Romione - Quando o Amor Ultrapassa os Tempos escrita por FireboltVioleta


Capítulo 2
Egito Antigo - Bastet e Caleb


Notas iniciais do capítulo

Oe, pessoas!
É isso aí! Finalmente essa bagaça saiu do hiatus! kkkk
Mas, para compensar, eu e chewookie fizemos o capítulo da segunda reencarnação.
As postagens vão ficar entre uma vez por semana a uma vez a cada quinze dias. Depende de como vamos continuar, já que o tempo está meio apertado. ;)
Esperamos que gostem!
Boa leitura!



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Numa tarde de primavera, em que Rá iluminava o céu, nasceu a segunda descendente do Faraó Ramsés.

O quarto real se encheu de alegria quando ouviu o choro vigoroso do pequeno bebê, com a tez escura que caracterizava os egípcios. Foi batizada como Bastet, em homenagem á deusa de mesmo nome, protetora do lar.

Foi uma tentativa desesperada da Rainha Sethmup de rogar a proteção divina para a sua rebenta, já que, antes dela, todos os frutos de seu ventre não haviam vingado, exceto o príncipe Ammun, herdeiro do trono - que contava então seus dois anos de idade, quando Bastet veio ao mundo.

Havia quem alegasse que era uma maldição pelo que seu sogro fizera com os hebreus, rogada contra a casa de Faraó para punir a morte das crianças hebreias há tantos anos.

Mas Sethmup não acreditava naquilo. E, por alguma razão, viu que Bastet não sucumbiria àquela suposta maldição. Ainda se sentia incomodada com os escravos que andavam causando rebuliço ultimamente, mas não se deixou abalar. Sua vida e futuro eram seus filhos, e isso nunca mudaria.

Porém, quis a ironia do destino que Bastet crescesse uma criança curiosa e inteligente, coisas quase assustadoras de se ver em uma jovem que, futuramente, casaria com seu irmão para gerar o próximo herdeiro do Egito.

Era, como se podia ouvir nas conversas entre a Rainha e o Faraó, um comportamento questionável.

– Meu senhor – Sethmup costumava justificar – ela é jovem. Vai mudarem poucas luas.

– Assim espero, Sethmup – Ramsés balançou a cabeça – desde que Moisés se foi, os hebreus demonstram-se cada vez mais irrequietos. Semelha-me que Net está testando minha indulgência. E a última ocorrência que necessito é que Bastet afoite-se em seus joguetes fora do palácio!

Mas Bastet não compartilhava a opinião do pai, já que fazia exatamente o que Ramsés reprovava. Saía, acompanhada de suas amas, para fora da segurança da casa real, querendo se aproximar daquelas curiosas crianças que Ammun tanto desdenhava quando estava conversando com a irmã.

Ela observava, admirada, dois garotos hebreus brincando com uma bexiga de ovelha costurada, em meio á uma viela.

Um dos garotos chamou sua atenção. Ao contrário das demais crianças, tinha olhos de uma cor inusitada para um escravo. Bastet jurou que nunca tinha visto olhos tão claros e espantosos.

O rapaz parou de brincar, exausto, acenando para o colega que se afastou com a bola.

E foi nesse momento que ele apercebeu-se da menina negra, pendurada no batente mais próximo.

Assustado, o garoto se encolheu, reconhecendo a filha de Faraó.

– Não, espere! – Bastet fungou, desvencilhando-se da mão alertadora da ama – não fuja!

Ele voltou a se erguer, tão curioso quanto estava chocado.

Não sabia como reagir, já que nunca vira ninguém da família real antes.

E, contra a prudência que lhe fora ensinada – egípcios, como sua família enfatizava, sempre eram malignos e traiçoeiros – se aproximou da pequena garota que o encarava.

Ele envergou a cabeça, admirando a cor suave dos olhos dela, como a madeira de ébano, que seu pai ás vezes trazia para casa, após o dia na construção.

– Você é a princesa?

