Pensão da tia Odete. escrita por Costa


Capítulo 28
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

E aí pessoal, tudo beleza?
Acho que esse é um dos maiores capítulos e mais esperados por vocês. Espero que gostem.
Forte abraço, pessoal!



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Eu acabei apresentando a Roseni pro Jonas. Ele vive puxando assunto com ela, todo animado, mas ela, se eu reparei certo, não foi muito com a fuça dele. Eu sei que agora perdi minha sacada de vez. Desde que os apresentei, ele não sai mais de lá. Só falta dormir aqui. Com isso, os dias foram passando e o natal se aproximando. A dona Odete montou uma pequena arvorezinha na recepção e pendurou umas luzinhas pelas sacadas. Ficou bonita a pensão, com um ar natalino.

Hoje é véspera de natal. A maioria saiu pra viajar. Camilo e Jorge foram ontem, Djair saiu ainda há pouco e a Flávia foi com ele. Pelo que entendi, passariam o natal na casa dos pais dela, depois dele visitar os filhos. Os outros moradores, estudantes em sua maioria, já se foram há tempos com a chegada das férias, mas esses nem vejo as caras direito. Dona Odete e seu Rodolfo estão acabando de preparar as malas. Jonas foi pra Minas ver a família, até me chamou pra ir junto, mas preferi ficar. Apesar de conhecer a família dele, não quero estragar um momento que é pra ser pessoal, familiar e nem ser um peso. Pelo que vi os únicos remanescentes nesse deserto seremos eu e a Roseni. Ela também não foi viajar e não creio que vá mais.

Eu estava no meu quarto, mas desci pra ver como as coisas estavam. Chegando na recepção, dei de cara com o seu Rodolfo cheio de embrulhos e tralhas.

–Quer ajuda? –Perguntei.

–Claro, Rogério. Me ajude a levar isso até o táxi, por favor.

Eu comecei a ajuda-lo.

–Quantos presentes. Família grande?

–Até demais. 11 filhos e 23 netos.

–Nossa! E vai dar tempo de visitar todo mundo?

–Vai. Todos anos nos reunimos na fazenda do Lucas, meu filho mais velho. É o único que tem uma casa, mais ou menos grande, e que cabe todo mundo.

–Fico feliz pelo senhor. Sua família parece ser unida.

–É, mas tem hora que tenho que dar uns puxões de orelha neles. Se deixar, os monstrinhos que tenho se esquecem que tem pai, mãe e irmãos. Eu ainda sou o patriarca dessa família, mereço ao menos uma chance de vê-los reunidos e sem brigar.

–Tá certo.

–Só um conselho, Rogério: Ter filhos é ótimo, uma benção, mas quando casar, não arrume mais que uns 5, se não é dor de cabeça e a carteira vazia. Da última vez esqueci até de dois netos, mas também, cada vez que os vejo é um netinho novo. Parecem coelhos para fazer filho.

Ele fala dos filhos, mas teve 11. Não vou nem falar isso. Hoje o seu Rodolfo está estressado e é provável que ele me confunda com mais um filho e me dê um cascudo. Acabamos de arrumar as coisas no bendito táxi. Quase que não cabe tudo.

–Valeu, Rogério. Um feliz natal pra você.

–Feliz natal também, seu Rodolfo. –Falei e troquei um rápido abraço com ele.

A dona Odete chegou com mais alguns embrulhos e eu só pude ver a cara de desespero do taxista. Acho que esse nunca mais aceita vir aqui. Com um pouco de arrumação, os novos embrulhos couberam espremidos.

–Rogério, meu filho, obrigada por nos ajudar. Venha aqui. –Dona Odete falou.

Cheguei perto dela e ela me agarrou o pescoço e me deu um beijo na bochecha.

–Feliz natal, adiantado. A pensão é toda sua. Cuide dela pra mim, por favor. –Ela me pediu.

–Claro, dona Odete. Cuido sim. Um feliz natal para a senhora também.

Ela me deu mais um abraço e entrou no táxi. Esperei eles sumirem de vista e voltei pra pensão. Nessas horas eu lamentava minha mãe morar tão longe de mim. Nem lembro direito qual foi o último natal que passamos juntos. Tudo bem que eu costumo falar regularmente com ela no telefone, mas não é a mesma coisa. Eu acho que meio nostálgico hoje, meio amargado, como a criatura diz. Preferi deixar de pensar e voltei pro meu quarto. Já se passava das 15 horas, mas tentaria dormir mais um pouco. Era o mais sensato a fazer.

