já passava da 1 as manhã. O local era meio sombrio, era mal iluminado e só se ouvia mugidos de gado e relinchos de cavalos. Havia chovido e o pitanga atolou algumas vezes na lama, na estradinha de barro. Sem escolha, fui eu pro lamaçal desatola aquela lata velha. Algumas tentativas e, depois de me sujar como um porquinho, conseguimos. Chegamos à casa grande e nossa reserva já estava feita. Lá era confortável, iluminado e nada sombrio. Nosso quarto era simples, mas bastante aconchegante. Paramos na porta e aguardamos o carregador se afastar.

–Depois que cruzarmos essa porta será real. –Ela falou.

–Pra mim já é. Queria fazer como manda o roteiro e te carregar pra dentro, mas tenho medo de escorregar e te deixar cair. Isso não seria legal com esse seu barrigão.

–Fica pra próxima. Por hora, me contento em unir as mãos.

E foi o que fiz. Entramos no quarto de mãos dadas. Eu estava imundo de lama, queria tomar um banho, mas a tentação foi maior e fui cumprir minhas obrigações conjugais. Quisera eu que todas minhas obrigações fossem prazerosas como essa.

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–Rogério, acorda, anda! –Fui acordado pela criatura e, ao olhar para a janela, percebi que era dia.

–Bom dia, meu amor. Quer repetir a dose?

–Não, acho que minha bolsa estourou.

Eu gelei. Ela estava parindo?

–Puta que pariu, não brinca comigo, mulher!

–Não é brincadeira. Levantei pra ir ao banheiro e senti algo entre as pernas. Eu não me mixei e estou começando a sentir umas contrações.

–Você não vai parir aqui no meio do mato, vai?

–Eu vou “parir” é a mão na tua cara, animal. Quem pari é vaca, eu dou a luz.

–Tá, desculpa. O que faço?

–Preciso mesmo falar?!

–Ambulância, né?

–Não, chama ao exército...

–Vou ligar.

Levantei como um louco tropeçando em tudo e achei meu celular jogado na mesinha, mas, sem sinal. Merda! Sai de qualquer maneira para a recepção. Eles devem ter um telefone fixo, mas voltei correndo ao chegar no corredor e ver uma mulher gritar. Assustei a coitada. No desespero, estava sem nada, peladão como vim ao mundo. Vesti minha calça, sem a cueca mesmo e mandei a criatura vestir o seu vestido. Ninguém, além de mim e dos médicos, a veria sem roupa.

–Por favor, minha mulher está parin...Digo, tendo filho. Preciso de ajuda. Meu celular não pega aqui. –Falei ao chegar à recepção.

–Calma, senhor. Tem certeza disso? –O atendente me perguntou.

–Pareço estar brincando?!

–Não. Vou ligar para a ambulância, mas não sei quanto tempo demorará. O hospital mais próximo é na outra cidade.

–E o que eu vou fazer?! Não sou médico!

–Calma. Vá lá ficar com a sua mulher que nós daremos um jeito.

–Não demorem, por favor!

Eu corri de volta a tempo de ver ela fazendo uma cara de dor. Meu Deus, por que agora?

–Calma, eles vão conseguir ajuda. –Falei.

–Tá, fica aqui comigo. Estou com medo.

–Vou ficar. Ninguém me tira daqui.

Eu fiquei ao lado dela e a abracei. Podia sentir ela se contorcer nos meus braços e aquilo me matava. Depois de uns minutos, apareceu uma senhorinha na porta. Aparentava ter lá seus 70 e tantos anos.

–É aqui que estão tendo o bebê? –Ela perguntou.

–É aqui, senhora. A senhora é médica? –Perguntei.

–Não, não entendo nada dessas coisas de doutores. Sou parteira.

–Como é que é?! Eu peço um médico e eles me trazem uma parteira?! –Perguntei, irritado.

–Acalma os ânimos, meu filho. Moramos no meio do nada. Já chamaram os médicos, mas não acha que dará tempo de chegarem antes dela ter o seu filho, acha?

