CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 29
Capítulo 28


Notas iniciais do capítulo

Claro que não posso deixar de agradecer Tatiana Lannister pela recomendação maravilhosa! A 22º recomendação da fic!
Muitas informações nesse capítulo, minha gente! Apertem os cintos e boa leitura! :)



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Capítulo 28

Hermione Malfoy

O som de seu salto contra o piso ecoava pela sala pequena, enquanto andava de um lado para o outro, pensativa.

– Então está me dizendo que a equipe do qual estava responsável durante a ação apenas ignorou suas ordens, sabendo que você era a voz do comandante para eles naquele momento, e seguiu com o plano inicial como havia sido ensaiado nas salas de simulação? – ela elaborou a sentença.

– Não, dona. – o homem sentado à cadeira se pronunciou. – Eu não disse que eles me ignoraram...

– Até onde me recordo, você havia dito que eles podiam te escutar perfeitamente. Se eles podiam te ouvir e moveram-se de acordo com o plano original e não o modificado, significa que eles te ignoraram. – ela falou, como se não fosse bastante óbvio.

– Escute, dona...

– Não. – Hermione parou e o encarou cruzando os braços. – Cansei de escutar e sabe o que eu acho? Acho que está mentindo.

O homem uniu as sobrancelhas com indignação e riu como se estivesse escutando a coisa mais absurda de sua vida.

– Mentir? Por que eu mentiria? Estamos do mesmo lado aqui, dona!

Hermione estava realmente começando a se irritar com o “dona”.

– Isso não se trata de um processo para descobrir sobre traição! – estava começando a se sentir frustrada com tudo aquilo tanto quanto Draco. – Vocês tinham uma tarefa muito clara! Era uma segunda tentativa em York! Ensaiaram o que deveriam fazer dezenas de vezes nas salas de simulação e mesmo assim, colocaram tudo a perder por sabe-se lá o que! – sentiu que sua voz subia de tom gradativamente, mas era incapaz de controlar. - Se parassem de mentir e admitissem os próprios erros seriamos capazes de encontrar o que houve de errado para que pudéssemos consertar! Entende? Entende o trabalho que precisamos fazer aqui? Poderia colaborar?

– Estou colaborando, dona. Estou respondendo todas as suas perguntas.

– COM MENTIRAS!

– Esse é o seu julgamento, mas a verdade é que não estava lá. Não saberia.

Hermione puxou o ar, sentindo que iria à loucura. Estava afrontando e sendo afrontada desde a manhã daquele dia que ela sabia que seria interminável como todos os outros. Precisou controlar cada nervo em seu corpo para evitar condenar aquele homem a algum castigo, embora não tivesse realmente esse poder. Foi até a mesa e furiosa juntou os papéis dentro da pasta, fechando-a.

– Estou farta disso! – vociferou, deu as costas e saiu batendo a porta com violência.

– Sra. Malfoy, nós ainda temos mais 10 pessoas para colher depoimento antes do intervalo. – sua assistente nomeada apressou-se a segui-la quando ela avançou pelos corredores

– EU ESTOU FARTA! – parou lançando sua pasta furiosa contra a parede. – QUAL É A RAZÃO DE FAZERMOS ISSO, SE TODOS ELES CONTINUAREM MENTINDO? – voltou-se para a mulher. – NÃO VOU PERDER MEU TEMPO COM ISSO! – deu as costas e continuou avançando firme.

A cada passo que dava, sentia sua respiração ficar cada vez mais apertada, como se não conseguisse puxar o tanto de oxigênio que realmente precisava. Os nervos pareciam correr sua pele e ela começou a sentir que poderia suar litros com o calor que subia pelo seu corpo.

Virou uma esquina e passou por um conhecido beco. Apertou o passo ao entrar no lavatório feminino. Empurrou a porta da primeira cabine que seus olhos alcançaram, debruçou-se sobre a porcelana do sanitário e despejou ali tudo que havia em seu estômago.

Cuspiu quando terminou o serviço, sentindo mais raiva do que deveria. Ofegou. Cobriu os olhos com uma mão e chorou. Não. Não. Não. Não. Não! Como pôde ter sido tão burra, tão estúpida, tão descuidada, com algo tão sério? Tentou se controlar respirando fundo três ou quatro vezes e então se levantou. Foi até a pia, colocou água na boca para tentar se livrar do gosto amargo e limpou suas bochechas molhadas com os dedos trêmulos.

Fechou os olhos, respirou fundo, mais vezes, soltando o ar pela boca. Molhou uma mão na água, afastou os cabelos e tocou sua nuca para refrescar-se e deixar que o som da água corrente tivesse algum efeito calmante. Quando conseguiu sentir que tudo estava sob controle, abriu os olhos e se encarou pelo espelho. Lide com isso. Era tudo que deveria pensar.

Verificou seu vestido, puxou lenços de cima do mármore da pia para esfregar o tecido sobre os joelhos, mas acabou apelando para a varinha. Tentou melhorar o estado de seu cabelo, limpou as manchas de maquiagem debaixo dos olhos e refez sua postura. Olhou-se no espelho novamente. Puxou o ar. Era uma Malfoy, sua vida era um grande inferno, mas precisava se apegar ao seu orgulho naquele momento.

Alinhou o vestido e saiu para o corredor. Voltou para a sala principal daquela ala, pegou seu sobretudo, suas luvas de couro, seu cachecol e sua touca. Desceu, deixou o quartel e seguiu para o jardim interno. O inverno estava quase chegando ao fim, mas ainda havia gelo por toda parte. Ela sabia que a primavera daria sinais tardios aquele ano, como sempre. Brampton Fort era um poço de Dementadores e o que diziam era que o lugar todo iria ao colapso se eles desaparecessem. Hermione não acreditava nos rumores. Apostava que a combinação dos Dementadores com a terra servia de algum benefício a favor de Voldemort, o que explicava a Cerimônia de Inverno e sua importância. Mas Hermione agora pouco se importava com isso, havia mil coisas mais importantes para se preocupar e o que quer que fosse não parecia interferir na, ainda misteriosa, conspiração de Draco.

O vento frio que a cortou desacelerou seu passo. Enfiou as mãos no bolso e parou de frente a um espelho d’água congelado. A estátua no meio segurava dentes de gelo que pareciam longe de querer começar a derreter. Hermione logo sentiu a lã de sua meia-calça não ser tão eficiente contra o frio, mas mesmo assim apertou os cotovelos contra o corpo e permaneceu onde estava. Sentir-se castigada pelo frio a fazia se sentir ao menos minimamente melhor naquele momento.

Tentou não pensar em seu estado, em estar enjoada e com sono. Aquilo traria mais nervos à tona. Mas tentar não pensar naquilo lhe fazia se lembrar de Fred, algo que a perseguia tanto quanto suas agonizantes suspeitas, que se tornavam cada vez mais certezas sempre que o dia virava. Fred morrera como um herói orgulhoso, lutando naquela arena com tanta coragem e tanta força que até mesmo Voldemort se irritou por não ver o rebelde cair com tanta facilidade. Até mesmo os Dementadores ficaram impacientes e ela conseguiu sentir que as reações do público que assistia começaram mudar de lado, torcendo, talvez, pela primeira vez, para que o rebelde conseguisse vencer as provas mortais.

Mas Fred caiu, eventualmente, e Hermione até teria tido tempo de chorar pela sua morte se não tivesse que sair às pressas para atender a confusão no departamento de Draco, para acabar virando a noite com homens da Comissão analisando as reações da Ordem durante o ataque. Desde então, ela não havia tido tempo de se lamentar por Fred como deveria e agora que estava se dando esse tempo, esperou pela lágrima, mas ela não veio.

– Hei. – escutou uma voz familiar a chamar e olhou por cima dos ombros para ver Narcisa de aproximando. – Estava chegando com Bella quando a vi vindo para cá.

Hermione fez uma careta ao escutar o nome de Bellatrix.

– Por que insiste em fazer companhia a uma psicopata?

– Ela é minha irmã.

– Tem certeza? Seu eu fosse você, mandava fazer alguns testes para verificar a veracidade dessa informação.

Narcisa riu. Hermione entendia que ela procurava manter contato porque Bellatrix era a fonte mais próxima de Voldemort que existia no mundo inteiro. Suspirou e continuou a encarar a jornada de uma pequena aranha quase invisível pela água congelada.

Uma lufada de vento a cortou novamente e ela piscou mais devagar para poder apreciar a sensação, inalar com vontade e ver sua respiração condensar ao soltar o ar pela boca. A ponta de seu nariz já estava dormente.

– Não está congelando aqui fora? – Narcisa indagou após o momento de silêncio que passaram. – Você me lembra Draco fazendo isso. – comentou. – Nunca entendi o porquê ele faz isso com tanta frequência durante o inverno.

Hermione acabou sorrindo.

– Acredito que agora eu entendo. – disse. Narcisa a olhou curiosa. – O frio. – explicou Hermione. – Parece ter o poder de congelar seus pensamentos. – soltou o ar. Narcisa ainda parecia um tanto confusa com a conclusão. – Às vezes parece haver milhões de pensamentos fervendo em sua cabeça, querendo te fazer explodir, agir irracionalmente, ser movido pela emoção. O frio parece ter o poder de te castigar o suficiente para que você consiga olhar para todos esses pensamentos individualmente, analisá-los, não se deixar ser dominada por eles, julgar se é realmente necessário ou não perder a cabeça.

Narcisa precisou de um tempo para considerar aquilo.

– Acredita que Draco tem essa mesma conclusão?

Hermione deu de ombros.

– Ele faz isso com bastante frequência quando brigamos. – sorriu - Principalmente quando parece que ele quer simplesmente me matar. Tem feito muito ultimamente também. Não estamos tendo muita sorte com York, o que o deixa bastante irritado. O problema é que Draco não tem muito tempo para passar congelando do lado de fora, o que o torna agressivo em alguns momentos por não poder parar para lidar com a frustração.

Narcisa sorriu ao ouvir aquilo.

– Você é observadora.

– Estamos falando de Draco Malfoy. Não é como se ele fosse me contar essas coisas. Se eu não o observar, jamais vou conseguir entendê-lo ou conhecê-lo.

– Acha que ele está fazendo o mesmo por você?

Hermione deu de ombros novamente.

– Não poderia julgá-lo. Nossos padrões são muito diferentes. Não saberia dizer. Talvez para mim ele não esteja fazendo esforço algum, e talvez para ele esteja fazendo mais do que um dia faria com qualquer outra pessoa.

– Entendo. – comentou a mulher. – Vocês não parecem conversar muito.

– Na verdade, conversamos bastante. Mais do que qualquer outro momento que já tivemos. Só não conversamos sobre nós dois. Discutimos bastante sobre a guerra. Não vamos muito além disso. Acredito que seja isso que nos mantém estáveis. Draco e eu temos um passado um tanto quanto conflituoso, por isso evitamos qualquer possibilidade de trazê-lo à tona. Evitamos falar sobre nós mesmos ou sobre nosso relacionamento.

– Vão ter que acabar enfrentando isso eventualmente.

– Acredito que não. Somos focados em manter a coisa toda sempre suportável o suficiente para vivermos de maneira saudável debaixo do mesmo teto. Não iríamos arriscar.

Narcisa riu.

– Vocês não têm ideia do que são anos de casamento, Hermione. – disse. – Vão sim, acabar enfrentando isso eventualmente com o tempo. Principalmente se começarem a gostar um do outro.

Foi a vez de Hermione rir.

– Não vai precisar se preocupar com isso.

– Eu me preocupo. – Narcisa virou-se inteiramente para Hermione. – Eu conheço o meu filho. A maneira com que ele lida com algumas situações às vezes, nem sempre é a mais saudável. Eu acredito que ele está se permitindo demais com você, não sei até que ponto isso vai levá-lo.

Hermione a olhou, confusa.

– Se permitindo? Eu sei quando um homem me quer, quando um homem gosta de mim. Draco não está tão perto de ser um deles.

Narcisa sorriu.

– Draco não vai te bajular só porque te quer, Hermione. Ele não é qualquer homem que vai encontrar por aí. Ele é acostumado a ter mulheres sem precisar fazer muito esforço. Já deveria saber isso.

– Continua não mudando nada. – encolheu os ombros novamente. – Draco e eu nos tocamos quando estamos na cama e nada além disso. Existem muito mais coisas que nos afastam do que só o simples fato de termos nos detestado por muito tempo. Tudo de íntimo entre nós nasce e morre na cama. É quase um acordo silencioso que temos.

Narcisa riu.

– Eu pensei que Draco fosse teimoso, mas você parece ser tanto ou mais do que ele. Imagino o que deve ser aquela casa quando discordam sobre algo. – comentou.

Hermione riu.

– Aprendemos a lidar com essa parte. Na verdade, somos melhores do que antes. Mas confesso que os primeiros meses foram um inferno. Talvez não tenhamos nos matado porque tínhamos sexo.

Ambas riram juntas, mas o silêncio preencheu o ambiente logo em seguida.

– Estou orgulhosa de você. – Narcisa disse depois de um longo minuto. Hermione a encarou surpresa. – Está se saindo melhor do que eu quando me tornei uma Malfoy. É determinada. Vejo um futuro grande para você. Você não se vê presa a Draco e tratou de mostrar isso ao mundo sem denegrir a própria imagem, o que é um ponto a mais para qualquer mulher agregada a uma família tradicional como a nossa. – suspirou. – Diferente de mim, que me fiz presa a um homem que pouco se importa que eu existo as vezes.

Às vezes? Hermione jurava que, na verdade, era sempre. Sentia-se mal por Narcisa com frequência. A mulher era dedicada, devota e imensamente amorosa com um homem que deveria ser o mesmo com ela, mas ao invés disso, se aproveitava de seu bom coração. Para Hermione aquilo era um imenso pecado e por muitas vezes julgava Narcisa insana por permiti-lo, apoiá-lo e por muitas vezes encorajá-lo.

– Por que não o deixa? – Nunca ousava interferir naquele assunto, era algo privado que permitia somente a Narcisa. Além de tudo isso, era obscuro o suficiente para fazê-la se manter longe, mas acreditava que havia chegado a um estado de sua estranha relação com sua sogra que talvez permitisse que fosse um pouco mais invasiva.

– Eu o amo. – Narcisa respondeu, já sabendo a exata resposta para aquela pergunta. – Além do mais, estamos casados debaixo do mesmo contrato que você e Draco. Não posso deixá-lo, assim como ele não pode me deixar.

– Me parece que ele já a deixou faz tempo.

Narcisa ergueu as sobrancelhas surpresa.

– E de onde exatamente tirou essa conclusão?

Hermione achou curioso o fato de Narcisa não ter feito a associação.

– Você é apenas um status para ele. Esposa. Nada mais. – não sabia se deveria dizer aquilo, mas já que estava arriscando pisar naquele campo, não pouparia o risco.

– É isso que pensa? – indagou Narcisa.

Hermione acreditava que aquilo era o que todos pensavam, não somente ela.

– Sim. – optou por apenas confirmar.

– É isso que pensa, apenas porque ele é infiel a mim?

