CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 23
Capítulo 22


Notas iniciais do capítulo

MIL DESCULPAS por não ter conseguido postas na sexta e desculpem pelo atraso de hoje! Estou muito ocupada com alguns projetos e eu realmente esqueci que tinha que vir aqui colocar o capítulo para vocês! Estou me sentindo péssima! A cabeça estava muito cheia e eu esqueci dos meus passatempos! Me perdoem, por favor! Juro que não vai se repetir sem aviso! Gostaria de agradecer a Alana Lysander pela maravilhosa recomendação! Fico muito feliz todas as vezes que vejo uma e tenho um carinho especial por cada um que para alguns minutos do dia para escrever uma recomendação para minha fanfic! Obrigada mesmo! Não sei nem como agradecer! Enfim, apreciem o capítulo! :)



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Capítulo 22

Hermione Malfoy

Tinha consciência de que estava acordada, mas ainda não queria abrir os olhos. Sentia o corpo pesado de uma noite de sono mal aproveitada. Hermione sabia que se não fizesse esforço nenhum não abriria os olhos, ficaria ali, parada, escutando o som de sua própria respiração até cair novamente em seu sono. Dormir a fazia esquecer. Tomava poções para não ter sonhos, nem pesadelos, e havia se prendido a esse ciclo. Ficar inconsciente, acordar e tornar a ficar inconsciente o mais rápido possível, antes que toda a dor que havia em seu peito molhasse seus olhos novamente.

Mas sabia que precisava reagir. Os dias passavam e ela sabia que não poderia se dar por vencida, por mais que quisesse, por mais que tudo em seu corpo, sua mente, seu espírito e sua alma implorassem para que se desse por vencida. Havia tanta raiva dentro de si, tanto ódio e rancor. Hermione queria colocar tudo aquilo nas costas de Draco, mas ele havia implorado para que ela não fizesse isso e o modo com havia implorado fizera com que ela recolhesse tudo aquilo novamente e guardasse dentro de si. Draco havia sido tão verdadeiro, aqueles olhos, ela nunca havia o visto tão vulnerável. Não poderia colocar tudo que sentia sobre o marido porque Hermione percebera que ele já carregava também dor suficiente, assim como ela, e o fato dele ter mostrado isso fez com que ela não conseguisse mais o reconhecer. Ele tinha outro lado. Havia outro alguém que Hermione não conhecia por trás da máscara que ele usava sempre. Ela duvidava que Draco já tivesse mostrado isso a alguém. Talvez Pansy? Será? Astoria? Quem sabe. Narcisa com certeza.

Abriu os olhos. O lado que ele ocupava na cama estava vazio, mas ela já havia notado a falta da presença dele mesmo com os olhos fechados. Havia uma leve luz entrando no quarto, o que a fez presumir que horas eram. Hermione já não acordava àquela hora fazia dias. Talvez o efeito de todas as poções do sono que havia tomado estivesse, agora, sendo drenado para longe de seu sangue.

Estendeu a mão e tocou o travesseiro dele alisando a fronha amassada e acabando com o formato onde a cabeça de Draco estivera antes de levantar. Ela puxou o ar e lutou para não fechar os olhos novamente. Se tornasse a fechar os olhos não voltaria a abri-los tão cedo e deixaria as horas passar, o dia passar, e então, aquelas seriam mais 24 horas perdidas em sua vida.

Havia se acostumado a dormir com Draco. Já não achava ruim acordar no meio da noite e sentir o calor do corpo dele perto do seu. Não se importava mais com a respiração dele, nem com a forma como ele gostava de ocupar quase a cama inteira. Não podia dizer que gostava, mas simplesmente não a incomodava mais. Havia várias coisas em Draco que já não lhe incomodava mais. O que realmente lhe chamava atenção agora era tudo que ele havia lhe dito fazia exatamente duas semanas. Hermione havia guardado aquilo e pensado por horas e dias em muita coisa.

Tentou achar motivação e moveu-se deitando de costas para encarar o teto decorado. Não podia fechar os olhos. Aproveitou mais uma onda de motivação e conseguiu se colocar de pé. Embrulhou-se em seu roupão e seguiu para o lavatório. Precisava viver aquele dia. Não podia mais adiar para amanhã. Sempre adiava para o dia seguinte, e assim, deixava com que as horas passassem e o dia acabasse e seu estado improdutivo dentro daquele quarto diria para si mesma “amanhã”.

Molhou o rosto e se olhou no espelho. Se lembrou de Harry, Rony, Gina, Neville e todos da ordem. Lembrou-se das sopas da Sra. Weasley, das geniosas invenções dos gêmeos, da cozinha sempre cheia na mansão dos Black. Aquilo tudo estava tão distante agora. Lembrava-se de todos eles como se estivesse se lembrando de sua infância com seus pais, como se não tivesse mais nada o que fazer por eles. Se perguntou quando fora que sua vida em Brampton Fort havia se tornado tão parte de sua realidade.

Decidiu por não seguir sua antiga rotina, não queria e não se forçaria a nada, ainda mais quando tudo nela clamava para voltar para cama, fechar os olhos e ficar quieta ali o resto do dia. Hermione ainda estava tomando o controle das coisas aos poucos. Voltou para o quarto, pegou a pilha de notificações enviadas diretamente de Theodoro e seguiu para a mesa de desjejum na sala de jantar.

Draco sentava em seu lugar, vestido em sua farda, tomando seu café em silêncio, enquanto lia o Diário do Imperador. Ele ergueu os olhos para ela assim que notou sua presença e se manteve debaixo de sua mascara inexpressiva, enquanto trocaram um rápido olhar. Ela se perguntou se o Draco que ele havia mostrado há algumas semanas atrás estaria por trás daquela máscara, se surpreendendo por vê-la ali e se questionando se deveria ou não dizer algo.

Hermione sentiu apenas o olhar longe de reprovação dele por vê-la em sua roupa de dormir na sala de jantar durante uma refeição importante. Ela não se importava, sabia que ele não iria abrir a boca para criticar. Havia saído do quarto e isso era já um bom avanço. Deveria ser.

Puxou sua cadeira e se sentou, colocando sobre a mesa ao seu lado as notificações seladas de Theodoro. Encarou por um momento sem saber o que fazer com toda a elegância que aquela mesa sempre era posta. Mais pratos do que precisava, mais talheres do que iria usar, mais comida do que iria ingerir. Encheu sua porcelana com chá preto, tentando se lembrar mais o que costumava comer durante o desjejum, pegou um dos pães colocados logo a sua frente e o deixou descansar em seu prato. Bebeu do chão e provou um pedaço do pão. Sem sabor. Ou talvez ela apenas não quisesse comer. Respirou fundo. Deveria se esforçar. Quando seus olhos desviaram para Draco na cabeceira da mesa, ele a encarava com seus olhos profundamente cinzas. Trocaram olhares em silêncio mais uma vez e ele se fez ouvir:

– Como se sente? – perguntou.

Hermione quase sentiu uma onda de satisfação querer levantar um sorriso em seu rosto. Talvez o Draco que ele mostrara para ela, estivesse segurando aquela pergunta desde que a vira passar para o lado de dentro da sala. Ela ponderou sobre a pergunta para poder respondê-la verdadeiramente e depois de alguns segundos ela disse:

– Diferente. – parecia a resposta mais sincera que conseguira tirar de si. Eles ficaram ali mais alguns segundos em silêncio, até que ela percebeu que havia certo ar incômodo entre eles. Hermione puxou o ar e decidiu se pronunciar em algo. – Posso ter a primeira página? – perguntou quando viu que Draco já estava avançado com o jornal.

Draco não se importou e passou para ela a primeira folha do Diário do Imperador. Hermione a pegou e eles finalmente cortaram a troca de olhares. Tornou a encarar toda aquela mesa pomposa a sua frente. Seu coração pesou ao se lembrar de como ela costumava tomar café da manhã com seus pais. Sua mãe sempre se preocupava em assar bolinhos nos finais de semana para torná-los mais especiais. Hermione ficava encarregada de preparar a mesa, enquanto seu pai fervia água para preparar um bom chá matinal. Quando tudo estava pronto eles se sentavam a mesa, comiam e ficavam conversando por horas, mesmo que todos já tivessem terminado sua devida refeição. Não havia taças de cristal, porcelana cara e importada, opções de sucos ou chás, talheres que brilhavam como se tivessem acabado de sair da fábrica, nem guardanapos do mais fino algodão de toda a Inglaterra.

Aquilo tudo a incomodou ao ponto de arrastar tudo para o lado trazer apenas sua xícara para perto, onde conseguia sentir o calor do líquido mais próximo de seu rosto. Passou uma perna por baixo da outra em sua cadeira e não se importou em colocar o cotovelo na mesa para poder apoiar sua têmpora contra o pulso. Começou a ler a matéria da primeira página esperando pelo tom repreensivo de Draco sobre seu comportamento, mas ele não veio. Aquela era sua casa também, não era? Qual era a razão daquela ser sua casa se não poderia nem mesmo se sentir confortável ali. Estava cansada de ser quem não era. De agir como se depreciasse qualquer tipo de ação contra as etiquetas da realeza.