–Mas eles precisam vir rápido. É o trabalho deles!

–É, mas moramos no meio do nada. Sou a melhor opção de vocês. E pode ir chegando para lá. Homens só atrapalham. Deixa eu ver como está sua esposa.

Ela praticamente me puxou da cama. Se fosse uma pessoa mais nova, eu revidaria. Não poderia fazer nada contra uma senhora. Mas, minha esposa é mais sem noção do que qualquer um, engatou uma conversa animada com a senhora. Será que ela percebeu que está parindo?! Isso aqui não é nenhuma hora do chá, café da tarde! Deixei as duas e fui ver se realmente chamaram os profissionais.

–Ei. Você que me atendeu há pouco, já chamaram os médicos? –Perguntei para o atendente.

–Já, senhor, acalme-se. Eles estão a caminho.

–Mas que negócio é esse de parteira?

–Calma, ela é uma velha conhecida daqui. No desespero, é ela que ajuda o pessoal. Já trouxe ao mundo mais de 200 crianças. A dona Genoveva sabe o que faz.

–Não sei não...

–É melhor ter alguém que já viu isso do que a gente que não sabe nem por onde começar.

–Tá, mas liga de novo para os médicos.

–Vou ligar.

Eu voltei para o quarto e observei a parteira contando dos “causos” que ela já passou, dos partos que realizou. A Criatura ouvia a tudo bastante interessada. Ela está parindo, como pode estar nessa calma?

–Com licença, pediram para trazer uma água com açúcar nesse quarto para o senhor. –Uma atendeu falou, me entregando o copo.

–Deve ser para a minha esposa, mas obrigado do mesmo jeito.

–Não, é para o senhor. A sua esposa já tomou. A dona Genoveva que pediu para trazer. –Ela me disse e saiu.

–Não preciso disso!

–Precisa sim, senhor. Os homens costumam ficar mais estressados que as mulheres. Uma vez vi um senhor ter um troço na minha frente enquanto a mulher dele tava firme e forte jogando a criança pra fora.

Tá, pode ser que eu tivesse um treco. Bebi aquilo. Não sei se adiantaria de algo, mas mal não me faria. Ainda fiquei alguns minutos mais me descabelando quando ouvi um barulho forte de motor. Parecia algum avião passando baixo, mas, para minha surpresa, era um helicóptero dos bombeiros. Eles vieram para levar a criatura no hospital. Foi uma correria só. Entraram com macas, a removeram do quarto e eu fui correndo atrás. Em menos de dez minutos pousamos no heliporto do hospital, em Petrópolis, cidade da minha sogra. Correram com a Lívia. As contrações estavam ficando mais fortes e a criança já estava pronta pra sair, pelo que disseram.

Me higienizaram, me equiparam e me deixaram ficar com ela na sala. Lá tinha um médico e uma enfermeira. Eu fiquei pior ao ver o estado da minha mulher: Ela estava descabelada, suada e de pernas abertas pro ar com um cara olhando lá. Era uma visão pavorosa.

–Batman, segura minha mão. –Ela mandou e eu prontamente obedeci.

–Seu nome é Batman? –O médico perguntou abismado.

–É apelido. Meu nome é Rogério.

–Prazer, sou o Doutor Matheus e essa é a Bianca.

Isso é lá local para apresentações formais? Médico louco!

–Prazer, doutor. Ela é minha esposa, Lívia.

A criatura começou a gritar e eu, nem sei o porquê, fui junto no embalo e também soltei a voz.

–Cala a boca, filha da puta! Quem tá com dor é eu. Se tu gritar de novo no meu ouvido eu te estrangulo. –A criatura gritou comigo e o médico e a enfermeira começaram a rir.

–Tá, desculpa.

Eu, a partir daquele ponto, me mantive caladinho. Ela quase dilacerou minha mão com tamanha força, mas não reclamei. Depois eu colocava um gelo ou gesso, se fosse o caso. Depois de não sei quanto tempo, pude ouvir o choro da minha filhota. Era o som mais lindo que já ouvi na minha vida. Mal posso esperar ela crescer para ouvir um “papai”.

