Praesidio escrita por Eclair


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bem, aqui está a história. Boa leitura!



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Com os seus olhos, você chorou. Com seus braços, me ergueu do chão e me abraçou como se eu fosse o centro de seu universo, como se me soltar fosse um pecado, algo que não poderia ser feito nem em um milhão de anos. E eu me senti em casa, me senti salvo. Aquele foi o outono de 2072, quando meu pai, Charles, morreu de um problema cardíaco, pelas péssimas condições em que vivíamos. E você também estava naquele dia, em que Amelia, ou Amy, traiu minha confiança, revelando ser uma androide espia do governo de Novalis, e destruiu metade de meu corpo, e substituiu todas as partes por algo mecânico: Meu olho esquerdo, meu braço esquerdo, minha perna esquerda e meu coração. Substituídos por objetos que se pareciam com eles, mas não eram. Às vezes tenho a impressão de que esmagaram uma parte do meu cérebro e colocaram algo robótico lá também, mas não tenho tanta certeza, já que você disse que era tolice minha.

E daquele dia que você me ensinou o que era proteção. Ensinou-me pelas flores. No começo achei bastante engraçado, mas agora que olho novamente foi o momento em que consegui ver seu rosto triste e pensativo enquanto me guiava por um jardim secreto, escondido de todo o barulho e caos da cidade, no fundo de Adrastea, mais um bairro solitário e esquecido de Novalis. Ouvi-o falar atentamente:

—Crisântemo simboliza a fidelidade, o otimismo, alegria e vida longa. Um crisântemo vermelho transmite o amor; um crisântemo branco simboliza a verdade e o amor leal enquanto um crisântemo amarelo simboliza o amor desprezado. Ou também “o mais precioso”. E outra preferida minha é a urze- branca. Significa proteção.

Durante a sua fala, conseguia-o ver me olhar com o canto dos olhos, enquanto me explicava algumas flores. Lembrei-me de sua mãe, que era uma florista muito bem humorada e alegre, mas que foi morta, destruída por Morpheus, uma droga criada pelo governo para desabilitar as pessoas que para eles causavam perigo. E naquele dia, fui eu a segurar o seu corpo fraco e triste, e olhar seus olhos chorarem.

Quantas vezes percebi que você ia chorar e não fiz nada? Depois de tanto que fez por mim. Sinto-me um mal agradecido. Quando eu precisava de manutenção nas partes mecânicas, você estava lá para me ajudar, trocando e arrumando as peças, e depois colocava minha cabeça em seu colo e às vezes acabava por me beijar.

Se bem que tudo que falei ate agora sobre você foi momentos tristes. Nossa, que melancolia a minha. Teve vários momentos legais, e eu me lembro de quase todos. Lembro-me de quando Adrastea se revoltou contra o governo, bem depois do incidente de Amy, e você estava lá, com um grande megafone na mão, comandando os revoltosos no meio da cidade de ricos e a policia não conseguia nos controlar, mesmo com aqueles enormes ciborgues. Foi algo magico. Lembro-me de ouvir você os mandar catarem coquinho, e todo mundo desatou a rir, porque você era do tipo que usava palavrões para qualquer coisa, mas logo a coisa mudou de figura. Quando você viu o irmão de Axel sendo ferido, você xingou ate a decima quinta geração dos milionários e mandou todo mundo cair na briga, principalmente eu, já que com o olho robótico eu podia ver o que eles estavam planejando. Aquela revolta foi uma das que ganhamos, e passamos a noite a beber , comemorando, enquanto Riley, o que havia sido ferido, estava descansando.

E também quando minha irmã, Ellen, veio nos visitar e eu tentei fazer algo doce para comermos e acabei mais sujo do que antes. Se não me engano, era brigadeiro de panela, coisa que custava bastante para uma pessoa em minhas condições, mas se não fosse por tal brigadeiro você não teria admitido seus sentimentos por mim na frente de minha irmã, que ouvindo você falar, ficou olhando pra mim, esperando a minha reação. Que foi ficar ridicularmente corar até as orelhas e ter vontade de enterrar o rosto no travesseiro. Que idade tínhamos mesmo? Ah, acho que quinze para mim e dezesseis para você.

Muito jovem e muito ingênuo. Por que, mais uma vez, fui capaz de acreditar em suas doces e belas palavras? Por que tive de descobrir, tempos depois, que estava noivo de Ellen? Isso me deixou tão irritado. Não. Irritado é até pouco. Eu desencadeei uma puta revolta por culpa sua, e quase morri nela. Seu traidor.

