Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 41
Capítulo 41


Notas iniciais do capítulo

Fala gente! E aí, pessoal. Tudo bem com vocês? Espero que estejam curtindo a história. Ela já está em sua reta final. Se tudo der certo, conseguirei concluí-la antes do ano terminar.
Sem mais, fiquem com mais esse capítulo. Para o próximo, prometo muita emoção e boas risadas.



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–Rogério! –É a terceira vez que o barbudinho me grita, se fizer isso de novo o mato.

–Já vou, me dá um minuto!

–Não temos um minuto.

–Pois arrumaremos.

Não aguento mais esse barbudinho me pressionando. Será que ele ainda não viu que estou uma pilha de nervos, prestes a ter um treco? Me caso daqui a algumas horas e eles estão fazendo um inferno na minha vida. Chegamos ontem aqui, em Petrópolis. Veio a trupe toda. De dona Odete até Roseni com namorada. Como se já não bastasse o meu estresse, ainda me jogaram na casa de um primo da criatura. Cismaram que só nos veríamos de novo no casamento. Esse pessoal com essas superstições deles... Estamos no século XXI. Será que ainda não perceberam?

–Rogério!

Contei até dez para não mata-lo e saí do banheiro. Será que uma pessoa não pode nem fazer suas necessidades matinais com tranquilidade?

–Pronto, Rafael.

–Vamos que o Jorge já me ligou umas dez vezes. Ele quer te arrumar.

–Não sei pra que tanto drama. Não precisa mexer no meu cabelo, está bom, cortei não tem muito tempo, e minha barba já fiz.

–Resolva isso com ele. Eu só estou aqui para cumprir ordens. Quem vai casar será você.

E deixei que ele me arrastasse. Para minha surpresa, fomos para a casa da minha sogra. E as superstições?

–Anda, meu filho. O Jorge já está gritando com todos que você não aparece. –Dona Iracema me disse empurrando-me para um dos quartos.

–E a Lívia?

–Ela e o Camilo foram no salão. Agora vá lá antes que o Jorge mate um. Eu tenho que terminar os salgadinhos com as outras garotas. Terá que dar tempo!

Eu fui, um pouco contrariado. Sou homem, não preciso me arrumar tanto assim. Ele tem que arrumar a minha mãe, minha sogra, a Flávia, a Roseni e a namorada dela, não eu!

–Finalmente, hein! –E lá vem os reclamos.

–Calma, Jorge. Dá tempo.

–Mas a perfeição também leva tempo. Senta aí.

Ele me mostrou uma cadeira e obedeci. Só espero que não me deixe afeminado.

*****************************************************************************

Mais de uma hora depois, ele, finalmente, me deixou ver o espelho. Tá, admito, fiquei bonito. Eu já era antes, mas ele caprichou no corte. Esse macho man sabe o que faz. Deixou até a pele do meu rosto mais macia. Dessa vez reclamei à toa.

–Obrigado, amigo. –Agradeci.

–Por nada, mas, da próxima, fique mais quieto e não reclame tanto. –Me disse, em tom de brincadeira.

–Ficarei. Vou lá ajudar o pessoal. Tá?

–Tá. Mais tarde, antes de sair para a igreja, passe aqui para ajeitarmos o seu cabelo.

Assenti e fui para a cozinha. Deus, como as comidas cheiravam bem. Tinha salgadinhos de todos os tipos, brigadeiros, cachorro quente e o bolo. Elas capricharam. Fizeram um bolo enorme. Não era de andares, mesmo porque não suportaria o peso, mas devia ter mais de um metro de comprimento. Parecia delicioso. Elas ainda estavam decorando com o glacê e nem deixaram eu chegar perto.

–Pode sumindo. Homem na cozinha não dá certo. –Minha própria mãe me tocou.

–Que isso, mãe? Eu só quero ajudar.

–Ajude não atrapalhando. Sei que você é meio desastrado. Vá lá ajudar o seu Rodolfo e o Djair. Eles estavam conseguindo as bebidas para a gente.

–Tá.

Já ia saindo, mas o Camilo chegou fazendo escândalo e, quando me viu, teve um chilique. E essa agora?!

–Pode indo tapar os olhinhos, anda. –Ele disse e me jogou um pano de prato, sujo, na cara.

–Tá maluco, Camilo?

–Não, mas sua noiva está entrando e você não pode ver ela antes do casamento. Dá má sorte.

Ele ainda cobriu os meus olhos com as mãos, além do pano, e me jogou pra fora.