– Lúcio não é somente infiel a você. Ele te usa, se aproveita de sua devoção por ele...

– Ele não me escolheu, Hermione. – Narcisa a cortou. – Ele nunca me quis como mulher dele. Eu quem sempre o quis. Você deve pensar que ele não me ama, mas a verdade é que ele aprendeu a me amar do jeito único dele. Nós temos uma história, temos um filho, vivemos juntos por muito tempo, compartilhamos segredos. Tenho absoluta certeza de que mesmo se Lúcio tivesse a chance, não me trocaria por nenhuma outra mulher. Eu o conheço. Genuinamente. Sei que deve pensar que ele é um ser humano horrível, e de fato ele tem seus defeitos, mas eu o amo.

Elas se encararam por alguns segundos. Hermione sabia que jamais venceria aquela batalha se continuasse se focando na péssima pessoa que Lucio Malfoy era.

– Acredita que ele mereça seu amor?

Narcisa soltou o ar e desviou o olhar. Pareceu lutar contra a resposta daquela pergunta por vários segundos até finalmente proferir:

– Não.

Hermione podia quase sorrir por escutar aquela resposta, se já não soubesse o quanto aquilo era absurdamente deprimente.

– E mesmo assim insiste em amá-lo tão cegamente?

– Ele é meu marido! – Narcisa tornou a encará-la. – Está enganada por pensar que amor é sentimento. Amor é escolha. Decisão. Comprometimento. Paixão sim é sentimento e ele some e volta com uma facilidade assustadora. – suspirou e encarou a água congelada à frente delas. - Eu fiz um compromisso quando me casei com ele. Prometi amá-lo incondicionalmente. Apenas honro o meu compromisso. Posso dizer que ao longo dos anos minha paixão por ele morreu e renasceu dezenas de vezes como uma fênix, e confesso que foi muito difícil amá-lo nos momentos em que não me sentia apaixonada por ele, em momento onde tudo que eu queria era dar as costas e sentir nojo, em momentos que eu queria destruir a casa inteira em cima dele, mas mesmo assim, eu mantive a minha palavra e aprendi a ser paciente, a ser mais sábia. E ao longo dos anos, quando o amor vai se consolidando, quando a história já é longa, quando os laços estão mais fortes, fica cada vez mais difícil não sentir simplesmente nada. Eu o amei e vou amá-lo sempre, por mais difícil que seja.

Hermione não tinha o que contestar diante daquilo. Desviou o olhar, girou os punhos dentro do bolso de seu sobretudo e se sentou na mureta de tijolos que continha a água. Usou a sola do sapato para brincar com uma minúscula pedra sobre o pavimento de concreto por alguns segundos.

– Ainda acredito que deveria deixá-lo. – pronunciou-se. – Sair de casa, não deixar que ele a domine. Ele faz o que quer com você.

– Ele não faz o que quer comigo. Ele aprendeu o que deve fazer para que eu diga “sim”. Nós estamos há muito tempo juntos. Tivemos tempo o suficiente para aprendermos um sobre o outro.

– Continuo acreditando que deve deixá-lo.

– Eu jamais faria isso.

– E continuaria infeliz. – ergueu os olhos para Narcisa. Ela encheu a boca de ar para retrucar algo, mas sua voz não saiu. – Ele te faz sofrer, te faz infeliz.

– Não são todas as vezes...

– A maioria das vezes, eu apostaria. – insistiu - Ele te usa quando quer.

– Porque isso faz parte de quem ele é. Não significa que ele não me ame.

– Se ele te ama deveria te respeitar.

– Ele se comprometeu de uma maneira diferente comigo.

– Por que ele sabe que sempre vai estar lá no momento em que ele quiser que você esteja. Ele vai voltar para você quando bem quiser e saberá que vai estar lá para atendê-lo.

– Porque sou mulher dele!

– E eu duvido que ele não fosse à loucura se você o deixasse ou se recusasse a estar presente quando ele precisasse!

Narcisa encheu a boca novamente, cheia de força para entrar firme naquela discussão, mas exatamente como da outra vez, tornou a fechá-la ao chegar a um impasse. Desviou o olhar e respirou fundo.

– Escute, Hermione. – seu tom foi suave – Já tive essa discussão com Draco um milhão de vezes. Você não entende, assim como ele também não entende o que Lucio e eu realmente somos. Draco acha que nós somos uma projeção desastrosa do que fingimos ser para ele por muitos anos, você talvez deva me ver como uma cega apaixonada por um homem sem caráter. – suspirou – Isso não é verdade. Somos apenas um casal tentando sobreviver a um casamento arranjado. Essa é a verdade.

Não. Essa não era a verdade. A verdade era que Narcisa não passava de uma mulher infeliz por amar um homem que abusava de seu bom caráter. Essa era a verdade. Levantou-se e foi até a mulher.

– Você é uma boa pessoa. Merece ser feliz. Essa é a verdade. – Hermione disse.

– Ser feliz não é algo tão fácil de conseguir quando se é um Malfoy.

– Não significa que é impossível. – queria encorajá-la. Talvez o que faltasse em Narcisa fosse coragem de dar as costas a Lúcio. – Desculpe se fui invasiva demais.

Narcisa sorriu amavelmente. Ela sempre dava seus sorrisos elegantes e educados a todos, mas aquele sorriso amável Hermione raramente o via.

– Tudo bem, Hermione. Acho que nós já chegamos a um ponto em que podemos realmente conversar uma com a outra.

Hermione sorriu, sentindo-se genuinamente bem por escutar aquilo. Narcisa havia se tornado um das poucas gotas de consolo que encontrara naquela nova vida. Ela não era nenhuma Sra. Weasley, mas era o mais perto disso que Hermione tinha.

Tratou de pedir licença quando decidiu que precisava voltar. Seguiu seu caminho de volta para o centro de treinamento, subiu até a ala onde tomava os depoimentos, chamou pela assistente nomeada para ajudá-la e seguiu com a lista de homens e mulheres que deveriam prestar depoimento. Dessa vez, procurou ser paciente. Eles mentiriam de qualquer forma, ela não perderia mais seu tempo encontrando formas de ser esperta nos questionamentos para pegá-los desprevenidos.

Verificou as horas quando finalmente conseguiu terminar seu serviço. Era meio de tarde e ela sabia que tinha mais trabalho a fazer, mas antes de prosseguir para sua próxima tarefa, mudou sua rota da ala que deveria seguir e foi para a torre de Draco. Sabia que naquela tarde, ele atenderia a reunião mensal com o círculo interno de Voldemort, mas esperava que o marido já estivesse de volta e de fato, quando chegou à torre dele, encontrou a porta de sua sala aberta ocupada por ele e seu grupo de líderes.

Ela entrou, ignorando Tina de pé ao lado da porta e esperou silenciosamente em um canto até que ele terminasse. Draco estava sem a gravata, tinha as mangas da camisa puxadas até a altura do cotovelo, estava com os braços cruzados e encostado em sua mesa, enquanto seus líderes eram dispensados um a um, cada um carregando uma nova ordem. Ele não demonstrava, mas Hermione sabia que por trás de toda a postura perfeitamente dura que estava apresentando ali, Draco estava exausto, frustrado, e muito provavelmente irritado por ter sido alvo de ataque durante a reunião com os líderes de Voldemort.

Não demorou até que o último homem saísse carregando a nova ordem. Hermione moveu-se assim que a porta foi fechada e tomou a frente. Draco estava extremamente ocupado, como sempre, mas diferente do sempre, onde ele aparentava sua expressão neutra e indiferente, ele estava agitado, agitado de uma forma que a fazia entender que talvez estivesse contento algum tipo de fúria

– Seus homens estão mentindo durante os depoimentos. – ela se pronunciou da forma neutra que conseguia.

– Claro que eles estão. – ele disse dando as costas e seguindo para o outro lado da mesa, onde tratou de esticar outro mapa por cima de um que já estava aberto. – Ninguém quer assumir a culpa. Sabem que isolei Garrett no sul da Europa em um acampamento fora de qualquer zona de ação. Ninguém quer correr o risco de receber a mesma punição. – disse se inclinando para analisar o novo mapa.

– Deveria tomar alguma providência. – Hermione tratou de dizer.

Draco ergueu os olhos para ela com a sobrancelha levantada quase que imediatamente. Hermione percebeu que havia cometido um erro no mesmo instante.

– Vai mesmo me dizer o que devo fazer, dessa forma?

Ela não deveria falar daquela maneira com ele. Draco não era Harry. Não poderia dizer a ele o que fazer, como agir ou qual a melhor decisão a tomar sobre a guerra que carregava nas costas. Draco já havia feito aquilo sozinho por muitos anos e com bastante sucesso.

– Se não fizer nada, eles vão sentir que poderão mentir novamente em alguma outra situação delicada. – ela apressou-se para se justificar.

– Não me diga o que eu já sei. – quando ele soltou aquilo em um tom muito próximo ao da ignorância, ela conseguiu medir o nível da raiva que estava contida dentro dele. Draco não tirava sua expressão neutra e fria do rosto com facilidade.

Hermione respirou fundo, seria melhor deixar aquilo para outra hora, mas não podia simplesmente deixar que o humor dele vencesse o estado em que eles estavam dentro daquela guerra agora.

– Estou te oferecendo minha opinião. Pode usá-la ou descartá-la da forma como bem quiser, mas não pode me calar, não na situação que nos encontramos agora. Acredito sim, que deva tomar providencias imediatas com seus homens. É fundamental conhecer a raiz do problema e o que desencadeou o fracasso da segunda tentativa, doa a quem doer. Também acredito ser um imenso erro a preparação para uma terceira tentativa com tanta pressa. Fizemos isso da última vez. Não deu certo. Adote outra estratégia.

Ele ergueu sua postura como se estivesse escutando a maior ofensa de toda a sua vida.

– Está mesmo me dizendo como administrar essa guerra? – Draco parecia incrédulo. Naquele momento, Hermione quase pôde enxergar uma sombra do Draco que havia conhecido em Hogwarts.

– Já disse que estou expondo minha opinião. Use-a como quiser.

– Eu não pedi sua opinião! Não agora!

– Mas, mesmo assim, estou a colocando na mesa junto com todas as outras que deve receber por conta própria! Quem sabe assim, talvez se dê conta de que pode estar cometendo um erro!

Aquilo o enfureceu, elevando o seu nível de incredulidade a um ponto que Draco parecia quase sem palavras.

– Acha que é melhor do que eu? Devo lembrá-la quem é o general aqui? Eu carrego esse título por muito tempo e com muito sucesso!

– Não estou questionando sua capacidade...

– Está duvidando que eu possa ser incapaz de perceber um erro e estou a lembrando de quem é o general que vem vencendo essa guerra por muito mais tempo!

Aquilo a trazia tanta raiva.

– Será que é incapaz de se livrar desse maldito orgulho por um segundo? Um apenas!

– Você não tem voz para falar sobre orgulho, Hermione!

– Não perca seu tempo novamente tentando comparar o meu orgulho... – foi interrompida por Tina irrompendo pela sala de Draco carregando uma pilha de memorandos e aquilo a enfureceu ainda mais. – Agora não, Tina! – sua voz excedeu ainda mais o tom que já usava e aquilo a parou, a parou da mesma forma como parou Tina que a olhou um tanto assustada.

Hermione não tinha o direito de dar ordens à secretaria de Draco e nunca havia dado. O silêncio que percorreu entre eles alertou a Hermione o tanto que ela e Draco haviam progredido nas oitavas do tom que usavam um com o outro durante aquela discussão que não os levaria a lugar algum.

Havia cometido um erro grave lançando aquela ordem à Tina que agora pulava seus olhos dela para Draco um tanto desconcertada por perceber ter entrado em uma hora não muito boa. Hermione desviou seu olhar para Draco esperando um olhar intenso e reprovador e foi exatamente o que recebeu. Tina continuava paralisada. Ela não precisava obedecer Hermione, portanto, se mantinha ali, esperando por uma ordem definitiva de Draco.

– Agora não, Tina. – foi tudo que Draco resolveu dizer, sem tirar o olhar mortal de cima de Hermione e no momento em que a porta tornou a se fechar, ela decretou definitivamente que era melhor deixar para ser teimosa em outro momento. – Você não dá ordens à minha secretária. – ele logo tratou de dizer.

Hermione assentiu, sabendo que se pedisse desculpa iria o enfurecer ainda mais. Desviou o olhar perguntando a si mesma como havia chegado ao nível de exceder o tom de voz e lançar uma ordem nada gentil para a secretária de Draco. Fechou os olhos frustrada, suspirou. Malditos hormônios.

– Eu não queria ter feito isso. – ela acabou dizendo. Quando abriu os olhos para encarar Draco, ele tinha um olhar desconfiado sobre ela. Eles se encararam em silêncio alguns segundos. – Estou tão frustrada quanto você, Draco, entenda. Essa discussão não irá nos trazer nada além de perda de tempo. Estou apenas querendo o ajudar e sabe o motivo. Não sou nenhuma das pessoas que o julgam por não estar tendo sucesso ultimamente, não sou ninguém querendo tomar o seu lugar, não estou avaliando nenhuma das suas decisões para levá-las a Voldemort. Sabe disso.

Ele ainda detinha aquela expressiva resistência.

– O problema é que não está conseguindo enxergar a verdadeira situação em que estou. – Draco insistiu. Suspirou finalmente, deixando cair um pouco de sua resistência como se finalmente se lembrasse que ela não era nenhuma inimiga ali. Ela era mulher dele. Estavam no mesmo barco. Se ele afundasse, ela afundaria junto. Ele sabia disso. – Não posso exigir a verdade dos meus homens quando nem sequer estive com eles como deveria. Como sempre fiz. – Draco finalmente expressou frustração e não raiva. - Sei que, como general, eu devo exercer meu poder, mas entenda que não é uma questão de ser o superior deles, é uma questão de ter a lealdade deles. Isso é importante, é essencial para mim, para nós, para o que minha família vem construindo silenciosamente! Todos esses anos tudo que eu fiz foi ser um exemplar superior para ganhar a lealdade deles de uma forma que Voldemort nunca teria a habilidade e, com apenas uma decisão errada, eu coloquei tudo a perder! Quando exilei Garrett me tornei o general carrasco que dita ordens de seu escritório, enquanto seus homens colocam em risco suas vidas em campo de batalha. Eu nunca passei essa imagem a eles. Acreditava que já havia chegado a um ponto em que detinha a incondicional lealdade deles, um ponto que eu pudesse fazer o que fiz e ainda ter em troca a cumplicidade que criei durante todos esses anos, mas a verdade é que quando eles se viram entre o fogo cruzado, se lembraram primeiro da Marca Negra estampada no braço! Se lembraram primeiro a quem pertencem! Se lembraram primeiro que são Comensais da Morte! Eu esperava por outra resposta! Eu esperava que eles já estivessem prontos a confiar em mim mesmo de mãos atadas!

Hermione finalmente entendeu que toda a frustração de Draco não era sobre as tentativas mal sucedidas em York e sim o fato de perceber que depois de todo o seu esforço, seus homens ainda eram, na verdade, homens de Voldemort.

