O Mundo Perfeito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 6
As comensais




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– Quem são vocês? Que lugar é esse? E o que é isso pendurado no teto? Que coisa horrível!

Uma das sombras era uma garota de cabelos pretos e lisos, estava descalça e usava uma roupa que parecia ser de hospital.

– Você faz muitas perguntas, pirralha.

A outra era um pouco mais alta, tinha cabelos loiros presos em Maria-chiquinhas e carregava um livro nos braços.

– Você viu demais, não podemos deixá-la ir. Por que não se junta às outras crianças? Elas estão muito confortáveis!

A garota estranha apontou para o teto e Maria viu grandes bolsas feitas com uma espécie de coisa escura, que não era totalmente opaca e deixava ver o que tinha no interior. Antes ela não tivesse visto nada, pois isso aumentou seu pavor ainda mais. Eram crianças. Muitas crianças presas naquelas bolsas que estavam penduradas no teto por um fio negro da grossura de uma corda. Algumas se mexiam, outras estavam imóveis e Maria tinha muito medo de imaginar o que aconteceu com elas.

– O que vocês fizeram com eles, suas malvadas? – a loira respondeu.
– Não é da sua conta e você ficará com eles. Será meu novo pássaro!
– De jeito nenhum! Eu vou embora!
– Tarde demais. Meus tentáculos já tomaram conta do seu corpo!

A menina gritou apavorada ao ver coisas negras ao redor do seu corpo como tentáculos que lhe prendiam. Ela pulou, se debateu, chorou e fez de tudo para tirar aquilo do seu corpo.

– Venha, não nos faça perder mais tempo. – a de cabelos negros chamou estendendo a mão e ela se apavorou.
– Socorro, alguém me ajuda! – foi gritando enquanto subia a escada o mais rápido que podia. Felizmente a porta daquele porão estava quebrada e ela conseguiu atravessar a sala e passar pela porta de saída.

Aquele lugar era feio e parecia abandonado. A casa devia ter saído de algum filme de terror e ela não queria voltar para lá por nada no mundo, mas também não queria se embrenhar naquela floresta escura e assustadora.

– Venha aqui, pirralha! – uma voz gritou de dentro da casa e ela não teve escolha a não ser correr para a floresta. Os galhos secos das arvores rasgavam sua roupa e arranhavam sua pele, mas ela não queria parar de jeito nenhum, só ir para o mais longe possível daquela casa horrenda.

Como estava muito apavorada, ela não viu para onde corria e acabou caindo num penhasco. Ao sentir seu corpo caindo em queda livre, ela gritou com as lágrimas correndo pelo rosto em abundância. Tudo estava acabado. Quando pensou que ia se chocar contra as pedras pontudas, uma mão forte agarrou a parte de trás da sua roupa e seu corpo ficou pendurado a menos de um metro do chão.

Seus olhos estavam fechados e ela sentia muito medo de abri-los. Uma voz familiar lhe falou.

– Eu falei para você pensar bem antes de atravessar a porta.

Ela abriu os olhos rapidamente e viu aquela mulher estranha lhe segurando no ar. Daquela vez ela usava um grande manto com capuz, um vestido de mangas compridas e segurava uma foice na outra mão. Sua pele estava ainda mais pálida e seu batom totalmente negro.

– Eu tô com medo, quero ir pra casa! Me ajuda, dona! Por favor!

Dona Morte colocou a menina no chão e viu que ela tremia da cabeça aos pés. Talvez ela tivesse se enganado daquela vez. Aquela criança apavorada não tinha condições de fazer nada, o que era uma pena para as outras que estavam presas no porão daquela casa. Só lhe restou atender ao pedido daquela menina.