O Diário do Imperador não estampava nenhuma imagem na primeira página. Havia apenas uma palavra em negrito, grande o suficiente para chamar mais atenção do que qualquer imagem: GUERRA.

Hermione se mexeu incômoda em sua cadeira, tentando se fazer mais confortável ali. Há quanto tempo ela não se envolvia com a guerra? Dedicara muito de seu tempo para o cargo que ocupava na Sessão da Cidade e se irritara o suficiente com as reuniões do Conselho para frequentá-la como deveria. Finalmente percebeu que o que Voldemort queria ele havia conseguido. Afastá-la da guerra por completo. Hermione não tinha nem ideia do que se passava ultimamente naquele mundo. Não sabia dos últimos ataques, das últimas perdas e ganhos, dos planos de Draco e nem poderia presumir os planos da Ordem. Ela havia imergido tão profundamente no mundo do filho que gerava que simplesmente dera as costas à guerra. Tudo havia se tornado secundário.

A reportagem era extensa, pontuava todas as ultimas perdas de Draco, entretanto, o defendia com uma frieza bem realista baseado em seus anos como general e o último discurso que dera durante uma audiência aberta algumas semanas atrás. Algumas estratégias foram liberadas ao público e Hermione as leu com atenção, mas soube que aquilo era ralo demais e havia sido liberado apenas para acalmar a preocupação alheia.

– Hei. – a voz de Draco. Céus, aquela voz. Parecia fazer vibrar até mesmo as porcelanas. Hermione o encarou. – Deveria ler isso. – ele disse folheando o jornal e tirando do meio dele uma página que estendeu para ela.

Hermione a pegou, tomou um gole de seu chá esperando que o calor lhe trouxesse algum conforto e começou a ler a matéria. Era sobre a má eficiência das Casas de Justiça. Parecia que sua reforma estava sendo esquecida. Hermione não gostou de saber daquilo. Aquelas velhas cabeças que a contradiziam deveriam estar encontrando caminho pelas brechas que sua ausência estava causando. Encarou as notificações enviadas por Theodoro e soube que estava ignorando aquilo por mais tempo que realmente poderia. Estendeu a mão e abriu a primeira delas. Naquele momento, Draco levantou deixando o jornal de lado, alisou sua roupa e tomou a direção da saída.

– Vai estar em casa para o jantar? – ela o interrompeu e ele parou para voltar-se para ela.

Draco parecia ter sido pego de surpresa e pela hesitação que havia em seus olhos, Hermione percebeu que ele já tinha outros planos. Não se importava que não estivesse em casa para o jantar, visto que nos últimos dias ela nem havia se dado ao trabalho de cuidar das ordens daquela refeição em sua casa, mas ao contrário do que achou que o marido responderia, ele apenas disse:

– Sim. – e deu as costas. – Mesmo horário de sempre. – disse e sumiu.

Hermione suspirou. Draco deveria estar enfrentando muita coisa naquele departamento. Deveria estar encarando rostos amedrontados, palavras ofensivas, discursos acusadores. Ele deveria ter recebido chamados de Voldemort mais de uma vez e, mesmo assim, aquela expressão fria se mantinha intacta em seu rosto. Ela se perguntava como ele conseguia fazer aquilo? Como ele havia conseguido levantar da cama no dia seguinte em que ela perdera a filha deles? Como ele conseguia?

Foi quando se lembrou do Draco adolescente que ela via pelos corredores durante seu sexto ano em Hogwarts. Arrogante como sempre, mas diferente, Hermione se lembrava de como ele havia estado diferente aquele ano. Lembrou-se de Harry confessando que antes de atacar Draco havia o visto em um péssimo estado desabafando com ninguém menos que um fantasma. Ele não havia sido sempre forte como era agora. Ele também havia sido fraco, havia sido fraco como ela, havia se deixado ser pisado debaixo do jogo de Voldemort. Todos aqueles anos Draco criara resistência ao mundo que vivia, a realidade que estava sujeito e que agora ela também estava. Precisava ser forte como ele, precisava criar sua resistência. Queria ser forte como ele.

Levantou-se. Iria a Catedral.

Precisou chamar Tryn para ajustar sua roupa quando percebeu que perdera peso. Uma saia lápis justa de cor escura que saía de sua cintura e lhe desenhava até depois dos joelhos, uma blusa solta, fina e listrada em branco para contrapor o justo de sua saia, um salto alto no tom mais neutro que tinha e jóias caras. Hermione se sentia em sua forma novamente, havia se acostumado tanto ao modo como se vestia que mal conseguia saber se poderia tornar a vestir um jeans novamente.

A elfa a ajudou terminar o restante quando Hermione pediu. Antes de sair do quarto novamente, evitou abrir a pasta que a tragaria de volta para cama e a trancou em uma gaveta em sua cabeceira. Aquilo foi quase como ir contra a força de todos os seus músculos, mas era preciso.

Desceu e tomou a carruagem, primeiro para o centro, onde desceu no grande edifício da extensão de Gringotes em Brampton Fort. Assinou todos os papéis necessários para mover seu ouro que havia colocado em uma casa separada dentro do cofre dos Malfoy para dentro da casa de Draco. Quando visitou seu cofre percebeu que havia feito em um ano mais do que imaginara que um dia faria em uma vida inteira e quando colocara os olhos no de Draco soube que, de fato, todos aqueles anos como general do exército de Voldemort foram um ótimo investimento para a fortuna dos Malfoy. Hermione sabia que tinha que assumir aquilo. Deveria parar de brincar de ingênua ao ser uma Malfoy porque haviam a obrigado a ser, precisava finalmente ser uma porque agora seu sangue era.

Quando desceu na Catedral e fez seu caminho em direção a Sessão da Cidade, já passara do meio dia e tratou de ignorar todos os olhares que se voltaram para ela com a agitação do horário. Sabia que aquilo seria a notícia do Diário do Imperador no dia seguinte. Hermione Malfoy torna a aparecer. Chamou por Theodoro quando alcançou sua torre dentro do departamento. Fora informada de que ele não estava lá, mas pediram para que esperasse já que Nott mesmo havia declarado que se ela aparecesse, ele deveria ser tirado de qualquer outra atividade para atendê-la.

Hermione esperou do lado de dentro da grandiosa sala do governador de Brampton Fort. A sala dele era bem mais iluminada que a de Draco, mas os ornamentos eram mais simplórios. Hermione sabia que havia coisas na sala de Draco que pertenciam ao museu que eles tinham dentro do cofre da família e ninguém ali poderia competir com isso.

Ela tocava os dedos bem polidos de uma das compridas estátuas de cristal que havia ao longo de uma das paredes quando Theodoro passou para o lado de dentro. Verificou se sua postura estava intacta, enquanto se virava para ele e era recebida por um sorriso largo e caloroso.

– Então quer dizer que você ainda está viva? – Theodoro era um homem alto, tinha o rosto fino, os olhos verdes, as sobrancelhas escuras e marcantes e quando sorria afundava em suas bochechas covinhas que o fazia parecer alguém receptivo, charmoso e amoroso. – Mal posso acreditar que realmente estou te vendo. – ele deu a volta e se sentou em sua cadeira do outro lado da mesa. – Vejo que decidiu vir trazer suas justificativas pessoalmente. – deitou confortavelmente em sua cadeira cruzando os dedos sobre a mesa e ainda carregando aquele sorriso nos lábios. – É sempre bom te ver. Havia até mesmo me esquecido do quanto é linda. Foi bom me lembrar.

– Li a matéria sobre as Casas de Justiça no Diário do Imperador hoje. – Hermione disse, não tendo interesse nos comentários galanteadores que Theodoro soltava com facilidade para qualquer mulher com um pouco mais de retoque.

– E quanto as minhas notificações? – ele ergueu uma sobrancelha.

Ela puxou o ar.

– Devo confessar que não.

– Nenhuma? Então deve ser, por isso, que ficou surpresa pela matéria no Diário do Imperador.

– Essa não é a questão. – Hermione logo cortou, quando percebeu que ele estava prestes a entrar num tom acusador. – Quando fui acusada pela fuga de Luna e o mestre tratou de me isolar em casa, tudo estava correndo em perfeita ordem. Você disse que Jodie estava em perfeitas condições de cobrir minha ausência.

– Contanto que você continuasse por dentro do controle e isso eu sei que fazia quando resolvíamos nossas questões por cartas e se comunicava diariamente com Jodie. Mas, de repente, e, simplesmente, você parou de existir, Hermione. – Nott estava sério e ali ela escutava seu chefe - Estou tentando te contatar a semanas. Jodie tem reportado problemas que eu não posso me envolver. Sou o governador, tenho milhões de departamentos para administrar. Nomeio pessoas para que façam seus devidos trabalhos e me ajudem a segurar essa cidade de uma forma organizada. Você não pode sumir sem dar nenhuma explicação, como fez. Você é uma peça muito importante dentro dessa Sessão. Há muita coisa em suas mãos que eu não posso segurar se deixar tudo cair.

