Winner escrita por Alice


Capítulo 10
Pele pó de arroz, alma bordô


Notas iniciais do capítulo

Sorryyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy.
Eu estava viajando.
Literalmente.



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No primeiro momento, era um arco-íris: todas as cores, todas as emoções, nos lugares certos. A mansão refletia a paz que era aquela família, que apesar de pacífica não era a mais feliz – afinal, ainda existem casamentos arranjados.

Cinquenta quartos, setenta banheiros, dois salões de festa, duas cozinhas, seis salas de estar, quatro salas de jantar... Para três pessoas: a mamãe, um mulher linda, que casou aos dezessete anos com um homem de quarenta, a única coisa que tinha de bom na vida era a filha; papai, um ser horrível de convivência, a melhor pessoa para levar para jantar quando se que impressionar, que gostava de beber e de crianças, e gostava de mais; e a filha, uma menininha de cinco anos que tinha empatia com a mãe e receio do pai – extremamente inteligente.

E, no quarto mais próximo do da mãe, que dormia separada do marido doente, havia uma menininha de cabelos e olhos negros com um livro no colo e um dragão de pelúcia ao lado.

(Ela sempre amara dragões: eles voavam, cuspiam fogo e apenas ela ainda acreditava neles. Isso significava que eles eram apenas dela – e uma menininha de cinco anos gosta de ter algo apenas para si.)

A menina gostava de ser chamada por seu nome do meio, Quione. Ela pensava que ela e a deusa grega da neve e eram muito parecidas: ambas tinham a pele branquíssima, olhos que lembravam café preto quentinho em tardes de inverno e o inverno.

Ela amava o inverno: era quando passava dois meses na casa do primo e da tia, quando dividia o quarto e a cama com a mãe, se sentindo mais segura longe do pai. Era por isso que, em pleno verão, ela tinha um livro sobre animais da Antártida no colo. Ele era daqueles que, ao virar a página, se abria em um desenho. Os desenhos, por si só, já haviam encantado a menina, que não se importava muito com as palavras escritas nele – ela criava uma diferente toda a vez que o lia, cada animalzinho vivera uma aventura diferente.

Quione amava a sua vida: tinha livros, o inverno e dragões. Tinha sua mãe, que trançava seus cabelos todos os dias e dizia palavras doces quando se machucava no balanço. Sim, sua vida era boa.

(Consegues escutar o eco de “era” ao fundo.

Pois deverias.)

Era, até seu pai entrar em seu quarto e fechar a porta.

— Boa noite, Quione — ela não entendia o porquê de estar com medo do sorriso de seu pai, e de seu pai — Tenho uma nova brincadeira. Você sempre gostou de novas brincadeiras, certo? Para eu te mostrar você tem que ficar quietinha.

Ela queria gritar. Deveria ter gritado.

Por que não gritou? Porque ela queria que seu pai a amasse também.

Mas ele não a amava. Ele nunca a amaria, não como ela queria.

Quione descobriu isso momentos depois.

(Do nada, tudo se tornou vermelho.)

I have no desire

I can't feel a thing

I just want to make him happy

Daddy's little girl

Daddy's little girl

Daddy's girl don't wanna be

His whore no more

No momento em que ela começou a chorar, a única coisa vermelha era o pau de seu pai. Quione não sabia para que ele serviria, mas o órgão penetrou em si e ela só conseguiu pensar em uma utilidade para aquilo: tortura.

(Ou a tortura talvez fosse as memórias que ficariam presas em sua mente até o fim de seus dias.)

Durante o ato, o sorriso do pai se tornou tão vermelho quando seu pau (que entrava e saia de sua filhinha).

Mas nada era mais vermelho que o sangue que vinha com ele.

Foi tanta dor da parte dela, tanta loucura da parte dele, que o espírito de Quione saiu de seu corpo e voltou, tentando morrer, porque a morte definitivamente era melhor.

E então, ela parou de sentir – e pelo Senhor, demoraria tanto até ela conseguir sentir algo de novo.

Quando ele [finalmente] a deixou sozinha, haviam seis coisas vermelhas no quarto: os olhos de Quione, de tanto chorar, as mãos de Quione, do esforço de se libertar, a boca de Quione, tapada a força para não gritar, a barriga de Quione, que seu pai apertou até gozar, a vagina de Quione, de tanto sangrar, e a alma de Quione, do ódio inflamado – que um dia havia de se libertar.

