Trapaça escrita por Sara Carneles


Capítulo 4
Desconfortável Franqueza


Notas iniciais do capítulo

Como forma de agradecimento por todos os comentários (e também porque vocês me ameaçaram de morte pela maneira como o capítulo anterior terminou kkkkkkk), eu decidi postar um capítulo especial hoje. Não é a continuação do capítulo 3, essa só sai amanhã, mas é a versão do Oliver sobre alguns acontecimentos da história. Talvez explique alguns detalhes que ficaram no ar na versão da Felicity. Ou talvez só deixe vocês mais curiosos hahahahaha
De qualquer forma, espero que vocês aproveitem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/612645/chapter/4

Na cidade é tudo frio
Do rosto apático ao estômago vazio
A iris pálida e coberta pela pálpebra abatida de sono
E os homens vão caindo como as folhas secas no outono
No ônibus lotado habita um ar de luto
Com uma viagem de silêncio ao invés de 1 minuto
Ninguém se conhece, ninguém se olha
Lágrimas caem secas no rosto aflito que nem se molha
Preso na rotina são vários mortos vivos
Sem sentimento trancado pelos grilhões do patrão com olhar nocivo
O sol se põe pois a frieza humana já chegou ao cúmulo
E o navio negreiro leva os mortos vivos de volta aos seus túmulos
– Autor Desconhecido.

A sensação de acordar em um lugar desconhecido já deveria ser bastante familiar para mim, mas sempre que eu abria meus olhos, haviam aqueles segundos inevitáveis de reconhecimento do local.

Desta vez, eu estava em um loft. As paredes de tijolos vermelhos, totalmente rústicos, e o teto com um ventilador bastante fora de contexto. Não que eu ligasse para decoração ou algo do tipo, isso era mais o estilo de minha mãe...

Ah merda, que horas são?

Ergo a cabeça e encontro meu celular no chão ao lado da cabeceira. Minhas roupas estão espalhadas por um raio de cinco metros de distância de onde estou.
Bem, as coisas devem ter sido animadas ontem. Pena que eu não lembro da metade.

Senti um par de unhas acariciar meu peito do outro lado da cama.

– Bom dia. – a voz melosa da garota me fez lembrar o motivo pelo qual minha boca estava levemente inchada. Eu devo ter beijado-a muito para que não precisasse ouvi-la falar.

– Bom dia. – respondi.

Ainda eram só 7:03 da manhã, então eu podia juntar minhas coisas sem muita pressa, apesar de não estar muito animado para permanecer nesse lugar.

Levantei-me e comecei a me vestir novamente. Senti que a garota também levantou quando o peso da cama diminuiu levemente.

Essa deve ser uns 3 kg mais gorda que a da noite anterior, pensei.

Uma das vantagens de dormir com modelos: os belos e magros corpos.

Uma das desvantagens de se dormir com muitas modelos: os belos e magros corpos.

Para falar a verdade, eu já estava meio farto delas. Não demonstravam mais nenhum tipo de desafio, muito pelo contrário, a maioria delas vinha até mim como se eu fosse alguma espécie de canto de sereia ao qual elas não podiam resistir. Mas eu sabia qual era o meu canto, e nada tinha a ver com meu corpo.

Era meu sobrenome.

Toda maldita vez que anunciam o sobrenome Queen em algum lugar, tudo parece acontecer em um piscar de olhos. Os passes vip's nas melhores boates, as mesas sem reservas, de repente disponíveis nos mais caros restaurantes, a disponibilidade de todos à toda hora e em qualquer lugar.

Às vezes isso me deixa furioso.

Quando paro para pensar que todos ao meu redor estão ali porque querem algo de mim, de meu sobrenome, sinto um dos sentimentos mais piegas de toda a humanidade: me sinto usado.

Não é diferente com estas modelos. E no começo era divertido, mas agora já parece rotina, e de rotina, já me bastam as aparições nas Indústrias Queen.

E por falar nisso... Hoje é dia de fazer uma visita à minha assistente, talvez jogar algumas cantadas para ela e ver se funciona. Se funcionar, me dou muito bem, se não, tenho certeza de que vou me divertir mesmo assim, apenas observando sua reação.

Encontro minha jaqueta em cima do sofá. Visto-a enquanto pego minhas chaves no chão perto da porta.