– Oh. – foi tudo que ela pronunciou. Aquilo mudava completamente a forma como ela deveria ver as coisas. Respirou fundo, sentindo que poderia ficar tonta a qualquer momento. – Isso não é nada bom. – Aquilo significava que a conspiração de Draco, em que ela apostava tanto, havia regredido enormemente naquele improvisado teste de fidelidade. Não havia hora pior para que ela engravidasse. – Talvez... – tentou pensar rápido. – Talvez seus homens realmente sejam fieis a você. Talvez você deva testá-los de uma forma melhor programada ou menos agressiva, que não os exponha tanto como traidores de Voldemort.

– Não posso testá-los, Hermione! – ele exclamou como se não fosse óbvio. – Enquanto eu estiver preso aqui, vou ser o general sentado em uma cadeira mandando seus homens para uma guerra! As coisas já estão ruins, não quero piorá-las! – Draco bufou e deu as costas.

Hermione respirou fundo, mais uma vez. Abraçou a própria cintura, colocou uma mão sobre a testa e fechou os olhos por alguns segundos. Mordeu os lábios. Precisava dizer a ele. Era o pior momento, mas ela precisava. Suspirou e abriu os olhos. Observou-o derramar whisky num copo, o virar em um gole só e inclinar-se sobre a bancada onde expunha suas bebidas.

– Draco. – o chamou. Era um bom passo. Ele ergueu os olhos para ela. – Acho que estou grávida. – disse de uma vez.

Ele não expressou absolutamente nada por alguns segundos e tudo que houve entre eles foi um silêncio mortal que a corroeu loucamente.

– Você acha? – foi tudo que ele disse.

Hermione puxou o ar.

– Estou atrasada e tenho os sintomas.

Draco apenas endireitou a postura.

– Conto nos dedos, às vezes em que estive aqui e fizemos sexo antes de receber a ordem de que não poderia mais deixar Brampton Fort. Você estava cuidando de suas datas. Não pode estar grávida. – ele foi sério.

Hermione não tinha nenhuma palavra que pudesse confortá-lo. Sentia-se apenas extremamente culpada. Seus hormônios queriam fazê-la chorar por ser tão burra, mas ela não traria aquele desgosto para si, ao se permitir ser vencida pelo seu lado frágil. Ela não era frágil. Não poderia ser.

– Não sei como. Não posso estar grávida. – deu de ombros - Mas ao mesmo tempo em que penso isso, sinto tudo, exatamente como da última vez.

Draco processou aquilo. Soltou o ar num riso fraco e sem nenhuma graça, deu as costas e andou de um lado para o outro apenas uma vez antes de passar a mão pelo cabelo e surpreender Hermione ao lançar contra a parede o copo que segurava. Ela fechou os olhos, recuando um passo ao som brusco do vidro se quebrando em mil pedaços e imaginou Tina do lado de fora sentada em sua mesa se questionando o que diabos estava acontecendo. Hermione apenas esperava que a mulher fosse discreta o suficiente para não ousar sequer mencionar aquilo com ninguém.

Viu Draco jogar-se na cadeira e bagunçar os cabelos novamente. O silêncio reinou por mais um bom tempo, enquanto o observava travar uma batalha mental com os olhos focados diretamente na pena de pé sobre o tinteiro segurando uma das pontas do mapa aberto.

– Não pode estar grávida. Esse é um péssimo momento. – ele disse depois de um bom tempo sem mover os olhos. Ela não tinha absolutamente nada para rebater àquele comentário. Aquele era de fato um péssimo momento. Hermione havia construído expectativas em cima do seu desempenho nas salas de simulação quando Draco se dava tempo para treiná-la. Mesmo que agora, com a rotina tão bagunçada, quase não houvesse tempo para que eles se ocupassem com a parte dos treinos, ela havia surpreendido o suficiente para que já começassem a pensar juntos, em uma forma de barganhar sua saída de Brampton Fort para o campo de York a Voldemort. Draco fechou os olhos e soltou o ar, pendendo a cabeça para trás. – Nós dois não devíamos...

A voz dele morreu. Hermione sabia que o marido diria que não deviam ter praticado sexo quando sabiam que os medibruxos haviam usado alguma magia em Hermione, mas sabia também que eles não teriam sobrevivido por muito tempo sem sexo. Teriam se matado antes disso, porque por mais que tivessem conseguido superar muitas coisas no relacionamento frágil que tinham, sexo continuava sendo o que mais os mantinha longe de sérios e obscuros conflitos que os dividiam e os traziam de volta a realidade de que tinham uma história antiga e não resolvida.

– Não podemos voltar no tempo. Também não vou tirar a criança se realmente estiver grávida. – disse de uma vez.

Draco a encarou imediatamente, bastante aborrecido com o que ela havia o feito escutar.

– Nós já perdemos uma filha, Hermione! O que te faz pensar que eu considero perdemos outro?

Ela suspirou.

– Não finja ignorar que é uma solução viável para a situação em que nos encontramos agora.

Ele abriu a boca para protestar contra o que ela havia dito, mas no último momento, decidiu fechá-la sem emitir som algum. Outra batalha pareceu ser travada em seu cérebro e ele se levantou como se estivesse sendo profundamente atormentado. Puxou mais um copo de whisky e o virou. Para Hermione, era completamente angustiante o ver naquele estado quando estava acostumado a vê-lo apenas por trás de sua máscara de neutralidade, mesmo quando o mundo parecia estar desmoronando a sua volta. Ali, ela podia ver o que era mais importante para Draco dentro daquele jogo. Destruir Voldemort. E ela simpatizava tanto com aquilo que chegava ao ponto de sentir orgulho do trabalho que ele fazia e de como fazia, mesmo sendo sujo, mesmo sendo altamente questionável. Era contra Voldemort.

Também não deixava de se sentir importante por ver que Draco se permitia despir-se da armadura que sempre usava para mostrar o que realmente se passava com ele ali, diante dela. Diferente de como havia se apresentado aos seus líderes mais cedo, com sua postura estável e inabalável de general lançando ordens, determinado a seguir aquela guerra mesmo tendo sido derrotado duas vezes.

– Estou exausto. – ele soltou inclinado sobre a bancada de bebidas depois de um longo silêncio. Hermione sabia que ele estava. – Você também está. – Draco endireitou a postura. – Não estamos pensando direito. – A encarou e movimentou-se passando por ela e abrindo a porta da sala à suas costas. – Tina, feche os compromissos de hoje. – ordenou ele. – Estou indo para casa com Hermione.

– Senhor, tem certeza? Estamos em guerra. – Hermione pôde ouvir Tina do outro lado. – Já recebi quase vinte memorandos só durante os minutos em que esteve ocupado agora, em sua sala.

– Pensei que já tivesse aprendido a não questionar as ordens que recebe. – foi tudo que Draco disse, antes de tornar a bater a porta. – Vá buscar suas coisas. – disse enquanto passava por Hermione novamente e voltava a enrolar o mapa que havia aberto.

Hermione até pensou em questionar não ser uma boa opção deixar a Catedral em um momento como aquele, mas não ousou questionar Draco e a ideia de voltar para casa também foi tão loucamente tentadora que ela apenas deu as costas, atravessou a soleira da porta dele, voltou para a ala onde estava antes, buscou suas coisas e o encontrou somente na saída do pátio leste, onde o acompanhou até a carruagem que tomaram de volta para casa.

Era bom saber que estava no caminho para o aconchego e calor do lugar que havia aprendido a ver como um lar. Aquelas últimas semanas haviam sido um desespero atrás do outro. Draco tinha o trabalho triplicado por não poder deixar o forte e, raras eram as noites, em que voltava para casa. Hermione havia perdido a conta das noites que eles passaram atravessando os corredores do quartel com papéis, homens, ordens a cumprir e decisões a tomar. Draco era muito mais forte do que ela e nunca, absolutamente nunca, deixava aparentar estar cansado, mesmo que realmente estivesse esgotado. Hermione tentava fazer o mesmo, mas muitas vezes havia se entregado ao cansaço, cochilando em cima de pilhas de pergaminhos. Draco mesmo já havia a acordado quatro ou cinco vezes na antecâmara das salas de simulação dizendo que ela deveria ir para casa.

Ela ia, sempre se sentindo derrotada. Perguntava-se como ele conseguia ter tanta energia. Nem mesmo o melhor dos bruxos conseguiria ficar de pé por tanto tempo, nem mesmo a base de poções. Quando Draco ia para casa era sempre tarde e era sempre direto para a cama. O horário do jantar já havia se perdido, assim como o do café da manhã e, muitas vezes, o almoço não existia para a barriga dele nem a dela. Sexo era um luxo e normalmente era algo simples e mais rápido que ocasionalmente acontecia pela manhã quando estavam no chuveiro ou na cama mesmo, se tinham energia o suficiente, o que era raro.

Aquela parecia, de longe, ser uma situação que Draco sabia enfrentar, parecia dentro da normalidade de uma guerra, dentro do que ele costumava encarar e já havia o feito dezenas de vezes nos anos anteriores. Mas o que o atrapalhava era o fato de não poder se descolar da Catedral até o local do problema. Trabalhar daquela forma estava atrapalhando as estratégias que ele adotava para enfrentar os problemas daquela guerra da forma com ele era acostumado a fazer. Voldemort certamente não se importava que York fosse um povoado importante nas mãos dos rebeldes. Aquilo a mostrava o quanto aquele herdeiro era importante para ele.

No momento exato em que passou a soleira da grande porta para o lado de dentro de sua casa, sentiu o conforto do ar quente a envolver. Respirou fundo e virou a esquerda do hall principal indo direto para o vestíbulo, onde se despiu de todas as camadas que a protegiam do frio. O cheiro de seu lar e o calor a trouxe tanto conforto que ela também se permitiu tirar os sapatos e puxar os cabelos para prendê-los desajeitadamente no topo da cabeça. Limitou-se a observar Draco quando ele passou por ela, pendurou sua capa e seguiu pela saída que dava direto ao corredor da sala de jantar.

Hermione caminhou por entre as salas sem rumo, apenas para apreciar a sensação de estar em casa. Apreciava a bela decoração que muitas vezes era esquecida com a rotina de viver ali. Avaliou os novos móveis de sua sala de chá e sorriu ao lembrar-se das sérias objeções que Draco teve contra as cadeiras. Haviam chegado a um consentimento de que ela as trocaria se pudesse refazer a casa de poções no sótão a seu gosto. O conflito havia sido grande porque a casa de poções parecia ser de alto valor para ele, mas como Hermione já havia tomado o ambiente como sua área particular fazia bastante tempo, não deixou que ele revogasse algum direito pelo espaço antes abandonado, agora. Ao menos ela havia vencido a discussão, mas teria que se desfazer das cadeiras.

A ideia de saber que tinha até a manhã do dia seguinte para apenas ficar ali e, não somente dormir as horas que dava para voltar o mais rápido possível à Catedral, a fazia bem de uma forma que quase lhe arrancava um sorriso bobo se não tivesse tantas preocupações rondando sua cabeça. Tentou se limitar a pensar apenas se prepararia um bom e relaxante banho ou se iria à cozinha encontrar algo para colocar no estômago antes que ficasse enjoada novamente.

Decidiu seguir para a cozinha por não confiar na imprevisibilidade de seu estômago ultimamente. Procurou por algo saudável e quando se viu satisfeita, sentiu-se ainda melhor. Não deu lugar ao desejo de se empanturrar, pois conhecia bem o resultado de engolir mais do que devia. Marcou o horário para não se esquecer de colocar algo no estômago novamente depois de três horas. Havia sido uma estratégia contra enjoos bastante eficaz que havia aprendido em sua última gravidez. Nunca ficar com o estômago vazio.

No momento em que deixou a cozinha e tomou o corredor para escada mais próxima, olhou pelos vitrais e parou ao enxergar Draco sentado nas escadarias do avarandado de trás. Estava nevando, o que a trazia algum tipo de alívio por saber que a temperatura não estava tão baixa, mas ainda assim se preocupou por não saber a quanto tempo ele estava ali, exposto ao inverno, sem nenhuma proteção adequada. Ele deveria saber que aquilo fazia mal.

Foi até o andar de cima, buscou em um armário uma boa e pesada manta, tornou a descer e seguiu para o quintal de sua casa. Calçou as botas de plástico paradas ao lado das portas que davam para o lado de fora. O calçado era de um tom berrante que nada combinava com sua roupa, ia até quase seus joelhos e eram muitos números acima do seu. Eram botas de chuva, não de neve, mas Hermione não molharia suas meias de lã na neve acumulada. Quando passou para o lado de fora e foi recebida pelo vento gelado, tratou de abraçar o tecido volumoso que carregava. Algumas mechas de seu cabelo se soltaram e ela tratou de colocá-las atrás da orelha, enquanto avançava com cuidado pelas esculturas e ornamentos caro até chegar à escadaria.

Ela conhecia bem Draco para saber que ele havia notado sua aproximação, embora estivesse a ignorando. Hermione desceu até o degrau onde ele estava sentado. Observou a paisagem branca e pura que o marido encarava por alguns segundos, antes de voltar-se para ele.

– Sei que gosta de ficar aqui, mas poderia pelo menos se cobrir com isso? – ela estendeu a manta para ele. Draco apenas ergueu os olhos para ela, como se perguntasse o porquê da preocupação dela. – Não quero ser a esposa inconsequente caso venha a morrer congelado aqui fora. Sua mãe me culparia por não ter feito nada.

Aquilo o fez rir, o que talvez tenha o motivado a erguer a mão para pegar a manta, mas não o suficiente para se cobrir com ela. Hermione não ficou satisfeita, mas bem, se ele viesse a morrer pelo menos Hermione poderia justificar que havia feito algo a respeito.

– Se eu morrer não chegará a ser tanto uma tragédia se estiver mesmo carregando um herdeiro em sua barriga. – Draco disse.

Ela acabou sorrindo.

– Não se for uma menina. – o lembrou.

Ele sorriu considerando aquilo.

– Meu pai certamente a obrigaria a nunca se casar e ter um filho sem pai para que ele pudesse carregar o nome Malfoy.

Hermione acabou erguendo as sobrancelhas.

– Isso seria bem terrível. – comentou.

Draco deu de ombros.

– Ele nos obrigou a casar. Estou apenas seguindo a linha de raciocínio.

Ela teve que rir.

– Bem, esse é um bom motivo para você se cobrir, então. Nós não o queremos morto.

Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado de como aquela conversa havia chegado ali. Sorriu e acabou por abrir a manta e passou-a pelos ombros. Hermione apertou os braços cruzados contra o corpo e olhou novamente o horizonte pálido. Perguntou-se qual era a graça daquela paisagem, mas sabia bem que Draco não estava ali por ela.

Acabou por descer mais alguns degraus e se sentou em um deles. Havia ido até ali apenas para entregar a manta a Draco, mas a dor e agonia que o frio lhe causava a atraiu exatamente como havia a atraído aquela manhã. A diferença era que agora seus braços estavam descobertos e as botas de chuva não eram exatamente uma proteção. Apertou mais os braços ao redor do corpo quando uma rajada de vento trouxe o gelo contra seu rosto e fez seus cabelos se soltarem. Foi o suficiente para congelar seus pensamentos e ela ficava muito grata por isso, embora estivesse morrendo de frio.

