McEvil escrita por The Escapist


Capítulo 1
McEvil


Notas iniciais do capítulo

Gente, eu não domino o jargão da medicina, então tentei não citar muita coisa, mas procurei seguir direitinho a série, mas qualquer coisa, desculpa aeh, não foi por mal.


SO = Sala de operações.

Então é isso, boa leitura ♥



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Sempre que um novo dia começava no Seattle Grace Hospital, minhas esperanças renasciam. Foram anos de dedicação e trabalho duro, de noites mal dormidas e finais de semana perdidos com a cara enfiada nos livros. Tudo para chegar àquele momento. Ser um interno era incrível, era um passo para o meu sonho de me tornar cirurgião. Infelizmente, ser interno no SGH também era meu pesadelo.

— Dr. Reynolds! — A voz “amigável” de Miranda Bailey, a chefe dos médicos residentes e responsável por nós, internos (eu e mais cinco colegas), me tirava abruptamente das minhas divagações. — Dr. Sloan o requisitou. — Eu havia escutado, e muito bem, mas meu cérebro parecia se recusar a obedecer, de modo que continuava parado no meio do corredor. — Mais alguma coisa, Dr. Reynolds?

— Não, senhor... senhora... doutora Bailey... — eu gaguejava e, mesmo sem vê-los, podia sentir meus colegas atrás de mim, prendendo o riso, enquanto “a nazi” me encarava com a sua expressão séria e apavorante. Ao menos alguém ali estava se divertindo.

Quando meus pés resolveram se mover, eu saí, quase esbarrei em uma enfermeira — o que rendeu alguns risos mal disfarçados de uma das minhas colegas. E lá se foram minhas esperanças para aquele dia. À simples menção do nome Sloan, meu estômago começava a revirar, meu cérebro travava e eu me sentia mais como um perfeito imbecil e menos como um médico formado com honras em Stanford.

— Dr. Reynolds!

— Dr. Sloan. — Tentei conter o ímpeto de baixar a cabeça, mas não consegui. Encarar Mark “McSteamy” Sloan de frente ainda não estava entre as minhas habilidades.

— Você está atrasado! Por acaso você acha que isso é o seu mudinho particular? — Não me preocupei em responder, porque argumentar contra Sloan também não era algo em que eu fosse realmente bom. — Vá pegar meu café — ele disse e já foi empurrando o dinheiro nas minhas mãos, sem me dar chance de protestar, depois se virou para sair.

— Doutor Sloan? — chamei, ele se voltou novamente para mim. Tentei encontrar coragem para dizer que aquilo não era meu trabalho, que ele não tinha o direito de abusar da boa vontade de um interno e todas as coisas que ele merecia ouvir e estavam entaladas na minha garganta desde o primeiro dia em que trabalhamos juntos. No entanto, a maneira como ele me encarava era totalmente desencorajadora. Aquele era Mark Sloan, um dos cirurgiões plásticos mais conceituados do mundo, e eu era seu interno. Não era como se houvesse chances para mim na discussão. — Com creme e sem açúcar?

— Perfeito — ele sorriu e foi embora, com seu sorriso demoníaco no rosto. A mim, não restou opção a não ser ir até a cafeteria e comprar o café de McSteamy. Se isso era dever de um interno? Não. Se eu tinha escolha? Não. Pessoas como Sloan poderiam fazer diferença na carreira de um interno, para o bem ou para o mal. Minha missão no Seattle Grace era estudar e me tornar um cirurgião, se para participar de cirurgias complexas eu tinha que lamber o chão que Sloan pisava, era um mero detalhe.

Fui até a cafeteria e comprei o café, exatamente como ele gostava. Chegava a ser ridículo eu ter decorado até a quantidade de creme que ele preferia. Foi para isso que você dedicou a maior parte da sua juventude? A vozinha irritante da minha consciência me perguntava, enquanto eu seguia de volta pelo corredor. Encontrei Denise, uma das minhas colegas, que estava acompanhando o cirurgião cardíaco naquele dia e, empolgada, ela me contou sobre o procedimento que seria realizado logo mais — um transplante de coração —, durante o qual ela assistiria o Dr. Burke.

— E você, o que tem para hoje, Eddie? — Olhei com desânimo para o copo de plástico e lembrei, com amargura, que Sloan não me deixaria participar de nenhuma cirurgia até que me considerasse pronto para isso. A questão crucial era que ele não parecia inclinado a reconhecer meu progresso, tampouco deixava-me livre para acompanhar outro médico atendente. Soltei um longo suspiro.