Bastet franziu o cenho. Sempre a haviam tratado como “Alteza”, ou “senhorita”. Ele era o primeiro que a tratava como uma criança qualquer.

E, contra todas as possibilidades, ela gostou disso.

– Sou. Meu nome é Bastet – ela pulou, sorrindo.

As amas pareciam escandalizadas, tentando retirar a princesa do batente, de volta para o palácio.

– Alteza, por favor...

– Ah, esperem um momento– a garotinha bufou, voltando a olhar para o menino.

Ele olhou para baixo, parecendo tímido.

– Me chamo Caleb.

Bastet sorriu. Caleb. O nome soava-lhe maravilhosamente bem.

Finalmente, a princesa pareceu perceber que já estava tempo demais perto do povoado hebreu, compreendendo a expressão urgente das amas, e decidindo voltar para casa.

– Nos veremos amanhã, Caleb!

Caleb arfou, assistindo as amas correrem num átimo atrás da princesa.

– O que?

O choque de Caleb não era para menos.

Ele nunca pensara que ia simpatizar-se com algum egípcio. E ainda mais da própria filha do opressor de seu povo; Isso sem falar do que sua família diria sobre estar interagindo com Bastet.

Desde pequeno, ouvia as histórias que sua mãe contava sobre seus ancestrais, onde enfatizava o quanto os egípcios eram cruéis e insensíveis ao sofrimento dos hebreus.

Por esse motivo, ele esperou com fervor que ela não viesse na próxima manhã.

Mas, para seu alívio – ou horror – Bastet não viera só no dia seguinte, como em quase todas as luas que se passaram dali em diante, cada vez mais encantada com Caleb e os hebreus.

Naturalmente, ambos não contaram aos pais que andavam se encontrando para brincar no mesmo pátio em que haviam se conhecido, e, com o passar dos meses, os dois viraram amigos inseparáveis, somente se apartando quando o sol baixava, fazendo-os voltarem para suas famílias.

Durante todo o tempo, mantiveram em segredo a amizade que tinham.

Neste tempo, Caleb instruiu-se em coisas que nunca imaginara sobre os egípcios. E Bastet se entretinha em escutar, pasma, as elucidações do garoto sobre seu povo. Ambos tentaram conhecer a língua um do outro, aprendendo algumas frases.

– Então vocês possuem apenas um único deus? – ela comentou certa vez – isso me soa tão curioso!

– Curioso é vocês possuírem um panteão todo – Caleb brincava, fazendo Bastet rir.

Numa tarde, alguns anos depois, houve uma balbúrdia nos pátios dos hebreus.

Bastet só conseguiu descobrir o que era quando Caleb viera lhe contar as novidades.

– Estão dizendo que o irmão do Faraó voltou!

– Irmão? – Bastet indagou.

– Sim. Há vários anos, a mãe de Faraó adotou-o como filho.

– Ah, recordo-me disto. Mamãe contou-me. Era Moisés, não é?

Bastet arquejou. Se seu tio estava de volta, talvez convencesse seu pai que os hebreus não eram tão ruins. E, quem sabe, Caleb e ela poderiam se ver mais vezes.

– Acho melhor voltar, então. Apetecerá á papai que eu encontre-me lá para quando Moisés... adentrar.

Bastet guinchou quando Caleb apertou sua mão.

– Está bem.

Antes de soltar a mão de Caleb e subir a escadaria que separava o palácio do vilarejo, Bastet baixou o olhar, acanhada.

– Sabes, Caleb... talvez Hut-Hor esteja inserindo-se em nossa amizade...

Caleb ficou confuso, mas só teve tempo de ver Bastet arregalar os olhos, percebendo o que dissera, e correr disparada de volta para o palácio.

O tempo passou. O tio de Bastet, que havia retornado de uma longa permanência com o povo midianita do deserto, nem chegara a conversar com os sobrinhos.

Bastet via várias luas se passarem, e, desde que Moisés voltara, não conseguira reencontrar Caleb. Com a volta dele, seu pai a mantinha sob restrita vigilância das amas, impedindo-a de voltar a dar seus costumeiros passeios.

