Chihiro to Sen no Kamikakushi escrita por Delvith


Capítulo 11
Tsuyu


Notas iniciais do capítulo

Galerinha, perdão a demora (sempre esse mesmo começo, não é mesmo? sjiejsie)
Eu comecei esse capítulo antes do carnaval, mas o bloqueio criativo tava difícil
Enfim, espero que gostem ♥
E para quem não sabe, "Tsuyu" é como é chamada a temporada de chuvas fortes no Japão
Boa leitura ♥



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A primeira chance de Sen apareceu alguns meses após o início de suas atividades no jardim. 

O verão finalmente chegara e, com ele, o período de chuvas fortes. A força das constantes tempestades era tamanha que tornava rara a chegada de um cliente e impraticável o trabalho nos jardins. Por conta disso, a casa de banhos permanecia praticamente fechada, salvo para aqueles que permaneceram para a temporada.

Quando Yubaba administrava, a bruxa utilizava seus poderes para proteger a casa de qualquer dano, mas os novos proprietários não pareciam se preocupar com esse tipo de detalhe. Sendo assim, o novo trabalho para o qual Sen fora designada foi o de procurar por goteiras e colocar baldes para impedir a água de escorrer pelo chão. Também deveria secar a área molhada e, se fosse possível, deveria consertar os vazamentos.

Ao receber a notícia, Sen precisou de muito esforço para não comemorar. As outras meninas teriam detestado receber tal tarefa, mas para ela não havia trabalho melhor. Tal atividade lhe proporcionava livre acesso a qualquer cômodo em qualquer andar sem levantar suspeitas. Assim, poderia pesquisar e investigar o quanto quisesse, tomando cuidado apenas nas áreas mais privadas para não ser pega bisbilhotando.

O mais difícil para Sen foi recusar a ajuda de Haku. Seu relacionamento com o rapaz estava bem melhor desde a descoberta das habilidades da jovem para a jardinagem, então, aproveitando a nova proximidade, o rapaz decidiu oferecer acompanha-la em sua inspeção, mas Ogino recusou a oferta.

Haku sentiu-se, ao mesmo tempo, decepcionado e desconfiado. Desde a chegada da garota, ela sempre tentava agradá-lo ou estar perto dele, era impossível não perceber. Sendo ela tão jovem e chegado sozinha, Haku havia concluído que ele provavelmente a lembrava de um irmão mais velho ou algum amigo antigo.

A surpresa da rejeição inesperada fez com que o rapaz externasse a dúvida em sua expressão, alertando Ogino. Não poderia se dar ao luxo de ter um Haku desconfiado a seguindo o dia inteiro, então, por alguns segundos, adotou um semblante pensativo, capturando a atenção do rapaz. Dado isto, forçou certa relutância.

— Haku, posso te fazer uma pergunta? – A cabeça do rapaz moveu-se em afirmativa, permitindo que Sen continuasse. – Haveria algum feitiço pra me ajudar? O conserto das goteiras seria mais eficiente.

Satisfeito, o rapaz sorriu e acenou, convidando Sen para segui-lo. Com a escassez da magia, fazer feitiços em público tornou-se atividade proibida, medida para reduzir o uso. Aqueles que realmente precisassem iriam para locais privados executar seus feitiços, como Haku e Sen estavam fazendo no momento.

Após fechar a porta de um quartinho encontrado desocupado no terceiro andar, Haku e Sen ajoelharam-se. O barulho da chuva era forte e ressoava pela casa, criando uma melodia estranha com o ranger da madeira.

— Coloque as mãos no chão e feche os olhos.

Àquela altura, Sen já havia se acostumado a obedecer sem fazer perguntas. A jovem aprendera com a experiência de que Haku, aos poucos, explicaria cada passo e cada ação. Portanto, manteve-se em completo silêncio, prestando atenção à sensação da madeira em suas mãos e ao som de sua respiração.

— Sinta cada fibra, cada poro da madeira. Você tem que saber manipula-los para que reconstituam sua formação original. Sem buracos, sem defeitos. Só madeira e tinta.

Lentamente, Sen moveu o corpo em afirmativa, enquanto tentava sentir tudo o que existia dentro daquela madeira onde suas mãos repousavam. Imaginou as fibras, os anéis da madeira, as pequenas falhas que já existiam quando as peças foram cortadas das árvores. Enquanto se perdia em uma confusão de tato, imaginação e sensação, Haku pronunciou

“Em nome dos poros e fibras que a compõem, reconstitua-se.”

