Save You escrita por Mrs Neko


Capítulo 10
Capítulo 10 - Um Estudo em Gentileza


Notas iniciais do capítulo

Chegamos ao capítulo final da fic!! Obrigada a todos os que a acompanharam - embora eu lamente do fundo do coração que tenham acompanhado em silêncio, vindos do "mundo espiritual"...

Se alguém já teve o prazer de assistir um dos OVAs de Fullmetal Alchemist Brotherhood, onde a Izumi-sensei conta sobre como conheceu seu marido Sig Curtis, vai ter uma pequena sensação de "acho que já vi este filme em algum lugar..."



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Dimmock e Gregson se atreviam a distraí-lo de suas experiências, desesperados com casos tão tolos, que podiam ser resolvidos, simplesmente, por SMS. Mas ele estava sem crédito. E os policiais, com sorte. Bons ventos traziam, após o som da porta, Mike Stamford, com seus passos tranquilos e pesados, e um acompanhante que se arrastava com uma muleta, ou talvez uma bengala de aço.



– Nossa, está bem diferente da minha época. - disse o estranho, com uma voz inesperadamente baixa e doce.



– Você nem imagina o quanto - brincou o dr. Stamford.



Sherlock surpreendeu-se com a curiosidade e conforto causados pela voz de um desconhecido. Ainda mais um homem que parecia, à primeira vista, tão fácil de ler. Outro médico, com aproximadamente a mesma idade do professor. Egresso de St. Barts, portanto, médico do exército, uma dedução duplamente confirmada pelos cabelos loiros cortados muito curtos, à escovinha, a postura impecável, e a medonha coisa de aço que ele usava para se equilibrar, e indicava um ferimento em combate.



Precisou, para analisar aquele rapaz, dos parcos segundos que usou para pedir o celular emprestado ao companheiro de hospital.



– Mike, você me empresta o seu celular? O meu está sem sinal...



– Algum problema em usar a linha telefônica?



Ora, ele já usava, livremente, muitos recursos humanos e materiais em St. Bartholomew, mais que qualquer paciente, pesquisador, funcionário ou profissional da saúde; porém gastar tempo e saliva com seus lerdos clientes policiais lhe parecia um tremendo desperdício. O detetive consultor acreditava que sua voz servia apenas para manipular e expor pessoas, deduções e fontes de informação.



– Prefiro mandar mensagem.



– Aqui, use o meu - ofereceu o moço loiro, com um sorriso quase imperceptível.



Não era só uma conveniência fingida. Era um gesto pequeno, porém de significados profundos, a oferta feita a um completo desconhecido, de um momento de gentileza num dia de trabalho, e a oportunidade, para os seus argutos olhos treinados, de olhar mais profundamente para a vida do doutor.



As pessoas costumavam colaborar com seu precioso trabalho, em vários graus de espontaneidade. Porém, raramente lhe ofereciam alguma gentileza - e o último homem a fazer tal coisa era o policial que salvara sua vida.



E agora, alguém que acabava de vê-lo pela primeira vez lhe oferecia uma pequena e singela atitude gentil. Um detalhe que dizia muito sobre o ator? Ou uma insignificância perigosa como a armadilha da Toca do Coelho de Alice?



E o que uma pessoa tão gentil foi fazer numa guerra? Como foi parar num campo de batalha?



– Este é meu velho amigo, John Watson.



Ele lhe estendeu o aparelho, oferecendo, sem perceber, outra pista sobre sua vida, o lugar onde servira às Forças Armadas. As mãos pequenas e calosas eram tão queimadas quanto o rosto, a despeito dos pulsos e braços pálidos, escondidos, pela farda, do sol do deserto.



E quando os dedos de ambos se tocaram, de leve, para pegar o smartphone, o misantropo investigador, que sempre fugia de contato físico, quase foi distraído por uma suave sensação de de já vù, ao sentir aquele toque morno e confortável, como o de alguém que, em meio ao coma, segurava sua mão.



Porém, se o interlocutor havia se esquecido de pedir uma cadeira, e comprovado a inutilidade da bengala para a manqueira psicossomática; ele fazia questão de lembrar da única pergunta que faltava para satisfazer sua curiosidade.



– Afeganistão ou Iraque?



– Afeganistão, mas... como você sabe...?



E enquanto o rosto do recém-conhecido se torcia em choque e incompreensão, ele digitava rapidamente as mensagens de texto para os Yarders,[1] enquanto analisava as marcas no celular. Era quase bom saber que os problemas familiares daquele herói decadente o levavam a procurar alguém para dividir o aluguel; era excelente não ter a necessidade de compartilhar o 221B com o alcoólatra que era o dono anterior do pequeno aparelho; e melhor ainda, um alerta de e-mail chamava atenção para um caso em potencial.



– O que você acha de violinos?



Esperava, apenas, que o soldado não se incomodasse com um colega barulhento e antissocial. E qualquer que fosse o incômodo, seria facilmente resolvido com um pouco de educação e conversa. Pouquíssimos sortudos teriam a sorte de ouvir, sem sair de casa, o lendário som de um Stradivarius [2]. Sherlock fez uma nota mental, para agradecer o tio mais tarde.



– Como assim? - Se o médico loiro abrisse mais um pouco a boca fina, era perigoso que seu queixo caísse.



– É que costumo tocar o violino quando preciso pensar, e posso ficar sem falar por dias a fio... Possíveis colegas de quarto precisam saber os podres um do outro. Acho que, por enquanto, você não tem nenhum a contar, além do problema com seu irmão, não é mesmo?