Hermione soltou o ar, fechou os olhos por um segundo mais longo e os abriu encarando os de Theodoro. Deveria ser firme, mas ele tinha razão no que dizia a ela. Simplesmente não poderia agir de forma ignorante.

– Eu fiquei doente. – mentiu ela.

Hermione pôde jurar que enxergou um brilho de preocupação passar pelos olhos verdes de Theodoro.

– Não poderia ter me avisado isso? – ele decidiu perguntar depois de alguns segundos.

– Não. – ela respondeu.

– Por quê? – suas sobrancelhas se uniram em uma expressão intrigada.

Hermione se viu contra a parede. Precisava contornar aquilo.

– Eu não estava em condições de pensar sobre nada. – resolveu dizer.

Eles ficaram em silêncio ali. Theodoro não tirava os olhos dela, como se finalmente tivesse percebido que ela tinha os olhos fundos e havia perdido peso. O sorriso com o qual ele havia a recebido fora esquecido há um bom tempo já.

– E como você está se sentindo agora? – havia um ar sincero em suas palavras, como se ele estivesse realmente preocupado.

Hermione se sentiu incomodada com aquilo, mas ao mesmo tempo era confortante ter alguém que parecia, no mínimo, interessado em saber como ela estava. Não que Draco não estivesse também, ele havia até mesmo perguntado, o que já era uma grande surpresa, mas aquela inexpressão que sempre habitava em seu rosto era mais intimidadora do que confortante.

– Estou me recuperando. – sua resposta saiu baixa e o simples sorriso que Theodoro abriu com aquelas palavras fazendo suas covinhas surgirem foram suficientes para fazer Hermione sentiu um calor abraçá-la. Ela precisava de conforto, sabia que precisava, e ninguém naquele lugar jamais a daria conforto, mas o que quer que Theodoro estivesse fazendo a trazia esperança.

Nott se levantou de sua cadeira, deu a volta novamente e sentou em sua própria mesa bem a frente dela, enfiando as mãos no bolso. Hermione sentia que a proximidade que ele chamou ali era íntima, mas não estranha.

– Posso ver agora que realmente não está em seu perfeito estado de saúde. Peço desculpas se fui muito duro, mas sabe que é o meu dever como...

– Eu entendo. – Hermione o cortou antes que ele pudesse ser gentil demais e saísse da normalidade ao qual ela havia se acostumado naquela cidade. – Você tem uma cidade para administrar e confiou a mim um papel importante. Reconheço minha falta de compromisso.

Ele abriu um sorriso amigável em seu rosto.

– Hermione, - ele começou com uma voz suave. – se precisar de mais tempo posso forçar Jodie a continuar segurando seu departamento por mais algumas semanas. Mas irá precisar me dizer quando acha que poderá voltar as suas atividades, porque as coisas não andam muito bem e acho que conseguiu perceber isso pela matéria que leu hoje. – ele estava tentando a persuadir. Theodoro tinha a arte de saber usar as palavras e parecer sempre amigável, enquanto escondia seu verdadeiro interesse por trás delas.

Hermione puxou o ar tentando manter em mente esse pensamento, enquanto encarava os olhos solidários de Theodoro.

– Theodoro, eu não vim aqui para te entregar nenhuma justificava sobre o meu desaparecimento, embora eu realmente tenha o dado. – ela começou com cuidado. – Vim dizer que estou abrindo mão do meu cargo.

O sorriso dele desapareceu. O silêncio preencheu o espaço entre eles e Hermione soube que a frustração lhe batia apenas pelo brilho que seus olhos assumiram.

– Por quê? – foi tudo que Nott perguntou. Ela sabia também que ele não começaria dizendo que ela não podia fazer aquilo. Estava pronta para enfrentar as palavras persuasivas de Theodoro.

– Tenho minhas razões pessoais e acredito que poderia ser compreensivo em aceitar apenas isso. – tinha que se manter firme naquela palavra. Era uma Malfoy, não precisava se submeter a soltar nada plausível a Theodoro se não quisesse, mesmo ele sendo seu chefe.

Ele ergueu as sobrancelhas surpreso pelo desafio no tom dela, mas Hermione sabia que o homem não a colocaria contra a parede, nem desceria para um tom rude ou insistiria em todos os argumentos que poderia jogar contra ela.

– Hermione, - ele começou sério – eu. preciso. de. você. – disse pausadamente, fazendo cada palavra sua sair muito clara.

– Não, sua Sessão não precisa mais de mim. – ela esclareceu que era o departamento e não ele. – Fiz meu trabalho, coloquei em ordem o que deveria colocar e se as coisas estiverem andando pelo caminho errado, foi porque as devidas punições não foram feitas quando deveriam. Eu gerei um novo caderno de leis, tem o selo da Catedral nele, se as velhas cabeças que comandam as Casas de Justiça não quiserem o seguir por apenas acharem que estão acima da lei, quem terá que lidar com eles será você. Eu me fiz ser bem clara quando disse que todos seriam punidos se a nova ordem não fosse seguida e não sei se conseguiu entender com isso que a essência de todo os seus problemas, Theodoro, são as cabeças corruptas e facilmente compráveis que martelam a sentença final nas Casas de Justiça!

– E você é a única pessoa aqui com poder o suficiente para fazer com que essas punições sejam devidamente feitas, Hermione! Você não é apenas uma Malfoy, é também a jóia do mestre e as pessoas pensam duas vezes antes de tentar te comprar, você pode arruinar a vida de quem quiser, quando quiser, a hora que quiser e faz parte de uma família que tem se provado ser bem eficiente nesse ponto por anos.

Hermione não havia gostado do tom que a voz dele havia mudado para dizer aquilo. Como se tivesse inveja ou algo do tipo. Percebeu que Theodoro estava usando o poder de distorcer palavras para convencê-la de que ela, e apenas ela, era valiosa ali. Ele queria mantê-la presa ao cargo que tinha e ela desconfiava que Voldemort mesmo pudesse estar por trás disso.

– Como pode querer passar esse poder para as minhas costas, Theodoro? – Hermione controlou para deixar sua voz o mais estável possível. – Você é o governador dessa cidade, o mestre por ele mesmo te deu esse cargo. Como pode, por qualquer razão, se achar incapaz de punir seus próprios subordinados?

Nott soltou uma risada fraca, surpreso, por como ela estava se impondo naquela discussão.

– Me parece que depois de todo esse tempo você ainda não entendeu como as coisas funcionam desse lado da guer...

– Eu estou bem consciente de como as coisas funcionam aqui! – ela o cortou, jamais imaginando que sua voz pudesse tomar aquele tom de severidade. Estava farta das pessoas dizendo que ela não sabia como as coisas funcionavam em Brampton Fort. Já havia vivenciado mais do que o suficiente, muito ainda além do que esperava, para saber bem sobre esse lado da guerra. – Se não consegue punir quem deve ser punido é porque é tão facilmente comprável igual a todas as cabeças que batem os martelos nas Casas de Justiça. Quer me manter aqui porque acha que tenho a firmeza para manter a ordem? Precisa de mim para fazer isso? Realmente precisa de mim para fazer isso? Se precisa mesmo, que tipo de governador é você? Que tipo de poder e influência têm?

– Seu eu fosse você pararia por aí, Hermione... – um brilho passou pelos olhos de Theodoro. Hermione não tinha medo, já havia sido boa, o suficiente em sua vida.

– Não, eu não deveria. Eu deveria estar acima de você se é assim que acredita que as coisas funcionam! – ela estava bem consciente de sua postura e Nott deixou a mesa para se colocar a frente dela com a expressão mais séria que já havia o visto carregar. – Escute bem, Theodoro. Eu fiz pelo seu departamento o que você mesmo poderia ter feito se não estivesse ocupado demais sendo comprado pelos influentes dessa cidade. Então, não diga que precisa de mim aqui, porque faz soar como se quisesse que eu fizesse algo que quem deveria fazer é você! Aquele caderno de leis já está feito! Está selado pela Catedral. Vai seguir a ordem, punir quem deve punir e conter quem deve conter porque esse é o seu papel, não o meu! Meu trabalho era gerir as Casas de Justiça, eu apenas passaria para você o nome daqueles que não faziam seu trabalho de maneira adequada e tenho certeza de que Jodie é bastante qualificada para isso.

Hermione sabia que havia ido bastante longe ao acusá-lo. O olhar de Theodoro, fixo nela, era tão frio que por um segundo ela pensou que ele fosse sacar a varinha e matá-la ali mesmo. Mas um longo minuto de silêncio bastou para que o governador trocasse sua expressão assassina por uma séria e controlada o suficiente com muita dificuldade.

– Certo, Hermione. Talvez eu seja o culpado. – Nott disse e ela não esperava que ele fosse ceder. Quem sabe ele não fosse acostumado a ser contestado. – Talvez eu seja mesmo negligente. Talvez eu viva fundo demais no mundo sujo de Brampton Fort e talvez seja por isso que eu preciso de você.

Ela não imaginava que Theodoro fosse tão bom naquele jogo. Haviam retornado a estaca zero e ela esperava realmente ir fundo em uma discussão ali com ele. Não queria que ele tivesse cedido, mas ele havia porque ela sabia que ele precisava dela ali. Queria saber se aquele desejo era apenas uma ordem vinda de Voldemort. Mantê-la ocupada. Longe da guerra. Soltou o ar e fechou os olhos frustrada.