A menina, como tantas outras vezes antes, surpreendeu-se com a simplicidade do encantamento. Às vezes, perguntava-se se Haku a ensinava somente os feitiços mais básicos ou se toda a magia possuía um jeito único e transparente de fluir. Do jeito que fosse, agradecia por não serem cânticos grandes e complicados, os quais, sem dúvida, apresentaria enorme dificuldade de memorizar.

Em um quase sussurro, a jovem repetiu a frase algumas vezes, enquanto acariciava a madeira com a ponta de seus dedos. Ao abrir os olhos, percebeu o desaparecimento da falha com a qual estava brincando com a unha do polegar direito.

O pequeno conserto não passou despercebido para Haku. O jovem se levantou, seguido por Sen. Sem mais palavras, os dois se retiraram do quarto e seguiram direções opostas.

Tal encerramento ainda era estranho para a garota. Ele não dava boa sorte, ela não agradecia a ajuda. Mas assim se firmou  e assim deveria permanecer.

Uma parte dela sabia que palavras não eram necessárias. A cada dia, ela despertava algo como orgulho em Haku. E se fosse agradecer a cada vez, passaria o dia inteiro agradecendo. Portanto, os dois simplesmente partiam em direções opostas, sem nunca trocar palavras finais.

Após certificar a inexistência de pessoas no corredor, Ogino correu. Não havia tempo a perder. Por mais que a casa estivesse quieta e os funcionários aproveitassem sua folga descansando ou bebendo, a menina precisava de informações o quanto antes. Sua estadia já excedia o esperado. Zeniba, Yubaba, seus pais, todos precisavam dela.

A madeira rangia sob seus pés. A escadaria da casa raramente era utilizada devido a praticidade dos elevadores, mas a garota precisava garantir que não haviam goteiras por ali. Para sua sorte, a escadaria estava completamente limpa e seca, significando menos retardo para sua investigação.

Chegando a cobertura, não havia muito o que fazer. A varanda onde outrora Yubaba usava como base para seus voos estava com água até o tornozelo. Sen vestiu uma capa de chuva e abriu as portas, fazendo a água jorrar para dentro. Suspirou, consciente do trabalho que teria para secar tudo aquilo. Foi até a bancada e checou os canos, garantindo que não havia lixo para bloquear o fluxo da água. Os funcionários afirmavam que essa parte da casa estava fechada, mas o nível da sujeira dizia outra coisa.

— Esses deuses realmente não se importam com a casa...

Após recolher tudo, fechou novamente a varanda e desatou o nó que prendia o rodo à sua roupa. Na ponta do rodo, Sen prendeu dois baldes, com vários panos e tapetes secos dentro. A menina tinha consciência do atraso de sua corrida devido a esses objetos balançando em suas costas e batendo em suas pernas, mas acreditou ser mais rápido do que carregar tudo aquilo nas mãos. Agora, porém, não teria mais opção. Um balde levaria os panos molhados e um os panos secos. Teriam de ser levados nas duas mãos.

Começando o trabalho, arrastava o rodo de um lado para o outro, empurrando a água para os buracos que davam para os canos de encanamento da casa. Em algum momento, Sen perdeu o foco da atividade e se viu escorregando como se patinasse na água. Rindo, a menina recuperou, por alguns instantes, um pouco da criança que havia sido e há muito, abandonado. Mas a diversão acabou quando o pé de Ogino se chocou com uma pedra presa entre as tábuas. Seu corpo foi lançado para frente devido a velocidade em que se encontrava, e a menina bateu a cabeça na parede.

Por alguns minutos, a menina se manteve parada, contorcida pela dor, com as mãos apertando a região machucada. Quando se recuperou da dor, correu para o ponto do choque, tentando identificar o objeto que a fizera cair. Poeira de madeira e sujeira cobriam sua extensão, então Sen precisou tirá-lo dali para vê-lo melhor. Ao girar a pedra, deparou-se com uma superfície polida de um brilhante lápis-lazúli. Uma onda de tristeza e desgosto a tomou ao lembrar-se de Yubaba estudando pedras e gemas parecidas com aquela. Não encontrando forças para pensar o por que da pedra estar ali, guardou-a no bolso e retornou  ao trabalho.

Como a água escorreu livremente com o abrir da porta, uma hora foi necessária para terminar de secar o chão da cobertura, que ficou quase alagada por culpa de Ogino. Ao terminar de secar toda a extensão do chão, subiu nas pilastras para checar o telhado. Havia uma quantidade significativa de goteiras, obrigando Sen a parar várias vezes para descansar depois de cada conserto. Consertar madeira consumia pouca magia, mas, em compensação, causava grande desgaste físico. Em um momento, ao perder a força nas pernas, Sen quase despencou.