– Que história é essa? Você falou de mim pra ele?? - o ex-combatente dirigiu-se, abismado, para o paciente Mike, que apenas balançou a cabeça.



– Nem uma só palavra.



– Fui eu que me queixei para ele, de que não encontrava ninguém para dividir o aluguel de um lugar ótimo, no centro da cidade, que descobri ontem. Se dividirmos as despesas, o preço fica bastante confortável, para nós dois. - ao levantar-se e passar pelo loiro estupefato para pegar o sobretudo e o cachecol, notou, com uma ponta de divertimento, que ele media pouco mais de 1,65m. - Desculpe a pressa, mas esqueci meu chicote no necrotério...



– Mas nós acabamos de nos conhecer!



Bom Deus, e isso era motivo suficiente para deixar aquele soldado baixinho tão bravo?



– Algum problema?



– Claro!! Não sei o seu nome, nem o endereço desse apartamento! E não acha meio estranho dividir um lugar para morar com alguém de quem você não sabe absolutamente nada?!



Não era tão gentil quanto a pequena bondade de emprestar o celular para as mensagens, mas o flat na rua Baker era o melhor lugar, e as suas palavras eram a melhor resposta que Holmes podia oferecer.



–Sei que você é um médico do exército, que se feriu em combate, no Afeganistão. Sei que você tem problemas com o seu irmão, provavelmente por causa do vício dele, ou devido ao divórcio recente. E sei que a sua terapeuta acha que sua manqueira é psicossomática. Para o começo, já é o bastante.



Ora, a experiência indescritível da guerra havia ferido e traumatizado aquele homem pequenino, mas era incapaz de afetar a sua gentileza e paciência, já que a única reação dele, ao invés da usual violência com que respondiam todos que cruzavam o caminho de Sherlock, era a inerte e belíssima face de alguém que acabava de ser fascinado a contragosto. Que expressão adorável ele tinha.



E como os sentimentos e pensamentos dele, apesar de tão lentos, podiam ser tão tortuosos e interessantes, a ponto de chamar a atenção do investigador... para sua personalidade e emoções! Além daquela rara e sutil gentileza genuína, um convite irresistível à confiança, o que mais John Watson conseguiria esconder sob seus modos tão comuns, sua bengala inconscientemente desnecessária, e seus jeans e blusões de lã absurdamente simplórios?



O detetive felino já tinha visto milhares incontáveis de pessoas, em situações diversas de morte, horror e desespero, além de outras trágica ou comicamente inusitadas, mas ninguém nunca havia lhe mostrado um rosto com tal emoção. E nem imaginava encontrar tantos contrastes e complexidades em um homem aparentemente tão comum e tranquilo, que lhe ofereceu a própria vida como um livro aberto.



Sua própria capacidade de dedução parecia incapaz de decifrar tudo que o egresso de guerra trazia sob aquela aparência. Uma intuição, ilógica e profunda como o conforto do toque sutil daquela mão pequena, porém forte, certamente tão hábil para curar quanto potencialmente capaz de matar, garantia-lhe que aquele desconhecido teria uma presença insubstituível em sua vida conturbada pelo Jogo.



E para garantir que a fúria do pequeno doutor não impedisse o futuro encontro, o jovem investigador voltou com um único passo rápido, como uma dança dramática, para o laboratório, após lembrar-se de dar o endereço.



– O nome é Sherlock Holmes, e o endereço, rua Baker, 221B. Boa tarde!!



Se ele se apressasse, conseguiria alcançar e atrapalhar Lestrade em sua coletiva de imprensa, e talvez convencer o teimoso amigo a lhe dar acesso ao caso curioso e intrigante dos "suicídios em série", com o bônus de se divertir um pouco, quase tanto quanto podia fazer ao fingir que não sabia o nome do parceiro.



(Não que o pobre Greg precisasse de alguma ajuda para atrapalhar-se numa entrevista com repórteres; a despeito da sua bondade paternal, ele não era muito mais sociável que os irmãos Holmes.)



E no dia seguinte, quando encontrasse o Dr. Watson, na futura casa nova de ambos, poderia conversar e sondar aquele homem à vontade, descobriria porque a experiência da guerra, apesar de feri-lo não lhe fragilizou o corpo nem a mente, e teria o prazer de saciar sua curiosidade, e descobrir todas as faces possíveis daquela gentileza.



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Notas finais do capítulo

1. Yarders: como os ingleses chamam os policiais da New Scotland Yard.


2. Sim, o violino que sir Arthur teve a bondade de colocar nas mãos talentosas de seu personagem mais famoso é um Stradivarius. (#ostentação) Em um conto que, para resolver um caso, Sherlock precisa se disfarçar de operário, ele conta a história do instrumento para o Dr. Watson, que é um amigo extramamente discreto e não a espalha para os leitores. Eu poderia lamentar que a história deste instrumento, e o conto da pérola negra dos Borgias davam material para episódios maravilhosos da série da BBC, mas já que Moffat (the Devil) e Mark Gatiss (imo) nunca nem saberão da minha existência, é melhor deixar esses dados aqui, para você acreditar que fiz alguma pesquisa na hora de escrever esta fanfiction.


3. "E o fim é o começo...!" Pois é, já que estamos todos bem cientes de onde estão e pra onde vão estes dois lindos, esta história fica por aqui... Obrigada pela leitura. :3



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