– Você não precisa ficar aqui. – a voz de Draco soou às suas costas. Se aquilo foi um convite para pedir que ela o deixasse sozinho, ela ignorou. – Você me parece estar precisando dessa manta mais do que eu.

Hermione lançou um rápido olhar para ele por cima dos ombros e sorriu.

– Não seria tão ruim se eu morresse. Você poderia se casar com alguém que não desonrasse o seu sangue e teria um herdeiro do qual Voldemort não tivesse interesse em tomar. – ela disse.

Pensou que Draco não fosse dizer nada a respeito daquilo, mas depois de alguns longos segundos em silêncio ele apenas comentou:

– Me soa como algo bem tedioso.

Ela riu novamente, tomando o comentário como palavras carregadas de ironia. Apertou os braços outra vez contra o corpo e fechou os olhos por alguns segundos, se concentrando para vencer a dor do frio cortando sua pele quando outra rajada de vento a atingiu. Percebeu Draco se deslocar para um degrau antes do seu e não demorou em ter as pernas dele uma de cada lado das suas. Os braços dele a envolveram e Hermione percebeu que o marido dela estava compartilhando a manta com ela. Lembrou-se de quando disse a Narcisa naquela manhã que tudo que eles tinham de íntimo nascia e morria na cama. Será? Perguntou-se.

– Essas botas são minhas. – Draco disse se dobrando sobre ela.

Hermione observou o vermelho vivo das botas de chuvas nos pés. Eram gigantes para ela. Riu ao imaginar Draco as usando.

– Devia ter vergonha de possuir isso. – zombou dele.

– As conjurei num momento de necessidade e, desde então, elas me pareceram bem úteis para alguns outros momentos. Podem não ser lindas, mas são funcionais. – ele justificou.

Hermione achou ainda mais graça que ele tivesse justificado.

– Deveria investir em botas de neve. Mora em um lugar que o inverno dura quase seis meses.

– É a mulher da casa agora, pode fazer isso. – Draco disse sorrindo e ela soube que foi uma sutil indireta para o fato de como ela mudava a casa, principalmente nos últimos dias. – Só digo que essas me parecem bem úteis para o inverno também. Se não fossem, você não estaria as usando agora. - Hermione apenas sorriu e revirou os olhos. Ele se aconchegou mais contra ela, a respiração quente acolheu o lado direito de seu rosto e a fez se arrepiar e não foi de frio. Uma mão dele recuou, tocou sua cintura e deslizou até a parte de baixo de sua barriga, onde parou. – A última vez que fizemos sexo, eu notei que seu corpo estava diferente. – Nos últimos dias ela também notava o quanto estava mudando rápido. Isso a fazia se questionar o quanto aquela gravidez estava avançada, mas a verdade era que se embaraçava sempre que tentava fazer as contas. Não poderia estar tão avançada assim. – Eu queria que estivesse grávida porque gostava de tocá-la quando sabia que era a pessoa dando vida a um filho meu. – Hermione não conteve um sorriso bonito nos lábios. Fechou os olhos e tocou a mão dele sobre seu abdômen. Draco facilitou que ela colocasse seus dedos entre os deles. – Uma parte de mim está feliz por saber que pode estar grávida, Hermione. Quero que saiba disso.

Uma parte dela também estava muito feliz, tão feliz que às vezes ela sentia que poderia abrir o sorriso mais idiota do mundo para qualquer problema que aparecesse à sua frente. Escutar Draco dizer que também havia uma parte dele que estava feliz a trazia satisfação e ao mesmo tempo alívio. Não seria como da última vez em que ele havia lhe deixado sozinha e tratado o caso com uma completa indiferença. Hermione estava feliz assim como ele também, eles queriam aquilo, o grande problema era que eram duas pessoas racionais demais para deixar que aquilo os fizesse sorrir de alegria.

– Uma parte de mim está feliz. A maior parte está preocupada. – ela acabou dizendo.

– Hum... – Draco soltou em concordância. Hermione sabia que ele também pensava da mesma forma.

Sempre se simpatizava com ele quando sabia que sentiam a mesma coisa com relação a algo, principalmente com relação aquilo. Moveu seus dedos contra a mão dele sentindo a textura da pele pálida que o cobria. Queria que Draco soubesse que ela se simpatizava por partilharem do mesmo sentimento. Ele talvez só não entendesse que para ela parecia bem pior.

Seu corpo tremeu ao se lembrar da realidade em que se encontrava. Fechou os olhos não sabendo se deveria verbalizar aquilo ou não. Respirou fundo e sentiu aquela enorme angústia em seu peito.

– Tenho tanto medo. – sua voz saiu baixa. – Não quero que ninguém tire essa vida de mim de novo. Não quero ter que passar por uma gravidez às escuras novamente, sem saber sobre nada, sem saber se está tudo bem. – suspirou - Temo pelo que pode acontecer. E se for uma menina novamente? E se não for perfeito? E se algo for como Voldemort não quer que seja? Eu não quero que as coisas aconteçam como da última vez. – seu corpo tremeu novamente. – Tenho medo de que ele encontre uma forma de me machucar novamente como fez da última vez. – sua garganta apertou. – Eu não sei se seria uma mulher forte para conseguir levantar outra vez... – sua voz morreu.

Odiava tanto Draco por tê-la trazido para essa vida, talvez só não conseguisse o odiar mais por ter a consciência de que a vida dela não era muito melhor do que a dele e que havia trazido para si mais problemas do que soluções quando a capturou.

Draco passou os braços por ela, apertando-a mais contra seu corpo. O hálito quente bateu contra seu ouvido e Hermione se deixou cair na sensação boa que correu seu corpo. Respirou fundo e permitiu que o frio congelasse seus medos.

– Não é porque meus homens ainda não têm o nível de lealdade que eu esperava deles que está tudo perdido, Hermione. – a voz dele foi grave, paciente e acolhedora. – Temos um tempo muito mais curto agora, vamos ter que pensar em outras estratégias, ter que agir de forma menos cuidadosa. Vai precisar ser forte para o que possa vir a enfrentar, mas não vai estar sozinha. Esse filho é nosso e o Lorde vai cair pelas nossas mãos.

Hermione apenas suspirou e assentiu. A rajada de vento fez seus ossos doerem, mas ela se mostrou resistente. Eles teriam que ser ainda mais espertos, ainda mais ágeis, ainda mais inteligentes. Teriam que ter dúzias de planos reservas guardados e teriam que arriscar muito, o que os fragilizava, mas o jogo havia os levado até aquele ponto. Era a opção que tinham porque desistir e se entregar ao prazer de Voldemort não era uma opção. Hermione só esperava que eles conseguissem agir rápido, porque se o filho que ela sabia que esperava nascesse e ainda estivessem onde estavam agora, ela não suportaria tê-lo arrancado de seus braços.

Ficou em silêncio e deixou que o frio a dominasse, que ele tivesse o poder de congelar suas emoções e racionalizar seus medos. Começou a pensar sobre a situação em que a guerra estava e como ela gostaria que as coisas acontecessem. Pensou sobre York, sobre a Ordem, sobre o véu. Trabalhou novamente nas tentativas fracassadas do exército de comensais em tomar York, o povoado que precisava ser tomado para que o mundo inteiro estivesse sob o domínio do império de Voldemort. Depois que o mundo fosse do Lorde das Trevas a caçada aos rebeldes começaria, mais forte do que nunca, até que nenhuma alma bruxa mais restasse para contrariar as vontades do imortal Lorde Voldemort. Depois disso, a perseguição aos trouxas começaria até que nenhum deles habitasse mais a terra. Será que ela veria seu filho grande ao lado de Voldemort quando tudo isso se concretizasse?

– Draco. – ela se manifestou depois de um tempo. Draco murmurou algo muito baixo informando que a escutava. – York é uma região muito grande para ser tomada de uma vez só, não acha?

Ele tomou alguns segundos para considerar aquilo.

– Snape tomou Londres inteira de uma vez só no início da guerra quando a Ordem era bem mais estruturada e havia muito mais bruxos contra o mestre. Snape era metade do general que eu sou. Londres é o triplo de York. – foi o que ele disse.

– A Ordem tem um poder que não se compara ao que ela tinha nem no início da guerra, agora. Se continuar fracassando em suas tentativas, Voldemort logo irá querer interferir e ele não vai gostar de saber que a Ordem esteve manuseando um poder capaz de desafiá-lo a altura todo esse tempo sem que ele soubesse. O Lorde vai querer descobrir a fonte desse poder e já sendo bastante invencível agora, não quero saber o que ele seria se chegasse ao véu.

– Minha consciência já me diz isso, Hermione. Não precisa repetir. – Draco falou em resposta.

– Talvez... – ela continuou. – se mudasse a estratégia para lidar com batalhas em menor escala, você tivesse mais chances. Poderia mover o acampamento para o centro de York e quando conseguisse estabelecer o acampamento dentro da região, expandiria o domínio aos poucos até ter tudo.

– Está falando sobre estabelecer acampamento no meio de uma zona inimiga, Hermione.

– Parece louco, mas temos estrutura para isso. A Ordem mantém sua sede no meio de uma zona inimiga. Londres é tomada por comensais. Eu posso criar uma boa proteção de fronteira. Não é impossível. Claro que seria uma batalha menor, mas se a vencesse seria pelo menos algo positivo depois dos dois fracassos que enfrentou. Depois que conseguisse estabilizar o acampamento, travaria batalhas menores como se pretendesse incorporar mais território ao acampamento. Demoraria muito tempo, eu sei, mas poderia negociar com o mestre para pular para a próxima etapa quando já tivéssemos com uma boa área de York sob domínio porque poderia diminuir as forças em York para colocá-las na caçada aos rebeldes.

Draco não respondeu nada imediatamente. Precisou de um minuto para processar aquilo e somente depois se manifestou:

– Seria muito para que eu conseguisse administrar. Teria que abrir mão de alguns controles para poder dar conta, precisaria de mais gente de confiança.

– Nós somos dois, Draco. Não precisa fazer isso sozinho.

Ele puxou o ar e ajeitou-se, como se estivesse incomodado. Não era um plano tão perfeito, levaria tempo e eles não tinham tempo, mas era o menos arriscado que Hermione conseguia pensar naquele momento.

– Podemos trabalhar nisso. – Draco acabou por dizer. – Teremos que chamar um medibruxo para confirmar que está grávida, assim o mestre pode ser avisado e eu poderei sair de Brampton Fort para mover o acampamento. Preciso estar junto com o exército, tenho que trabalhar com eles, agora mais do que nunca.

Conscientizar Voldemort sobre sua gravidez não era algo que Hermione queria que acontecesse tão cedo, mas sabia que era necessário. Se eles não tinham tempo, as coisas tinham que acontecer rápido. Respirou fundo e assentiu concordando.

– Podemos fazer isso amanhã.

Draco pareceu surpreso por tê-la escutado dizer aquilo.

– Tem certeza? – ele perguntou e ela somente assentiu.

– Precisa trabalhar com seus homens. Não vai conseguir isso preso aqui. – ela disse, por mais que não o quisesse longe. Sorriu. – Precisa apenas prometer que sempre voltará vivo. Não quero a trágica vida que deu a minha filha caso venha a morrer.

Draco sorriu e soltou um riso fraco.

– Farei o meu melhor. – foi o que disse.

Hermione tornou a se concentrar na paisagem branca que ficava cada vez mais escura. O problema com aquela época do ano era que a noite sempre chegava muito cedo. A paisagem que já era triste se tornava ainda mais solitária, só não perdia o encanto.

– Qual a primeira memória que tem de mim, Hermione? – Draco fez sua voz soar longe, depois de um bom tempo em que eles ficaram em silêncio vendo a noite cair.

A estranha pergunta fez Hermione se questionar o que estivera se passando pela cabeça dele durante aquele tempo. Ela procurou sorrir, tentando se divertir ao fazer sua memória levá-la tão longe.

– Me lembro da sensação de ver você e seus pais na plataforma 93/4 no primeiro ano. Vocês pareciam tão frios, mas ainda assim eu estava fascinada por ver que eram reais depois de ter lido sobre sua família em alguns livros. Havia algo de glorioso em vocês, mas não demorei a perder o interesse de observá-los depois que o vi esnobar dois ou três primeiranistas que cruzaram seu caminho. – ele riu ao escutar aquilo. – Você consegue se lembrar da primeira memória que tem de mim? – ela perguntou curiosa.

– Na verdade, acho que perdi a minha primeira memória sobre você. Não consigo me lembrar da primeira vez que a vi, consigo ter vagas imagens suas do primeiro e do segundo ano, mas não sei qual foi a primeira. Sei que cheguei à consciência da sua existência por ser amiga de Potter. A memória mais viva que tenho sua foi de quando me bateu no terceiro ano. Depois dessa memória você se torna bem constante nas minhas lembranças até mais ou menos o quinto ano. Eu a odiava com todas as minhas forças. – Hermione acabou rindo junto com ele. – Me lembro do quarto ano e de como você não parecia você no baile de inverno. Me lembro de ficar enjoado com o interesse que começou a surgir a respeito da sua figura, mas acho que fui mais indiferente à sua existência em Hogwarts do que a notei. Sei também que cheguei a admirá-la em alguns momentos.

– Me admirar? – ela indagou surpresa.

– Sim. Você era diferente. – Draco justificou. – Quero dizer, com relação às outras garotas. Por volta do terceiro e quarto ano, as meninas começaram a querer fazer essas coisas de menina. Você sabe. Usar maquiagem, colocar uma roupa mais curta, tentar ajustar o uniforme para mostrar o corpo, fofocar sobre garotos, copiar umas as outras. Hogwarts foi se tornando um mar de garotas que colocavam um corpete sempre que viam a oportunidade, se entupiam de maquiagem com aqueles brilhos e coisas que cintilavam, algumas até não exageravam tanto assim, mas não perdiam na competição pela atenção de quem era popular e sempre reluziam quando tinham uma companhia masculina prestável. Você parecia completamente alheia a tudo isso, seguindo sua vida ao lado de Potter e Weasley como se sempre estivessem ocupados com um grande enigma. Continuava no seu modesto jeans sem deixar de usar o uniforme conforme as regras da escola e nem por isso deixaram de comentar sobre você. Não era qualquer garota que conseguia isso. É verdade quando dizem que a maioria dos homens não gasta muita energia com aquelas mulheres que colocam saltos enormes e usam vestidos curtos e justos. Eles normalmente vão se interessar bem mais por uma linda visão que encontrarem de cabelo preso e rosto limpo na fila de alguma loja de poções numa manhã chuvosa. Você não era o tipo que fazia os garotos enlouquecerem para passarem a mão, levarem para cama ou torcerem para que cruzasse as pernas para que pudessem descobrir a cor da calcinha, embora alguns bons pervertidos se aventurassem para esse lado. Você era o tipo que os fazia juntar as economias para chamar para um jantar mais ajeitado onde eles tivessem a chance de impressionar, pudessem te ouvir falar e onde um beijo no final faria valer mais que uma boa passada de mão. Acredite, eu conheço homens, sou um deles e acompanhei a caminhada de muitos deles da perversidade ao casamento.