— Eu tenho o café de McSteamy — respondi, tentando soar o mais sarcástico possível. Disfarçar minhas frustrações com bom humor era algo que fazia com muita frequência. Denise sorriu amarelo, talvez constrangida por sua indisfarçável animação.

Reencontrei Sloan no corredor; entreguei-lhe o café, ele tomou um gole, reclamou da temperatura e depois o jogou na primeira lixeira que encontrou. Tudo conforme o esperado. Segui-o até o quarto da paciente que o aguardava. Antes de entrarmos, no entanto, ele parou e se virou para mim, apontando um dedo para o meu rosto.

— Contenha a sua cara de surpresa e tente não fazer nenhum comentário inapropriado — recomendou. Por dentro, eu gritei para ele parar de me tratar como criança, que eu era um médico, tão médico quanto ele, droga!, mas o que eu fiz realmente foi balançar a cabeça, obediente.

Houve uma dose de maldade na recomendação de Sloan, mas ao entrar e ver a paciente, percebi que não era apenas mais uma das suas implicâncias aleatórias. A mulher tinha o rosto completamente coberto por ataduras, com apenas os olhos descobertos. Os braços e parte do corpo dela também estavam com curativos.

Sloan pegou o prontuário e o empurrou em minhas mãos.

— Dr. Reynolds? — disse, incentivando-me a seguir o protocolo e apresentar o caso, ainda que estivéssemos só os dois no quarto, sem a presença de outros internos.

— Susan Aldrin, trinta e sete anos, queimaduras de terceiro grau no corpo e no rosto...

Era difícil manter-me neutro enquanto falava do histórico médico da sra. Aldrin, mas eu não podia demonstrar emoção, embora estivesse sensibilizado com o estado dela, o que piorou bastante depois que eu tive que retirar as ataduras e ver seu rosto desfigurado. Sloan a examinou, depois explicou resumidamente o procedimento cirúrgico de reconstituição facial que usaria nela. Apesar de ser um demônio a maior parte do tempo, ele também era um profissional altamente capacitado. O brilho nos olhos da sra. Aldrin diante da perspectiva de ter seu rosto recuperado era emocionante.

— O Dr. Reynolds aqui vai prepará-la para a cirurgia, Susan — ele falou, dirigindo-se a paciente com verdadeira ternura. Depois virou-se novamente para mim, toda doçura desaparecera e quando ele falou, era o McEvil outra vez: — Depois avise ao Dr. Karev, eu vou precisar de um residente na SO.

Engoli em seco. Há poucos segundos, tive a esperança de que participaria daquela cirurgia, mas, mais uma vez, Sloan atirava um balde de gelo nas minhas expectativas.

— O que você está fazendo parado, Dr. Reynolds?

Foi preciso muita determinação para que eu não chorasse naquele instante diante do sorriso cínico de Mark Sloan. Era ridículo que depois do inferno que foi o ensino médio, a tortura da faculdade, eu tivesse que sofrer bullying no trabalho, depois de adulto. Mas Mark parecia saber exatamente o que fazer e dizer para me deixar sentindo-me inútil. Depois de engolir em seco, segui suas instruções e encaminhei a sra. Aldrin para os exames pré-operatórios, reservei a sala de operações e avisei ao Dr. Karev.

Mas tive que assistir à cirurgia da sala de observação mais uma vez.

***

— Ele me odeia — conclui, depois de desabafar uma parte das minhas angústias com Denise e Laura. — Por que ele me odeia?

— Ele não te odeia — Laura tentou me consolar. Ela era daquele tipo de pessoa que tentava ver sempre o lado bom de tudo. — É apenas o jeito dele ensinar.

— Um jeito bem estranho, vamos combinar. Como eu vou aprender se ele não me deixa participar de nenhuma cirurgia? E por que ele continua me escolhendo se não vai me deixar participar? Por quê? — Laura encolheu os ombros; obviamente, ela não sabia as repostas para aquelas perguntas.

— Eddie, você já perguntou ao McSteamy por que ele te escolhe se não quer você na SO? — Denise perguntou, e eu bufei, exasperado. — Bom, ele é o único que pode te responder isso. Mas o meu palpite é que ele tem uma quedinha por você.