Talvez tivessem se passado horas, ou dias, ou segundos mesmo, mas de qualquer jeito, em um momento a porta do quarto se abriu novamente – e a raiva foi libertada por sua mãe.

Meu deus meu deus meu deus — O desespero latente nos sussurros, a mãe de Quione chorava depois de trancar a porta. Ela enrolou a filha em uma toalha, para a seguir ligar para a polícia. O medo de seu marido voltar preenchendo o ar a sua volta. — Quione, eu sinto muito. – Ela ainda sussurrava. O medo continuava a preencher o ar. –Deveria ter me separado dele ou fugido, mas não achei que ele viria atrás de você. Sinto muito sinto muito sinto muito. — Greyback tinha muito dinheiro, ele teria ido atrás delas e as capturado — Sinto muito sinto muito sinto muito… – Ela nunca teria conseguido. Aquele foi o melhor futuro em todos os universos. Aquilo as livrara do pior.

Em que mundo isto não é o pior?

Senhor, por que nos faz passar pelos terrores?

Não é justo não é justo não é justo não é justo não é justo…

Ela repetiu isso até os paramédicos tirarem a menininha de seu colo e a levarem para a ambulância. Depois, ela só pedia para que matassem seu marido.

Nunca será justo…

Food

Shelter

Love

I need to hold my tongue

I need to hold my tongue

Didn't know I'd have to lose so much

For Daddy's love

Didn't know I'd have to lost myself

For Daddy's touch

Aquele foi o ultimo dia em que Quione viu seu pai, o ultimo dia em que viu sua mãe chorar e o ultimo dia em que foi chamada de Quione Greyback.

Mas os traumas ficaram – como sempre ficam – e foram dois anos de terapia e três com uma fonoaudióloga para conseguir superar a gagueira, e mais um ano de readaptação com homens – de quem ela tinha tanto medo que resultou em ataques de pânico.

Mesmo que aquele fosse o menos pior de todos os universos, ela ainda teve que passar pelas perguntas – “Por que? Senhor, por que? Não pode ter sido por minhas causa… Serâ que foi por minha causa?” – e pelas respostas – “Ele era doente, filha, e já havia feito isso com outras menininhas. Você não é a culpada. Nunca, nunca, nunca, pense isso. Por favor: jamais pense isso.” –, para no fim entender. Não fora culpa dela.

E aquele mesmo pensamento sempre continuaria ali, batucando em sua mente, o “e se?” impertinente: Se ele não tivesse feito isso, eu não teria de trocar o meu nome para poder começar um novo livro – afinal, um novo capítulo não seria o suficiente.

Agora, a única coisa que teria em comum com quem fora seriam dragões, para queimar seu pai vivo, e os livros, para criar um mundo novo... De novo, de novo e de novo…

Listen!

Listen!

Listen!

Daddy has something to say

He has something for you to do

And he wants it done right now

And he wants you to do it his way

— E-eu tenho o nome de uma estrela. Estrelas b-brilham. Se eu t-tenho o nome de uma estrela, significa que eu sou uma estrela, c-certo? Significa que eu nasci p-para brilhar , e que um dia eu vou b-brilhar. — A menininha parou na calçada com o cenho franzido e olhou para cima, em direção à sua mãe. As memórias sempre presentes do pai em sua mente. — É isso não é mamãe?

As duas voltavam do cartório, papéis na bolsa, sobrenomes trocados, sorrisos no rosto, descobrindo como era viverem livres das ordens daquele homem – o homem sem nome que as aterrorizaram por tempo de mais.

Agora, a menininha procurava apenas uma confirmação de que seu primeiro nome era bom, que a sua vida nova poderia se melhor.

— Lyra, seu nome vem de Lyrae, sim. A estrela principal da constelação que rege seu signo. E seu sobrenome vem de uma família honrada, que lutou pelos direitos dos mais pobres e menos afortunados que nós. Greengass combina mais com você se quer a minha opinião. — Daphne se abaixou e olhou nos olhos da filha. — Mas você errou em uma coisa, mimosa. Você já brilha, e brilha-rá mais e mais e mais...

Pois agora não a ninguém restringindo o seu brilho.

O nosso brilho.


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Notas finais do capítulo

Gente, se vocês conhecem alguém que sofre abuso, ou que sofreu, não cale a boca. Ajude e proteja, mesmo que cause alguma dor na pessoa, a salve disso.
Alguem tem algum histórico de abuso?
Se quiserem alguém para desabafar, eu existo.
De verdade.
Contem comigo.



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