***

Acho que dormi por umas horas, mas o sono acabou e o tédio chegou. Desci pra cozinha pra ver se achava alguma coisa pra comer. Ao abrir a geladeira, a surpresa: Um frango temperado e com um bilhete:

Como você vai ficar aí sozinho, Rogério, deixei esse franguinho temperado pra você não passar o Natal em branco. É só colocar no forno, em fogo baixo e esperar pegar uma cor.

Beijo da tia Odete e um feliz Natal.

–Ah, dona Odete, a senhora pensa em todos. Até em quem não é o seu filho.

Desembrulhei ele e coloquei no forno. Enquanto pegava uma cor, deu um pulo rápido no mercado da esquina e comprei três garrafas de vinho, não eram das melhores, mas eram melhores que cerveja. Voltei pra cozinha e, não resistindo, abri uma garrafa. Fiquei ali bebendo e mastigando uns amendoins até o bendito frango ficar pronto.

Quando a ave finalmente ficou pronta, metade de uma garrafa já tinha ido. Tirei ele do forno, ajeitei na pequena mesa da cozinha e me sentei para comer. Já ia me servir quando a Roseni chegou.

–Vai comer tudo isso sozinho?

–Não. Aqui tem muito. Se quiser, sente-se aí e sirva-se.

–Obrigada.

Ela sentou do meu lado e não se serviu somente do frango, também pegou o meu vinho. Sorte que comprei três garrafas.

–Achei que eu seria a única solitária aqui.

–Não eu também sou.

–Não tem família?

–Tenho mãe, mas mora muito longe.

–Eu tenho, mas não me dou com eles.

Também, com essa antipatia.

–Uma pena. Sinto muito.

–Estou melhor assim. Aprecio mais sua companhia.

Ela tentou se chegar mais pra perto, mas eu afastei minha cadeira. Não está certo isso, não vou trair o Jonas por um rabo de saia. Nem dela eu gosto.

–Acho que vou pegar um ar. Esse vinho não me caiu bem. –Falei e corri de lá.

Fui até a rua e me apoiei na parede da pensão. Realmente tomar o vinho com o estômago vazio não foi muito boa ideia. Eu já estava um pouco tonto, tanto que precisei fechar os olhos para não cair. As coisas já estavam girando. Senti uma mão sobre minhas costas e pulei. Essa mulher tá abusando.

–Roseni, não me leva a mal, mas...

–Mas eu não sou a Roseni.

Aquela voz... Lívia. Me virei rapidamente e pude ver a criatura. Será que eu estou tão bêbado que já estou vendo coisas?

–Lívia?

–Não, a mamãe Noel. O que tu bebeu hoje, Batman?

–É, é você, eu não conseguiria imaginar com tamanha perfeição suas falas.

–Como?

–Esquece, bobagem minha. O que faz aqui?

–O Carlos foi viajar e já não tem ônibus para eu ir pra casa da minha mãe. Não queria passar a véspera de natal sozinha.

–Então está no lugar certo. Tem um franguinho que eu acabei de assar.

–Tá envenenado?

–Não, não coloquei veneno, achei que você não fosse vir, mas, se me avisar com antecedência, da próxima vez posso colocar.

–Da próxima eu aviso.

Entramos na pensão rindo, mas vi que o sorriso dela se desfez ao ver a Roseni.

–Você estava em um encontro. Me desculpe, não quero atrapalhar. Já vou. –A Lívia disse, já saindo, mas a segurei pelo braço.

–Não é um encontro. Essa é a Roseni. A moradora que pegou seu quarto.

–Mas está tudo tão arrumadinho, até com vinho.

–Ela chegou depois que eu já estava com tudo pronto, não foi planejado, não é, Roseni?

–Sim, Rogério. Não se preocupe, o seu namorado lhe é fiel. –Rose falou rindo.

–Quê? Nós não somos nada, apenas amigos. –Lívia disse.

–Que bom! Me desculpe então. Acho que eu que confundi. –Roseni falou.

–Tá bom, gente, foi um mal entendido. Sou solteiro aqui. Lívia Roseni, Rose, Lívia. –As apresentei.

Elas se cumprimentaram, mas achei aquilo meio falso. Enfim, nos sentamos e fizemos uma deliciosa refeição. Acabando, a Lívia foi fuçar na geladeira e só achou uma gelatina de morango que ninguém tocou.

–Só tem gelatina? –Ela perguntou.

–Acho que é só. Dona Odete fez, mas ninguém quis. Se quiser, ataque. –Falei.

–Não, acho que posso fazer algo melhor com ela se tiver os ingredientes.

Ela começou a olhar nos armários e tirou várias coisas de lá a Roseni a olhava como se entendesse o que ela faria, já eu estava boiando. Ela começou a jogar umas coisas numa cuia e a mexer. Acho que ela ia fazer um bolo, mas sei lá. Essa daí é louca.