– Estou abandonando o meu cargo, Theodoro. Isso é tudo. – o encarou e esperou mais um longo minuto.

Nott venceu a distância que havia entre eles. O olhar que queria acabar com sua vida há segundos atrás, por ter sido desafiado e acusado, agora se resignava a um cheio de desapontamento.

– Não vou forçá-la a nada. – ele disse com a voz baixa e perto o suficiente para fazê-la querer recuar, mas Hermione ficaria exatamente ali, com sua postura intacta e o olhar firme sobre sua decisão. – Você mesma sabe que não é permitida a fazer isso, mas vou te dar tempo...

– Eu não preciso de tempo...

– Mas eu vou dá-lo a você, mesmo assim. – ele a cortou, fazendo aquilo soar em um tom decisivo. – Vai pensar isso com cuidado.

– Eu não vou mudar de ideia.

– Você não precisa mudar nada. Eu sei que gosta do que faz, Hermione. Vi seu empenho sobre o trabalho que fizemos. Fizemos isso, juntos. Não consegue se lembrar do quanto gastamos nosso tempo em cima de tudo que fizemos? Os projetos. O novo caderno de leis. Fizemos juntos e gastamos bastante suor nele. – Nott estava tentando manipulá-la. Ela sabia. – Eu me lembro de como se sentiu gratificada quando apresentou aquele discurso, de quando apresentou as novas leis e de como tudo seria gerido a partir de agora. – ele segurou o rosto dela. - Você estava tão orgulhosa por ter consertado algo que estava errado. Sei que gosta de consertar as coisas, tem essa essência em você. – Os olhos de Theodoro ficaram cada vez mais próximos e somente quando Hermione conseguiu sentir a respiração dele bater contra seu rosto, foi que tomou consciência da verdadeira intenção de Theodoro.

Afastou-se quase que imediatamente, cortando a mão dele para longe de seu rosto, não de maneira agressiva, mas também não havia sido delicada.

– Por favor, Theodoro, nós temos sido profissionais até agora. – ela não queria ter soado severa. Esperava não ter soado mesmo, afinal de contas. Hermione não sabia qual era o nível de atuação dele, mas Theodoro parecia ter ficado ainda mais decepcionado depois que ela o afastara.

Ele ergueu as mãos em sinal de paz.

– Desculpe por ter cruzado a linha. – se afastou também. – Mas também não haja como se não soubesse que qualquer homem que se aproxima de você, precisa se segurar para não tocá-la, Hermione. Todo esse tempo que esteve longe... Eu havia me esquecido do quanto tudo em você emana beleza.

Hermione não estava gostando nem um pouco desse novo jogo dele. O que quer que fosse, ela não queria entrar.

– O que eu tinha para fazer aqui está feito. – ela disse ainda com um olhar desconfiado sobre Nott. Preferiria ignorar aqueles últimos minutos a ter que lidar com eles. Quanto menos palavras trocasse com Theodoro melhor, ele sabia manipulá-las bem. – Quero deixar claro que se não tomar uma posição e seguir a risca o novo caderno de leis eu o liberarei para o conhecimento do povo para que eles possam saber de quem exatamente é a culpa. – aquele brilho mortal passou novamente pelos olhos de Theodoro. Hermione ignorou. Deu as costas e deixou a sala dele.

Nott não desistiria fácil. Não deixaria que ela saísse de seu departamento, principalmente se Voldemort tivesse algum dedo ali. Hermione não sabia se estava disposta a lutar, principalmente também porque tudo em seu corpo ainda pedia para que ela simplesmente voltasse para casa, abraçasse a pasta com as informações de sua filha e chorasse até cair novamente no sono. Mas talvez aquilo passasse e ela conseguisse forças, conseguisse ser como Draco, conseguisse construir barreiras e se esconder nelas. Toda a experiência de sair de casa já estava até sendo uma boa distração até agora.

Desceu até o subsolo do Q.G. sem ter problemas com a segurança. As pessoas já haviam se acostumado com sua figura e ela até gostava quando nenhum guarda perdia seu tempo tentando barrá-la. Os Malfoy podiam ter todos os problemas do mundo, mas Hermione confessava que tinha também privilégios que ela não sabia se conseguiria viver sem, agora.

O subsolo era completamente destinado a zona sete, a zona mais alta do exército de Voldemort. Ser um Comensal da zona sete demandava um esforço que muitos dentro do ciclo de comensais gostariam de ter. Era necessário passar pelos anos de treinamento no Q.G., ter experiência em campo de batalha e ser de extrema confiança. Draco os escolhia a dedo e era a única zona que ele mantinha contato frequente e direto. Eram os melhores.

Hermione sempre havia admirado o quanto o exército de Voldemort havia crescido em organização, com o passar dos anos na guerra. Ela podia dizer que no começo, quando era ainda apenas uma adolescente, eles eram poucos em número e mal organizados e quem exercia o poder de dominação eram o nome assustador de Voldemort que renascia das cinzas para o topo, com uma rapidez surpreendente. Agora o exército era uma força poderosa que mantinha Voldemort no conforto de seu império. Durante esse período, a Ordem da Fênix havia apenas passado da esperança do povo para um grupo de rebeldes, tentando sobreviver uma vida contra o sistema.

Hermione avançou pelos corredores do subsolo, seguindo as direções que conhecia. Já havia mapeado aquele lugar diversas vezes. Draco havia lhe feito alguns chamados enquanto estava enfurnado em atividades ali, mas ela mesma gostava de descer até ali para esperar por ele, quando sabia que estariam voltando para casa no mesmo horário. Chegou à porta de um dos ginásios e os guardas que a guardavam deram espaço para que ela passasse.

– Eles estão em simulação, Sra. Malfoy. – Informou um dos guardas, enquanto abria a porta para ela.

Hermione apenas assentiu e passou para dentro de um mezanino fechado por vidros. As luzes estavam baixas e alguns bruxos trabalhavam na reprodução de um modelo reduzido de vila, bem próximo a vista que dava para o andar de baixo, onde a mesma vila se erguia em escala humana e a zona sete agia contra o que parecia um ataque da resistência. Draco discutia com um dos bruxos sobre como mover as peças no modelo reduzido e ergueu os olhos para ela, assim que Hermione se aproximou, enquanto ainda falava. Seus olhos se encontraram por alguns segundos e ele os desviou, continuando em sua discussão como se a ignorasse.

– ... mova os rebeldes para o centro e deixe alguns em becos aleatórios. Tente fazer com que percamos a formação. – Draco continuava dizendo e Hermione parou, movendo sua atenção para o andar de baixo onde tinha uma ampla visão dos acontecimentos.

Pousou ambas as mãos sobre um parapeito baixo que impedia que avançasse mais para tocar o vidro e observou a ação. O exército de Voldemort havia desenvolvido a habilidade de luta física, quando a Ordem começou a usar magias tão poderosas que superavam a magia negra muito usada por comensais. Ela sentia-se orgulhosa por estar por trás de todas essas magias e ter conseguido ensiná-las aos rebeldes. Por isso, a primeira tentativa do exército era sempre desarmar. Contar com magia involuntária durante uma luta física era uma aposta perdida, ainda mais porque o exército era muito bem treinado e os rebeldes pouco tinham noção e pobremente conseguiam agir por reflexo nessas situações. A Ordem logo trabalhou em invocar feitiços sem a necessidade da varinha, apenas com o poder do sangue mágico que corriam em suas veias quando o exército começou a ganhar a maioria de suas batalhas no punho, mas isso ainda estava em processo e era difícil, demandava profissionalismo, muito conhecimento, concentração e força de vontade. Mas Hermione se lembrava que poucos na Ordem, junto com ela, estavam começando a dominar a coisa quando ela foi capturada.

O fato de Draco estar no mezanino, e não com a zona sete em campo no andar de baixo, era um indício de que muito provavelmente aquela era a primeira tentativa de simulação e ele queria ver a reação de sua zona para montar um plano específico. Hermione finalmente percebeu que eles estavam montando um planejamento de ataque e não resistindo a um.

Sentiu a presença de Draco as suas costas, o perfume familiar dele invadiu o oxigênio a sua volta. O reflexo no vidro mostrava pouco da cabeça dele acima de seus ombros encarando a vista com tanta atenção quanto ela e a silhueta espaçosa de seu corpo atrás do dela.

– O que faz aqui? – às vezes a voz dele soava como um trovão, por mais baixa e calma que fosse.

– Na catedral ou no seu departamento? – ela perguntou e percebeu pelo pobre reflexo que ele puxou o ar e cruzou os braços atrás de si.

– Bem, considerando que nessas últimas semanas você pouco administrou uma saída do nosso quarto, me sinto no direito de confessar que mais me interessa saber o que faz na Catedral do que no meu departamento. – Draco esclareceu, mas como se esperasse que ela mesma tivesse chegado a essa conclusão sozinha.

Hermione deixou que o silêncio acontecesse entre eles por alguns segundos, enquanto observava um corpo perdido do exército lidar com uma magia muito comumente usada pela Ordem para ganhar tempo.

