Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 31
Capítulo 31


Notas iniciais do capítulo

Fala, pessoal. Tudo beleza? Aqui vai mais um capítulo. Espero que gostem.



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Depois da dona Tetê contar os meus podres, fiquei aturando as piadinhas da criatura, do Camilo e até mesmo o Jorge me zoou. O mais duro, para ser sincero comigo mesmo, não foram as piadas, mas sim o fato de estar tão perto dela, da Lívia e ter que me comportar como se nada tivesse passado entre nós. Aquilo estava me matando. Passamos o dia todo juntos, já era quase noite, e ela fingiu que nada passou. Será que foi apenas uma noite? Uma noite pra mim não bastou.

Eu estava precisando de um pouco de espaço e, pedindo licença para eles, me afastei. Estava sufocado. A praia já estava um inferninho de tanta gente. Me distanciei o máximo que pude. Precisava respirar, dar um mergulho, fazer algo para tentar aliviar essa inquietação que eu sentia por dentro. Encontrei um lugar um pouco vazio, perto do mar, e aproveitei para molhar os meus pés na água.

–Rogério?

Lívia. Essa aí quer me torturar, só pode. Será que ela ainda não entendeu que eu preciso ficar sozinho?

–Lívia, o que foi?

–Você está bem?

–Não, não estou bem.

Ela correu para o meu lado e começou a me examinar, segurar o meu rosto.

–Por favor, não faça isso. – A afastando, pedi.

–Mas o que houve? Você está estranho desde cedo.

–Quer mesmo saber?

–Por favor.

–Será que ainda não viu o que me faz? O dia todo você agiu como se nada tivesse acontecido entre nós. Eu tentei, juro que tentei, mas estou queimando por dentro. Você é uma tentação para mim.

–Rogério, não me diga essas coisas. Sabe que eu não posso, sou casada.

–Eu queria poder me controlar, mas você virou o meu mundo de pernas pro ar. Eu ainda não consegui te esquecer e acho que, depois daquela noite, nem vou poder.

–Não dificulta as coisas. Vamos fingir que foi só um sonho.

Ela virou de costas para mim. Acho que não queria me olhar nos olhos.

–Só um sonho? Eu sonho contigo todas as noites e nenhum desses sonhos chegou perto ao que foi te ter entre meus braços. Será que também não sente nada por mim?

–Nunca disse que não sentia.

–E então?

–Eu já não sei. Você também desgovernou o meu mundo. Eu sempre tive a certeza que o Carlos era o homem ideal para mim, até você aparecer. Não sei o que me fez. Você nunca foi, podemos dizer, um cavalheiro, pelo contrário, mas tinha algo que me encantava de uma estranha forma.

–E por que se casou com ele se não tinha a certeza?

–Porque ele era a escolha mais certa. Eu aprendi a gostar do Carlos. Ele me conquistou e me ajudou quando eu mais precisei. Sempre achei que ele fosse o homem ideal. Ainda acho, mas não sei... Estou confundida. Melhor eu voltar.

Ela se virou para sair dali e eu pude ver seu rosto. Ela estava segurança as lágrimas. Num impulso mais rápido do que meu pensamento a enlacei pela cintura, por trás, e pude colar meu nariz em seus cabelos sedosos. Como senti saudade desse cheiro!

–Rogério, não. Assim não vou me conter.

–Não se contenha. Deixa eu te sentir de novo, sentir o seu cheiro. Posso te contar um segredo? –Sussurrei em seu ouvido.

–Conta.

–Ainda não tive coragem para lavar a minha camisa que você vestiu. Ela ainda tem o seu cheiro.

–E eu posso te contar outro?

–Pode.

–Eu me segurei o dia inteiro para não te abraçar e te beijar.

–Pois não se segure mais.

Eu comecei a dar leves beijos pelo pescoço dela e a cada toque a sentia mais ainda. Isso não era fingimento. Ela estava balançada, sentia algo. Iria dar arrebatada final, a virando para afundar minha boca naquela boca, mas ela me deu uma cotovelada no estômago.

–Que fiz agora?!

–Carlos!

–Carlos? Pelo amor de Deus, vai lembrar dessa besta agora? Ou você me confun...

–Cala a boca e some. –Ela me cortou.

–Quê?!

–O Carlos, a besta peluda, o meu marido está ali.

Ela me agarrou o rosto e me fez olhar para a direção que aquela besta estava. Puta que pariu. Não tinha pior momento para ele aparecer.

–Não vou. Vamos ficar aqui e esclarecer as coisas com ele. Eu te assumo. –Falei, mesmo sabendo que isso seria minha morte.

–Não senhor, não complica. Vai lá que eu já alcanço vocês. –Disse me empurrando.

–Não, Lívia. Eu quero ficar e enfrentar isso como um homem.

–Nã, na, ni, na, não, vai lá. Não vai arrumar confusão aqui e acabar com a festa de todo mundo. Vai lá que eu te encontro. –Me empurrou de novo.

–Tá, mas se não aparecer lá em 10 minutos, eu volto pra te procurar. Não vai fugir.

