Noite de lembranças escrita por Cary Monteiro


Capítulo 3
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Notas no final do capítulo.



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De volta ao salão onde o grande baile de gala do Mexafondo Axêndio acontecera, ou o que havia sobrado dele, Clara e o soldado judoon observavam silenciosos ao tenebroso cenário.

Era impossível não entender a atmosfera de desastre no salão. Mesas e cadeiras viradas, tecidos embolados, caídos pelo chão coberto de taças de cristais quebrados em mil pedaços. Mas o mais macabro de tudo, que não poderia ser ignorado, era a grande mancha vermelha, explodida bem no meio do cômodo, pintando o salão no tom carmim por tudo que era canto, salpicado nos locais mais distantes. Clara se atreveu a dar alguns passos, o judoon permaneceu no lugar que estava, bem na entrada do salão.

– Senhora? - perguntou o pequeno judoon. O chamado fez com que Clara saísse de um transe que ela nem mesmo sabia que se encontrava. Ela coçou a cabeça. Como ela poderia ter esquecido de uma coisa dessas? Ela podia imaginar facilmente o terror e o desespero que os convidados da festa devem ter sentido. Onde será que ela estava na hora? Onde o Doutor estava na hora? Era tudo muito estranho e todo o mistério que o Doutor insistia em criar pela falta de memória dela tornava tudo mais esquisito…

– Você pode me chamar de Clara. Eu ainda lembro da última vez que tive a chance de comandar um pelotão. Foi tudo muito rápido e todos nós quase morremos. E sabe de uma coisa? eu não sabia o nome de praticamente nenhum deles. Então, qual é o seu nome?

– Cadete G’lib, senhora.

– Clara. Chame-me de Clara. - ela tornou a dizer em tom de ternura

– A senhora comandou outros pelotões. Não acho nenhum pouco respeitoso chamá-la pelo seu nome de nascença, senhora. Principalmente na frente do meu superior. Ô SUPERIOR!

– Mas nós estamos sozinhos! - Clara comentou risonha. Até que depois de conhecê-los melhor, os judoons pareciam ser bem simpáticos. Pelo menos este chamado G’lib, Clara pensou. Houve um pico de luz, os dois olharam para a orbe no meio do teto, ela piscava rapidamente e sua luz parecia ter menos força. Algo estava acontecendo. - G’lib, quem mais além de mim, o Doutor e o pelotão de judoons está no palácio?

– Ninguém, senhora. O palácio foi devidamente evacuado há sete horas. Todas as pessoas presentes foram levadas para os hospitais mais próximos.

– O que houve com elas?

– A bebida continha veneno.

– Isso explica muita coisa. - Clara imaginou se não teria sido isso o que afetou sua memória. O palácio todo tremeu e as luzes voltaram a piscar. O Doutor e Bast’ak chegavam até o pelotão de judoons quando o chão estremeceu.

– Clara?! Clara! - o Doutor gritou, procurando pela garota quando as luzes piscaram novamente.

– Onde está a garota?! - Bast’ak gritou ao pelotão.

– Senhor, a humana subiu as escadas e foi para o salão principal, senhor! - um judoon mais próximo deles respondeu.

– Vocês deixaram que ela fosse sozinha?! - o judoon albino perguntou em tom agressivo.

– Clara! - O Doutor gritou novamente, seguindo em direção ao salão.

– Ela está com o cadete G’lib, senhor!

– Ótimo, agora tenho certeza de que ela está correndo perigo!

– Claraa! - O Doutor gritou mais uma vez, avistando Clara e um judoon logo na entrada. As luzes voltaram a piscar mais vezes.

– Vá ver o que está havendo com as luzes! - Bast’ak acionou um dos soldados.

– Doutor! - Clara exclamou e olhou para trás observando o Doutor subindo os últimos lances de escada quando as portas do grande salão se fecharam abruptamente.

– Não! Clara! - Ele chamou e bateu com as mãos na porta. Ele sacou a chave-de-fenda sônica do bolso e passou pela porta, mas nada aconteceu. - Clara! Clara, pode me ouvir?! Fique onde está! - Clara foi até a porta, o judoon a seguindo com o olhar.