– Vim dizer a Theodoro que estou abrindo mão do meu cargo como líder das Casas de Justiça. – informou ela.

Draco pareceu tomar um tempo para processar aquilo.

– Você não precisa fazer isso, Hermione. – foi o ele disse depois de um tempo. – Seu trabalho pode ser uma boa distração para você agora.

– Por isso mesmo preciso deixá-lo. – ela comentou. – Quero que outras coisas me sirvam de distração.

– Senhor... – um dos bruxos debruçados sobre o modelo reduzido o chamou e Draco o cortou, já sabendo exatamente o que dizer.

– Mantenha-os nas laterais. – foi a ordem de Draco.

– Não muito inteligente para seu exército. –Hermione disse para ele, sobre a ordem que havia lançado

– Eu sei. – ele respondeu – Apenas assista.

E Hermione assistiu, enquanto toda a zona sete conseguia domar o ponto mais alto de dominação dos rebeldes e tornar o que Draco havia dado como cartada final para a vitória deles em uma reviravolta que ela não esperava que o exército fosse capaz. Draco era inteligente. Ele era muito inteligente. E isso era bem afrodisíaco, ela tinha que confessar.

– Vejo que tem trabalhado na linha de formação do seu exército. – disse depois de limpar a garganta, tentando soar o mais neutra possível.

– Já estava na hora, não acha? – ele disse e deu as costas. Hermione quase pôde ver o sorriso discreto que brincava nos lábios dele pelo reflexo. – Luzes! – estalou os dedos, lançando sua ordem para um dos bruxos e tudo se acendeu, fazendo sumir a projeção da vila, dando lugar a um enorme ginásio de paredes e piso branco. – Abra a linha para eles. – Draco pediu enquanto levava sua varinha para a garganta. Recebeu o aceno de um bruxo e começou: - Não muito perfeito para a primeira tentativa. – Hermione escutou a voz de seu marido soar ampla do outro lado do vidro. O grupo disperso pelo ginásio começou a se juntar e erguer a cabeça para o mezanino. – É preciso que segurem a suposta vitória deles por mais alguns minutos. O grupo que irá derrubar os postos de vigilância e trabalhar nas fronteiras precisará de no mínimo trinta minutos, portanto recuem mais, antes de forçar os rebeldes para as laterais e os segurem o máximo de tempo possível, eles não iriam dispersar, seria estúpido. – ele pausou por alguns segundos, deixando o grupo discutir entre eles no andar de baixo o que havia sido acabado de ser dito. - Forjar um ataque e deixar que eles beirem a vitória por muito tempo é bastante arriscado. – Draco chamou atenção mais uma vez. – Temos que ser os mais discretos possíveis para não aparentar que, na verdade, quem tem o controle da situação somos nós. E de uma vez por todas, nós não vencemos a Ordem usando magia! Eles são muito bons nessa área. Desarmem, usem suas habilidades, será mais fácil controlá-los assim. Lincoln. – Draco chamou o comensal pelo sobrenome e não pelo status dentro do departamento, o que mostrava a relação próxima que ele mantinha entre general e soldado ali.

– Sim, senhor. – a voz do homem soou no mezanino, como se ele estivesse próximo e não um andar abaixo. Hermione notou um comensal de cabelos loiros e cortados bem rentes a raiz prestar uma respeitosa continência.

– Seu ato quase custou nosso domínio sobre a operação inteira, me diga qual foi seu erro. – disse Draco.

– Deixar minha posição, senhor? – o homem pareceu incerto.

Não. Hermione pensou. Errou seu calculo de distância. Agora que ela entendia todo o plano, tudo fez sentindo quando se lembrou daquele mesmo homem saindo da posição que estava na esquina da avenida principal.

– Não. – disse Draco. – Você errou o cálculo de ação. – Hermione sentiu seus lábios quererem abrir um sorriso discreto de satisfação por perceber que ainda era boa. Aquele homem fora impulsivo. Lembrava-se exatamente de quando ele deixou a posição. Vinte e três metros aproximados de distância para se percorrer há um passo de um metro e meio vencido por segundo em um tempo de quinze segundos era querer clamar por um milagre. Hermione se lembrava do quanto todos da Ordem cometiam erros como aquele com frequência, principalmente Harry e Rony que adoravam ser impulsivos. – Se algum dos rebeldes tivesse visto Newcastle cobrir sua falha teria percebido que estávamos deixando com que ganhassem. – continuou Draco. - Isso seria nossa ruína. Informei que forjar um ataque é extremamente arriscado, não podemos nos dar ao luxo de erros cometidos por comensais da zona três. Não há plano B que nos faça tomar o controle se a Ordem perceber que estamos servindo de distração! Essa é uma lição para todos.

– Sim, senhor. Peço perdão. Estarei mais atento aos detalhes. – prometeu o homem de forma muito profissional e Draco apenas acenou em concordância.

– Terá tempo para treinar nas nossas próximas simulações. É um bom soldado. Não estaria aqui se não fosse. – o tom de Draco fora calmo, embora ainda houvesse um ar de punição ali, mas Hermione notou que o comensal parecia se sentir bem por ter sido alertado de sua falha e surpreendentemente devoto a Draco, mesmo aparentando ser mais velho. – Preparem-se para mais uma simulação em sessenta segundos. Sei que estão todos cansados, mas temos um horário apertado hoje. Sei que conseguirão administrar isso sem tempo para descanso em suas melhores formas, afinal, são todos soldados da zona sete. – ele finalizou, tirou a varinha da garganta e voltou-se para o bruxo ao seu lado. – Prepare a próxima simulação e corte as linhas. – ordenou e o bruxo tratou de adiantar os preparativos, enquanto Draco engajou em uma discussão sobre a mesa do modelo reduzido com mais um grupo de outros bruxos. No andar de baixo, uma contagem regressiva de sessenta segundos começou em um painel gigantesco em uma das paredes. O grupo ali correu para suas posições.

Hermione tinha que admitir que, sem dúvidas, Draco era uma figura muito tentadora exercendo seu poder de general. Ele era sério e soava mais velho do que realmente aparentava. Só ali ela havia percebido o quanto era tudo que ele não gostava. Draco era acostumado a pessoas que lhe prestavam continência, seguiam duas ordens e abriam o caminho para que ele passasse. Hermione o desafiava até mesmo na hora de montar a mesa do jantar diferente da forma como ele gostava. Por um segundo, ela se sentiu mal. Não era apenas o seu sangue odiável, era tudo que ela era, era quem ela era, desde Hogwarts, durante toda aquela guerra e até mesmo agora estando casados. Sempre seria odiada por Draco Malfoy, por mais familiarizados que estivessem um com o outro. Ele havia a odiado desde a primeira vez que a vira e a odiaria até a última.

O que estava fazendo casada com Draco Malfoy, mesmo? Suspirou e voltou sua atenção para o pedaço da vila que havia se materializado novamente no andar de baixo. Ela não queria ter que pensar em sua relação com Draco. Já haviam administrado para que a convivência entre eles beirasse o tolerável. Sexo havia sido uma chave importante para isso. Portanto, até o presente momento, ainda não haviam se matado nem levantado a varinha um para o outro, embora em muitos momentos ela se lembrasse de que haviam chegado bem perto.

Moveu seu interesse do andar de baixo para o modelo reduzido, onde um grupo de bruxos controlava o movimento rebelde em uma determinada área. Ela notou que ali era o povoado inteiro e que no andar de baixo apenas uma pequena parte era reproduzida em volume real. Seus olhos mapearam todo o espaço e Hermione sentiu uma remota lembrança aflorar em seu cérebro. Conhecia aquele lugar, aquele povoado. Por que os comensais estavam forjando um ataque contra um povoado que eles já dominavam?

– Use aquela magia nova a favor dos rebeldes. – Draco disse a um dos bruxos que movia algumas figuras rebeldes com sua varinha no modelo sobre a mesa. – Quero ver como eles vão reagir. – e assim ele se virou para o andar de baixo, cruzou os braços e apenas observou.

Hermione moveu-se para perto dele.

– Pensei que o povoado de York já fosse parte do império do mestre. – ela comentou numa voz baixa.

– A Ordem o tomou há pouco tempo. – Draco respondeu. Hermione se surpreendeu. York? Como poderiam ter tomado York? Era um dos povoados bruxos mais expressivos da Inglaterra e seu raio de influência cobria quase todo o norte e noroeste do país. Havia sido um dos primeiros povoados que o exército de Voldemort colocara as mãos em cima. – A reação dos civis tem sido ao nosso favor, então é apenas uma questão de tempo e estratégia para agir na hora certa e tomar o povoado novamente.

Dominação de território nunca havia sido o interesse da Ordem, mas claramente expandir seu poder de dominação sempre havia sido o interesse de Voldemort, portanto, a Ordem também tivera que entrar de cabeça nisso, além do mais, o apoio do povo era algo de muito valor e a Ordem por muito tempo acreditou que as pessoas queriam fugir do domínio de comensais, o problema é que com a força e o poder que Voldemort tinha, era muito mais seguro poder andar nas ruas de um povoado que era protegido pelo Lorde das Trevas do que ter que se esquivar pelas esquinas em um povoado que a Ordem segurava a duras penas com medo de qualquer ataque surpresa da força massiva do exército de comensais. Com essa realidade, muita gente se rendeu ao Lorde, muitos se tornaram comensais e muitos juraram apoio ao Império.