Hermione acabou rindo.

– Me faz parecer uma ninfeta. – comentou. - Eu não estava totalmente alheia à mudança das garotas, só me parecia um grande “maria-vai-com-as-outras”. Eu teria me detestado se tivesse sequer permitido experimentar o caminho delas.

– E fico grato que não tenha. – sorriu ele. – Tenha certeza que se você tivesse aparecido na minha frente de vestido justo e salto naquela época, eu com certeza iria ter te desejado loucamente, mas não deixaria de achar patética sua tentativa de querer chamar atenção usando o caminho que todas as outras usavam. Você sempre teve mais personalidade do que isso. Foi exatamente o que aconteceu com sua amiga Weasley.

Hermione ficou confusa naquele momento.

– Gina? O que houve de errado com ela?

– Ela era um pouco como você. Bonita do jeito que era, mas bem tímida. Hogwarts inteira sabia que ela era fascinada por Potter, menos Potter, talvez porque sempre foi idiota demais, sequer parecia notar a existência dela. Acho que alguém a ajudou a mostrar um pouco mais de personalidade.

– Essa seria eu. – Hermione acrescentou.

Ele ergueu as sobrancelhas.

– Péssimos conselhos você deu a ela, Hermione. Achei que fossem amigas.

Hermione riu.

– Eu apenas disse que ela deveria mostrar um pouco mais de presença e agir normalmente quando Harry estivesse por perto. Não falei para que ela redescobrisse o mundo da maquiagem e refizesse o guarda-roupa. Isso foi obra das outras amigas dela.

– De qualquer forma, foi uma transformação patética de se ver. Ao menos condizia com o nível Weasley.

Hermione revirou os olhos.

– Não diga isso. Eu a alertei, mas Gina não quis abrir mão por ver que estava conseguindo o que queria. Insisti até que ela se aborrecesse e me acusasse de ciúmes. Acho que ela sempre temeu que eu fosse interessada em Harry.

– Ela adquiriu confiança e claro que a acusaria de ciúmes porque obviamente ganhou a atenção masculina como queria, incluindo a de Potter e a minha.

Hermione ergueu as sobrancelhas.

– A sua?

– Sim. Ela queria ser vista na companhia masculina para tentar gerar ciúmes em Potter, claro que eu era um de seus maiores alvos. A Weasley queria me usar e eu não deixaria isso passar em branco. Me mostrei interessado e a desejei sim pela provocação que ela incitava, era patético também porque ela parecia ser alguém interessante e inteligente. Sempre que cruzava as pernas de forma provocadora, me lançava um olhar mais intenso ou abusava de indiretas, eu a desejava, mas também queria rir por dentro por ver uma boa garota apelando para aquele tipo de comportamento. Não era nada inteligente. Era um truque até bem eficaz que poderia funcionar bem no meio de adolescentes loucos a espera de garotas que lhe dessem esperança, não com alguém como eu. A usei e a descartei no momento em que vi que ela estava pronta para abrir mão de Potter na esperança de que eu a quisesse. Claro que ela caiu em si para a bagunça que havia feito. Potter, atrasado como esperado, a fisgou depois das inúmeras chances que teve e foi conveniente para ela ficar com ele. Era o que queria desde o começo.

– Gina nunca me contou sobre isso. – Hermione disse não sabendo se deveria ficar horrorizada. Claro que ela não contaria, seria uma terrível vergonha e se Harry soubesse, talvez nunca mais nem a olhasse. – Você a usou e a descartou. Diz isso como se estivesse comentando sobre o tempo.

– Era o que ela queria fazer comigo. Sabe bem que eu detesto quando tentam me colocar no meio de algum jogo como peão. Ao menos devolvi a ela a sensatez. Duvido que Potter teria aguentado ficar com ela muito tempo se continuasse insistindo naquele comportamento fútil e adolescente para mantê-lo na isca dela. Homens sabem quando estão sendo segurados pelo desejo. Alguns demoram perceber mais do que outros, mas sempre percebem. Se não perceberem não são homens, são grandes idiotas. No momento que Potter matasse seu desejo vezes o suficiente, ele poderia começar a se cansar dela.

Hermione achava difícil acreditar que Gina tivesse se envolvido com Draco. Aquilo a incomodava de uma forma um tanto agonizante. Sabia que Gina era uma boa pessoa que conquistaria Harry sendo apenas a garota esperta que era, mas naquela época Gina havia se afastado dela e somente voltaram a conversar quando ela atou um relacionamento com Harry e foi pedir desculpas por tê-la acusado de ciúmes. Soube que ficou em silêncio um bom tempo antes de se manifestar:

– Draco, o quão longe foi com Gina?

Não estava gostando nem um pouco de como se sentia com relação aquilo.

– Não muito longe. – ele respondeu e aquilo pareceu trazer algum tipo estranho de alívio. – Ela era uma garota ingênua. Eu tinha que fazer a coisa andar da forma como ela via na cabeça dela. Abusamos de alguns cantos isolados nos corredores vazios da escola, mas nada mais do que isso. Acredite, tudo isso aconteceu mais rápido do que imagina. - Sim, Hermione imaginava que tivesse sido rápido. Ainda assim a incomodava. A verdade era que tudo que envolvia Gina a incomodava, ela era teimosa e sempre insistia que Hermione tinha culpa por algo que não aconteceu como ela queria que tivesse acontecido. – Você está silenciosa. – Draco comentou depois de um longo minuto em que ela não disse nada.

Também a incomodava a forma como Draco havia dito “a usei e a descartei”. Era como se ele não se importasse nem um pouco com o lado dela, como se não conhecesse.

– Já se apaixonou alguma vez? – ela acabou perguntando depois de mais alguns minutos.

A pergunta pareceu o pegar de surpresa e ele hesitou como havia hesitado uma vez quando estavam discutindo sobre patronos e não soube se queria que ela soubesse que ele nunca havia produzido um.

– Creio que não. – Draco acabou por responder.

Hermione acabou por abrir um sorriso triste. Draco Malfoy era, de fato, muito exótico.

– Tem sorte.

– Tenho? – ele pareceu confuso.

– É um sentimento passageiro tão forte que parece te dar o poder de mover montanhas, mas que quando vai embora te faz se sentir como o maior dos idiotas. Quando não te dá essa consciência quando ainda está apaixonado e te força a ignorar.

Hermione o escutou soltar um riso fraco.

– Não havia escutado essa definição antes. – disse.

Ela acabou sorrindo. Suspirou e logo desfez seu sorriso. Draco era uma pessoa muito interessante e muito misteriosa. Era sempre uma surpresa quando descobria algo simples que nunca esperava que poderia saber sobre ele. Eles quase nunca conversavam daquela forma como estavam fazendo agora, contando casos, explorando pensamentos. Tudo deles se limitava a guerra, a conspiração contra Voldemort, a sobreviver Brampton Fort, a algumas discussões bobas e algumas trocas de palavras necessárias.

– Às vezes eu sinto que há uma infinidade de segredos e reações que esconde por trás da sua postura perfeita. – ela disse depois de mais alguns segundos. – Está sempre se podando. Quando eu vejo mil motivos para expressar algum sentimento tudo que eu vejo é sempre sua expressão neutra. Pelo menos na maioria das vezes.

– Não tenho me podado tanto com você ultimamente quando estamos sozinhos. – Draco rebateu.

– Continua sendo incomum a forma como guarda para você tanta coisa em silêncio.

Ele pareceu precisar de alguns segundos para pensar sobre aquilo.

– A linha que separa a emoção do descontrole é muito imperceptível às vezes. – foi tudo que precisou dizer.

Hermione sabia que ele não gostava de mostrar ou ser dominado por nenhuma emoção ou sentimento. Aquilo Draco não havia aprendido em seu treinamento, Narcisa tinha um tanto desse comportamento assim como Lucio que embora bastante inconstante, sempre adotava a postura neutra em momentos de tensão quando precisava aparentar um pouco mais de profissionalismo ou tomar uma importante decisão. Ela sabia bem que era mais uma questão de orgulho do que de alto controle. Malfoys nunca dariam o gosto de se mostrarem raivosos a ninguém quando necessário tomar uma decisão que os desfavorecia e, consequentemente, também evitavam comemorar vitória quando algo os favorecia.

– Esse é algum lema da sua família? – ela perguntou.

– Não. Mas é o meu.

– Acaba deixando que as pessoas não saibam quando está bem, nem quando está mal.

– Eu deixo que você saiba.

– Às vezes. – Hermione o lembrou.

– Sim, às vezes. – ele teve que concordar. – Mas deveria se sentir bastante exclusiva por isso.

Ela riu e ergueu as sobrancelhas.

– Deveria?

– Vamos ficar muito tempo juntos, não creio que eu tenha energia o suficiente para ficar me policiando toda vez que estiver por perto. Dividimos a mesma casa.

– Tem razão sobre isso. – concluiu ela. Não era saudável que Draco guardasse tanto para si, mas não diria aquilo porque sabia que ela não seria com quem ele iria compartilhar seus segredos. Pelo menos não agora. Talvez nunca. Ficava grata apenas por saber que o marido permitia que ela o conhecesse aos poucos.

O vento gélido os cortou mais uma vez na escura noite que já havia se feito trazendo os últimos flocos de neve que ainda caiam. Hermione sentia que a temperatura caía mais à medida que parava de nevar. Sua mão e seus pés já estavam dormentes e foi inevitável quando bateu os dentes.

– Está congelando. – Draco comentou. – Deveria entrar.

– Sei disso. – ela disse. – Apenas não sei se consigo me mover.

Ele riu.

– Você é tão fraca. – zombou ele. – Pode levar a manta se quiser. Não preciso dela.

– Fraca? Não havia me dado conta de que estávamos competindo aqui!

– Foi você quem apareceu com os braços de fora me empurrando a coberta.

Hermione entendeu a provocação.

– E foi tão fácil te convencer a pegá-la. – ela jogou.

Draco riu e a castigou, abrindo os braços e afastando-se. Hermione soltou uma exclamação aguda ao sentir o frio congelante bater contra ela em todas as extremidades. Pensava que a manta não estivesse sendo de muita ajuda, mas quando Draco a privou do calor dela e de seu corpo percebeu que era louca de ficar ali fora por tanto tempo.

Levantou-se e quase que imediatamente puxou a manta dele, não sabendo como teve força em suas mãos para isso.

– É louco? – Hermione queria soltar aquela indagação com muita raiva, mas o modo como Draco estava rindo e se divertindo com aquilo colocou um sorriso em seu rosto. Ele quase nuca se mostrava naquele estado e sabia que a realidade que se encontravam colocaria um fim naquela descontração num piscar de olhos. Deveria aproveitar enquanto conseguia. – É isso que faz com sua esposa grávida?

– Não tente parecer uma vitima indefesa, sei bem quem é! – Draco se levantou também, enquanto ela enrolava a manta em torno de si subindo os degraus, tomando cuidado com o pé que mal sentida, a horrorosa bota gigante e o mármore escorregadio. – Deus do céu, Hermione! – ele soltou repentinamente e teve que segurá-la pelo braço quando suas botas escorregaram sobre o gelo que havia se compactado num degrau e ela lutou pelo equilíbrio que rapidamente foi restabelecido com a ajuda dele. – Será que poderia pelo menos ter um pouco mais de cuidado?!

Hermione precisou respirar fundo para acalmar seu coração do susto da perda de equilíbrio, teria conseguido restabelecer o controle dos pés, sozinha, mas Draco agilizou o processo com a ajuda. O olhou e acabou sorrindo da seriedade que ele havia assumido.

– Veja só quem acabou de morrer de medo. – provocou.

– Não brinque com isso. – ele foi sério e ela riu.

– Eu estaria bem mais segura se estivesse usando botas de neve.

Draco revirou os olhos.

– Eu espero que nosso filho não herde seu gênio insuportável. – ele disse enquanto a seguia, se certificando de que ela pisava nos lugares seguros.

Hermione riu.

– Espero que nosso filho não herde seu horroroso nariz. – devolveu na mesma moeda.

Foi a vez dele rir.

– Com licença, o que disse? – Draco soltou falsamente incrédulo e puxou a manta dela quase que no mesmo segundo. Hermione recebeu a mesma punição novamente com sua exclamação aguda. – Minha genética é perfeita!

Abraçou-se como pôde, enquanto ria da resposta dele e apertou o passo por entre as esculturas até a porta mais próxima. Quando foi recebida pelo confortável calor do interior de sua casa, percebeu que estivera tempo demais exposta ao frio por julgá-lo insuficiente.

– Narcisista! – Acusou Draco de modo divertido quando ele passou para o lado de dentro. Ele riu e ela tentou puxar a manta de volta, mas ele a tirou do caminho com o bom reflexo.

Hermione cerrou os olhos com um sorriso nos lábios e tudo foi extremamente natural quando Draco apenas se aproximou largando a coberta no chão, passou os braços pela cintura dela e aproximou sua boca sem pressa, naturalmente e carregando um sorriso bonito. Ela o recebeu de muito boa vontade, tendo tempo para inalar a respiração dele antes de sentir seus lábios se grudarem pacientemente. Aquilo fez seu corpo inteiro aquecer. Será que era assim que ele havia beijado Gina? Será que era assim que beijada Pansy? Aquele pensamento deveria ter a feito querer se afastar, mas Hermione apenas colocou os cotovelos contra os ombros dele e passou os dedos pelos fios loiros de sua cabeça.

– Você é uma inconsequente. – Draco murmurou quando se afastaram minimamente ainda com sorrisos expostos nos lábios. Os lábios dele se fecharam contra os dela rapidamente mais uma vez, antes de se afastarem para que ele pudesse continuar. – Se apressando para entrar aqui enquanto andava em um piso cheio de gelo.

Sorriu.

– Deveria ter pensado nisso quando me tomou a manta. – Hermione rebateu.

– Deveria ter pensando nisso quando insultou meu nariz. – ele retrucou e ambos riram.

Seus lábios se encontraram mais uma vez. Era louco para ela imaginar o que eles estavam fazendo ali. Quando seus lábios dançaram calmamente e se fecharam um contra o outro novamente, aquele calor invadiu seu corpo, correu suas veias e explodiu em seu peito. Era impossível que estivesse sendo tão natural, como se já tivessem feito aquilo dezenas de outras vezes.

Deslizou sua mão para a nuca dele, pescoço e tocou seu rosto a fim de se afastar para poder encarar seus olhos profundos e cinzas. Queria encará-lo nos olhos. Mas no momento em que se afastou para poder vê-lo, sua atenção foi chamada quando Tryn apareceu implorando por desculpas para informar que havia comunicados importantes esperando por Draco em seu escritório no andar superior. Hermione o encarou imediatamente, esperando pela reação dele. Queria poder dizer que ele não precisava atender nada agora. Havia deixado a Catedral por um fim.