Quando finalmente Ramsés desviou sua atenção da filha, porém, foi por algo que Bastet não esperava.

Foi uma das escravas egípcias que a informou, entre cochichos, o que acontecera momentos antes nos aposentos reais.

– Não vais crer, senhorita... seu tio não regressou para permanecer no Egito.

– Como assim, Hametis? – Bastet ergueu o rosto, surpresa.

Enquanto a escrava lhe contava, o coração da jovem princesa disparava, abalado.

Até onde entendera, tudo fora uma encenação de Moisés, que exigia que Ramsés libertasse os hebreus para que fossem prestar homenagem ao Deus deles no deserto. Caso o Faraó recusasse, segundo ele, coisas terríveis iriam acontecer.

E Bastet sabia muito bem qual fora a resposta do pai.

Mesmo com a vigilância dos guardas, decidiu que estava na hora de contar a Caleb.

Desde que Bastet deixara de vir, Caleb ainda continuava á ir ao pátio, na esperança de revê-la.

E sua surpresa não poderia ter sido maior ao perceber a bela jovem apoiada no antigo batente da escadaria.

Bastet transformara-se muito durante o afastamento dos dois. Com dezesseis anos, ela já ostentava a beleza própria de uma mulher.

Caleb mal conseguiu articular palavra ao encarar o rosto delicado e moreno que lhe sorria.

Bastet também se surpreendeu ao ver o como seu querido amigo havia mudado. Desde que começara a trabalhar com os demais homens da família, perdera o corpo de menino, e ganhara – para o choque dela – cicatrizes finas ao longo da pele.

Chicotadas.

Claro... ele ainda era um escravo.

Bastet fechou os olhos, angustiada, sentindo a tensão emanar por seu corpo.

Além disso, Bastet sentia, no fundo de sua índole, que não era apenas pelo fato de ser escravo que ele era ferido. Caleb, acima disto, era também um homem em busca de sua liberdade.
– Pensei que não fosse mais vê-la, moteq – e sorriu, formando ruguinhas ao redor dos olhos claros e cansados.

Bastet acreditou nunca ter visto homem mais bonito, ainda que fosse um escravo. Aquilo mexeu em seu coração, de forma que nunca havia concebido sentir.

– Necessitamos ser rápidos, Caleb.

– Rápidos? O que isso significa, Bastet? - Sua expressão mudou rapidamente para uma careta feroz, e ele, então, passou a olhar para os lados, como se esperasse que algo fosse acontecer.

Bastet riu rapidamente, fazendo com que o homem a encarasse. E voltou a ficar séria, procurando escolher se falava a verdade ou não para o garoto que sentia ser seu chaver, seu melhor amigo.

– Algo irá acontecer, Caleb. Estou sentindo. Moisés vai destruir meu horeh, o meu pai, Caleb.- estava claramente desesperada, a dor transbordando-lhe o coração.

– Mas ele está certo. - Caleb inflou o peito, fazendo com que Bastet ficasse chocada - tudo que ele quer é libertar o povo. E o povo, como eu - apontou para o próprio peito, lançando um olhar incisivo a garota de tez escura - só quer suachofesh... ser livre ao fim do dia, e não açoitado como um nada.

Bastet não reconhecia aquele lado do garoto que, devia admitir, amava de certa maneira.

Então simplesmente decidiu, em seu coração, o que iria fazer.

– Eu acredito em você, yadid. Eu acredito em Moisés, ele já falou com Deus. El Adonay disse que ele deve libertar o povo.

E então Caleb sentiu uma vibração descompassada em seu peito tentando-lhe sorver a alma, e, aquele momento, percebeu que amava Bastet. Ele sentiu a necessidade de levá-la consigo.

Bastet também sentia... devia ir com o povo, ser livre também. Não ser a futura esposa de seu irmão. Não apenas ser uma mera peça de tabuleiro, usada ao bel prazer de seu pai.

Caleb deu um passo à frente, sentindo a necessidade de segurá-la em seus braços e sair com ela dali.