Mas não se surpreenda ao me ouvir dizer que ainda lhe amo. Com todas as minhas forças e contra a minha razão, eu ainda lhe amo, mas me odeio no limite por estar nutrindo tal sentimento por um ser humano tão ignóbil. Memórias por demasiado ainda fluem em minha cabeça, de forma que não consigo odiar você. Não consigo odiar sua voz com timbre grave, mas ao mesmo tempo suave, seus olhos azuis, seu rosto anguloso e cheio de machucados e seus cabelos negros. Ah, lembro-me de fazer piada sobre. Dizer que era um tritão que saiu do mar somente para me seduzir e você riu o sorriso de dentes brancos e alinhados, me abraçando pela decima vez naquele dia.

E não se espante ao dizer que me senti em casa, Matthew. E que amo você incondicionalmente.

Agora, direciono minha fala ao pirralho do Hugo. Mal apareceu e já foi chutando as portas do lugar inteiro, chamando o mundo de imbecil e retardado, até Axel rebater dizendo que você era o retardado e fazer questão de vir apertar o seu rosto, que imediatamente ficava vermelho. Ironicamente, me vi mais jovem quando olhei para você, e vi Matthew quando olhei para Axel. Só espero que ele não te faça chorar, tipo quando Matthew derrubou meu sorvete de uva com passas da casquinha somente porque queria uma passa.

Não, isso não é uma carta de despedida ou suicídio. Já estou quebrado demais ao ponto de fazer mais isso e também não quero desaparecer desse mundo enquanto todo o legado Caedus cair por terra e desaparecer. Um de cada vez. Tampouco vou impedir o casamento de minha irmã. Eu vou apenas matar Norman Caedus. Ele pode ter me dado uma chance de viver com essa parte robótica, que agora se tornou parte de mim. Ah, a ironia. Ele está no casamento. Será que se eu mata-lo, alguém vai se incomodar?

Ah foda-se. Não me importo, e nem me importarei, mesmo que esse planeta volte a Era do Gelo. Conseguindo entrar no prédio como garçom, foi fácil colocar cianureto em sua taça de vinho e prato de comida. Mas me certifiquei que fosse ele a receber e consumir tudo, e também de não ser reconhecido, pelo menos por enquanto. Sorri enviesado quando vi Ellen me encarar por alguns segundos e depois olhar para Norman, que já bebia e comia, o grande charlatão. Ela me olhou arregalada, não sei se de medo ou surpresa, mas que chamou a atenção do marido, que também olhou os mesmos olhos arregalados para mim e para o pai. Conseguia ler seus lábios me perguntando: “Por que está fazendo isso? Sabe que vai ser caçado até o Hades se meu pai morrer aqui.”.

”Quem lhe disse que eu ligo Matt? Seu pai pode até voltar dos mortos e me caçar, mas eu não ligo.”

”Realmente, você não parece mais o garoto que precisava de proteção 24 horas por dia.”

“Isso porque eu não sou mais aquele garoto. E nem você parece o homem que eu...” Me cortei, antes que ali mesmo, eu entregasse as cartas. Quando Norman morreu, eu estava olhando para ele, e instantes antes dele sumir desse mundo, ele murmurou meu nome. Foi quando me senti capaz de revelar-me.

Ellen me chamou de covarde. Mal contive o riso. Notei minha mãe no local, e ela me olhava com olhos espantados e prestes a debulhar em lagrimas, dizendo que eu não era mais filho dela, não parecia o filho dela que ela criou.

“Criou-me?! Não me venha com palhaçadas, Rosaline! Atirou-me na miséria na primeira chance que teve! Deixou-me ser criado com meu pai em condições miseráveis, enquanto a pirralha da Ellen teve uma vida que não havia reclamações! Então não venha me dizer coisas como eu parecer o filho que você criou. Não agora.

E logo foi a vez de Matthew reclamar, mas eu simplesmente o ignorei. “Matthew Heinrich Caedus. Cale a merda da sua boca. Sabe qual a sua função a partir de agora? Caçar-me. Porque eu vou fugir daqui e sairei ileso. Esse mundo é enorme. Vai dar trabalho de me achar, querido. Ah, mais uma coisa, Matt. Eu amo você”. E antes de partir, beijei-o com todo o amor que eu podia, notando a sua cara mista de horror e amor. Lindo.

Como disse mais cedo, isso não é uma carta de suicídio, nem de despedida. Mas de alguma forma, é um prenuncio. De uma nova era. Uma era onde vou ser odiado, temido ou até admirado, mas nunca esquecido.

Eu sou o único que merece ser rei. E eu vou ter a sua coroa.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura e espero que tenham gostado!



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