– Pedi para que Tina fechasse meus compromissos. Se algum comunicado chegou aqui é porque é importante. – Draco justificou quando notou o olhar atento dela e tudo que Hermione fez foi assentir e se afastar.

Draco seguiu o caminho para a escada mais próxima e Hermione apenas se limitou a suspirar e seguir o seu, já presumindo que alguma hora o marido acabaria deixando aquela casa de volta para a Catedral antes da manhã do dia seguinte, sem nem mesmo ter tido a chance de descansar propriamente.

Livrou-se das ridículas botas de chuva, tornou a prender os cabelos que agora estavam um tanto úmidos devido à exposição à neve, pegou a manta que ficara no chão e seguiu para o andar de cima indo direto para o quarto, onde acendeu a lareira e se deixou aquecer novamente, antes de se enfiar na água quente do banho.

Enquanto a água quente escorria pelo seu corpo, Hermione deixou seus olhos se fecharem e sorriu ao se lembrar do momento de descontração que havia tido com Draco. Era tanta pressão que eles carregavam que não conseguia se lembrar da ultima vez em que havia se sentido no ânimo para rir daquela forma. Também não se lembrava de nenhuma vez em que vira Draco se comportar assim, nem mesmo quando ele se aproximou, a abraçou e a beijou. Sentiu seu sorriso murchar. Aquilo era preocupante.

Moveu-se inquieta debaixo do chuveiro e colocou a mão sobre o pé da barriga quando sentiu um leve puxão. Sorriu novamente. Estava grávida. Sabia que estava. Aquela era definitivamente outra enorme preocupação, mas, ainda assim, não conseguia deixar de apreciar a mínima esperança que crescia no espaço vazio que sua outra filha havia deixado.

Quando saiu de seu banho, o cansaço já lhe pesava. Colocou suas peças íntimas e apenas se cobriu com o robe de sua camisola para ir até a cozinha colocar qualquer coisa leve no estômago antes de ir para cama. Chamou por Tryn quando estava fazendo seu caminho de volta para o quarto e perguntou por Draco. A elfa informou que ele continuava trancado em seu escritório, mas que não havia emitido nenhuma ordem para que preparassem o carro de volta para a Catedral.

Hermione apressou seu passo de volta para o quarto. Ele não voltaria para a Catedral, já teria voltado se fosse realmente necessário. Encarou-se no espelho do lavatório. Estava pálida. Precisava de mais cor. Beliscou as bochechas. Avaliou-se novamente e continuou se achando pálida. Talvez se usasse um pouco do pigmento de um batom rosa que tinha. Testou e achou bem melhor. Acabou por colocar algo na boca também, simples e discreto. Deu leve batidinhas nos lábios para disfarçar ainda mais o uso do cosmético e avaliou-se novamente. Gostaria de poder marcar os olhos com algo escuro. Talvez nos cílios. Logo desistiu da ideia quando percebeu que seria demais. Soltou os cabelos. Bem melhor. Desfez o nó de seu robe e julgou-se uma idiota por ter colocado uma calcinha e um sutiã ridículo. Talvez devesse trocar para algo mais escuro. Preto seria uma escolha bem melhor...

Parou.

Encarou-se.

Que diabos estava fazendo?

Sentiu-se até mesmo enjoada no mesmo minuto. Foi até a pia e lavou o rosto. Deixou a água escorrer e concentrou-se na pequena cólica no pé de sua barriga. Acaso estava ficando louca? Qual é o seu problema, Hermione? Questionou em silêncio. Limpou-se com uma toalha de rosto e a usou para se livrar de qualquer resquício de batom em sua boca. Você é ridícula. Martirizou-se e largou a toalha para tornar a encarar-se no espelho.

Tentou se concentrar em seu corpo como vinha fazendo nos últimos dias, quando tinha aquele tempo. Puxou a seda de seu robe para trás quando ficou de lado para analisar seu perfil e focou-se na parte de baixo de sua barriga. Já estava muito minimamente visível. Hermione não esperava que já estivesse tão avançada, a sentia até mesmo um pouco dura.

Draco apareceu, segundos depois. Vinha com sua expressão séria, mas no momento em que colocou os olhos sobre o reflexo dela no espelho, pareceu relaxar.

– Hei. – foi tudo que ele disse como cumprimento.

Hermione se viu sorrir antes mesmo que pudesse perceber.

– Pensei que fosse voltar para a Catedral. – comentou.

– Não faria isso nem por glória, prestígio ou influência. – ele disse já abrindo os botões de sua camisa. – Realmente preciso descansar.

– Eu teria dito isso bem antes, se não soubesse que poderia acabar ferindo seu sensível orgulho.

Tudo que Draco fez foi rir. Livrou-se do cinto da calça e aproximou-se por trás dela, segurou-a pelo quadril, afastou seus cabelos e beijou seu ombro subindo a boca até seu pescoço.

Hermione sentiu suas pernas perderem as forças. O toque da língua dele esquentou seu corpo, o contato dos dentes em sua pele fez os pelos de sua nuca eriçar e ela acabou fechando os olhos, enquanto soltava o ar pela boca entreaberta. Não era justo que ele fosse acender aquele desejo nela agora que se sentia tão mole e tão incapaz de fazer qualquer atividade que demandasse demasiado esforço.

O hálito dele chegou a seu ouvido e Draco mordeu de leve o lóbulo de sua orelha. Hermione acabou se virando e, antes que pudesse contar os segundos, suas bocam já haviam feito o caminho para se encontrarem deixando que pudessem explorar suas línguas juntas e o sabor um do outro. Ela colou seu corpo no dele para que pudesse sentir o calor. Os dedos dele entraram por seus cabelos e passearem em sua coxa com vontade.

O ar faltou a eles antes do normal e quando Draco fez menção de movê-la, Hermione se viu soltar um quase imperceptível gemido de protesto. Ele riu da preguiça dela contra sua boca. Hermione achou que o problema fosse apenas consigo, mas quando Draco se afastou para tomar um ar que normalmente não precisava, foi sua vez de rir. Ele veio em seguida e eles riram juntos do desastre. Afastaram-se minimamente.

– Sinto muito, estou realmente exausto. – ele acabou dizendo.

Hermione riu.

– Eu sei. Eu também estou. – abriu os olhos para vê-lo muito próximo.

– Podemos adiar isso para a manhã de amanhã. – Draco fez o mesmo.

– Estamos mesmo marcando data e hora para isso agora? Céus! A que ponto chegamos.

Ele riu e se afastou.

– São as desvantagens de uma agenda apertada. – disse livrando-se da camisa.

Ela sorriu.

– O Draco e a Hermione dos primeiros meses teriam vergonha de nós dois agora. – ela comentou, enquanto ia até a pia e pegava sua escova de dente.

A forma como Draco riu descontraidamente daquilo a fez sorrir com a boca já cheia de espuma.

– Hermione, meu eu de agora já está bastante envergonhado de nós dois nesse momento. – Draco disse se livrando dos sapatos e pegando também sua escova. Ela acabou rindo e sendo obrigada a cuspir na pia. Imaginou como seria quando o filho deles nascesse. – Me diga. – ele chamou sua atenção antes de começar a limpar os dentes. – Com quantos meses acha que está?

Hermione notou que ele observava sua barriga. Cuspiu novamente e encarou a própria barriga. Limpou a boca.

– Dois. Talvez. – ela respondeu e se analisou no espelho. – Acredito que não menos do que oito semanas e não mais do que dez.

Draco cuspiu para poder dizer:

– Não me lembro de ter sido notável nesse estágio da última vez. Não sei se parece maior agora porque fico tentando encontrar algo aí.

Hermione acabou sorrindo amavelmente.

– Também já me fiz essa observação. – ela disse e fechou o robe. - De qualquer forma, se eu estiver errando em alguma conta, saberemos amanhã. – se lembrar de que teriam um medibruxo no dia seguinte para atestar sua condição a Voldemort fez seu ânimo descontraído cair consideravelmente, mas mesmo assim sorriu para Draco e desejou boa noite antes de deixar o lavatório.

Fez seu caminho até a cama. Tirou o robe e vestiu sua camisola. Não demorou a escutar o barulho dos chuveiros. Passou a cumprir o ritual de sempre, tirando de cima da cama os inúmeros travesseiros para poder afastar as cobertas. Fez um feitiço para que o fogo da lareira durasse a noite toda quando sentiu que o frio não queria lhe abandonar e sentou-se na cama sentindo os braços moles e a pálpebra pesada. Estava grata por Draco não ter mencionado o sobre o jantar. Quando deitou, se cobriu e fechou os olhos, sentiu a fraca dor no pé da barriga que não queria lhe abandonar, mexeu-se incomodada, mas estava cansada demais para se preocupar. Um calafrio correu seu corpo e ela apenas se encolheu mais nas cobertas. Antes que pudesse pensar em mais qualquer coisa o sono a venceu, mas não como deveria.

Sentia-se completamente pesada e o breu que a envolvia era um estágio de sono leve que a deixava ser consciente do aconchegante quarto ao seu redor. Perdeu completamente a noção do tempo e seus pensamentos vagavam aleatórios, criando situações absurdas em sua cabeça. Sentiu quando o colchão sob seu corpo cedeu, movendo-se e quebrando a paz em que ela estava. Aquilo a fez ter mais consciência do quarto e Hermione acabou cerrando os olhos para ver Draco acomodar-se do seu lado. Quando a coberta se moveu e o ar do lado de fora pareceu como o vento gélido que a cortava quando estava com Draco nas escadas do avarandado dos fundos, ela conseguiu apenas soltar um quase inaudível gemido de protesto.

O corpo de Draco deitou bem ao lado do seu. Ela queria que ele ficasse quieto logo, e ele ficou, por um tempo muito curto, porque antes que Hermione caísse novamente no seu sono leve, ele moveu-se bem mais para perto dela. Sentiu mãos frias tocando seu pescoço e indo até sua nuca. Mais dedos gelados afastaram cabelos de sua testa. Gemeu em protesto novamente.

– Hermione. – a voz profunda de Draco soou longe. – Você está mais quente que o normal.

– Eu estou bem. – ela não soube se sua voz conseguiu sair, apenas esperava que tivesse conseguido. Ele afastou as mãos geladas e ela ficou grata por isso, mas Draco começou a se mover demais e Hermione cerrou novamente os olhos para vê-lo começar a se levantar. Ela juntou força para girar o corpo. Tudo que conseguiu foi passar o braço por ele. Usou sua mão para empurrar seu tronco contra o colchão novamente. – Apenas me deixei dormir. Você também precisa descansar. – escutou sua própria voz baixa e distante. – Estou bem.

Tornou a fechar os olhos. Draco ficou quieto alguns segundos, mas então seus braços passaram pela cintura dela e a trazendo para bem perto, a obrigando a escalar o corpo dele e deitar a cabeça contra seu peito. Ele era um corpo gelado e ela protestou contra o frio num murmúrio indecifrável. Antes que pudesse juntar força para se afastar, apreciou a calma e a paz de tê-lo quieto. Não demorou a cair no breu novamente. Dessa vez, o sono pareceu ser profundo.

Os pensamentos se misturavam e criavam situações absurdas. Aos poucos eles foram se tornando cada vez mais breu, breu e breu. Depois do que pareceram longos e longos anos, as coisas tomaram cor ao seu redor. Primeiro o verde. Era muito verde. Tão verde que a fez perceber que era apenas o sol refletindo sobre a perfeita grama debaixo de seu corpo. Ela conhecia aquela grama, só uma única grama no mundo podia ser tão verde como aquela. Hogwarts. Olhou mais adiante e viu o lago brilhando seu esplendor, mais acima, sentado gloriosamente numa colina, o castelo erguia-se majestosamente.

Ela estava sentada debaixo da sobra de uma das árvores, suas pernas brilhavam com o sol sobre elas, mas Hermione não conseguia sentir o calor dele. Pelo contrário. Sentia frio. Mas o verde e o modo como os alunos se vestiam a sua volta mostrava que estavam em algo muito próximo do verão. Seu corpo estava estranho e ela o sentia estranho. Suas mãos estavam pegajosas e havia um desconforto que a incomodava. Encarou o próprio corpo e se viu na adolescente que se lembrava ter sido. O vestido que usava era um que Gina lhe dera no natal do quinto ano. Era leve, solto, claro e alegre. Havia sido uma roupa completamente fora da estação para o natal, mas era mais barato comprar coisa boa por um preço acessível quando se estava fora da estação, então ali era a primeira vez que Hermione havia tido a oportunidade de usá-lo.

Aquilo começou a fazê-la se lembrar daquele dia. Era uma memória. Inicio do sexto ano. Início de outono. Levantou-se tomando cuidado com os livros que carregava consigo, os catou pela grama e se lembrou que Harry e Rony estavam na biblioteca, colocando em dia os trabalhos que ela havia finalizado dois dias antes daquele domingo ensolarado. Iria até eles ajudá-los porque era isso que sempre fazia. Dava-lhes uma lição por deixarem acumular tudo para cima da hora, se afastava para que se desesperassem e depois os procurava para ajudá-los.

Não conseguiu evitar sorrir por estar naquele mágico lugar novamente. Sentia um terrível aperto no coração por saber que daquele ponto, a calmaria, a paz, os risos e as brincadeiras não durariam muito até o caos da guerra. Seus pés se moveram sobre a grama macia e Hermione se lembrou que estava descalça. Um par de sandálias rasteira estava próximo ao tronco da árvore. Encarou sua roupa novamente. Lembrava-se de ter achado aquele vestido lindo, se lembrava de ter se sentido especial com ele, de ter se achado bonita. Lembrava-se de ter se perguntado se havia surpreendido Rony usando aquilo. Agora, quando olhava para sua roupa, via um vestido que era da coleção de verão do ano anterior e um par de sandálias simples demais. Ela era a Sra. Malfoy no corpo de Hermione Granger com dezesseis anos.

Pegou as sandálias e tentou seguir aquele dia como se lembrava. Sabia que tinha a intenção de alcançar Harry e Rony na biblioteca e começou a seguir o caminho de volta para o castelo, mas se lembrava bem de que algo havia parado-lhe. Logo escutou o grito assustado de uma criança e um coro de gargalhadas. Virou-se para encarar dois sextanistas azarando um primeiranista que cruzava com o caminho deles. Sim, aquilo havia a parado. Era monitora e deveria prezar pela ordem, mesmo durante finais de semana.

Apertou o passo para chegar até eles.

– Hei! – chamou a atenção deles com autoridade, como se lembrava, enquanto se aproximava. Os sextanistas eram Blaise Zanibi e Gregory Goyle. Não tiveram medo ao vê-la se aproximar. Pelo contrário. Assoviaram “fiu-fiu” no momento em que a reconheceram. Hermione se lembrara bem de ter ficado furiosa com aquilo. – Poderia tirar ponto dos dois por fazerem isso!

Zabini riu alto.

– Sabe o que eu poderia tirar de você, Granger? A roupa! – riu – Aposto que eu não me arrependeria nadinha! Nem parece estar usando muita coisa hoje também pelo visto!