Mas o que realmente a incomodava era o como. Como a Ordem conseguira tomar algo como York? Aquele território estava sobre o domínio de Voldemort desde o início da guerra!

– Como? – foi tudo que ela precisou perguntar.

– Assista mais um pouco. – Draco disse, mostrando que ela poderia tirar as próprias conclusões se continuasse assistindo.

Nos minutos seguintes, nada de muito esclarecedor aconteceu, mas então, enquanto um grupo da zona sete atrasava alguns rebeldes correndo para um campo longe da praça onde a concentração da suposta vitória dos rebeldes acontecia, um dos rebeldes projetados que acabara de ser desarmado, estendeu as mãos como se estivesse se preparando para uma magia involuntária e lançou um raio de reconhecimento por toda a área com uma potencia o suficiente para derrubar qualquer alma viva pelo caminho, mas todos se seguraram para manter o equilíbrio. No segundo seguinte, o mesmo rebelde fechou o punho, o girou e jogou para o ar uma espécie de círculo azul neon que pairou ali, acima da cabeça de todos, um espaço de tempo curto o suficiente até começar a lançar contra os comensais raios em jatos cor de fogo que funcionavam quase como uma bomba. Não os atingia fisicamente, mas atingia muito próximo e fazia um estrago o suficiente para lançá-los longe, quebrar equipamentos urbanos, destruir calçadas, desfazer as pedras justapostas da pavimentação das ruas. Hermione deu um passo à frente, extasiada, segurando o parapeito que a impedia de inclinar-se contra o vidro.

– Merlin. O que é isso? – sua voz saiu quase que num sussurro.

– Observe mais. – foi tudo que Draco pronunciou e ela continuou observando.

Os comensais que eram atingidos levantavam confusos, como se não soubessem exatamente o que fazer ou onde estavam. Os que conseguiam escapar do raio de influência do ataque do círculo neon, que ainda continuava no ar lançando suas bombas, e aqueles que não haviam sido reconhecidos pelo escudo de reconhecimento gritavam ordens aos comensais, que se levantavam desnorteados. Hermione encarou Draco, surpresa. Ele apenas piscou os olhos desviando-os do caos no andar debaixo para os olhos dela, carregando aquela expressão neutra e séria em seu rosto.

– O que é isso? – ela tornou a perguntar. Nunca havia visto nenhuma magia como aquela.

Draco puxou o ar e o soltou cansado. Voltou a encarar o ataque e deu um passo a frente para tornar a ficar ao lado dela.

– Essa é uma magia que ninguém nunca viu antes. – ele começou, a voz tão semelhantemente cansada quanto o semblante que ele deixou tomar conta de sua expressão quando começou a falar. – O escudo de reconhecimento percorre a área e aponta os inimigos para que os raios sejam lançados nas direções corretas. Eles não têm poder destrutivo para matar ou qualquer coisa do tipo, embora façam bastante estrago, mas o comensal dentro do campo de influência desse raio perde a memória curta por alguns segundos. Parece inofensivo dizer que são apenas alguns segundos, mas você sabe que em um campo de batalha, um segundo pode custar sua vida. – ele observou mais a loucura lá embaixo - Tudo isso é o suficiente para trazer o caos, principalmente quando mais de um rebelde consegue externar essa magia.

Hermione balançou a cabeça confusa.

– Eu nunca ouvi falar em nada parecido. – ela tentava pensar em alguém da Ordem que conseguisse surgir com algo daquele tipo, mas não conseguia.

– Temos um grupo estudando toda a magia, mas... – ele parecia mesmo cansado – Hermione, você não tem nem ideia do quanto ela é complexa. Não segue a estrutura de nada que somos acostumados a ver.

Ela o encarou.

– Posso olhar? – pediu.

– Nós não temos a versão inteira aqui, mas se quiser se distrair com o que temos. – Draco apontou para alguns pergaminhos sobre uma mesa de estudo numa das extremidades do lugar. – Eu vou ter que consertar isso. – disse se referindo ao caos na simulação e se afastou, lançando ordens aos bruxos. – Parem tudo. Acendam as luzes e abram as linhas.

Hermione o deixou, seguindo para a mesa com os pergaminhos que Draco havia indicado. Dois bruxos estavam ali trabalhando no que parecia ser toda a papelada da dissecação da magia. Ela se aproximou tentando não parecer muito invasiva, mas logo quando foi notada, os dois bruxos que pareciam estar em uma discussão intensa se calaram e deram espaço para que ela fizesse o que quisesse. Mesmo sabendo que tinha autoridade para realmente fazer o que quisesse, foi educada.

– Será que poderiam me mostrar os estudos dessa nova magia? – apontou para o vidro que dava vista ao ginásio. Um dos bruxos assentiu e começou uma busca entre os milhões de pergaminhos que pareciam estar amontoados ali. Demorou um longo minuto até que ele estendesse um rolo grosso para ela. Hermione o pegou. – Isso é tudo que tem?

– Sim, senhora. Os outros estudos relacionados que temos aqui são caminhos para conseguir incluí-lo na simulação. – informou o bruxo, em um sotaque carregado. Ele não era inglês definitivamente.

Hermione assentiu.

– Obrigada. – agradeceu e afastou-se apenas alguns passos para deixar que os dois continuassem trabalhando.

Usou a varinha para fazer o rolo ficar aberto em sua frente. Era grosso, mas sabia que não era o suficiente para uma magia que aparentava ser complexa como aquela. Seus olhos percorreram todo o pergaminho uma vez e aquilo foi o suficiente para que Hermione concluísse que era diferente de tudo que já havia visto.

Em seu quinto ano, quando Harry começou a ter aulas de Oclumência e Legilimência com Snape, Dumbledore havia a feito tomar aulas de feitiços avançados com McGonagall. Até o início da guerra, Hermione tinha aulas extras com a professora. Quando se mudaram para a sede da Ordem, Hermione continuou tendo aulas com especialistas de lugares diferentes do mundo que haviam se juntado à resistência e McGonagall se tornara sua tutora ainda mais próxima. Quando Hermione atingira seu nível de conhecimento, as duas começaram a crescer muito mais juntas, até que Minerva fosse assassinada em um dos ataques que custara a Ordem a perda de Godric’s Hollow.

Hermione havia aprendido que a estrutura de feitiços era mais simples que as de magias mais profundas. Feitiços normalmente consistiam na combinação do poder e significado do som da pronúncia da língua que o originara. A maioria deles vinha do latim por ser uma língua mais limpa e de bastante influência, mas poderiam vir de diversas outras línguas primárias, línguas de povos que nunca nem haviam desenvolvido a escrita. Magia era algo muito mais complexo. Magia era a combinação de feitiços, cálculos, runas, línguas e demandavam um poder de conhecimento, concentração e treinamento muito grande para serem externadas por uma varinha ou elaboradas por uma mente geniosa. Ela havia aprendido a ler magia e estudos de magia quando ainda estava em Hogwarts em suas aulas extras com Minerva, e todas elas seguiam um padrão, das mais simples as mais complexas. Primeiro, o estudo de línguas e significados de pronúncia de cada feitiço que o envolvia, a conclusão desse estudo era automaticamente ligado as variáveis dos cálculos que consistiam no corpo da magia e todo o seu processo de execução, isso se somava automaticamente às runas ou ligação histórica que a essência da magia deveria carregar, geralmente associada a povos primitivos ou comunidades de criaturas mágicas.

Enquanto ela tentava encontrar esses elementos, naquele imenso rolo de pergaminho, tudo que conseguia identificar era uma imensa bagunça. Não havia um corpo inteiro de cálculo e ele não estava ligado aos estudos de feitiços. Inclusive, não havia estudo de feitiços e se houvesse Hermione não estava conseguindo identificar. Cálculos se espalhavam em diferentes áreas o que excluía todo o sentido de unificação e ligação da essência da magia, mas Hermione, ainda assim, se enfiou naquele mundo tentando descobrir um sentido para tudo aquilo.

Ela não teve consciência do tempo passando, mas quando seu subconsciente captou uma ordem lançada pela voz de Draco sobre a última simulação, ela levantou os olhos para ver as luzes se apagando e o painel de contagem regressiva começar dos sessenta segundos. Hermione perdera as outras simulações e percebeu também que havia conjurado um caderno de notas e uma pena, onde rabiscara já cinco páginas de cálculo. Olhou ao redor e encontrou os olhos de Draco sobre ela há uma distância razoável. Eles se encararam por alguns segundos, e então, Draco piscou e voltou-se para um dos bruxos para lançar algumas ordens. Hermione voltou a cair os olhos novamente para o seu trabalho e suspirou, percebendo que ainda estava longe de chegar a algo plausível, mas podia já dizer que aquele não era um caso perdido. Alguns minutos avançaram e Draco apareceu ao seu lado.