Porém um barulho no céu, estrondoso, indicando uma chuva tenebrosa, assombrou suas mentes.

E ambos, com um ultimo olhar, sussurrando um adeus baixo,"Lehitra'ot moteq" "Lehitra'ot, yadid. Que Deus nos proteja", cada um correu para o local que, por enquanto, chamavam de bayit, de lar.

E, após a negativa de Ramsés, as pragas começaram.

Durante sete dias e sete noites houve chuva de sangue; de todos os rios, brotava um vinho bordô, que transcendia os olhos como uma ferida inflamada, onde quaisquer animais com guelras que respiravam abaixo d'água subiam a superfície, como pruridos na grande ferida.

E todos os homens trabalhavam, pois da água do rio já não podiam mais depender.

Bastet chorou, pelo povo, com o povo, e por Caleb. Não viu, não voltou a vê-lo, ainda que houvesse uma promessa entre os dois de serem livres para alcançar a felicidade plena, juntos.

Corria por todas as bocas das amas que Moisés havia tocado a água com o seu cajado mágico, muitos diziam que era pura feitiçaria, kishuf, mas Bastet sabia que a verdade era que Moises tinha contato com Deus, e este Deus era onisciente e onipresente, e Moises falava a verdade quando pedia a liberdade do povo.

Após os sete dias de banho sangrento vieram as rãs, fugindo do sangue, fugindo da primeira praga.

Estavam por toda a parte, faziam as amas gritarem e fugirem, a casa real e seus servos se desesperarem.

Ramsés sentava em seu trono. Parecia superior e inabalável. Não se importava com o povo que implorava por água, por comida; ele queria seu reino em perfeição extrema. Era zedon, impiedoso.

Bastet não o compreendia, não entendia de onde vinha todo seu egoísmo; nunca pensara que o pai era capaz de tanta insensibilidade.

Uma tarde, Bastet abriu as portas da grande casa e deixou que as rãs entrassem, uma dúzia contada. Segurou uma entre suas mãos, e perguntou a ela por que estava fazendo aquilo.

Então chorou. Uma semana depois, adoeceu.

Todos acreditaram que aquele seria o fim para a pobre princesa, que não suportaria tanta dor. Mas Ramsés não deixou seu coração amolecer; ele era como uma pedra.

Bastet melhorou depois de uma semana, e logo adoeceu novamente, pois antes de sua recuperação, as carcaças dos animais apodreceram, e com elas vieram os maruim, os piolhos. Bastet só conseguia se consolar com o fato de que Caleb não estava passando por aquilo.

Os piolhos fizeram o povo cair; suas crianças e idosos adoeceram, e todos pediam clemência. Os magos diziam ao faraó "Isso é coisa de Deus", mas Ramsés não os ouvia, e a cada dia mais seu coração endurecia.

Depois vieram as moscas, caindo e pousando sobre os enfermos e todo o povo do Egito.

O faraó chamou a Moises e pediu para que ele orasse e fizesse com que Deus retirasse as moscas de seu povo. Assim Moises fizera, e as moscas se foram, deixando o faraó livre da praga; mas, ainda assim, Ramsés endureceu seu coração e não permitiu que o povo fosse liberto.

Em seguida os animais morreram, o maruim fez com que ficassem doentes; era a praga do senhor Deus. Bastet não aguentava mais: sabia que devia fugir dali.

Pensou em Caleb, pensou em sua família; não conseguia mensurar a dor que ele devia estar sentindo.

Pensou em pegar um cavalo e fugir, encontrá-lo e ir para o mais longe possível. Mas os animais todos haviam morrido; não havia como Bastet se salvar daquilo, não havia como sair ilesa.

Pensou em Caleb mais uma vez, e desejou que ele estivesse morto, ao lado de Deus e a salvo de todo aquele horror. Sentiu falta de sua infância, onde conversava com o garoto nas amuradas, onde ninguém sabia quem ela era, onde ela não era uma princesa e ele não era um escravo, e sim dois amigos.