–Camilo, ela ainda não está vestida. Pra que esse drama todo?

–Ela não está com o vestido, mas já está com o penteado e as unhas do casamento. Na lógica, ela já está meio arrumada.

–E o que eu vou fazer? Ficar zanzando e a evitando até a hora do casamento?

–Não. O senhor pode voltar lá para a casa do Marcos e esperar pela hora do casamento.

–Qual é, Camilo? Eu quero ajudar.

–Assim estará ajudando e nem pense em voltar aqui, hein!

Ele me bateu com a porta na cara e me deixou com a palavra na boca. Eu mereço! E o pior é que nem poso discutir.

–Pra lá é que não volto, não agora. O casamento é meu e também quero ajudar. –Resmunguei entre os dentes e sai andando.

Eu sabia que o Djair e o seu Rodolfo estavam ajeitando o negócio das bebidas, mas não sabia, ao certo, qual o lugar. A Única coisa que sabia é que ficava próximo da igreja que eu iria me casar e era fácil chegar lá.

20 minutos a pé e cheguei no mercadinho. Era um atacado e os preços bastante bons pelo que comprovei nos cartazes pendurados na entrada. Já ia entrando, mas uma voz me chamou.

–Já está fugindo do seu casamento ou a noiva desistiu?

–Não, Trator. Eu apenas estou querendo ajudar a comprar e a escolher as bebidas. Não era pra você estar arrumando a Igreja?

–Isso aí os coroinhas arrumam pra mim. Quanto às bebidas, eu gosto de Skol.

–E padre lá pode beber?

–Eu sou padre, não santo. Qual a diferença do vinho pra cerveja? Os dois possuem álcool e depois eu me confesso com meu superior.

–Que padre mais fajuto... Tem certeza que é padre? Não quero saber, depois de anos, que meu casamento não vale nada.

–Sou padre. Uma pergunta: Já se casaram pelo civil?

–Nos casamos na semana que vem. Já combinamos com o juiz.

–Bom saber. O casamento na Igreja é valido perante a Deus, mas os homens consideram mais o do civil e, para a Lívia te meter na justiça, precisam desse aí.

–Que amigo, meu Deus! Você já está contando que ela vai me meter na justiça?

–Espero que não, mas pra te aguentar é preciso paciência.

–Valeu mesmo, já me desanima antes de casar.

–Sou realista. Sempre fui.

–Tá, ô realista, será que pode mexer essa pança e me ajudar aqui nas compras?

–Estou sem fazer nada mesmo e o bom é que posso pegar as marcas que prefiro.

–Tu é muito cara de pau pra ser padre, Trator. Um Autêntico santo do pau oco.

–Para de reclamar... Você é pior do que eu.

Preferi não discutir mais e entrar no mercado. Lá encontramos com o Djair e o seu Rodolfo. Eles já estavam com dois carrinhos cheios e pegando mais coisas. No fim, enchemos 5 carrinhos, quase que tudo de bebidas. Essa brincadeira me custou mais de mil reais. Mas, é o meu casamento e não posso reclamar. Metade foi no fusca do Djair e a outra metade eu precisei chamar um táxi. Me despedi do Trator e fui pra casa da minha sogra. Era lá mesmo que seria a festa.

Assim que acabamos de descarregar tudo, no quintal, o barbudinho me tocou de lá. Será que hoje todos deram pra me tocar daqui? Fui reclamando pra casa do Marcos, primo da criatura, pra tomar um banho e me arrumar. Foi o que me restou.

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Saindo do banho, só com a calça do terno e sem camisa, dou de cara com o Jorge. Ainda bem que foi ele, se fosse o Camilo já tinha me agarrado.

–O que foi, Jorge?

–Vim aqui pra te ajudar a se arrumar. A Lívia me pediu isso pessoalmente.

–Já sou grandinho pra isso.

–Sabe dar nó em gravata borboleta?

–Er... Tá, nisso você me pegou.

–Já deixou de orgulho?

–Tá, agradeço pela ajuda.

Ele me ajudou a me arrumar e com o penteado. Só não sei o motivo de tanto laquê no meu cabelo já que ele é curto. Enfim, coisas de gay. Melhor nem discutir. Terminado, modéstia à parte, eu fiquei bonito. Era um terno simples, preto, que imitava um smoking. Nunca usei gravata borboleta na vida e, confesso, me enrolei com aquilo. Ainda bem que o Jorge me ajudou. Também não sei por que a Lívia foi inventar esse traje para mim. Não podia ser só o terno com a gravata normal?