– Você me parece bem entretida. – ele apontou para o caderno que ela tinha nas mãos.

– Isso aqui é um trabalho bem complicado. – ela se referiu à magia. Ele murmurou algo em concordância. – Parece algo sem lógica, mas se realmente fosse ele não poderia ser externado ou conjurado. – apontou para o centro do pergaminho. – Vê isso? – perguntou – Sequência de runas. Cada uma delas tem um cálculo. Nunca tinha visto tirarem cálculo de runas antes, nunca havia pensado que isso era possível, mas isso parece tornar a essência bem manipulável. É isso que monta o corpo físico da magia.

– Sim, nós chegamos a essa parte. – ele disse. – É assim que conseguimos reproduzi-la. Podemos usá-la contra a Ordem agora. Alguns soldados das zonas cinco, seis e sete tiveram treinamento para conjurá-la.

Hermione assentiu. Sabia daquilo. Era o mais óbvio depois de longas horas de estudo e era o que mais parecia fazer sentido ali, naquele mar de surrealismo. Mas ela acreditava ter chegado a um ponto que não achava que eles tivessem.

– Tem um ponto fraco na magia. – ela disse e quase que imediatamente Draco moveu os olhos para ela, como se estivesse se perguntando o porquê dela não ter dito aquilo antes. – Está vendo esses feitiços em latim sem nenhum estudo de caso? – apontou para as palavras soltas em latim nas laterais. Draco estalou os dedos as suas costas, sem tirar os olhos do pergaminho e, no segundo seguinte, os dois bruxos que trabalhavam na mesa de estudo estavam ao seu lado escutando tudo que dizia. – São de um latim bem primitivo e parecem conversar muito bem com as runas. Se pegar cada cálculo, de cada runa, associar com a ordem dos feitiços, vai conseguir enxergar passo a passo a montagem do corpo da magia.

– Os feitiços são para o momento da conjuração. – um dos bruxos a corrigiu educadamente.

– Sim, esse seria o mais lógico. – Hermione retrucou – Mas não pode ignorar que eles conversam melhor com as runas. Faça as associações. Irá conseguir enxergar.

Os dois bruxos pareceram tomar um tempo para absorverem a informação e analisar aquilo de uma nova perspectiva. Draco a encarou confuso.

– Como pode saber de tudo isso? – ele perguntou numa voz baixa.

– Tive aulas extras com Minerva. – disse. – Por muitos anos. – acrescentou.

– Minerva McGonagall? – um dos bruxos, o do sotaque pesado, murmurou enquanto seus olhos percorriam o pergaminho – Ela é a melhor. – pareceu tomar consciência do que falou e pigarreou. – Ela era. – corrigiu.

Hermione podia até dizer que ele se sentia mal por aquilo.

– Se analisar mais os cálculos, tomando cuidado para não perder essas associações, vão conseguir chegar à conclusão de que há muitas variáveis bem aqui. – ela apontou para uma das primeiras runas da sequência. – Esse é o momento exato em que aquele círculo se fecha. Aquele azul que lança os raios. Ele tem alguns segundos de instabilidade, apenas alguns. Se colocar qualquer feitiço de efeito reverso nessa equação irá desestabilizar as outras, ele não terá força para fazer as demais associações, e então, a magia se quebrará.

Draco puxou o ar.

– Me parece bem simples. - ele parecia incerto.

– Mas faz bastante sentido enxergando por essa perspectiva. – acrescentou um dos bruxos, levantando o olhar para Draco.

– Eu não acho que essa é uma magia complexa. – Hermione disse. – Está apenas fora do padrão que usamos.

O silêncio percorreu por eles. Draco pareceu tomar seu tempo para pensar no que quer que as engrenagens de sua cabeça estivessem trabalhando. Ele deu as costas subitamente e começou a caminhar em direção aos bruxos que trabalhavam no modelo reduzido.

– Quero testar isso. – informou a ela. Hermione o acompanhava. – Parem novamente. – ele ordenou aos bruxos. – Acenda as luzes e abra as linhas. – levou a varinha à garganta e quando recebeu um aceno do bruxo a voz de Draco ecoou do outro lado do vidro. – Vamos usar a magia novamente. Dessa vez, os rebeldes irão usá-la contra vocês e preciso que prestem atenção no momento em que o círculo for lançado. Vocês terão poucos segundos para usar qualquer magia de fonte reversa contra ele. Precisarão pensar muito rápido, agir quase que por reflexo, portanto, quando o escudo de reconhecimento for lançado, já deixem suas varinhas preparadas. – ele tirou a varinha da garganta e os comensais que haviam desviado seu olhar para o mezanino voltaram as suas posições. – Feche as linhas. – Draco ordenou aos bruxos. As luzes se apagaram novamente e a pausa feita voltou à ação. Hermione se preparou para pedir que o tempo fosse desacelerado, já que muito provavelmente a primeira tentativa poderia ser frustrada devido ao tempo curto que eles tinham para atingir o circulo, ainda com uma magia instável, mas Draco já parecia ter pensado nisso quando disse antes dela: - faça com que o tempo corra devagar na hora do lançamento. Não para a zona sete, assim eles terão tempo para se recompor e atacar. E vamos ter mais chances de saber se estamos perdendo tempo com isso ou não. – seus olhos cinzas caíram sobre os dela – Espero que esteja certa. – ele foi sério.

Hermione engoliu a própria saliva, percebendo que estava ansiosa tanto quanto qualquer outro ali. Aproximou-se do vidro e esperou. Não demorou muito para que novamente, um rebelde que havia acabado de ser desarmado repetisse o processo que ela havia visto antes. O tempo desacelerou para os rebeldes quando o escudo de reconhecimento percorria a área e, dessa forma, os comensais tiveram mais tempo de preparar as varinhas.

O circulo neon foi lançado e mais de um feitiço reverso voou contra ele. O primeiro passou rente, o segundo atingiu o círculo e o desestabilizou, o terceiro o atingiu novamente e foi suficiente para fazer com que o círculo se dissolvesse no ar e desaparecesse. Hermione se viu soltar um ar que não notara ter prendido e deixou que um sorriso de satisfação se esticasse em seus lábios. Uma exclamação de surpresa e vitória correu a boca dos bruxos ali. Os comensais no andar de baixo apenas continuaram concentrados na missão que tinha.

– Estamos trabalhando nessa magia há semanas! – um dos bruxos exclamou, voltando-se para Hermione. – Como conseguiu chegar a isso em apenas algumas horas?

Hermione sorria satisfeita.

– Sou boa. – foi tudo que precisou dizer com perfeita consciência de sua postura. Seus olhos se cruzaram com os de Draco e ele tinha um sorriso discreto e tão igual ao dela nos lábios.

Quando a simulação acabou, com a vitória dos comensais, Draco pediu para que ela o acompanhasse até o andar de baixo. Seu salto ecoou pelo ginásio inteiro, enquanto ela avançava às costas dele. Os soldados se alinharam todos ajeitando a postura para receber seu general e muitos desviaram discretamente o olhar para Hermione, sem entender o que fazia ali.

– Tenho orgulho do trabalho que fizeram hoje. – Draco começou, mas longe do tom amigável ou simpático. Ele era um general. – Sei que trabalharam o seu máximo. – e todos ali pareciam realmente exaustos. – As tentativas de hoje foram muito informativas. Iremos polir o que se deve ser polido e nas próximas simulações estarei com vocês em campo. – Draco falou, enquanto passeava entre eles com os braços para trás. – Mas aposto que estão bastante satisfeitos de terem conseguido eliminar aquela magia nova que a Ordem tem usado contra nós durante a última simulação. – Uma onda de satisfação cruzou a expressão de todos ali. Hermione notou que Draco se aproximava de um dos soltados na ponta que a olhava como se pudesse ter a chance de tocá-la. Hermione sentiu suas bochechas corarem e desviou o olhar. – Infelizmente aquela foi uma única tentativa, portanto, vamos usar os minutos que ainda temos para treinar o máximo possível. – ele parou bem de frente ao comensal que desviara o olhar de Hermione quase que imediatamente ao notar Draco. – Se eu o pegar olhando para minha mulher mais uma vez, vou arruinar sua vida sem pensar duas vezes. – seu tom foi altamente severo e nem um pouco particular para com o homem, o que fez Hermione notar uma série de outros comensais desviarem o olhar dela para qualquer outro lugar imediatamente. Uma das mulheres do grupo apenas revirou os olhos.

– Perdão, senhor. – foi tudo que o homem disse.

Draco deu as costas e continuou:

– Hermione encontrou um ponto fraco na magia. Ela explicará melhor a todos, assim poderemos avançar com um treinamento inicial por agora, e nas próximas semanas estaremos separando sessões de treino específicas. Precisamos ter isso sob domínio. Todos puderam perceber o quão comprometedora se torna a nossa situação quando somos atacados por essa magia. – ele se virou para Hermione que entendeu ser sua vez de se pronunciar.