E sua amizade se transformou em chesed, em amor.

Assim viera o mormo, fazendo todo homem adoecer.

Bastet fora proibida de deixar seu quarto. O faraó não concebia mais a ideia de seus filhos adoecerem; ele precisava de seu legado intacto.

Mas Bastet fugira por um dia, correra atrás de um mensageiro e o mandara avisar Caleb para encontrá-lo onde fosse.

O mensageiro hesitou, mas Bastet lhe prometera a liberdade quando o faraó não estivesse mais neste mundo. O mensageiro foi-se. E a noite, no crepúsculo mais escuro, ela correra entre as amuradas e se encontrara com Caleb.

O alívio desabara sobre os ombros dos apaixonados.

E, como se não houvesse mais tempo no mundo, seus lábios se encontraram, como uma forma de dizer que não havia mais para onde fugir, que eles deveriam seguir Moises aonde fosse e quando fosse.

– Não posso te perder, minha ishah. - Bastet estremeceu nos braços do homem que amava, e não precisou dizer nada; ele sabia que ela sentia o mesmo por ele.

Porém, o momento de felicidade acabou com a chegada desesperada da ama de Bastet, Hametis.

Ela alertou que os guardas procuravam a princesa, e Caleb teve de fugir.

Bastet prometeu-lhe, numa exclamação fervorosa, que logo ela seria dele e que ele seria dela, e que iriam ser felizes em outro lugar, que não aquele, com todas aquelas memórias de desgraças. Iria aguardar, paciente e inabalável, que as pragas cessarem, para finalmente juntar-se ao seu amor.

A próxima praga, lançada por Deus através dos pedidos de Moisés, fora uma chuva de gafanhotos. As plantações foram arrasadas, e os homens começaram a morrer de fome.

Não havia mais esperanças; muitos homens se tornaram libertinos, tomando mulheres aos meios das ruas, e, ao fim das torturas que cometiam, as matavam e se entregavam a Deus.

Bastet voltou a chorar. Caleb também chorou. Sua mãe morrera nas mãos de um homem; seus irmãos, que permaneceram junto aos egípcios, sem poder voltar para os hebreus, morreram com a fome.

Caleb estava sozinho, e apenas mantinha a esperança, pois ansiava todo dia mais para estar com Bastet. E, para ela, o mesmo era ansiado; apenas esperava o dia em que o veria.

Então veio o escuro. Durante três dias e três noites, havia tanta areia no ar que podia encobrir o sol, e nada se enxergava; mal se respirava. Nenhum ser vivo poderia aguentar tanta dor, tanto desespero.

O mensageiro se arriscara e fora até Bastet, levando uma mensagem de Caleb, dizendo que fugiriam dali a cinco dias. Eles não precisavam permanecer ali: poderiam viver isolados e não precisavam esperar por Moisés concluir seu ritual sepulcral.

Bastet enchera o coração de uma alegria com a esperança de estar longe de tudo aquilo. Podia ser feliz.

Mas então veio a morte.

Os primogênitos de todo ser vivo morreram; foram envenenados por todas as outras pragas que acometeram o Egito.

O irmão de Bastet se foi. Ammun morrera. O luto banhou a casa real.

Não havia mais herdeiro. Só havia Bastet, e Ramsés teve de enxergar em sua filha um futuro para o Egito; iria casá-la quando tudo acabasse, e ela reinaria e comandaria os escravos.

Bastet o odiou com todas as suas forças. Nunca houvera experimentado o sentimento de odiar, sentimento profundo e que destruía a alma.

Pensou em Caleb e em toda a vida que planejara com o rapaz. Sabia que não ia acontecer. Não conseguia encontrar uma maneira de contar para ele, sem destruir ambos seus corações.

Porém logo viera a noticia, por debaixo dos panos e cortinas, sussurros inquietantes de todo escravo hebreu que estava ali.

Moises libertaria o povo abrindo o mar vermelho. Ramsés dissera para todos os cativos que fossem libertos, que fossem embora e seguissem Moises em sua liberdade.