–Não considere uma cantada, estou com o Camilo e o amo, mas você está um arraso!

–Obrigado, Jorge.

–A Lívia acertou no seu traje.

–Por falar nela, como ela está? Ela está bonita?

–Está linda. Quando saí eles estavam terminando o penteado dela.

–E o vestido? Não entendo dessas coisas, mas sei lá, deve ficar estranho uma mulher com o barrigão de grávida como ela está e de noiva.

–O vestido é lindo e assentou bem para o corpo dela.

–Ela foi má comigo. Até entendo que não devo vê-la vestida antes da cerimônia, mas não me deixar ver o vestido é um pouco demais...

–São coisas de mulheres. Acostume-se com isso. Elas possuem manias que os homens nunca compreenderão. Talvez nós, gays, cheguemos perto, mas também não entendemos por completo.

–Estou começando a perceber isso.

–Com o tempo você aprende. Vamos? Não vai pegar bem o noivo chegar antes da noiva.

–Vamos. Vamos logo antes que eu derreta dentro desse forno que é esse paletó.

E saímos. Dali até a igreja, de carro, levava menos de 15 minutos. Confesso que gelei ao entrar na Igreja. Todos os meus conhecidos estavam lá e também alguns que não conhecia, amigos e parentes da criatura. Me olhavam como se eu fosse para o abatedouro. Era uma sensação estranha. De pavor e alegria. O caminho até o altar foi o mais difícil que já fiz na vida, não que eu não quisesse, mas sim pelo que aquilo representava. Hoje daria o passo mais importante que já tomei. Lá o Trator me esperava. A Flávia e o Djair também estavam em seus postos, já que seriam meus padrinhos.

–Você tá bem, Batman? –O Djair me perguntou.

–Pareço mal?

–Um pouco. Nunca te vi tremer tanto e nem suar tanto assim.

–Estou nervoso.

–Isso tudo é medo de que sua noiva tome juízo e te largue no altar, Garibaldo? –E lá vem aquele padre maldito.

–Ô Trator, me faz um favor e cala a boca.

–Olha, rapaz! Respeite a casa de Deus.

–E você respeite sua profissão, Trator.

E ficamos lá, mais de 10 minutos esperando. Tudo bem, noivas se atrasam, mas a Lívia já está de brincadeira. Ou será que desistiu?

–Ela vem, não vem, gente? –Perguntei.

–Querido, ela é doida por você. Não acho que ela vai desistir agora depois de tudo pelo que passaram. –A Flávia me tranquilizou.

–Eu não acho. Acho que ela tomou juízo e viu a má influência que você é. Ainda bem, casamento pela igreja é só uma vez. –O padre maldito me disse rindo.

–Trator, não me deixe pior do que eu estou, por favor.

Eu juro que estava prestes a voar no pescoço dele, mas quando a vi entrar, meu mundo parou. Só tinha olhos para ela. A criatura já era bonita, mas hoje estava linda. O vestido, de fato havia lhe caído bem. Parecia uma bata de grávida, mas era o mais lindo que eu já vi. Era totalmente branco com uma faixa acima da barriga e ia até os pés. Ela estava radiante. Foi conduzida até o altar por seu irmão.

–Cuida bem dela, Batman amargado. –Ele mandou.

–Vou cuidar.

–Você está lindo.

–A linda aqui é você.

E a cerimonia começou. Eu, sinceramente, não prestei atenção em metade das coisas que o Trator falou. Não conseguia tirar os olhos dela. Só consegui me desviar um pouco quando vi a cor do terno do Camilo: rosa bebê. Por que ele tem que ser tão afetado? Tudo bem ser gay, mas ser afetado assim? Enfim, foram poucos segundos de minha atenção, logo me voltei para a minha quase esposa. Na hora do sim ela fez um suspense que me gelou a alma, mas percebi que ela só queria me torturar. O meu foi rápido e sem pensar. Sim, ela é a mulher com quem quero dividir minha vida, meus sonhos e meus medos. Selamos isso com um beijo comportado, mas com muito amor. Fomos aplaudidos de pé. O Camilo, minha mãe e a mãe da criatura se debulhavam em lágrimas no final.