– Doutor? O que está havendo?!

– Eu… Não faço ideia. - ele disse, frustrado. Clara não pode ouví-lo. As luzes se apagaram de vez e todos ficaram no breu.

– Atenção judoons! Estamos sob ataque! - Bast’ak gritou, juntando todo o seu pessoal para perto, todos de armas preparadas. Clara avistou a lanterna na arma do pequeno judoon e o tocou no braço.

– G’lib, nós temos que sair daqui. É um lugar muito aberto e somos alvos fáceis. Mostre o caminho! - Clara ordenou. O judoon não perdeu tempo e apontou sua arma para a frente, a luz se derramou em uma escada que levaria até os camarotes e os dois seguiram para lá.

Agora com seus ânimos completamente em frangalhos, o Doutor se preocupava apenas em tirar Clara do salão o mais rápido possível. Por mais que não fosse admitir, o senhor do tempo sabia que a garota conseguiria achar outra forma de voltar até a entrada, ainda mais acompanhada de um dos judoons. Isso lhe deu uma ideia.

– Bast’ak! Quero que deixe dois de seus homens junto a esta porta no caso dela se abrir. Tome metade do pelotão e siga pelo caminho Sul até a outra entrada so salão; o resto de seus soldados comigo.

– Então está tomando comando da situação, e do meu pelotão, Doutor?

– Olhe seu rinoceronte super crescido. Minha amiga está presa sozinha lá e eu vou encontrá-la. Sua opção é me ajudar ou sair de meu caminho. - Vociferou o bom homem.

Diante de tal resposta o judoon pareceu encolher enquanto o senhor do tempo pareceu preencher cada vez mais o salão. E vendo-se em um impasse, optou por ajudar o Doutor. Afinal, quem mais poderia resolver esse problema?

– Muito bem. Vocês o ouviram. Vocês quatro comigo. - Disse ele apontando pra alguns judoons. - O resto sigam todas as ordens deste homem.

– Nos vemos no salão, Bast’ak. - E pegou um comunicador do bolso. - Se encontrá-la antes me mande um sinal, estou na frequencia quarta-delta, dezessete traço quatro.

O pequeno judoon seguido de Clara estavam indo por um largo corredor prata que se não fosse a situação, poderia maravilhar até o maior dos críticos. As paredes prateadas eram marcadas com padrões que pareciam circuitos. Essa comparação passou pela cabeça de Clara por alguns segundos, para então ser substituida pelo barulho ensurrecedor de metal sendo amassado.

Já a cabeça de G’lib estava ocupada com várias outras coisas, judoons são mais espertos do que parecem. Pelo menos esse era. Ele estava pensando em qual caminho seria mais seguro e se o que ele escolheu não causaria problemas. Então o mesmo barulho ouvido por Clara penetrou nos canais auditivos do judoon.

Então a pergunta óbvia foi feita:

– O que foi isso?!

– Acredito que o caminho esteja sendo amassado por… Algo.

– E isso é possível? - Antes que o judoon pudesse respondê-la, outro amassado rompeu o ar, diminuindo o espaço que eles tinham logo a frente. - Acho melhor acelerarmos o passo! - eles voltaram a correr, mas logo a frente, outro amassado se formou, tão pontudo que quase acertou Clara, fazendo-a cair para trás para não ser atingida. O judoon a ajudou a ficar de pé novamente. - Nova estratégia, vamos voltar! - assim que eles deram as costas, no caminho de trás acontecia um novo amassado, cobrindo parte do espaço. Clara conseguiria passar, mas o judoon não teria a mesma oportunidade. - Nova estratágia, não vamos voltar! - Clara estava sem ideias.

– Olhe, Clara, uma porta de ventilação! - G’lib apontou para a parede, ao nível do chão.

– Grande ideia, G’lib! - ela retirou a arma do coldre do soldado e atirou contra a portinhola nos seus cantos, até que a mesma pudesse ser aberta. Clara jogou a porta para o lado e se agachou para entrar no duto de ar. - Hey, você me chamou pelo nome! - ela começou a engatinhar dentro do duto.