–Tome, bata essa clara em neve. –Ela me ordenou me jogando um pote e um garfo nas mãos.

–Eu não sei bater isso. -Protestei.

–Sabe sim, é só bater o garfo assim. –Ela me tirou das mãos e me mostrou como fazia.

–Não é mais fácil pegar a batedeira?

–Não vai ficar igual do que feito à mão.

–Eu acho que vai ficar uma porcaria, mas vou tentar. Nunca fiz isso antes.

–Se quiser eu bato pra você, Rogério querido. –A Roseni se ofereceu.

Ela já vinha pegar o pote de mim, mas a Lívia a impediu:

–Não, deixa que ele faça. Deixa ele trabalhar um pouco. Se quiser, pode ir se deitar que quando estiver pronto lhe chamamos.

A Lívia está com ciúmes de mim? Ela não deixou nem a Roseni me tocar. Parecia um ninja. Só faltou jogar a colher de pau nas mãos dela como naqueles filmes mentirosos. Me desculpe, Jonas, mas preciso comprovar isso.

–Deixa ela me ajudar, Lívia...Estou cansado. –Fiz um drama.

–Não senhor. Bater isso aí não vai te aleijar. Anda que preciso disso pronto.

–Eu não me importo, Lívia. Me dá, querido.

A Roseni já vinha de novo, mas a criatura se colocou no meio de nós. É, ela está com ciúmes.

–Não, esse aí precisa aprender a bater uma clara em neve. Bata ou eu te bato. –Ela falou grosso.

–Tá, eu bato.

Bati aquilo até a hora que ela disse que estava bom. Ela despejou no meio daquela maçaroca e, finalmente, aquilo pegou jeito de massa de bolo. Ainda tive que untar a forma. Ela não deixou a Roseni botar a mão em nada e a mulata, acho que por despeito, começou a encher a cara e desmaiou em cima da mesa. Tu só me mete em confusão, Lívia.

–Quer lamber a cuia? –A criatura me perguntou depois de despejar a massa na forma.

–E eu tenho cara de criança?

–Não, mas age como uma.

–Eu, né? Você é pior que eu.

–Não seja chato. Anda. Lambe isso pra mim lavar.

–Não quero.

–Então você vai lavar isso.

–Tá, eu lavo. Não sei que graça tem comer isso com gosto de farinha.

Ela acabou de lamber e eu lavei. Agora o dilema era o que faríamos com a bêbada.

–Deixamos ela dormir aí? –Perguntei, apontando para a Rose.

–Acho melhor não. Seria covardia nossa. Se me ajudar, a arrastamos até o quarto.

–Tá. Acho que é o melhor.

A ajuda dela não era a que eu tinha em mente. Eu tive que jogar a Roseni no ombro, igual saco de batata, e carregar a pobre escada acima. A única coisa que a criatura fez foi abrir a porta pra mim. A coloquei na cama e descemos de novo pra cozinha.

–Só sobrou meia garrafa de vinho. –Falei ao ver o estrago que a Roseni fez.

–Deve dar uns dois copos. Dividimos.

–Se quiser, pode beber tudo. Eu já estou meio tonto.

–Olha que eu bebo, hein. Depois não reclama.

–Pode beber.

E foi o que ela fez. O bolo ainda estava no forno, quase queimando, e ela já estava trocando perninhas pra cá e pra lá. Ainda sobrou pra mim ajudar ela a fazer a tal torta de pêssego com gelatina e creme de leite. Na hora achei que aquilo não fosse ficar bom, mas a verdade é que estava gostoso. Comi até me fartar e ela também.

–Que horas são? –Ela me perguntou.

–Não sei. Deixa eu ir ver na sala.

Fui até a sala e quase tomei um susto. O tempo simplesmente voou e já era quase uma da manhã. Era natal. Como eu não vi o tempo passar assim, meu Deus? Voltei pra cozinha.

–São dez pra uma.

–Aham, sei. Que horas, Batman?

–Dez pra uma, não estou brincando.

Ela não acreditou e foi até a sala olhar o relógio para conferir. Voltou tentando achar a bolsa.

–Puta que pariu. Preciso ir embora- Resmungou.

–Tá de carro?

–Tô.

–E vai sair nesse estado?

–Que estado?

–Não leva a mal, mas tu já tá se escorando nas paredes. Acho que passou um pouquinho da conta.

–Não estou bêbada.

–Está sim. Eu também estou meio ruim. Primeiro, se acalme.