– Vá para casa e fique lá. – ela falou rasgando o ar com a foice e abrindo um portal de aparência escura que assustou a menina no início. – Pode ir. Esse portal a levará para sua casa.
– E as outras crianças?
– Estão condenadas. Não há mais salvação para elas.
– Elas vão morrer? Isso não pode acontecer!
– Aquelas duas entidades sugarão a vida delas até não sobrar nada. Pelo menos você sobreviveu. Vá, antes que elas te encontrem.

Triste e cabisbaixa, Maria atravessou o portal e foi parar em seu quarto. Felizmente aqueles tentáculos negros tinham desaparecido do seu corpo. Como não acreditava mais naquela ilusão, eles não puderam mais lhe prender. A visão familiar da sua casa deveria lhe deixar feliz e aliviada, mas seu coração apertava ao imaginar o que estava acontecendo com aquelas crianças. Será que não havia ninguém para ajudá-las?

Ela correu para a sala e viu que sua mãe não tinha chegado. Ela ainda estava na casa da Mônica. Seu pai estava trabalhando e Cebola devia estar com os amigos fazendo algo para resolver aquele mistério. E ela estava ali tremendo de medo enquanto muitas crianças inocentes estavam morrendo.

E se ela chamasse a policia? Não, ninguém iria acreditar e ela não sabia onde ficava aquela casa. Não havia ninguém para ajudá-la e pensar assim fez com que ela voltasse correndo para seu quarto e entrasse para debaixo das cobertas choramingando e tremendo de medo. Ela estava totalmente sozinha.

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– Sua idéia de trazer aquela menina foi péssima! Gastamos tempo, energia e não conseguimos nada! – Agnes ralhou visivelmente aborrecida. Penha também estava furiosa.
– Aquela pirralha é mais esperta do que eu pensei, mas paciência! Ainda temos outras crianças mais fáceis para nos alimentar.
– Ela pode contar para alguém o que viu aqui!

Penha deu uma risada.

– E quem iria acreditar? Esquece. Eu queria muito me vingar daquele cretino do Cebola sugando a vida da irmã dele até o fim, mas posso pensar em algo mais tarde quando meu corpo se recuperar. Por enquanto, vamos pegar mais crianças.

Agnes tentou se acalmar. Elas não podiam desistir só porque uma única criança escapou. Havia muitas presas disponíveis.

– Eu sinto meu corpo fortalecendo a cada instante. – ela falou mais calma. – Se continuar assim, em breve estarei viva novamente!
– E meu corpo estará totalmente curado e finalmente sairei daquele estado de quase morte! É perfeito!

O humor delas melhorou novamente. Aquela aliança estava dando muito certo porque ambas pensavam da mesma forma. Tudo começou quando Agnes conseguiu escapar da prisão do outro lado. Ela estava fraca sem grande parte dos seus poderes, mas tinha aprendido algumas coisas ao conviver com diversos espíritos trevosos e uma delas foi como vampirizar uma pessoa. Crianças eram melhores porque tinham muita energia vital e eram mais fáceis de dominar.

No entanto, ela não podia fazer isso sozinha pois não tinha como atraí-las para sua casa, por isso decidiu chamar Penha e pedir sua ajuda. Ela estava naquela cama de hospital em coma e para dificultar, havia um medalhão cujo poder a impedia de deixar o corpo. Agnes teve trabalho para anular aquele poder e soltar sua amiga, que ficou muito feliz em vê-la.

Assim as duas arquitetaram um plano e o colocaram em prática. Penha era excelente em manipular as pessoas e com um pouco de prática, aprendeu a criar ilusões nas mentes vulneráveis das crianças. Agnes criava portais para transportar as crianças até o porão da sua casa, atraindo-as com uma pequena fada de luz que na verdade era só um engodo. Quando elas estavam totalmente envolvidas e sem nenhuma defesa, eram colocadas naquelas bolsas negras que sugavam suas energias e mandavam para as duas, alimentando-as.

Em geral, todas caiam na armadilha logo na primeira ou segunda vez. Somente Maria Cebolinha deu mais trabalho e acabou escapando. Não tinha problema. Havia outras presas prontas para elas.