Hermione se recordava de ter reparado em Draco bem depois, mas conhecia aquela lembrança e adiantou o fato, olhando através dos dois sonserinos para um muro baixo de pedras onde ele estava deitado com a cabeça no colo de Astoria, esta que falava como se contasse uma história. Draco não parecia muito entretido com a conversa enquanto girava a varinha entre os dedos, como se estivesse treinando para ficar ágil no movimento.

Astoria estava perfeita como se lembrava. A garota vestia um vestido longo de outono azul escuro. A parte de cima era coberta em renda que transparecia sua pele clara acima do busto, uma parte da cintura ficava a mostra antes de começar a longa saia de tecido leve, fino e liso que ia até os pés descalços balançando contra o muro, quase tocando a grama. Pontos de ouro brilhavam em sua orelha e no singelo colar que usava. Na cabeça ela tinha um pequeno chapéu de palha de fino acabamento que possuía uma fita de cetim bege amarrada ao redor fazendo um lindo laço caído atrás, cujas pontas seguiam a longa trança em seus cabelos. Os braços dela estavam estendidos atrás do corpo a apoiando e esporadicamente uma de suas mãos brincava com uma mecha loira do cabelo dele. Ela era linda, sofisticada e clássica, sem contar que era rica e possuía um sobrenome perfeito. Entendia o porquê Draco havia a escolhido.

– Cale-se. Você me dá nojo. – Hermione soltou com desprezo, como se lembrava de ter feito, mas reparou bem mais quando Draco riu de algo que Astoria havia dito do que como se lembrava. Incomodou-se. – Não é porque estamos privados de ir à Hogsmeade que podem sair fazendo absolutamente o que lhe derem na telha, como se estivessem fora do castelo! Pode ser final de semana, mas as regras continuam as mesmas! – disse se lembrando de como as coisas se seguiram.

Draco sequer havia reparado em sua presença. Era errado que aquilo a ferisse, ela tinha dezesseis anos, queria mesmo era que Draco realmente esquecesse que ela existia.

– Moça! Minhas orelhas! – gritou o primeiranista, um tanto desesperado, segurando as orelhas que lhe cresciam sem parar.

– Você vai ficar bem, garoto. – recordou de ter dito ao menino com sardas. – Vão acompanhá-lo até a enfermaria e eu irei escrever sobre o comportamento de vocês ao professor Snape. – voltou-se para os sonserinos.

Ambos riram.

– Pode escrever o que quiser e não vamos acompanhar ninguém a enfermaria. – Riu Zabini.

– É! Não há nada de errado com ele. Estamos apenas dando orelhas mais proporcionais ao tamanho da curiosidade desse peste. – disse Goyle se divertindo.

Hermione se lembrava de ter revirado os olhos, mas não o fez porque estava muito mais focada na imagem de Draco com Astoria. Sabia que naquele dia havia sentido uma imensa raiva por ver Draco ali, tão próximo, e não ter feito nada em relação aos amigos. Ela punia Harry e Rony como punia qualquer outro aluno quando eles desrespeitavam as regras, mas ali, ali naquele sonho, Hermione via o Draco Malfoy adolescente do qual se lembrava e sentia-se angustiada por não ter o olhar dele. Ou talvez não fosse aquilo que a deixava angustiada. Incomodava saber que aquele Draco não a conhecia como agora, não havia partilhado uma convivência de mais de um ano, não se importava com ela. Aquele Draco ainda a via apenas como a Sangue-Ruim amiga da pessoa que mais odiava naquela escola.

– Malfoy! – ela acabou soltando muito antes de como se lembrava.

Ele se comportou exatamente como na lembrança original. Ergueu o tronco, apoiando os cotovelos no muro e a encarou. Gastou alguns minutos a analisando dos pés a cabeça. Lembrava-se perfeitamente de ter acreditado que Draco não estivesse abominando sua aparência naquele momento, mas, então, ele abriu a boca e estragou com qualquer esperança sua ao soltar:

– O que foi, Granger? Não me lembro de ter escutado ninguém aqui fazer uma pergunta para que pudesse vir correndo com a mão levantada responder.

Goyle riu como um retardado. Hermione se lembrava de ter ficado furiosa, mas ali se sentiu ferida. O tom de Draco, o desprezo e a indiferença com relação ao que poderia sentir. Era nada mais do que uma excluída ali, longe da elite do sangue, da popularidade e dos cofres de cada um daquele ciclo. O olhar de Astoria era quase um cheio de piedade e julgamento, como se estivesse tentando descobrir qual o designer da roupa que usava, de que coleção ultrapassada fazia parte e em que ponta de estoque ela havia adquirido.

– Não sei como alguém teve a coragem de nomeá-lo monitor! – voltou-se para Draco. - É incapaz de cumprir seus deveres propriamente! Cansei de contar às vezes em que usou seu distintivo apenas para benefício próprio! Seus amigos estavam desrespeitando as regras da escola exatamente na sua frente e você não moveu um dedo a respeito disso! – cuspiu ela como na recordação que tinha.

Draco achou graça no que escutou.

– Primeiro, Granger, eu estou impressionado com sua nova maneira de me insultar chamando esses dois idiotas de meus amigos. – riu. – Segundo, não preciso ficar me preocupando em cumprir meu dever de monitor quando você está sempre de olho para cumprir o seu dever, o meu e o de todos os outros monitores. Se está insatisfeita com a decisão do corpo docente de uma escola centenária em me nomear monitor, vá até eles e diga que pode gerenciar esse ramo melhor do que eles, Sabe-Tudo. Quem sabe eles não concordem e acabem te colocando até mesmo no lugar de Dumbledore.

Todos riram, até mesmo Astoria, que pareceu ter o feito apenas porque todos os outros estavam. Hermione se lembrava de ter revirado os olhos e saído bufando cheia de desesperanças com o insuportável temperamento de Draco, mas naquele momento ficou ali, observando o rosto de cada um, como se tivesse pausado a cena. O de Draco, satisfeito com sua resposta, o de Astoria, orgulhosa pela vitória de seu homem e os de Zabini e Goyle felizes por acharem difícil que ela insistisse em tornar a abrir a boca.

Hermione apenas fechou os olhos, sentindo todos os calafrios quase fazerem seus dentes baterem. Abriu-os e encarou Draco tristemente. Queria ter o poder de ir até ele para dizer que um dia se casariam depois de terem enfrentado uma grande guerra em lados opostos. Queria dizer a ele que sofreriam juntos a perda de uma filha, que se desejariam na cama como homem e mulher, que fariam uma aliança contra Voldemort juntos, que se conheceriam aos poucos e aprenderiam um com o outro devido a uma convivência cheia de altos e baixos e, que talvez, nesse futuro, encontrassem uma forma de superar os enormes abismos que haviam entre eles.

Respirou fundo. Deu as costas e se afastou, lembrando-se de ter que escutar Astoria comentar algo sobre as sandálias que tinha na mão com uma das amigas que acabava de aparecer. Uma dor muito física a abateu, mas ela não soube de onde veio. Sentiu-se incomodada, mas apenas continuou seu caminho. Tentou pensar nas coisas boas de Hogwarts novamente, na sensação de ser apenas uma adolescente, crescendo e aprendendo, despreocupada com um futuro incerto, porém, distante. Não teve muito sucesso em se sentir bem novamente. Apenas olhou sobre os ombros a figura de Draco que tornara a descansar a cabeça no colo da namorada. Aquele Draco esqueceria que ela havia estado por perto em menos de um minuto.

Fechou os olhos sentindo um aperto no coração ao ter aquele pensamento. Às vezes tudo que queria era sua sábia mãe, sua sábia mãe que já não vivia mais. A vontade de derramar todas as lágrimas do mundo veio quando todo aquele sentimento a invadiu, a dor física a incomodou mais, uma agonia veio e passou, o breu a cercou mais uma vez, mas quando abriu os olhos estava de frente à entrada da porta de sua casa. Não a casa que dividia com Draco, o único lar que tivera depois da casa de seus pais. A porta da casa à sua frente era a de sua casa, a casa onde crescera, onde aprendera sobre amor, respeito, dedicação, carinho, honestidade, ética. A casa onde forjara seu caráter, quem era e quem sempre seria no fundo de seu coração, por mais que mudasse.

Olhou para si mesma e viu a mulher que era hoje, as roupas finas que usava, os sapatos altos e caros, as jóias claras, esplendorosas e o anel Malfoy bem colocado em seu anelar esquerdo. Hermione não ia até sua casa desde que abandonara seus pais para entrar na guerra. Tinha dezessete anos naquela época, era apenas a Hermione Granger simples que costumava ser e pensava que estava fazendo a coisa certa para deixá-los a salvo. A verdade era que não estava. Deus sabia toda a culpa que ela carregava por isso.

Deu alguns passos para trás para reconhecer a estreita casa de dois andares que possuía um também estreito e belo sótão escondido entre o teto alto e pontiagudo. Os vidros estavam quebrados, trepadeiras haviam tomado conta da fachada e a madeira das janelas já tinham perdido o verniz parecia fazer muito tempo. Aquilo machucou sua alma que já não se encontrava em perfeito estado por estar encarando o que via. Sempre que se encontrava perturbada tinha aquele sonho.

Entrou com cuidado, empurrando a porta que precisava de óleo nas dobradiças e andou sobre o piso de madeira já desgastado. Ela sabia que sua casa não estava naquele estado, haviam dito-lhe que fora vendida para um casal trouxa que tinha duas belas crianças depois de ter passado um bom tempo no mercado, mas para Hermione, aquele era o estado da casa de seus pais em sua mente.

Subiu até o sótão como sempre fazia naquele sonho. Quando abriu a porta e passou para o lado de dentro, viu seu quarto exatamente como a última lembrança que tinha dele. Sua mãe estava lá, sentada em sua cama, seus olhos estavam tristes e havia um rancor em sua expressão.

– Você nos abandonou. – Disse a mulher. Havia rancor também em sua voz.

– Eu tinha que ir. – Hermione disse com sua voz trêmula.

– Você nos abandonou e olhe no que se tornou. – sua mãe a olhou de cima a baixo. – Lutou em vão ao lado de perdedores, foi capturada, se casou com o inimigo, perdeu uma filha, fez uma aliança com ele e continua vivendo sua vida de miséria, escondida atrás de roupas, sapatos e jóias caras.

Hermione sentiu as lágrimas escorrerem.

– Essa não era a vida que eu queria. Não escolhi essa vida.

– Escolheu sim. Escolheu essa vida quando nos abandonou.

Aquilo a feriu mais ainda.

– Eu tive que ir. Pensei que ficariam seguros se eu estivesse longe. Me desculpe. – aproximou-se. – Mãe, sinto sua falta. Sinto muito a sua falta. Me perdoe, por favor. Você não sabe como é difícil não te ter. – sentiu-se uma criança. As lágrimas escorriam e Hermione logo saberia que os soluços começariam.

O rosto de sua mãe logo mudou de um rancoroso para um piedoso. Ela era a mulher mais amorosa que Hermione já havia conhecido. Sua mãe entendia sua dor exatamente como ela gostaria que fosse entendida. Sentou-se no chão e deixou sua cabeça no colo dela. Queria poder se lembrar do cheiro de sua mãe, mas não conseguia.

– Filha, você está amando o homem que não quer. – ela disse depois de um tempo alisando seus cabelos.

Para Hermione nenhum nome precisou ser dito ali. Já sabia a quem sua mãe se referia. Sua mãe era a única mulher com quem ela poderia ter aquele tipo de conversa, embora soubesse que tudo aquilo era um sonho e sua mãe nada mais era do que sua própria consciência.

– Eu não o amo e nem quero amá-lo. – apressou-se a dizer. – Eu o odeio.

– É uma tola por achar que o oposto do amor é o ódio. O oposto do amor é a indiferença e indiferença é algo que está, cada vez mais, se acabando entre você e Draco.

– Mas eu jamais poderei amá-lo.

– Também é uma tola por dizer “jamais”. Ele é seu marido, seu parceiro. Precisam aprender a construir uma vida harmoniosa juntos, isso demanda um esforço que pode trazer sentimentos.

– Eu não quero amá-lo, mãe. Ele não é o homem que eu quero, ele não é um homem bom, não é um homem admirável.

– Você tem visto coisas boas nele ultimamente.

– Não compensam as atitudes ruins do passado. Atitudes revelam caráter.

– E você descobriu que julgava as atitudes dele erroneamente.

– Nem todas. Ele continua não sendo um homem inteiramente exemplar. Ele é um Sonserino, deseja poder, influência, é soberbo, astuto e orgulhoso.

– Ele apenas vê o mundo de uma forma diferente da sua. Já descobriu que ele não é um homem mal e vivendo tempo o suficiente no mundo dele, também descobriu que pode haver verdade naqueles que acreditam que mal é apenas uma questão de ponto de vista.

Hermione suspirou cansada daquela batalha.

– Não ele, mãe. Não ele.

– Por quê?

– Sabe bem o porquê. – Na verdade, sua mãe de verdade não saberia. Nunca havia dito muito sobre Draco em sua casa. Ele era apenas conhecido como o garoto insuportável e infelizmente altamente influente por ser um Malfoy. Apenas. Mas naquele sonho sua mãe nada mais era do que uma projeção de sua consciência para lhe trazer conforto. – Ele é Draco Malfoy. Posso voltar no tempo para qualquer época desde que me tornei consciente de sua existência e não conseguir me lembrar de uma em que não queria que ele apenas... – deixou sua voz morrer quando percebeu que estava prestes a dizer que apenas não queria que ele existisse. Hermione nunca quis que ele não existisse. Ela apenas queria que Draco fosse diferente. Queria que os Malfoy fossem diferentes. Lembrava-se da primeira vez que cruzou com o nome deles enquanto lia “Hogwarts, Uma História” e se sentiu fascinada por saber que existiam linhagens tão bem conservadas no mundo bruxo que carregassem tanta história e tanto poder. – A verdade é que não sei mais o que penso sobre ele. Eu sei que estou me deixando envolver com um homem que nunca vai me amar, um homem que não me vê como sua única mulher. Carrego culpa por isso porque sei o que ele significa. Quando tento me colocar nessa casa no dia em que vocês foram mortos, temo que tenha sido ele quem estendeu a varinha, temo que tenha sido ele quem lançou a ordem. Eu não poderia conviver com o fato de me ver sentimentalmente envolvida com o homem que matou meus pais. Eu me veria como Narcisa Malfoy, presa ao sentimento que tem pelo terrível marido. Não quero isso. Mas ao mesmo tempo em que tenho muita consciência de não querer isso, não consigo afastá-lo quando ele me toca, não consigo parar o desejo de sentir e esperar pelo toque dele, ou o olhar, ou a companhia, ou o interesse dele. Antes eu achava que Draco apenas estava se tornando familiar, ou que não havia mal em desejá-lo, visto que ele realmente é um homem atraente e que eu acabara entrado no vício de já tê-lo experimentado. Mas... – suspirou. – As coisas foram mudando entre nós, principalmente depois que perdi nosso bebê. A forma como ele reagia perto de mim e de como era cuidadoso para não ser ignorante devido ao ódio que havia entre nós, acabou me fazendo olhá-lo de outra forma, me fez ver que Draco pode ser compreensivo. O dia em que ele disse que não era fácil encarar a perda da nossa filha me fez entender que nem tudo que ele expressa é o que ele realmente sente. O som da voz dele quando disse que se eu engravidasse novamente o filho seria nosso. O modo como ele me abraçou quando eu disse que queria criar nosso filho, mesmo que não fossemos uma família. Isso tudo me fez sentir o toque dele de forma diferente, me fez prestar mais atenção no olhar dele, me fez querer entendê-lo mais, me fez ser compreensiva, me fez aprender a sorrir quando ele estava por perto. – fechou os olhos e se deixou sentir a carinhosa mão de sua mãe em sua cabeça. – Isso amenizou o ódio que temos um pelo outro. Me faz questionar se realmente o odeio. Me faz questionar se eu estive errada sobre ele todos esses anos, ou apenas uma boa parte deles. Me faz questionar se posso ser capaz de superar a história que temos. Me faz questionar se devo realmente temer que eu crie algum outro sentimento por ele que não seja desprezo, raiva ou indiferença.

