Clarke não o obedeceu.

Ela simplesmente não conseguia ficar sentada, esperando que Bellamy fizesse tudo sozinho. O garoto provavelmente estava passando um sufoco lá em cima e ela ali, deitada num colchão, tentando ignorar os disparos.

— Isso não vai ficar assim. - Clarke se levantou rapidamente, tendo em mãos a pistola de Bellamy.

Ela subiu a escada improvisada e abriu o alçapão. Achar Bellamy e os terra-firmes no escuro seria um pesadelo, mas ela tinha que tentar. A vida dos dois estava em risco, porém eles tinham armas, era uma vantagem.

Clarke ainda não se acostumara com a terra. Andar "discretamente" não era o seu forte, ela vivia quebrando galhos e provocando ruído com as botas. Um verdadeiro farol chamativo para os terrestres.

Depois de metros andando, Bellamy parecia cada vez mais distante. E isso a preocupava. Se os terra-firmes não estavam aqui, e Bellamy também... O que teria acontecido?

Blake conseguiria matar todos ou eles o pegariam primeiro?

Então, Clarke sentiu uma mão pesada empurrá-la para o chão. No momento que suas costas colidiram com a terra molhada, a garota o viu.

O terra-firme, que mais parecia um monte de barba e cicatrizes, acertou o seu rosto com uma faca. Antes que o terrestre desferisse um golpe, ela puxou a pistola e disparou três vezes na região do estômago, sem nem parar para pensar. O terra-firme desabou sobre seu corpo. Clarke rolou para o lado, correndo o máximo que suas pernas lhe permitiam (e, constando com sua adrenalina e o sangue quente, isso era muito rápido).

Mesmo não sabendo o que faria, fugir ou procurar Bellamy, a loira só parou de correr quando suas pernas fraquejaram. Ela se deixou descansar por um tempo, repousando ao lado de um tronco. Seu rosto latejava de dor, sangue escorria pela sua bochecha, no entanto aquele era o seu último problema, afinal...

Ela matara uma pessoa.

Uma pessoa que lhe atacou primeiro, lhe dera uma facada sem nenhum motivo aparente, mas ainda, sim, uma pessoa. Ela acabou com a vida de alguém, sem nem hesitar. Suas mãos estavam sujas de sangue. Sangue de uma vida que nunca voltaria.

Por que ela não atirou na perna? Não seria letal, ele ficaria no chão e ela ainda teria a chance de fugir.

Não restava muito a fazer agora, senão continuar andando. E foi o que ela fez, tentando bloquear qualquer pensamento doentio sobre a morte do terra-firme.

Ela não podia se preocupar com aquilo. Por mais que ela sinta a culpa, ele a atacou. Clarke só se defendera. Agora só restava explicar isso para sua consciência, que pesava quase tanto o céu.

— Clarke, eu ouvi o tiro! O que pensa que está fazendo?! - a voz de Bellamy a tirou de seu transe pessoal. O garoto estava suando, sua mão pendia ameaçadoramente no gatilho da arma e sua expressão se alternava entre fúria e cansaço. - Eu disse que você não devia sair de noite! E o que diabos aconteceu com seu rosto?

Ele pôs a mão no lugar do corte, e doeu ainda mais. Ela afastou a mão de Bellamy. Quando eles voltassem para a nave, ela daria um jeito naquilo. Era uma ferida superficial, não daria muito trabalho.

— Não foi nada. - ela desviou o olhar para a floresta, enquanto Bellamy mantinha um olhar reprovador sobre a garota. Ela deu de ombros, os olhos azuis agora fixos em Blake. - Um terra-firme no caminho.

Os dois caminharam em silêncio. Por mais que agora o sangue da ferida já havia escorrido na altura do seu pescoço e consumia toda sua energia, Clarke não queria demonstrar fraqueza na frente de Bellamy, que ainda mantinha a mão na arma como se fosse um bebê.

Ela limpou o sangue do pescoço, calmamente.

— Isso não teria acontecido se você tivesse me escutado e ficado lá. - ele comentou, os olhos frios percorrendo a floresta, á procura de um alvo.

Clarke revirou os olhos:

— Não, isso não teria acontecido se você não fosse tão seguro de que pode fazer tudo sozinho e não ignorasse totalmente a minha opinião. - ela pôs uma mão em seu peito, fazendo-o parar de andar. – Escuta aqui, Blake...Quer você goste ou não, até os 100 chegarem, nós somos uma equipe. E, sim nós dois vamos liderá-los, então devemos agir como tais. Entendeu?

Bellamy sorriu. Um daqueles sorrisos que ela não conseguia decifrar. Poderia ser tanto o sorriso gentil e normal, ou o sorriso psicopata.

— Princesa corajosa... - ele sorriu novamente e Clarke não soube o que dizer. - Onde está o terra-firme que te atacou?