–Quer cortar o cordão umbilical, papai Batman? –O médico me cortou dos meus pensamentos.

–Não acho uma boa ideia... Tenho medo.

–Vai lá, Rogério. O pior eu já fiz.

Eu fui com um pouco de medo. Confesso, sempre tive pavor de hospitais, médicos e tudo relacionado nessa área, mas não negaria cortar o cordão. Reuni toda coragem que me restava, peguei a tesoura das mãos do médico e cortei o local indicado. Só sei que tudo escureceu de repente...

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–Que coisa feia, Batman. Desmaiar com sua esposa dando a luz. Que exemplo para a pequenina. –Despertei com a voz do Djair.

–Djair? Como elas estão? –Comecei a voltar em meu normal.

–Elas estão bem e a Lívia tá te praguejando como nunca.

–Eu não aguentei. O estresse fez isso.

–Os médicos estão rindo até agora. Sua filhota é linda. Grandinha por ser prematura.

–Mas ela está bem?

–Melhor que você. Está na incubadora, mas é normal para prematuras.

–Como vocês ficaram sabendo?

–A Lívia nos ligou. O resto do pessoal está lá no berçário babando.

–Ela está no quarto já?

–Está.

–Onde fica?

–É o último quarto desse corredor.

Levantei e fui, o Djair até tentou me impedir dizendo que ainda não estava bem, mas precisava ver minha esposa. Entrei no quarto um pouco receoso. Se bem conhecia a Criatura, eu sei que ela devia estar furiosa comigo.

–Olá! –Falei.

–Olá, né? Se ia desmaiar, porque não falou?

–Eu não ia desmaiar. Foi depois que cortei o cordão. Tudo escureceu e eu apaguei. Me desculpa?

–Eu também preciso te pedir desculpas por gritar com você.

–Te entendo, estava com dor. Não há pelo que se desculpar.

–Anda, vem aqui que não posso me levantar ainda.

Fui até ela e lhe dei um beijo terno. Parece que a raiva passou e eu me safei sem maiores reclamos.

–Esses cachorrão é para você? –Perguntei ao ver um enorme cachorro de pelúcia em uma das cadeiras.

–Não é pra mim, é para a princesinha do tio Camilo.

–Princesinha do papai pode ser, mas nada de tio Camilo.

–Ô ciúme! E você já foi ver ela?

–Ainda não.

–E o que tá esperando?

–Não sei. Acho melhor eu ir de uma vez, né?

–É bom.

Eu fui. Eu estava louco de curiosidade, mas a verdade é que tinha um pouco de medo de vê-la e achar algum traço da besta nela. Ela já era minha filha, isso eu não tinha dúvidas, mas não queria ver ele nela. Tomara que ela seja mais parecida com a Lívia do que com o seu pai.

Chegando lá só encontrei minha mãe. Ela me deu espaço e pude olhar, finalmente, o rostinho da criança. Ainda não dava para falar muita coisa. Ela se parece a todos os bebês. É um pouquinho miúda, mas era o esperado já que nasceu de pouco mais que sete meses. O jeito vai ser esperar crescer para ver com que cara vai ficar.

–Ela é sua, filho. –Minha mãe disse. Parece que leu meus pensamentos.

–Como pode ter certeza, mãe?

–Ela é a sua cara quando era um bebê.

–Todos os bebês são iguais.

–São parecidos, iguais não. Ela só tem cabeça, nariz e olhos, exatamente como você. Tu era um bebê bem cabeçudo.

–Todos os bebês são. Ela e eu não fomos exceções.

–É sua, acredite em mim. Eu tenho certeza disso.

–Espero que seja, mas já a amo de qualquer forma. Parabéns, vovó!

–Não parem só nessa. Quero mais netos, hein! –Ela me deu um beijo na bochecha e saiu rindo.