Seguimos sob uma chuva de arroz e fomos para as famosas fotos. Fizemos tudo que é pose em um coreto que tinha na praça. Acredito que tenham ficado boas, não as vi de imediato. Isso era o que menos me interessava agora. Saímos dali para a casa da minha sogra, onde uma grande comemoração nos esperava. Acho que era uma das comemorações mais inusitadas que já presenciei. Os convidados se misturavam aos cachorros e todos interagiam. Até as crianças tiravam os pobres cães para dançar. É, nunca imaginei me casar e menos ainda um casamento como esse.

–Isso aí é depressão pós casamento? –O Padreco me perguntou.

–Não, só estou pensando. Isso aí no seu copo é cerveja?

–É.

–Sabe, achei que fosse brincadeira sua, mas vejo que não é. Você é o primeiro padre que vejo bebendo.

–Agora não sou padre, sou um amigo seu comemorando o casamento. Amanhã me confesso.

–Padre louco!

–Também te amo.

E ele saiu rindo da minha cara. Não sei como aceitaram esse aí no seminário e menos ainda como conseguiu se formar padre.

Olhei para o lado e vi a Criatura, minha esposa, jogando o buquê. Coitado do Djair. Quem pegou foi a Flávia. Ela se virou e, ao me ver, me sorriu e veio caminhando até mim.

–E então, marido?

–Acho que já casamos, mulher.

–É um pouco estranho, não é?

–Pra mim é, mas você já passou por isso.

–É estranho por ser com você.

–Nossa! Quanta sinceridade...

–Não, é sério. Eu e você não nos suportávamos muito e quase nos engalfinhávamos todo dia.

–Hoje eu me engalfinho com você, mas de uma maneira bem mais romântica.

–É. Como a vida muda.

–Muda muito. Basta ver o Jonas com a Roseni.

–Em falar no Jonas, você já foi dar apoio para o seu amigo? O pobre estava meio triste lá no canto.

–Ainda nem falei com ele hoje.

–Que bom amigo... Anda, vá lá falar com ele.

–Agora? Pensei em aproveitar e te tirar pra uma dança.

–A nossa dança pode esperar, mesmo porque estou com minhas pernas me matando. Sua filha pesa.

–Tá, mas ainda quero dançar com você.

Sai e fui ver o pobre do meu amigo. Realmente a cara dele estava péssima.

–Fala, Jonas. Como está? Ainda nem falei contigo hoje.

–Fala, né? Estou péssimo. E ainda estou dolorido da sua noitada. Vocês me esqueceram no fusca do Djair!

Sei que não devia, mas comecei a rir. Não sabia disso.

–Ri mesmo. Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

–Tá, me desculpa. Agora, falando sério, como você está?

–Péssimo, como mais poderia estar? Olha lá a minha deusa com outra deusa.

Eu olhei e vi a Roseni dançando com uma outra mulher. Não era tão bonita quanto ela, mas mesmo assim chamava a atenção. Tinha umas gordurinhas a mais, mas bem distribuídas e lhe caiam bem.

–Parecem felizes. –Disse.

–E estão. Elas estão no maior love o dia inteiro. Cheias de sorrisinhos pra cá e pra lá.

–E ela já tinha sorrido assim com você? Não, não é? Eu sei que tá doendo, mas não é bom ver a pessoa que gostamos felizes, mesmo que não seja conosco?

–Isso é desculpa de corno ressentido, mas é bom sim. Ela nunca sorriu assim comigo.

–Então, deixe disso e bola pra frente. Você ainda vai achar alguém para te fazer feliz.

–Tomara que não. Depois dessa, prefiro ser solteiro.

–Não cuspa pra cima. Olha pra mim e pra Criatura. Paguei e muito a minha língua.

–Eu estou fora. Relacionamentos, só os casuais de sempre.

Eu percebi que ele se animou um pouco e o deixei ali. Fui dançar com a Criatura. Ela só aguentou mesmo uma dança. Estava reclamando de dores nas pernas. A festa seguiu, partimos o bolo, mais fotos com os amigos, padrinhos, familiares e até com os cachorros dela. Por que não? Ela nunca foi normal mesmo e está me levando pro mesmo caminho. Depois de muita melação e choradeira, dissemos tchau e partimos para nossa lua de mel. Era um hotel fazenda que ficava na cidade vizinha, no meio do mato e sem nada. Era o que estávamos precisando para relaxar. Para minha surpresa, o pessoal escreveu “recém-casados” no pitanga e ainda amarraram latinhas nele para fazer barulho. Não reclamei. Era bom poder mostrar para todos que agora, depois de tudo o que passei, eu estava casado com a criatura.

Continua.


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