–Não fujo. E mais uma coisa: não nos encontramos aqui. Eu sai pra te procurar, mas não te achei.

–Tá.

–Vai logo, anda.

Ela me empurrou, de novo, e eu voltei segurando o meu estômago. A desgraça tinha uma cotovelada forte.

–Tá com dor de barriga, filho? -Minha mãe perguntou.

–Ih, se tiver, vai logo ao banheiro, as filas estão quilométricas. Eu vi um pobre que não aguentou esperar. –Jorge ficou engraçadinho agora.

–Eu mereço! Não estou com dor de barriga, apenas acertei meu estômago.

–Tadinho! Onde acertou? –Lá vem o Camilo.

–Er... Caí. Foi isso, caí encima de uma cadeira.

–Coitado. Tá melhor?

–Tô, Camilo, já vai passar.

Me sentei ao lado de minha mãe. Do jeito que ele é, daqui a pouco vem querer fazer massagem.

–A Lívia foi te procurar. –Ela falou.

–Foi? Não vi ela.

Minha mãe me olhou desconfiada, mas não disse nada. Depois de uns minutos a Lívia chegou com a besta. Ele foi logo cumprimentando o Camilo e o Jorge, mas me olhou feio assim que me viu.

–Você não me disse que ele também estava aqui! –A besta resmungou com a criatura.

–O Camilo e o Jorge o encontraram, mas não arrume confusão. Ele está com a mãe. Só veio pela senhora.

Ele me olhou, bufou algo para a Lívia, veio para o meu lado e me agarrou pela camisa.

–Vem cá, preciso falar contigo. Com licença, senhora. Já devolvo o seu filho.

Ele me arrastou até um local mais afastado deles. Não resisti para não preocupar a minha mãe. Tentei me manter calmo.

–O que quer? –perguntei.

–O que tá fazendo com a minha mulher? Será que já não deixei bem claro que não te quero perto dela?

–Será que você já ouviu falar em coincidências? Eu só vim aqui para trazer minha mãe, aquela senhora que ficou sentada lá. Eu encontrei com a “sua mulher” por um acaso.

–Não interessa. Será que não sabe dizer um oi e vazar de perto dela?

–Ela que quis ficar perto da gente. Não tenho culpa se você a abandona justamente no ano novo, se a deixa tão sozinha que ela precisa vir para cá pra não se sentir solitária, se sentir um pouco amada.

Só senti o soco no meu nariz, mas dessa vez não apanharia calado. Revidei com um certeiro bem no meio da fuça dele. Ele caiu, mas levantou e me tirou do chão. Rolamos na areia. Eu tomava socos, mas também dava. Uma turma do “deixa disso” separou a gente.

–Eu vou te matar! –A besta rugia.

–Tenta. Vem. Cansei de fugir de tu. Tu pode ser grande, mais forte, mas não é dois. Eu vou apanhar, mas tu não vai sair com esse seu rostinho limpo.

Só vi a criatura chegar correndo. Ela veio primeiro em mim.

–Está bem? Olha, seu nariz tá sangrando. –Ela puxou um guardanapo do bolso e me limpou a face.

–Estou bem, não se preocupe.

Eles soltaram a besta e ele veio correndo e puxou a Lívia de perto de mim.

–Me solta! Eu te falei para não fazer nada! –Ela gritou.

–Estou defendendo o que é meu. Tu é minha mulher e ele te deve respeito! –Ele rugiu.

–Eu não sou sua e ele nunca me desrespeitou, ao contrário de você. Carlos, se continuarmos assim, não dará certo. Você precisa aprender a controlar esses ciúmes.

–Não com esse abusado. Ele merece uma surra!

Ele tentou avançar em mim novamente, mas um pessoal o segurou.

–Me desculpe por tudo, Rogério. Não queria que a noite terminasse assim. –Ela me disse e saiu.

A besta iria avançar em mim, de novo, mas viu que se fizesse isso as coisas piorariam com a criatura e foi atrás dela. Eu voltei para onde os outros estavam.

–Rogério, meu filho! O que aconteceu? –Minha mãe veio desesperada ao ver o meu estado.

–Não foi nada, mamãe. Caí, de novo.

–Caiu em cima do Carlos? –Jorge virou piadista.

–Aguenta aí, Rogé. Toma, coloca no nariz pra parar de sangrar. –Camilo disse e me deu um pouco de gelo da caixa de isopor.

–Obrigado, Camilo.

Acalmei minha mãe e me sentei perto dela. Eu ainda conseguia ver a Lívia e a besta. Eles discutiam bastante. Ela tentava ir embora, mas ele a segurava e fazia uns gestos como se pedisse desculpas. Acho que ela acabou cedendo e eles se sentaram bastante afastados de nós, mas eu ainda os via. Jorge fez a gentileza de levar as coisas dela pra lá. Ela parecia estar com raiva. Não olhava pra besta, mas não tirava os olhos de nós. Ele estava encharcando na cerveja. Juro que se ele tentar fazer alguma coisa com ela, eu o mato. Sei como terminam essas bebedeiras. Basta lembrar da minha infância e olhar para minha mãe aqui do lado. Não permitirei, se puder, que nenhuma mulher passe o que minha mãe passou, não comigo por perto.