Tento me lembrar do nome da garota, mas não consigo e depois percebo que não dou a mínima. Ouço o barulho do chuveiro e percebo que é minha deixa.

Saio para a luz do dia. O sol de início da manhã aquece meu corpo quase que de imediato. Gosto disso. Por um momento penso em deixar meu Audi ali, ir caminhando para casa e depois mandar alguém buscá-lo. Mas percebo que não é uma boa ideia, considerando o que aconteceu com meu Porsche na última vez que irritei uma dessas garotas...

E eu nem tinha deixado-a sem me despedir.

***

Desliguei o motor do carro e tomei uma grande respiração antes de sair, imaginando como o discurso do dia iria começar.

Porém, quando entrei em casa, dei de cara com o Dr. Fitzgibors, já de saída.

– Simon. – eu o cumprimentei.

– Olá Oliver. – ele apertou minha mão – Chegando agora?

Ele tentou me lançar uma expressão brincalhona, mas sua preocupação era evidente demais.

– Qual o problema? – perguntei.

Ele deu de ombros.

– Ele teve um mal estar logo cedo. Acabei de examiná-lo, não parece grave mas devido ao seu histórico, marquei uma bateria de exames para hoje à tarde.

Assenti levemente enquanto ouvia o que o médico dizia.

– Bom, eu preciso ir. Tenho algumas consultas agendadas.

– Sim, claro. Obrigado Doutor.

Fechei a porta depois que ele saiu.

– Oliver!

A voz de minha mãe vem do andar de cima, viro-me a tempo de vê-la descendo as escadas como um furacão, a testa franzida em preocupação.

Ela ainda está usando a roupa de dormir por baixo de um hobby de seda lilás. Por um instante penso que ela vai iniciar a maratona de repreendimentos, mas ela apenas aproxima-se e me abraça.

– Que bom que está aqui. – disse ela baixinho, ainda abraçada à mim.

– Como ele está? – perguntei quando ela me soltou.

– Está descansando.

– Bom. – comentei, indo em direção às escadas sem dar as costas à minha mãe – Eu vou... subir e... tomar um banho.

Ela suspirou.

– Por favor, passe na empresa. – implorou ela.

– Eu vou, não se preocupe. – disse, sorrindo levemente e subindo a escada de dois em dois degraus.

– E por favor, vista-se adequadamente! – ela gritou de maneira maternal quando eu já estava no segundo andar.

– Entendido! – respondi de volta.

Geralmente eu tentava me rebelar com meu pai de todas as formas possíveis. Mas apenas nas que não me colocariam em risco de perder minhas regalias.

Era algo egoísta? Sem dúvidas. Mas já que o mundo parecia se aproveitar de mim pelo meu sobrenome, eu decidira me aproveitar do mundo por este mesmo motivo. Afinal, por quê seguir uma estreita estrada quando se tem uma livre via de mão dupla?

Mas desta vez eu ia fazer do jeito do meu pai.

Tomei uma chuveirada e segui para meu closet. Passei direto por minha seção preferida e habitual (jeans, jaquetas, camisas) e fui direto para a "ala social". Peguei o primeiro terno que encontrei, não dando a mínima para detalhes como cor, caimento ou algo do tipo, visto que todos os ternos são sob medida. Peguei uma camisa branca e uma boxer da Calvin Klein e em menos de 10 minutos estava no andar de baixo, saindo pela porta depois de roubar uma torrada que Thea estava terminando de passar manteiga.

Meu relógio dizia que faltavam quatro minutos para as 10:00 horas quando cheguei ao 22º andar do prédio das Indústrias Queen.

Não encontrei minha assistente em sua mesa, o que era uma pena pois eu adorava ver sua primeira reação toda vez que eu aparecia por ali.

Era como se ela ficasse com medo de que eu fosse comentar sobre a primeira vez que nos vimos, quando ela me chamou de babaca e saiu andando orgulhosamente. Para falar a verdade, eu achei hilária a forma direta com que ela falou comigo, pois claramente ela não sabia quem eu era, e por alguns segundos, senti que para alguém eu era um alguém normal.

Provavelmente este deve ter sido o motivo pelo qual deixei Sara contratá-la, isso e os seus atributos físicos, que eu não podia negar, eram muito bons.