Mas Bastet sabia que ele mandaria os matar, para que, de escravos, eles passassem para meras memórias.

Bastet correu, roubou o ultimo dos cavalos vivos, e galopou contra o vento arenoso, até onde se encontravam o povo, livre das garras de Ramsés.

Precisava salvar Caleb. De todos os que fugiam, para Bastet, ele era o único que merecia a felicidade plena, ainda que não fosse mais nos braços dela.

Caleb não acreditou quando a viu, trotando em seu cavalo real pelo meio do povo. Achava que ela havia desistido, que já não o amava.

Sorriu tão largamente que todos os seus músculos puderam relaxar.

Mas então percebeu o desespero da garota, e os viu, centenas de soldados em seus cavalos, com armaduras, prontos para um massacre.

Gritou para o povo; gritou para Moisés que andassem mais rápido, que corressem, que fugissem da morte eminente.

Moisés gritara para avisar que Deus os protegeria, mas que deveriam correr. Muitos conseguiram atravessar.

Caleb estava quase no fim, esperando apenas que ela chegasse a seus braços, e que ele pudesse acolhê-la, como desejava desde o dia em que a vira pela primeira vez, quando criança.

Ela era magnifica, esplendorosa, e, nos pensamentos de Caleb, ela deveria ser o próprio Deus, criada apenas para ele.

Mas seu coração adoeceu, gritando em dor e horror, quando viu um soldado, logo atrás da garota, atirar uma lança, em direção ao seu corpo esguio e escuro.

Correu, mas nada pôde fazer.

Desesperou-se, quando viu a lança atravessar seu corpo, e a mulher que amava cair do cavalo em que estava montada.

– BASTET!

Caleb continuou correndo em sua direção, as lágrimas banhando seu rosto, já não querendo mais sair vivo de toda aquela situação.

Não precisava mais respirar, já não queria mais viver. Não tinha mais motivos. Não tinha Bastet consigo.

Segurou o pequeno corpo da garota, enquanto o sangue escorria-lhe pelos lábios. A mão já gélida tocou o rosto do rapaz.

Ani chesed, Caleb – soluçou Bastet - meu ba'al. La'ad, para sempre.

E engasgou em seu próprio sangue, respirando uma ultima vez, antes de relaxar o corpo por completo.

Foi-se, Caleb pensou.

A única mulher que amara se fora.

Não conseguia chorar. Era um abismo por dentro.

Tão jovem, com tanto tempo para ser feliz ao seu lado.

Odiou Ramsés, odiou Moisés e odiou Deus naquele momento. Este Deus que diziam ser onisciente era zedon, era perverso. E claramente não amava suficientemente os homens.

Abraçou o corpo de Bastet, como se aquilo fosse a trazer de volta.

E se desculpou com Deus, desejando que se encontrasse com ela novamente, fosse nos céus ou onde fosse. Precisava ter novamente a chance de amá-la; se não por uma vida inteira, pelo menos mais uma vez.

Beijou os lábios de Bastet uma ultima vez, provando o amargor de seu sangue, e se permitiu sorrir, quando um único feixe de luz saiu por entre as nuvens e iluminou seus cabelos escuros.

E soube então que Deus o havia escutado.

Fechou os olhos, e murmurou uma prece em agradecimento, enquanto sentia a água do mar caindo sobre seus corpos.

E respirou fundo o salgado do mar, não soltando a o corpo de sua amada, nem mesmo quando a escuridão tomou conta de quem era, levando consigo suas almas, para um futuro desconhecido.


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Notas finais do capítulo

Traduções e apêndice:

Hut-Hor – Deusa egípcia do amor e da felicidade
Net – deusa egípcia da guerra e da caça
Moteq - Querida
Yadid - Querido
Lehitra'ot - Adeus
Ishah - Esposa / amada
Ani chesed, Caleb, meu ba'al - Te amo meu marido / amado

Então? O que acharam? Opiniões, patadas, elogios?
Beijinhos e até o próximo capítulo!



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