–Se vocês continuarem se olhando assim, ele vai perceber. –Minha mãe falou e me tirou dos meus pensamentos.

–Mamãe?

–Você é um partido bem melhor que ele e ela já viu isso.

–Obrigado, mãe.

_Mas tem que fazer um regiminho, hein! Tá ficando meio estragado com essa barriga. É um partido melhor, mas ele tá mais inteiro.

Essa é minha mãe, sempre colocando humor em tudo. Ela me abraçou para me confortar.

Fiquei ali um bom tempo. Acho que a besta começou a ficar bêbado e apagou na cadeira. A Lívia não parava de mexer no celular e eu não tirava os olhos dela. Deu meia noite e a queima de fogos começou. Eu olhei por um tempo, mas voltei a olhar para onde ela estava. Ela olhava pra mim e pude ver ela dizer, sem som, “feliz ano novo, Batman”. Eu fiz o mesmo, mas falei criatura. O Camilo me cutucou e jogou o celular dele em cima de mim. Não ouvi o que ele disse porque o barulho dos fogos era ensurdecedor, mas ao olhar a tela eu li uma mensagem da criatura:

–Feliz ano novo, Batman!

–Feliz ano novo, criatura. –digitei.

–Como está o nariz?

–Parou de sangrar, não se preocupe comigo. E a besta?

–Apagou. Encheu tanto a cara que nem essa barulheira o acorda.

–Você consegue dar uma escapada?

–Acho que sim.

–Assim que os fogos terminarem, no mesmo lugar de hoje cedo. Fechado?

–Sim, fechado. Te esperarei lá.

Devolvi o celular pro Camilo e minha mãe veio me abraçar, desejando feliz ano novo. Camilo fez o mesmo e eu, dessa vez e de bom grado, retribui.

–Ei, Rogério, sei que não começamos muito bem, mas nunca quis o teu mal. Feliz ano novo. –Jorge me disse, esticando a mão.

–Vem cá. -O puxei para um abraço e desejei o mesmo. Um abraço não me faria gay. Só não dei beijinho de comadre. Isso ainda era muito pra minha cabeça.

Aproveitei que eles estavam se dando feliz ano novo, pedi licença com a desculpa de ir ao banheiro e corri para o local indicado. A Lívia, assim que me viu, veio correndo e me abraçou.

–Feliz ano novo, Batman!

–Feliz ano novo, amor!

Eu vi que ela se espantou com o “amor” e que ia falar alguma coisa, mas não deixei e fiz o que queria desde cedo: a beijei. Meu primeiro beijo do ano foi com ela, a mais nefasta das criaturas que roubou meu coração. Ela também se deixou levar. Estava tudo indo muito bem até o celular dela tocar e ela ver a mensagem.

–É o Camilo. Ele disse que o Carlos acordou. Preciso ir.

Ela me deu um último beijo rápido e correu. Eu ainda fiz uma horinha para não dar muita bandeira e voltei. Ela já não estava lá e, no meu canto só estavam minha mãe e o Camilo.

–Cadê a Lívia? –Perguntei.

–Ela foi levar o Carlos em casa. Ele não está muito bem. O Jorge foi ajudar ela. –Camilo falou.

–Ah sim.

–E como estava o banheiro, filho? Você foi rápido. Achei que teria fila.

–Eu dei sorte, mãe.

–Então você fez no mar. O banheiro fica pro outro lado. –Camilo, rindo, disse.

–Er...

–Não precisa falar nada. Sabemos o que foi fazer, você não apagou as mensagens, mas nem eu e nem sua mãe vimos nada, não é, dona Tetê?

–Não sei de nada, Camilo.

–Eu também não, mas limpe o batom. Só eu e sua mãe percebemos. O Jorge nem se tocou, Rogé.

–Valeu.

–Depois tu vai ter que me contar essa história direito. Vou querer saber os detalhes –Ele falou.

Ele e minha mãe riam como loucos. Eu peguei um pedaço de papel e fui limpar. Do jeito que ficou sujo, eu devia estar igual a um palhaço. O Jorge estava voltando e ficamos calados.

–Eles já foram, amor? –Camilo perguntou pro Jorge.

–Já, Camilo. Eu ajudei ela a colocar aquele bebum no carro.

–Mas ela vai conseguir tirar ele do carro quando chegarem em casa? –Perguntei.

–Ela falou que vai deixar ele no carro mesmo, como castigo. –Jorge respondeu.

Eu não me contive e sorri. Era divertido imaginar a besta acordando, no dia seguinte, com ressaca e dolorido por dormir sentado amarrado a um banco de carro. É, Lívia, se eu realmente me envolver contigo, terei que andar na linha. Se você faz isso com ele, imagino o que não fará comigo.

Continua.


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Notas finais do capítulo

Agradeço por lerem.
Forte abraço e até o próximo.



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