De repente ouvi vozes femininas vindo da sala de reuniões. Aproximei-me até poder distinguir as vozes, ambas estavam na sala de arquivos, aparentemente organizando a papelada.

– ...Que hipócrita. – ouvi uma das vozes comentar, e logo percebi que era a de minha assistente. – Sabe, eu nunca achei que esses bilionários podiam ser tão egoístas como todo mundo diz, mas acho que estou começando a perceber que eles são mesmo.

Não demorei para me dar conta de que ela estava falando de mim. Por um momento pensei em fingir que não havia escutado seu comentário. Mas então uma raiva efervescente cresceu de uma forma possessiva e desavisada, me fazendo disparar sem pensar.

– Senhorita Smoak? Poderia vir até a minha sala, por favor?

Ela estava de costas para mim, então eu não conseguia ver sua expressão, mas pela forma como seu corpo congelou, eu tinha certeza de que ela não havia percebido minha presença antes que eu me anunciasse. Nenhuma delas havia.

– Claro Senhor Queen, um instante. – respondeu ela, tentando soar calma.

– Agora. – respondi impaciente.

Segui de volta para minha sala e aguardei alguns segundos até que a vi se aproximar de uma maneira receosa.

Por um momento minha raiva fraquejou e eu quase desisti de lhe dar uma bronca. Ela estava usando um vestido cinza incrivelmente sexy e colado ao seu corpo, que simplesmente me desconcentrou; os cabelos loiros geralmente presos, desta vez estavam soltos, como na primeira vez que nos esbarramos. Seu olhar era firme por trás do par de óculos.

Eu podia imaginar muitas formas de tentar convencê-la à ceder um pouco de seu tempo para que pudéssemos nos divertir... Mas já conhecendo um pouco de sua personalidade, tenho quase certeza de que levaria um chute nas bolas ao invés de uma aquiescência...

Pigarreei, e com um pouco de esforço, redirecionei meus pensamentos para o então objetivo da conversa.

– Como estão as coisas por aqui, Senhorita Smoak? – perguntei.

Ela arqueou as sobrancelhas em sinal de surpresa. Realmente ela tinha motivos, sem falar que até eu estava levemente surpreso por saber seu nome.

Fiquei esperando por sua resposta por alguns segundos. Mas ela continuava muda, apenas me encarando.

– Algum problema?

– Não, desculpe. Tudo está muito bem, Senhor. Alguma dúvida em especial?

Na verdade sim, pensei. Será que doeria muito o chute que você me daria por eu tentar assediá-la?

– Na verdade sim. – inclinei-me para a frente, colocando as mãos entrelaçadas sob a mesa enquanto tomava cuidado para não soltar a frase que havia acabado de pensar – Há algum desconforto seu sobre mim, Senhorita Smoak?

Ela congelou sua expressão, seus olhos ficando levemente maiores em espanto. Imaginei que ela temia esta pergunta, mas não demorou muito para negar levemente com a cabeça.

– Tem certeza? Seu comentário anterior me pareceu bastante pessoal. – insisti, me referindo ao acontecido na sala de arquivos.

Ela pigarreou.

– Foi apenas um pensamento que eu deixei escapar em voz alta.

Um pensamento audível? Bem, ela realmente tinha coragem de me dizer a verdade. E isso me surpreendeu tanto que reagi de uma maneira bastante irritadiça.

– Pois eu sugiro que você mantenha seus pensamentos mais bem guardados em sua mente, de preferência em um lugar bem longe de sua boca. Sei muito bem que sou um babaca, como você mesma me alertou uma vez, não preciso de lembretes, não gosto deles. – suspirei quando percebi que sem pensar havia falado demais – Por hora é só, Senhorita Smoak. Pode voltar aos seus afazeres.

Dispensei-a antes que começasse a falar ainda mais besteiras.

Ela mais do que depressa se retirou. Enquanto eu me perguntava por quê não conseguia cogitar a hipótese de demiti-la ao invés de me dar ao trabalho de bancar o chefe.

Seria muito mais fácil? Seria.

Mas, de alguma forma, eu não me sentia pronto para dispensar a franqueza de Felicity Smoak.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam de dizer o que acharam desse lado da história.
Nos vemos amanhã com mais Felicity Smoak no comando da narração! :D