Elas entraram em um profundo silêncio. A mão de sua mãe em sua cabeça começou a pesar e Hermione começou a se sentir incomodada, mas jamais pediria para que ela a tirasse.

– Talvez esteja se perguntando as questões erradas. – a voz de sua mãe, amável como se lembrava, soou. – Talvez devesse se perguntar se está apaixonada por ele.

Hermione sorriu. Fazia-se essa pergunta todas as vezes que Draco aparecia e ela não conseguia conter um sorriso ou quando ele a tocava e ela não conseguia dizer “não” mesmo quando se sentia a mulher mais cansada do mundo.

– Não estou. – respondeu. – Eu sei o que é estar apaixonada. Eu sei o que é não conseguir parar de pensar em alguém, sei o que é ter as mãos suando e o coração batendo forte. Com Draco é diferente. Sinto-me completamente a vontade perto dele. Não preciso medir as palavras para tentar soar mais amável ou mais divertida. Não sinto que preciso estar sempre impecável com medo de que ele goste menos de mim por acabar conhecendo algum defeito que sei que tenho, tanto físico quanto de personalidade. Não sinto a constante necessidade de agradá-lo. Posso ser quem eu quiser sem receio perto dele. Não preciso que ele me queira, me ame, pense em mim a todo o momento ou se preocupe comigo.

– Mas é bom quando vê sinais de que ele possa estar pensando em você, se preocupando com você ou querendo você. – comentou sua mãe.

– Sim, mas é apenas um reflexo de estar acostumada a tê-lo me querendo morta. Além do mais, são sinais, não quer dizer que Draco realmente se preocupe, queira ou se importe comigo. Como já disse, depois que minha filha foi tirada de mim, ele se esforça para não ser arrogante e detestável. Reconheço os sinais dos esforços dele apenas.

Sua mãe suspirou e ela a seguiu. A mão da amável mulher pesava tanto em sua cabeça que Hermione já estava bastante consciente de que se mexia desconfortavelmente com frequência, mas não queria pôr fim àquela conversa. Precisava de sua mãe, embora soubesse que o conselho dela nunca viria porque aquela não era mesmo sua mãe.

– Creio que resta apenas uma questão a ser levantada, então. – a voz doce de sua mãe soou novamente. Lutou para não se entregar a agonia que lhe crescia porque precisava enfrentar o ultimo questionamento. – Se tivesse a chance agora de anular esse casamento, tornar a ser Hermione Granger, dar as costas a Draco Malfoy e a tudo que construíram no ano que passaram juntos, você pegaria?

Hermione se mexeu incômoda e acabou se afastando da mãe. Quis se levantar, mas havia uma dor. Queria saber de onde vinha. Colocou as mãos no chão e o encarou.

– Sim. – Respondeu. A mão de sua mãe já não estava mais em sua cabeça, mas ela continuava pesada e parecia ficar cada vez mais, o que fazia aquela cena perder o foco e se tornar um breu com cada vez mais frequência. – Essa resposta eu sei desde o dia em que assinei o papel que me fez ser uma Malfoy.

– Não creio que seja mais a mesma pessoa que assinou aquele papel. – a voz de sua mãe ficava cada vez mais parecida com a sua. – Mudou desde que se casou com Draco Malfoy. Tem certeza que daria as costas a ele se tivesse essa chance nas mãos agora?

Hermione estava pronta para responder sim novamente, mas, naquele momento, o quarto ficou escuro. Tem certeza? Era a voz de sua própria consciência. Se não tem certeza precisa seriamente fazer algo a respeito disso.

– Mãe... – Hermione queria sua mãe de volta. Não se sentia bem. Contorceu-se e gemeu de dor sentindo calafrios e uma pressão em sua cabeça. – Mãe, tem algo errado comigo. – sua mãe sempre sabia o que fazer quando ela não estava bem. – Mãe?!

– Hermione?! – Era a voz de sua mãe. Não. Não era. – Hermione! – Quem era? Gemeu e sentiu-se cada vez mais pesada. Aquela dor... O que era aquela dor? – Hermione!

Ela queria responder quem quer que fosse, mas não conseguia. Sua boca não se movia. Parecia em uma dimensão diferente. Não queria deixar sua mãe novamente.

– Mãe...? – chamou por sua mãe.

Ela não voltou, mas foi tragada para dentro de seu quarto novamente. Era noite e tudo parecia muito pálido ou muito escuro. Se lembrava daquele sonho. Aquele a perseguia há anos. Tinha medo dele, muito medo, não importasse quantas vezes o tivesse ou quantos anos tivesse, porque sabia que a pessoa que iria aparecer ali não era nenhuma projeção de sua consciência, era uma invasora, uma estranha invasora.

Caminhou até o espelho mesmo que não quisesse, mesmo que tivesse toda aquela dor a incomodando. Encarou seu reflexo, mas ele não era seu reflexo, embora se parecesse muito consigo mesma, aquela era a invasora de seu sonho. Os cabelos eram os mesmos, o desenho do rosto era muito parecido, o corpo era quase idêntico. O calafrio que já sentia intensificou no momento em que aquela mulher falou. Tinha uma voz poderosa e parecia ecoar insuportavelmente alta em sua cabeça, embora a boca nunca mexesse:

“Seja consciente de quem é. Seja consciente do seu sangue. Seja consciente do seu poder.”

A invasora repetia muitas e muitas vezes e Hermione tivera acreditado por muito tempo que tinha aquele sonho porque era uma bruxa e não sabia. Quando descobriu que era eles pararam de persegui-la por um tempo, mas foram voltando, cada vez com mais frequência com o passar dos anos. Havia noites que acreditava ter esse sonho mais de uma vez ou às vezes parecia ficar horas presa nele, temendo pelo intruso do outro lado do espelho, parada e incapacitada de se mover.

Hermione temeu ficar presa ali com toda a angústia da dor que sentia e de como isso a fazia se contorcer e gemer, mas à medida que a intrusa do outro lado do espelho repetia sua eterna frase, Hermione lutou para acordar. Aos poucos o quarto foi se apagando, a voz que ela pensara ser de sua mãe a chamando foi se tornando cada vez mais real e muito masculina.

– Hermione!

Foi como se seus ouvidos tivessem sido destapados. A imagem da intrusa ainda era muito real em sua memória, como se ela pudesse estar em algum lugar exatamente ao seu lado. Foi mais difícil abrir os olhos do que esperava. Viu o rosto de Draco de seu lado da cama, iluminado pela baixa lareira que ela deixara queimando a noite toda. Sua visão não era boa, sua cabeça parecia pesar quilos, os calafrios pareciam mais intensos e a dor que sentia vinha do pé de sua barriga.

– Draco... – sua boca estava incrivelmente seca. Ela quase não conseguia se mover. O que havia de errado com ela. – Há algo de errado comigo.

– É bem notável. – ele disse. – Apenas me diga o que você precisa, por favor.

O ”por favor” parecia ser a dica para que Hermione soubesse que ele estava um tanto desesperado, mesmo que segurasse sua expressão inabalável de sempre. Tentou engolir uma saliva que não existia. Conseguiu sentir algo pegajoso em sua virilha. Abriu a boca para responder que não sabia o que precisava, não sabia o que havia de errado, enquanto fracamente tentava afastar a coberta e o lençol, mas no mesmo momento sentiu uma horrível pontada onde a dor a incomodava. Encolheu-se e prendeu a respiração, fechando os olhos com força lutando para não emitir nenhum som, mesmo que ainda tenha conseguido ouvir sua garganta protestar por isso. Quando finalmente teve a chance de respirar outra vez, o fez ofegante. Tocou sua virilha e quando olhou seus dedos trêmulos, eles estavam vermelhos.

Puxou o ar e por alguns segundos não soube como reagir. Estava fraca, pesada, sua cabeça doía, sua visão estava embaçada, aquela irritante dor em sua barriga... Tentou não se desesperar, mas seus olhos embaçaram no mesmo instante. Encarou Draco. Ele tinha os olhos fixos em seus dedos vermelhos.

– Por favor, chame um medibruxo. – dessa vez deixou que o seu “por favor” fosse a dica de seu desespero.

Ela nunca tinha visto Draco sem palavras antes, foi a primeira vez que o viu congelar daquela forma.

– E-eu já chamei. – ele não conseguia tirar os olhos de seus dedos vermelhos. – Acha que consegue esperar?

– Não sei. – sua voz quase não saiu. Amaldiçoou Brampton Fort por não ser possível aparatar dentro das muralhas. Precisava de um medibruxo exatamente naquele momento. Começou a achar difícil puxar oxigênio. Sua visão parecia cada vez mais escura e ela começava a achar que perderia os sentidos. Tinha bastante consciência das lágrimas em seus olhos inundados. – Não consigo acreditar que perdi outro bebê. – a dor em sua garganta para conter o nó entalado parecia quase maior do que todas as suas outras dores e lutar para conseguir falar tomou muito de sua força.

– Quem disse que perdeu, Hermione? – Draco a encarou parecendo irritado que ela tivesse dito aquilo.

– Estou sangrando, Draco. – será que ele ainda não havia prestado atenção naquilo?

– Você ainda não sabe. – ele foi sério. – Apenas espere.

Ela mal conseguia vê-lo direito e o oxigênio não estava chegando normalmente ao seu pulmão.

– Não acho que consigo. – não soube se disse aquilo como queria. Não conseguia mais mover nenhum músculo, sentia-se mais fraca do que já havia se sentido em toda sua vida. Aquilo quase lhe parecia a morte. O que havia de errado com ela? O que estava acontecendo? Por quê? O que havia a feito chegar naquele estado? Esteve bem durante todo aquele dia.

– Não. Não. Não. – Draco segurou seu rosto com as duas mãos, mas ela mal pôde sentir o toque dele. - Hermione. Tem que ficar acordada. – a voz dele parecia distante. – Hermione! Olhe para mim! – ela não conseguia focá-lo.

Será que a morte era assim? Não queria morrer. Antes que pudesse perceber, tudo que lhe fazia companhia eram o silêncio e o breu. Pareceu ficar naquele estado por horas, como se estivesse caindo em um infinito buraco negro. Não havia luz em lugar algum, não havia consciência, só havia o breu.

Pareceram horas, horas e horas, quase uma eternidade, mas quando começou a recobrar algum senso de consciência, pareceu ter sido apenas um segundo, um piscar de olhos, um pequeno instante de distração. Ainda se via sem forças para abrir totalmente os olhos, mas estava grata por não haver mais tanta dor. Tudo que escutava era o som da voz de Draco cheia de indignação e irritação.

– ...e isso poderia ter acabado com a vida dela! Será que não poderiam ter feito algo menos arriscado?! – seu tom estava tão alterado que estava alto. Ele quase nunca se permitia exaltar. Tentou chamar por ele, mas não conseguiu encontrar forças.

– Nós não consideramos que ela precisaria de forças para mais de um, senhor. Não consideramos nem mesmo que ela passaria pela situação de aborto! – alguém falou e a palavra “aborto” foi o suficiente para fazer com que Hermione conseguisse soltar qualquer grunhindo para ter atenção.

No mesmo instante, sentiu como se mil mãos começassem a checá-la. Seu pulso, sua têmpora, seu pescoço. Agulhas pareciam estar espalhadas em algum braço que ela não conseguia se orientar para definir exatamente qual.

– Não sei como conseguiram licença para exercer magia curativa quando não conseguem nem mesmo se atentar a detalhes como esse! Existiam chances e vocês a ignoraram!

– O mestre...

– O mestre a queria inteira e com um herdeiro! – Draco continuava a se exaltar com quem quer que fosse. – Ela precisa estar viva para ter qualquer filho até onde eu saiba!

– Draco... – ela soltou num sussurro que se misturou com sua respiração fraca.

– Draco! – era a voz de Narcisa. Estava muito próxima a ela. – Ela está te chamando.

– Hermione? – a voz soou mais perto dessa vez, completamente diferente do tom que ele estava usando antes.

Forçou para abrir os olhos. Conseguiu apenas cerrá-los. Havia claridade, mas ela conseguia reconhecer que continuava em seu quarto e em sua cama. Não demorou a encontrar os olhos cinzas dele sobre ela.

– Eu perdi? – foi tudo que Hermione precisava dizer, embora não tivesse soado mais alto que um sussurro, para que ele entendesse que ela queria saber de seu bebê.

– Não, mas quase. – Draco respondeu imediatamente e aquilo a renovou de uma forma que quase a fez tentar se levantar. – Você vai ficar bem. Precisa descansar, só isso.

– O que aconteceu comigo?

– Precisa descansar, Sra. Malfoy. – era a voz de uma mulher que ela não conhecia vinda de algum outro lugar ali. - Vai saber de tudo quando acordar novamente com mais forças.

– Desculpa ter estragado sua noite de descanso... – foi tudo que Hermione conseguiu dizer a Draco, antes de sua voz voltar a morrer.

O mundo começou a ficar longe novamente e ela foi forçada a fechar os olhos se entregando à fraqueza que sentia. Entrou num mundo de sonhos e ficou presa num em que um gigantesco pássaro azul voava à sua frente. Ele lhe dava medo, assim com a mulher do reflexo no espelho do sono que a perseguia desde criança. O tempo parecia correr em câmera lenta fazendo as enormes asas do pássaro mostrarem toda a sua beleza durante o movimento, assim como deixar bem claro a mensagem que parecia ecoar da pequena cabeça dele para a dela:

“Seja consciente de quem é. Seja consciente do seu sangue. Seja consciente do seu poder.”


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Notas finais do capítulo

Gentchyyyyyy!!!! Muitas informações nesse capítulo! haha Primeiro, Hermione grávida. Segundo, que fofo eles na varanda de fundos! Terceiro, O QUE ACONTECEU COM A HERMIONE??? Quarto, Draco lindo super preocupado!! Quinto, e esse sonho da Hermione??? Muitas dicas sobre a procedência da Hermione nesse sonho!
Obrigada pela compreensão sobre a nova rotina de postagem começando no mês de julho.
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