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O tempo passava e Maria sentia-se cada vez mais aflita ao imaginar aquelas crianças morrendo. Será que não havia nada a ser feito? O Cebola devia fazer alguma coisa, ele era bom em planos. Não... Ele estava muito ocupado com a Mônica, assim como Cascão e Magali. Seus pais, obviamente, não iam acreditar nela e muito menos a polícia. Não havia ninguém para ajudar aquelas crianças. Somente ela, uma menina pequena e indefesa. Mas aquilo não estava certo! Aquelas crianças não podiam ficar desamparadas daquele jeito, não era justo!

Ela levantou-se da cama e andou de um lado para outro tentando pensar em alguma coisa. Se o Cebola podia bolar planos, ela também podia porque era tão inteligente quanto ele. Ela era a primeira da turma, sabia mexer muito bem com celular, computador e tablet, fazia operações matemáticas de alunos da quarta série e até conseguia ler livros destinados a crianças de treze ou quatorze anos. Então era perfeitamente capaz de pensar em alguma coisa para ajudar aquelas crianças. Sua mente começou a trabalhar rapidamente.

– Hum... Aquelas duas não fizeram nada pra me prender dentro daquela casa. Então elas não são tão fortes assim! Só não sei como soltar aquelas crianças...

O que teria acontecido caso ela continuasse acreditando naquela ilusão? Certamente o mesmo que as outras crianças. Ao entender o que estava acontecendo, tudo ao redor se desfez e aquelas duas não puderam mais prendê-la. Será que dava para fazer o mesmo com aquelas crianças? Era possível acordá-las? Ela tinha que tentar de alguma forma.

Outra coisa lhe ocorreu. Aquele porão era escuro. O que aconteceria se tivesse luz ali? Ela sempre acordava quando acendiam a luz do seu quarto. Seria o mesmo caso daquelas crianças? Era uma idéia boba, mas ela tinha que tentar algo. Luz e barulho, muito barulho.

– É isso mesmo, tenho que me preparar!

Muito decidida, ela trocou de roupa vestindo calça jeans, uma blusa de manga comprida e calçou um par de tênis. Ela também pegou uma bolsa de pano e colocou ali uma boa lanterna de led que emitia muita luz juntamente com uma buzina em spray que tinha encontrado na garagem. Ainda funcionava e fazia muito barulho. Faltava alguma coisa para dar um jeito naquelas bruxas, ou fantasmas... ela não sabia. Como lutar com aquelas entidades sobrenaturais? Alho e crucifixo?

– Não, isso é pra vampiro. E se eu usar água benta? Ih, só tem na igreja e fica longe. Ah, o Cebola falou que já lutou com fantasmas quando tava lá naquela cidadezinha... qual é o nome mesmo?

Ela não lembrava o nome da cidade e isso não tinha importância. O importante era saber o que seu irmão tinha usado contra os fantasmas.

– Ele falou qualquer coisa sobre uma caminhonete cheia de sacos de... de... – após algum esforço, ela finalmente conseguiu se lembrar e correu rapidamente para a cozinha. Na despensa havia dois sacos de sal e ela imaginou que sua mãe não ia perceber se pegasse um deles.

Sentindo-se bem preparada, ela correu para o porão na esperança de encontrar a tal porta que podia levá-la para aquela casa. Não havia nada ali. Claro, os fantasmas devem ter fechado. Droga, como ela ia fazer para chegar até as outras crianças?

– Essa não... eu nem sei onde fica aquela casa! E agora? – por alguns instantes, ela ficou desanimada, sentando-se no chão para pensar em alguma coisa. Foi quando um portal de cor escura apareceu bem na sua frente e ela sabia de onde ele tinha vindo.

A menina respirou fundo várias vezes para criar coragem e atravessou o portal decidida a acabar com a festa daquelas assombrações.


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