Eu ainda fiquei uns minutos olhando para ela e, quanto mais olhava, mais me apaixonava. Queria poder segurar, mas ainda não nos permitiam. É, essa aí vai ser muito mimada. É ótimo essa sensação de ser pai, se sentir pai.

–Ainda babando? –Jorge, apareceu não sei de onde, e me perguntou.

–Um pouco.

–Parabéns aos dois. A garotinha é linda.

–Obrigado.

Eu ainda fiquei mais um tempo olhando para a pequenina, mas a minha sogra, o barbudinho, a minha mãe, o Djair e a Flávia chegaram e eu decidi ir falar com a criatura. Ao chegar no quarto me deparo com o Camilo, todo animadinho e dando chiliques por causa da “princesinha” que ele acha que é dele.

–Finalmente, hein, Rogé. Quando a minha rainha disse que você desmaiou eu achei que fosse brincadeira.

–Eu não desmaiei porque quis, Camilo.

–Não te disse?

–Disse o quê?

–Que grávidas prematuras dão a luz à crianças prematuras.

–Foi praga sua. Não sabe o sufoco que passei.

–Tanto que até desmaiou, não é?

–Foi o estresse que passei.

–Tá bom, vamos esquecer o seu desmaio e falar de algo melhor: da minha princesinha. Qual vai ser o nome dela, gente?

–Eu tinha pensado em Sofia, mas acho que sem chance, não é, amore?

–Sem chance mesmo.

–Já que não vai ser Sofia, já pensaram em Camila? É um nome bonito, elegante e terá um tio lindão quase com o mesmo nome.

–Quem sabe, Camilo, é para se pensar. Nossa pequena Cami...

–Pode ir parando, os dois. Ela não vai se chamar Camila. Ainda não sei qual será o nome, mas garanto que não será esse.

–Ele vai ceder, não vai? –O Camilo perguntou, baixo, para a criatura.

–Vai sim, ele sempre acaba mesmo fazendo os meus desejos. Estou começando a gostar da ideia: Camila. Até que é um bonito nome.

Ela que pense que vai me convencer... Está muito enganada se acha que minha filhota vai se chamar Camila. Nem em sonho. O Camilo também pode ir tirando o cavalinho da chuva. Pois sim...

–Com licença? –Era o médico.

–Sim, doutor? Tá tudo bem com a minha filha? –Perguntei.

–Sim, ela está ótima. Queria falar com vocês. Posso?

–Claro, doutor.

–Posso tirar uma foto com o senhor e a sua esposa?

Pedido estranho. Será que ele faz isso para lembrar-se de seus pacientes.

–Por mim, pode.

–Por mim também. –A criatura concordou.

–É alguma espécie de registro de recordação que você faz? –Perguntei.

–Não, é que queria guardar uma lembrança de vocês. Vocês são o casal mais engraçado e inusitado que já atendi durante minha vida profissional.

–Engraçado?! –Perguntei.

–Até demais. Ela te xingou tanto na sala de parto, depois você desmaiou e ainda descubro que tem o apelido de Batman.

–Batman amargado. –O Camilo, rindo, disse.

–Isso não é tudo, doutor. Eu sou a criatura nefasta. São coisas que é melhor nem perguntar. –Isso, Lívia, nos faça passar mais vergonha.

–E tem mais coisa, doutorzinho. Depois, se quiser, podemos fofocar. Adoraria te contar os babados desses aí. Eles são meio loucos, sabe. O Rogé apanhou e foi preso porque defendeu minha rainha de uma besta e depois...

–Camilo, menos, bem menos. –Falei.

–Tá bom, seu chato. Vá lá, doutorzinho, eu bato a foto para você. –O Camilo se ofereceu.

Eu me juntei próximo da Lívia e o doutor se juntou a nós. Era triste ser zombado por um médico. Por fim, ele foi embora e nos desejou boa sorte. Ainda se ofereceu para ser nosso médico, caso desejássemos mais filhos. Eu mereço!

Continua.


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