Por um segundo, ela sentiu toda a tensão reter seus músculos. Sua cabeça girou em um discurso muito metodológico sobre a explicação de magia estrutural para introduzir a diferença e os desafios que enfrentara com essa em específico, mas logo percebeu que aqueles ali a sua frente eram soldados, não alunos. Ela se lembrou de como costumava estar na pele de Draco Malfoy, só que na Ordem, quando ela passava todos os comandos de uma missão para aqueles que ela considerava amigos próximos na úmida e abafada cozinha da mansão Black. Ela sabia fazer aquilo.

– Vocês todos podem olhar para mim. Ninguém irá cortar suas cabeças ou arruinar suas vidas. – escolheu começar assim e logo recebeu um olhar sério e desaprovador de seu amado marido. Os olhares da sala se desviaram receosos para sua figura. – Diferente das outras magias, o corpo físico dessa em específico, é ainda bastante desconhecido, portanto apenas um ponto fraco foi encontrado até agora. – olhar aqueles rostos a sua frente a fazia se lembrar de quando era costumada a encontrá-los em campo de batalha - Como conseguiram perceber, na última simulação, Draco tratou de desacelerar o tempo do grupo da resistência no momento ideal para que todos vocês tivessem maior chance de alvo, e assim, pudéssemos ver se o ponto fraco que enxerguei não era na verdade apenas um ponto enganoso. No tempo real, vocês vão ter que administrar a ação no que gira em torno de cinco-seis segundos no máximo, o que parece razoável, mas considerando o tempo de recuperação que será necessário, devido ao impacto do campo de reconhecimento lançado antes, temos que reduzir o tempo de ação para três-quatro segundos, contando com uma margem de segurança, o que é bastante apertado. Vocês têm apenas uma tentativa para destruir a magia. No momento em que o conjurador da magia estiver se preparando para lançar o círculo, vocês já devem estar preparados com sua varinha. Tem que ser rápido, é sua única chance e única tentativa, pode parecer um tanto impossível, mas me lembro de todos vocês e sei o quanto são bons. Treinamentos os farão atingir seus objetivos com facilidade. – e finalizou.

– Nós vamos montar uma base de treinamento improvisada para vencermos os minutos que nos falta. – Draco tomou a fala quase de imediato. – Hermione irá auxiliá-los em qualquer dúvida que tenham por agora. – disse e começou a lançar uma série de ordens e regras para o treinamento.

Um espaço fora limitado onde os comensais da zona sete foram colocados. Ondas do campo de reconhecimento iriam atingi-los e eles precisavam acertar um alvo que pairava acima de suas cabeças, no menor espaço de tempo possível.

Hermione respondeu perguntas sobre o momento exato em que o círculo detinha seu ponto fraco e passou uma lista de feitiços reversos que possuíam tempo de viagem, bem curtos. Ela pensou que três segundos pudesse ser muito pouco para eles, mas percebeu que muitos conseguiam concretizar a tarefa no espaço de um segundo e meio, o que de fato a surpreendia.

Cruzou os braços e observou, enquanto o grupo praticava incansavelmente. Se estivesse na Ordem, Rony já teria resmungado e reclamado no mínimo um milhão de vezes sobre “pegar-muito-pesado”. Não havia dúvida sobre o porquê Voldemort estava ganhando aquela guerra.

Draco estava bem às suas costas, conversando com um dos bruxos que fazia anotações frenéticas em uma prancheta. Logo quando a conversa deles acabou, sentiu o corpo de Draco aproximar-se do seu. Uma respiração quente confortou seu lado direito e ela escutou a voz dele contra seu ouvido num tom baixo e grave o suficiente para fazê-la se arrepiar:

– Gostaria de saber o que a fez de repente estar do nosso lado, Hermione.

Ela puxou o ar tentando se estabilizar, abriu a boca para retrucar, mas sentiu o braço dele cercar sua cintura e puxá-la para si. Por um segundo, Hermione não entendeu a atitude, mas então viu o jato de um feitiço ricocheteado passar a centímetros de se corpo. Olhou para o chão e viu que estivera além da linha que delimitava o campo de ação do grupo e Draco havia a puxado de volta.

– Gostaria mais de saber o porquê me deixou participar. – foi o que ela administrou falar, tentando não se mostrar abalada, principalmente porque ele ainda a segurava contra ele. Eles se tocavam apenas quando faziam sexo, era quase uma regra. Virou-se para ele, forçando o fim daquela proximidade incomum. – Amanhã faremos um ano de casados. – ela começou séria.

Ele ergueu as sobrancelhas e assim que a ideia pareceu lhe cair, um sorriso brincou em seus lábios.

– Espero que não fique brava comigo por não me lembrar, querida. – disse em seu tom irônico. – Acha que deveríamos preparar algo especial para a data?

Hermione puxou o ar sem paciência.

– Farei um jantar para você se estiver nos seus planos comer em casa.

– Para mim? – Draco ergueu uma das sobrancelhas, intrigado.

– Para você. – ela repetiu muito certa de suas palavras. – Tenho um trato a lhe propor.

Ele trocou o peso de perna e cruzou os braços.

– Um trato? – quis ter certeza de que ouvira certo.

– Um trato. – confirmou Hermione.

Draco continuou com aquela expressão desconfiada.

– E por que não poderia me propor esse trato no jantar de hoje?

– Porque tratos especiais devem ser fechados em datas especiais. – ela respondeu. Malfoys sabiam tratar apenas de negócios, não era? Ela usaria a língua deles, então.

Draco absorveu aquela informação e um sorriso voltou a se abrir em seus lábios.

– Bem interessante esse seu cérebro, Hermione. – ele comentou – Sabe qual o meu prato favorito, não sabe?

– Peixe. – ela respondeu, sem mudar sua expressão neutra por um segundo.

Ele soltou um riso fraco.

– Não é uma esposa assim tão ruim. – fez seu último comentário, a tocou no queixo rapidamente e voltou-se para os comensais da zona sete que ainda continuavam empenhados em suas tarefas como se não fossem nem mesmo humanos. Hermione apenas revirou os olhos e puxou um ar. Não esperou por aquilo, mas um fino e discreto sorriso trabalhou para se abrir em seus lábios antes de deixar o ginásio.

Tomou a carruagem para casa. Já era fim de tarde e ela precisava lançar as ordens do jantar para Tryn. O caminho era conhecido, mas ela sentia que parecia estar o fazendo pela primeira vez depois de anos. Desceu em sua casa minutos depois e tratou de arrumar o que tinha que arrumar para o jantar.

Quando subiu para o quarto e viu todo aquele ambiente novamente, seu coração pesou, a realidade lhe bateu quase que com um soco. Ela precisou respirar fundo para conseguir desviar seu caminho para o lavatório. Tirou sua roupa com calma e tomou um banho, deixando que a satisfação de sua produtividade naquele dia superasse a tristeza que lhe invadia. Enquanto estivera na Catedral, havia conseguido empurrar todos aqueles sentimentos, mas agora que voltara a bolha onde havia vivido as ultimas semanas sentia que tudo aquilo estava de volta à superfície e era quase impossível empurrá-la novamente para o fundo de sua alma. Não havia distração ali, não havia nada que pudesse chamar sua atenção a não ser a dor que vivenciara todas aquelas semanas.

Enrolou-se em seu roupão de banho e voltou para o quarto. Destrancou a gaveta onde havia colocado a pasta, a abriu em seu colo e puxou uma das imagens que mais lhe fizera companhia nas semanas anteriores. Seus olhos embaçaram instantaneamente ao ver a imagem desfocada das mãozinhas se movimentando vagarosamente dentro de sua barriga. Ela cobria os olhinhos que pouco estavam formados ainda. Aquele aperto quase a tragou para o estado de dor profunda novamente. Hermione precisou controlar sua respiração e ser forte. Precisava ser forte.

Meu bebê.” seus lábios sussurraram e seus dedos correram a figura em movimento. Ela engoliu o nó doloroso em sua garganta. Fechou os olhos e uma lágrima lhe escorreu pela bochecha. “Preciso seguir a vida.” Queria dizer a imagem, por mais que soasse como uma loucura, mas não conseguia. Tudo que ela mais queria era olhar para aquilo um dia e sentir apenas saudades. Uma saudade distante. Saudade de sentir aquela vida dentro dela lhe fazendo companhia a cada segundo do dia. Hermione parecia ainda longe desse objetivo.

Escutou carruagem de Draco estacionar no pátio do lado de fora. Precisava se arrumar para o jantar. Limpou os olhos, devolveu a pasta à gaveta, se colocou de pé seguindo para o closet. Precisava seguir a vida. Talvez repetisse a mesma coisa no dia seguinte, mas ainda assim, precisava seguir a vida.




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Notas finais do capítulo

Whohooo!! Hermione pondo a mão na massa e usando seu cérebro supersônico! hahaha Quero só ver que proposta vai ser essa!!! Acho que ela entendeu que definitivamente entendeu que tem que ser esperta e que o único jeito de derrotar Voldemort é dali de dentro, de dentro do círculo de Comensais. haha Ela está passando por uma fase difícil para conseguir superar a morte da filha, mas conseguimos ver que ela também está tentando ser forte. :)
Espero que tenham gostado do capítulo! Vejo vocês na quarta sem falta!
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