— Denise! — Laura e eu dissemos em uníssono. Denise deu uma risada.

— E você também sente algo por ele. Pronto falei!

— Você deve estar maluca! — conclui, negando veementemente a proposição dela. Denise deu mais um sorriso sarcástico.

— Admite de uma vez, Eddie. Toda essa raiva que você sente pelo McSteamy, é atração enrustida. — Ela estava se divertindo. — Ele também sente atração por você, mas como você é essa pessoa lerda e não deixa claro que está disponível, ele prefere te torturar de outras maneiras. A psicologia explica isso!

— Eu não vou ficar ouvindo isso! — resolvi e me virei para sair e deixar as duas; antes, porém, Denise ainda acrescentou:

— Fala com ele! Confronte-o, Reynolds, coloque-o contra parede, faça-o provar um pouco do próprio veneno!

Ela não sabia do que estava dizendo. Confrontar Mark Sloan. Piada.


(...)

Apesar de lutar veementemente contra a ideia que Denise plantara na minha mente, eu não conseguia admitir que ela estava completamente errada, especialmente porque não se sentir atraído por Sloan era uma coisa difícil — o apelido de McSteamy não fora lhe dado ao acaso. Mas eu estava ciente dos limites: ele era um homem bonito — que gostava de transar com todas as enfermeiras —, mas também era um grande cirurgião, e eu deveria me concentrar no que era importante.

Ok, ser racional é muito fácil, na teoria. Na prática, a vida se desenrola de uma maneira totalmente diferente. E depois de ser tratado como um cachorrinho de estimação por tanto tempo, me sentindo cada vez mais distante de uma cirurgia de verdade — enquanto meus colegas se vangloriavam de auxiliar seus residentes o tempo todo —, eu comecei a ficar verdadeiramente irritado.

Eu queria seguir na neurocirurgia — daí o porquê de ficar tão irritado quando Sloan me requisitava como seu interno —, e sempre que surgia a oportunidade, acompanhava um paciente do Dr. Shepperd. Ele estava justamente prestes a realizar uma cirurgia rara e eu pedi para assisti-lo. Diferente de Sloan, Derek era um excelente professor, sempre disposto a compartilhar seus conhecimentos e ensinar pelo exemplo. Ele aceitou, embora já tivesse seu próprio interno no caso, mas como eu já estava designado para trabalhar com Sloan, teria que pedir permissão a ele para mudar de caso.

Eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso. Repetia como um mantra, enquanto caminhava a passos decididos pelo corredor. Tudo que eu tinha que fazer era dizer a ele que eu poderia fazer mais do que preencher prontuários.

— Dr. Reynolds! — Como de praxe, ele já veio me mandando comprar seu café, depois despejando uma série de ordens, inclusive para ir buscar a roupa dele na lavanderia.

— Eu acho que não — eu o interrompi no meio de uma frase.

— O quê?

— Eu acho que não vou buscar sua roupa na lavanderia, Dr. Sloan. Muito menos comprar seu café ou levar o seu cachorro para passear! — Ele não tinha um cachorro, ao menos que eu soubesse, mas estava empolgado demais. Aquela coragem era algo incrível e eu aproveitei o momento para deixar fluir tudo que estava preso há tanto tempo: — E eu acho que o senhor deveria me tratar como um médico. Aham, eu sou um médico, Dr. Sloan, e um dos bons, e eu acho que o senhor deveria reconsiderar suas atitudes e me deixar participar de suas cirurgias, ou, se isso não o agrada de maneira nenhuma, eu acho que o senhor deveria me deixar livre para trabalhar com outros residentes.

— Você acha? — Eu estava pronto para vê-lo gritar e ser arrogante, mas o sorrisinho cínico dele me desarmou completamente. Eu balancei a cabeça, debilmente. — Ok, Dr. Reynolds, eu vou dizer o que eu acho. Eu acho que você é um médico, um dos bons, sim. Mas eu também acho que você ainda é uma criança, um garotinho mimado que acha que a vida é fácil. Você acha que merece uma chance, mas não se esforça, não o bastante. Então não, Dr. Reynolds, eu não vou ser bonzinho com você, eu não vou te dar uma chance até considerar que você a merece. E no fundo você sabe que eu estou certo, você sabe que tem que se esforçar mais do que qualquer um aqui, mas ainda espera conseguir as coisas da maneira mais fácil. Então, se não te tratar com regalias faz de mim o cara mau, que seja. Eu estou tentando te ajudar a ser um bom médico e não apenas o filhinho de um dos membros do conselho administrativo desse hospital, mas se você acha, realmente, que eu estou errado, corra para o colo do seu papai e resolva o problema.