Por conta da exaustão, Sen precisou de algumas horas para consertar todo o estrago feito no telhado. Para um reparo mais eficiente, a menina também precisou agir na parte externa, enfrentando a chuva e o vento forte, agasalhando-se o máximo possível para não adoecer. O lado de fora estava ainda mais danificado, obrigando a menina a colocar telhas nos lugares certos e arrumar algumas que estavam em estado deplorável. Quando terminou todo o serviço, já estava anoitecendo.

“Pelo menos, será mais fácil com o resto da casa.”

Entretanto, Sen só teve tempo de arrumar mais um andar antes de ser chamada para o jantar. Apesar de irritada com a interrupção, a pausa foi necessária. Os andares seguintes eram seriam os mais complicados. Logo abaixo, estava o andar da antiga sala de Yubaba.

Desde o retorno de Sen, algumas coisas mudaram na organização dos escritórios dos deuses. O andar onde outrora fora a casa e escritório da bruxa estava vazio quando a garota chegou, mas agora havia se transformado em uma espécie de depósito. Agora, todas as questões financeiras e administrativas eram tratadas no andar imediatamente abaixo. Sala de reuniões, escritório, tudo se encontrava naquele andar.

Sen ainda não sabia como faria para adentrar essa parte tão privada da casa sem ser percebida. Ela tinha permissão para estar ali, mas precisaria notificar sua presença. Entretanto, apenas olhar fingindo desinteresse enquanto vistoriava por goteiras não seria suficiente. Qualquer informação importante estaria muito bem guardada, ou seria discutida em uma conversa. Ela precisava entrar e escutar sem ser pega. A ideia de pedir ajuda a Haku lhe veio instantaneamente, mas não sabia o nível de lealdade do rapaz aos novos administradores. Se ele a entregasse, tudo estaria perdido. Portanto, precisaria agir sozinha, sem Haku, sem feitiços, sem quaisquer facilitadores.

A única conclusão a qual Ogino foi capaz de chegar foi de que não poderia investigar sem ter uma ideia do local, antes. Portanto, antes de descer para o jantar, decidiu ir até o andar administrativo. Caso fosse pega, falaria que era apenas uma inspeção e que logo estaria saindo. Não espiaria, não procuraria nada escondido, veria apenas o que estivesse em seu campo de visão. Poderia ser repreendida, mas ninguém suspeitaria da garota cujo trabalho é buscar goteiras.

Alegando ter esquecido algo na cobertura, Sen dispensou a menina que viera avisar-lhe e correu de volta para o andar. As duas haviam passado por ele menos de cinco minutos antes da ideia surgir, então a garota chegaria lá rapidamente.

Por mais que o plano fosse inocente e desprovido de estratagemas, Sen parou na escadaria que dava para o andar, incapaz de continuar. Ficou ali, de pé, olhando os degraus se elevando, perguntando-se se era realmente uma boa ideia. Se suspeitassem dela, sua vida seria bem mais difícil dali em diante.

— Não vai jantar?

A voz de Haku surgiu atrás de si tão inesperadamente que Sen deu um pulo, aterrissando no segundo degrau. Haku, de postura geralmente séria, não resistiu e riu da expressão e reação assustadas da menina.

Consciente de que ainda lhe devia uma resposta, Sen começou, gaguejando:

— Ah... Bem, é que eu queria fazer uma inspeção no andar administrativo antes. Ia ser ruim se o escritório amanhecesse inundado. – Em seu interior, a garota suspirava de alívio por ter sido capaz de elaborar uma resposta. O susto havia sido tão grande que estava surpresa de ter conseguido falar qualquer coisa.

O rapaz a olhou profundamente, como se analisasse a questão. Após alguns segundos, deu de ombros e subiu as escadas, convidando-se para acompanha-la.

Por mais inquieta que ficasse na presença do rapaz, a companhia seria muito útil nesse momento. Se fossem vistos e interrogados, Haku daria conta de tudo, e nenhuma suspeita recairia sobre Sen. A menina finalmente foi capaz de relaxar, soltando todo o ar de seus pulmões e descontrair os ombros.