Mal a cintura da humana havia passado e a entrada começou a ser comprimida. Vendo que não haveria como ela passar sem ser esmagada, o pequeno judoon teve seu pensamento mais corajoso, mais humano e que poucos judoons ja tiveram: compaixão.

– Vá rápido! - Gritou ele enquanto encaixava seus poderosos ombros contra a parte superior do duto e seus joelhos contra a inferior. - CORRA, HUMANA!

– Não.. G’lib.

– Vá, Clara. - Com um ultimo suspiro ele deu um restante surto de força que permitiu a moça avançar até uma área segura. E a última coisa que foi vista do pequeno judoon foram seu chifre entre seus olhos lutando por uma causa. Clara jamais esqueceria da valentia de G’lib.

O pequeno grupo composto por quatro judoons e um senhor do tempo seguiam pelo mesmo túnel que colapsara diante de Clara. Os soldados estavam de armas empunhadas e lanternas mostrando o caminho. Já o Doutor estava com sua chave-de-fenda sônica escaneando o caminho a frente procurando por sinais de, bom, de qualquer coisa.

– Parem! - Ordenou ele. Levantando a mão esquerda com um punho fechado fazendo o sinal quase universal para parar. Universal se considerarmos os seres bípedes de quatro membro que desenvolveram uma linguagem de sinais. Que não é o caso das estranhas lasgotenianas de Sarturvits VII, que se comunicam através de sons feitos pela liberação de gases. Essa linguagem é comumente chamada de flatulês.

– O túnel a frente está colapsando, selem as comportas. Rápido.

As tropas não precisavam de mais incentivo. Todos se colocaram diante os vários paineis nas paredes tentando descobrir o controle das comportas. Como já foi mencionado, os judoons

não são muito brilhantes, e portanto nenhum conseguiu encontra-lo.

– Saiam da frente, seus ungulados acéfalos. - E com alguns pulsos da sônica, ele ativou um grande botão dourado que fechou uma sequencia de tres portas reforçadas que somadas tinha quase um metro de grossura.

– Senhor, vamos fazer o que agora? - Perguntou o atual líder do pelotão, apenas explicitando a falta de imaginação judooniana.

– Não podemos seguir em frente por razões óbvias. Se assumirmos que a Clara foi pelo caminho Sul ela deve encontra Bast’ak que vai nos notificar. Agora, se ela seguiu por este caminho pode ter escapado por algum duto extra de ventilação. O problema é que se ela fez isso, é quase impossivel de encontrá-la. - Tudo isso foi dito numa velocidade incrivel e que deixou os aliens olhando espantados tentando registrar tudo que foi dito.

– Senhor, podemos ir para a sala de comando…

O comentário chegou a levantar as já eriçadas sobrancelhas do Doutor ainda mais, ele ficou deveras perplexo por um judoon ter um raciocinio tão rápido.

– Ao que parece alguns de vocês tem cérebros. Talvez alguns milenios e eles poderiam se desenvolver plenamente…

– O que o senhor falou? - indagou outro judoon com um olhar de desentendimento, quase empurrando o chifre contra o Doutor.

– Nada. Você, fique de guarda aqui, o resto para a cabine de comando da estação.

O Doutor e sua cada vez menor tropa saiu disparada pelo corredor. Mas mal haviam chegado ao salão de entrada e ouviram um grito horrendo. Parecia um triturador de lixo engasgado com um pedaço muito grande de concreto fundido com aço estravidirano. Todos viraram para trás esperando que algo acontecesse. Mas a única coisa que aconteceu foi que mais um conjunto de comportas se fechou.

– Infelizmente mais um pra conta… - Supirou o Doutor. Mas levantando a cabeça de forma autoritária continuou:

– Vamos, não há mais nada que possamos fazer, temos que chegar a cabine de controle agora mais rapido que nunca.


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Notas finais do capítulo

Em memoria do cadete G'lib, o pequeno judoon corajoso *cries*.... As coisas estão ficando cada vez piores para Doutor, Clara e os judoons. E esse assassino que não dá as caras piora tudo. Obrigada por ler e não esqueça de comentar se puder!



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