Se houvesse um prêmio de pior pessoa, eu gostaria de entregá-lo a Mark Sloan. Eu queria dizer que encarei de cabeça erguida, mas naquele momento, ele me fez sentir exatamente como uma criança de quem alguém rouba um brinquedo, e se eu não corri direto ao meu pai para me queixar do assédio moral do médico atendente, foi porque — ao contrário do que Sloan pensava —, eu não era nenhum garoto mimado.

Meu pai podia ser um dos diretores do Seattle Grace Hospital, mas eu tinha minha consciência tranquila de ter feito meu melhor para entrar no programa de estágio.

— Você está errado. Você está errado e eu não trabalho mais com você.

Infelizmente, minha vontade era um fator praticamente nulo naquela questão, e sem contar a Bailey as verdadeiras razões por que eu não queria trabalhar com Sloan, ela não diria não a um atendente apenas porque eu pedi. Logo, apesar da minha afirmação veemente, eu ainda estava preso a Sloan até que ele resolvesse me libertar — o que, aliás, ele não fez.

Mas alguma coisa mudou. Eu segui com a minha vida miserável, seguindo as ordens dele, sem discutir, tampouco sem demonstrar satisfação com o trabalho ao seu lado. Alguns dias depois, Sloan me surpreendeu ao dizer que eu participaria da cirurgia — era um daqueles procedimentos raros. Eu não sei se foi por pena, se ele estava me concedendo alguma regalia ou se o seu julgamento doentio considerava que eu realmente merecia, o fato é que entrar na SO era excitante.

Foram as horas mais incríveis e tensas da minha vida. Mark parecia outra pessoa quando estava operando. Concentrado, ele direcionava todos os esforços no que estava fazendo, e transmitia tanta calma e certeza para a equipe que eu não podia deixar de admirá-lo como profissional. Pela primeira vez, Sloan não foi arrogante comigo, ao contrário, ele agiu como um verdadeiro mentor, explicou todo o procedimento, deixou-me ajudar, guiando-me, dizendo-me o que fazer. Eu senti algo semelhante a orgulho, vendo-o assentir diante do meu desempenho. Estava grato por usar a máscara, podia apostar que tinha o rosto corado.

Ao final da cirurgia, na sala de higienização, ele voltou a me surpreender. Eu tinha acabado de lavar as mãos quando ele entrou. Colocou as suas embaixo da torneira e deixou a água escorrer por uns dois minutos, depois pegou as toalhas de papel para se secar.

— Você foi bem — disse ele, e com a magia da SO dissipada, eu me irritei.

— Eu sou digno de um elogio seu agora? — confrontei e Mark balançou a cabeça.

— Você não entende nada! — murmurou.

— Não, eu não entendo mesmo! Não entendo por que você me trata como lixo, para depois agir como se nada tivesse acontecido... — Foi tão rápido que eu só entendi o que estava acontecendo depois que Mark me encostou à parede, segurando meus braços em cima da minha cabeça, e colou seus lábios aos meus, rapidamente abrindo passagem com sua língua em minha boca.

Todos os clichês à parte, eu meio que perdi os sentidos e, por alguns segundos, deixei-me levar pelo calor daquele beijo. Os lábios macios de Mark buscavam os meus com urgência, sua língua explorando cada recanto da minha boca sem pudor, roubando-me a capacidade de respirar; um gemido involuntário escapou-me, e com ele a percepção do que estava acontecendo.

— O quê...? — No momento em que Sloan se afastou de mim, eu baixei minha cabeça, quase enterrando o queixo no peito. Não estava com vergonha de tê-lo beijado, mas de ter gostado do beijo.

— Dr. Reynolds — ele falou e, tocando meu queixo, forçou-me a encará-lo. Como se já não tivesse me humilhado o bastante, ele deu dois tapinhas na minha bochecha, assentindo e sorrindo seu sorriso demoníaco.

Quando ele saiu, eu cerrei os punhos, afundando as unhas com tanta força na carne que poderia me ferir. Se Sloan queria me enlouquecer, estava muito perto de conseguir. Maldito Sloan, maldito beijo. Maldito.


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