A segurei pelos braços e a coloquei sentada na cadeira. Ver ela revirando a cozinha já estava me deixando nervoso.

–Rogério! Me deixa procurar minha bolsa. Quanto mais tempo eu perco aqui, mais demorarei pra chegar em casa.

–Não acha que eu vou te deixar sair nesse estado, acha?

–E quem é tu pra achar alguma coisa?

–Sou teu amigo e não quero que te passe nada de mal.

–Então eu chamo um táxi e amanhã passo aqui pra pegar o pitanga.

–Vai ser difícil achar táxi a essa hora e também é perigoso. Durma aí.

–Dormir aqui, tá. E por acaso os quartos não estão todos ocupados?

–Estão, mas pode ficar no meu, na minha cama.

–O quê?!

–Calma. Você dorme lá que é mais confortável e eu fico aqui, no sofá da sala. Melhorou?

–Não sei não. Acho melhor eu ir pra minha casa. Se o Carlos souber disso ele não vai gostar.

–Ele vai me bater de qualquer jeito. Prefiro ter uns ossos quebrados do que correr o risco de você se acidentar.

Ela resmungou algo entre os dentes, bateu os pés, andou de um lado pro outro e falou:

–Tá, eu fico, mas vou embora assim que acordar amanhã.

–Será do jeito que você quiser.

–Se fosse do jeito que eu queria, eu estaria agora no meu carro indo para minha casa.

–Tá, deixa de reclamar. Vem. Vamos pegar sua bolsa na sala e ir pro meu quarto.

–Sabia que minha bolsa estava na sala?

–Sabia.

Só senti a colher de pau voar nas minhas costas. Essa doeu.

–Peste!

–Nefasta!

Pegamos a bolsa dela e fomos pro meu quarto. Ela se sentou na cama. Estava se fazendo de forte, mas sei que a visão dela devia estar rodando mais que a minha.

–Se quiser, aí no guarda-roupa, segunda gaveta, tem lençóis limpos e cobertores. Nas portas tem roupas limpas minhas, calças e camisas. Se não quiser dormir com essa sua roupa, pode usar, mas acho que ficarão um pouco grandes para você, mas serão mais confortáveis. Está em casa. Pode futucar à vontade.

–Obrigada.

–Vou lá pra sala. Se precisar, chame.

Sai e me acomodei no sofá, mas aquele braço estava tão gasto e duro que meu pescoço começou a doer. Acho que a Lívia não vai se importar de me dar um dos meus travesseiros, é o mínimo já que eu cedi minha cama. Subi de novo e bati na minha porta.

–Lívia, posso entrar?

–Só um minuto.

–Tá.

Me escorei ali na porta e quase caí quando ela abriu, fui de encontro à cama.

–Você tá bem, Batman?

–Estou...

Perdi a voz ao vê-la. Ela levou o que disse a sério. Ela estava usando uma de minhas camisas e um short meu. Não sei o porquê, mas achei aquilo apaixonante.

–Peguei umas roupas suas, mas depois eu lavo. Espero que não se importe.

–Não, de forma alguma.

–O que queria?

–Um travesseiro, se não for usar. Aquele sofá mata.

– Pode pegar, são seus mesmos.

–Agradeço.

Peguei o travesseiro e queria sair dali antes que a tentação me fizesse cometer uma besteira.

–Vou dormir lá embaixo. Tenha uma boa noite e um feliz Natal.

–É mesmo, já é Natal. Vem cá.

Ela me puxou para um abraço e, tê-la tão perto de mim novamente, sentir seu cheiro, me aguçou os extintos. Não resisti e a beijei. Fui correspondido com a mesma urgência que eu tinha.

–Isso não está certo. –Ela sussurrou com os lábios ainda colados aos meus.

–Não, mas não posso, não consigo evitar.

Voltei a beija-la. Vou ser um homem morto, mas isso não me interessa agora.

–Rogério, eu...

–Não fale, por favor. Deixa eu pensar que você é livre, que isso é um sonho. Não consigo parar de pensar em você desde aquela vez que nos beijamos.

Voltei a beija-la. Não sei se ela sentia o mesmo, mas não me deteve e me deixou a conduzir até a cama.

–Eu também não consigo mais parar de pensar em você, Batman. O que fez comigo? O que colocou na minha bebida?

–Te pergunto o mesmo.

Voltei a beija-la e, entre carícias e peças de roupas que voaram pelo quarto, ela foi minha. O cansaço e a bebida a fez adormecer nos meus braços, naquela pequena cama. Sou o homem mais feliz do mundo, mas acho que já posso encomendar o meu caixão. Dessa vez a besta vai me matar e com razão.

Continua.


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