Clarke ajeitou a pistola nas mãos, se sentindo péssima por ser tão fria:

— Eu o mandei para o inferno.

Bellamy apenas a encarou por um tempo e assentiu, em satisfação.

Uma semana depois do ocorrido, o "acampamento" estava pronto.

Tudo parecia melhor com os terra-firme, nenhum ataque muito grave, apenas movimentos estranhos na floresta, mas Bellamy duvidava que continuassem assim. Eles estavam na Terra há duas semanas e meia, o que significava muito tempo, já que falavam do território inimigo.

Blake se orgulhava de seu trabalho. O muro em volta da nave fora levantado, eles carregaram boa parte das armas para a nave, agora já tinham um estoque de caça e o portão estava feito. Eles não saíam a noite e tudo o que precisavam fazer eram feito pela manhã.

Quanto a Clarke...depois daquele dia, não tiveram problemas, apenas pequenas discussões. Bellamy ainda tinha dificuldade de perceber que ela estava certa; eles realmente deveriam ser uma dupla. E ele realmente podia confiar nela, principalmente depois do que lhe contara sobre o Chanceler. Nada que alguns dias não resolvessem.

Estavam sobrevivendo.

(X)

Clarke, pela primeira vez em semanas, sentiu que tudo estava dando certo. Ela havia parado de pensar no terra-firme e estava pegando mais leve com Bellamy. Qualquer pessoa poderia dizer que os dois estavam em "sintonia", até.

Bellamy se recusava a dormir. O garoto estava há três dias no mesmo posto, a arma em prontidão, alerta a qualquer coisa que se atrevesse a ultrapassar o portão. Clarke tinha que levar comida para ele, como agora, já que, aparentemente, ficar de guarda era mais importante do cuidar de si mesmo.

— Hey. – a garota sorriu, quando saiu da nave e viu que ele agora estava sem a camisa e com os cabelos molhados. Ela dividiu a caça de hoje. – Estou feliz que eu não tenha que te dar banho também.

Ele riu em resposta. Soou engraçado, ele não ria muito e não fazia questão nenhuma de fingir. Então, Clarke soube que aquela risada era verdadeira. De algum jeito, isso a animou.

Os dois comeram em silêncio.

— Clarke. - Bellamy disse, baixo, passados alguns minutos. - Você já se apaixonou por alguém?

A garota deu um sorriso nervoso, que beirava a histeria:

— Que pergunta... – ela mordeu o lábio. – Por que quer saber?

Ele deu de ombros, procurando por palavras:

— Se importa de só responder?

Clarke pensou.

Desde que se dera conta da queda por Bellamy, ela não havia levado a sério. Eles vieram e estão sozinhos, por conta própria, o dever de um é proteger o outro...seria basicamente impossível não sentir uma atração (nem que fosse mínima ) por ele, especialmente quando ele a provocava.

"Não é nada sério", Clarke dizia a si mesma. Daqui a um tempo aquilo vai passar e eles vão ser como melhores amigos.

— Não. Nunca. - ela respondeu pausadamente, fitando os olhos do garoto. - Você?

Bellamy demorou a responder. Clarke podia jurar que ele pensava o mesmo que ela.

Ele finalmente balançou a cabeça:

— Nada sério. Só uma garota que eu tenho pensado...

Clarke esquecia que Bellamy não era um prisioneiro, ela era. Ele podia ir para onde quisesse na Arca. Ele deve ser aquele tipo de cara que chama a atenção das garotas. Quem sabe uma delas não estivesse nos seus pensamentos?

Mais um motivo para esquecer essa ideia maluca de achar que os dois poderiam ser um casal.

— E...como ela é? - Clarke perguntou, cada vez mais curiosa para saber sobre a tal garota.

Naquele momento, Clarke teve a quase certeza de que Bellamy olhava em seus olhos quando falava.

— Linda. - ele respondeu.

Um farfalhar de folhas próximo ao portão tirou Bellamy do seu paraíso mental. Clarke levantou-se, pronta para uma luta. Mas não era preciso.

Blake posicionou a arma sobre o ombro, se aproximando do portão. Ele mirou no arbusto e disparou, um tiro certeiro que arrancara um gemido de alguém ali.

Bellamy afastou as folhas e viu o terra-firme. O tiro não foi letal. Ele foi esperto o suficiente para atirar no pé direito, apenas impossibilitando uma fuga. O garoto o arrastou para dentro da nave, acertando-o algumas vezes com o cano da arma.

— Vai trazer um deles para a nave? O que está fazendo?! - Clarke perguntou, de olhos arregalados.

— Uma coisa que eu deveria ter feito há muito tempo. - Bellamy empurrou o terrestre para o chão, com um chute. - Você não precisa ver isso, Clarke.