Juntos, ela e Haku subiram a escadaria e começaram a inspeção. O andar era similar ao de Yubaba, um enorme saguão, para onde davam as escadarias e o elevador, e uma porta que dividia os ambientes. Quando Haku a abriu, a porta revelou uma confusão de corredores e mais portas, dividindo escritórios, salas, bibliotecas e quaisquer outros cômodos ali existentes.

“Espero que aqui esteja cheio de goteiras.”

As salas iniciais revelaram-se apenas quartos de espera, bibliotecas menores ou cômodos sem uma função específica. Havia ali quartos visivelmente específicos para encontros com mulheres, o que deixou Sen enojada. Por mais que não fosse mais uma criança, a ideia ainda soava humilhante. Na inspeção tais quartos, Haku manteve Sen do lado de fora e fez os reparos por conta própria, atitude que deixou a menina aliviada.

A menina aproveitou o tempo para adiantar a investigação em outros quartos. Ao chegar na parte dos escritórios, ouviu vozes em um dos mais internos. Cautelosamente, aproximou-se o suficiente da porta para que fosse capaz de escutar. Por sorte, como não esperavam visitas, os homens não se importaram de fechar a porta adequadamente.

— Aquela bruxa maldita. Como pode estar prendendo a magia? Ela está presa, sem poderes.

— Perdão, senhor, ainda não descobrimos como ela faz isso. Estamos tentando...

— Pois parem de tentar e resolvam! – Sen precisou abafar um grito com o súbito som de soco que seguiu o grito do homem. A voz era familiar a garota. O que gritava fora o mesmo que recebera seu contrato, alguns meses atrás.

— Sim, senhor. E quanto à bruxa?

— Mantenham-na onde está. Enquanto eu não obtiver toda a magia, ainda preciso dela e dessa casa.

— Entendido. E a garota, senhor?

O coração de Ogino congelou. Ela era a única funcionária que poderia ser distinguida por ser uma garota, todas as outras já eram adultas.

— A garota não é problema. Zeniba a mandou por desespero, essa já não é mais problema para nós. Ignore qualquer coisa que não seja Yubaba! – Após esse grito, a sala ficou silenciosa.

Temerosa, Sen correu de volta para Haku. Antes que o alcançasse, ouviu a porta do escritório abrindo-se. A garota foi para o quarto mais distante que conseguiu alcançar antes da porta fechar e entrou, deixando a porta aberta. Checou por goteiras e, ouvindo passos próximos, saiu.

O homem, franzino, carregava uma prancheta, que derrubou ao chocar-se com a menina. Fingindo estar assustada, Sen imediatamente desculpou-se e começou a recolher os papéis espalhados pelo chão.

Irritado, começou a esbravejar com a jovem, reclamando da falta de atenção. Depois de alguns instantes, o homem parou e olhou profundamente para Sen.

— O que você está fazendo aqui?

— Desculpe, senhor. Me foi designado procurar por goteiras pela casa. Fiquei com medo de terem muitas e que estas pudessem estragar coisas importantes aqui, então vim ver a situação.

Nesse momento, Haku alcançara os dois, ciente que o homem à sua frente faria perguntas.

— Mestre Haku, o senhor sabia que esta jovem...

— Ela está me acompanhando. – Haku ergueu a mão direita, interrompendo o homem. – Eu lhe dei acesso à toda a casa para procurar pelas goteiras, mas resolvi acompanha-la nessa inspeção por já ser muito tarde. Não a nada para você aqui, pode ir.

Fingindo estar conformado, o homem arrancou a prancheta das mãos de Sen e partiu, batendo os pés com força. Haku ajudou a jovem a se erguer e a chamou para irem embora.

— Não há nada muito problemático aqui. Vamos embora.

O rapaz a acompanhou até o jantar e depois levou-a para seus aposentos. Agradecendo, Sen começou a fechar a porta do quarto, quando Haku a interrompeu.

— Sen, não precisa se preocupar com aquele homem. Explicarei tudo ao Senhor amanhã, ficará tudo bem.

A garota sorriu, agradecida pela preocupação de Haku. Após se despedirem, fechou a porta e correu para a cama.

Estava tão animada que simplesmente não conseguia imaginar um jeito de parar quieta. Pulou da cama e começou a desenhar, freneticamente. Desenhou a Casa de Banhos, ela mesma, Haku, sua casa. Demorou um tempo até que pudesse se acalmar e pensar claramente. Precisava de um plano para pesquisar mais nos escritórios, mas, por enquanto, aquele pedaço de informação era o suficiente para que pudesse agir.

Yubaba estava ali, na casa de banhos, e Sen precisava encontra-la.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, até o próximo capítulo