CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 22
Capítulo 21


Notas iniciais do capítulo

Ei sei, eu seiiii!! Vocês ainda querem me matar por causa do capítulo passado! haha Na verdade eu estava esperando muito mais comentários negativos do que recebi! Vocês são ótimos! Estão prontos para o conflito todo que envolve a fic! Gostei de ver! Ainda recebi três maravilhosas recomendações da Amyzz, da Sayra e da Renata Zafalon que entrou no perfil depois de muito tempo só pra comentar a fanfic. Muito obrigada pelas recomendações! Adorei! E quanto a todos, prontos para o capítulo? Vamos lá então...



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Capítulo 21

Draco Malfoy

Já era uma hora bastante avançada da madrugada quando a carruagem parou de frente a sua casa. Tudo estava apagado e parado. Na entrada também havia a carruagem de sua mãe. Draco desceu e entrou relutante.

Não queria ter voltado. Tinha medo do que encontraria. Sabia que haviam enviado Hermione para casa com sua mãe que a acompanhara durante o processo. Tinha, talvez, umas cinquenta mil perguntas em sua mente. Queria saber se havia sido doloroso. Se sua mulher ainda sentiria dor daqui para frente. Se ele deveria se manter alheio e ignorar a situação. Se ela ainda teria que ir a hospitais. Se ela voltaria a trabalhar logo. Se já estava pronta pra engravidar novamente. Quanto tempo demoraria até que ficasse curada.

Sua mãe estava sentada na sala dele, no escuro. Ela carregava chá quente nas mãos e tinha um olhar fundo. Draco se aproximou quando ela se levantou e o chamou. Uma das mãos quentes dela tocara seu rosto quando ele parou.

– São três da manhã. – Narcisa disse.

– Não queria voltar para casa. – Draco respondeu. O gosto de todo o álcool que havia consumido trancado em sua torre na Catedral parecia cada vez mais longe agora. – Eu não queria vê-la. Continuo não querendo.

– Hermione vai passar por um momento muito difícil agora, Draco. Tente não ser tão egoísta. Você talvez não consiga sequer imaginar a dor que ela está sentindo. – sua mãe disse e se afastou.

– Ela ainda está sentindo dor?

– Não estou falando de dor física. – Narcisa respondeu – Você não sabe o que acontece com uma mulher quando ela sabe que esta gerando um filho, Draco. – ele odiava que dissessem que não sabia de algo. – Hermione passou por um processo bem limpo de aborto. Temos magia ao nosso favor. Obviamente que ela passou por muita dor no começo, mas o processo de cura a acalmou mais. – sua mãe respirou fundo, deixando seu chá sobre a mesa de centro - Poderia ter dado muito errado porque ela já estava em um estágio bastante avançado de gravidez, mas a equipe que a atendeu estava bastante preparada. Você sabe, nenhum daqueles medibruxos iria querer uma sentença de condenação vinda do mestre se errassem em algum detalhe. – Draco tinha que concordar com aquela parte – Eles informaram que em uma semana e meia Hermione estaria perfeitamente pronta para engravidar novamente. – Narcisa o encarou – Eu não sei exatamente o que aconteceu ali, Draco. – ela disse – Mas sei que para esses médicos terem conseguido uma magia que recupere Hermione em uma semana e meia, o Lorde deve estar louco para vê-la grávida novamente e se eu fosse você, não ousaria pisar fora dessa linha. – ela se aproximou novamente – Cuide bem disso porque se há alguém que Hermione esteja odiando tanto quanto Voldemort, nesse momento, esse alguém é você.

Ele franziu o cenho. Aquilo soava errado.

– Não foi minha ideia matar a criança!

Narcisa pareceu aborrecida com o tom dele.

– Ela não fez a criança sozinha. Era filha tanto sua quanto dela e você esteve lá, de pé, parado, olhando inexpressivo enquanto assistia a mulher que carregava um fruto seu sofrer um atentado daquele sem mover um músculo, dizer uma palavra, expressar uma emoção!

– Era um teste! Hermione sabia que era um teste! Eu não poderia fazer nada! Hermione é racional o suficiente para ter consciência disso. – Draco se sentiu irritado pela acusação da mãe.

– Hermione está incapacitada de ser racional, Draco! Acabaram de matar o filho dela! Ali ela não estava se importando com os seus ou os nossos riscos, caso você se expressasse de alguma maneira. Ela estava quase clamando misericórdia porque sabia que a criança também era sua.

– Mesmo se eu tivesse feito algo, eu não teria o poder de mudar nada!

– Ela não se importava com isso também.

– Como pode saber dessas coisas?

– Eu também sou mãe!

Ele não poderia discutir contra aquele argumento. Enfiou as mãos nos bolsos, sentindo-se absolutamente perdido. Nunca, em sua vida inteira, havia se percebido tão deslocado. Não conseguia pensar em nenhuma ação racional, não sabia como agir, o que fazer. Não sabia nem o que queria.

Sentou-se no sofá sentindo que seu corpo pesara. Narcisa o acompanhou, sentando-se bem ao seu lado. Ela segurou sua mão machucada e a analisou em silêncio. Não perguntou nada e Draco ficou agradecido por isso.

– Eu sei que seu pai o ensinou a ser como uma câmara reclusa à prova de tudo e eu não fui também o melhor exemplo para livrá-lo desse fardo, mas mesmo sendo quem somos, é importante nos permitirmos admitir que as vezes as coisas nos atingem em uma escala que nos abalará além do físico. – ela parecia completamente desconcertada ao dizer aquilo. Como se escolhesse cada palavra com muito cuidado. Draco apenas assentiu. Um estranho silêncio passou por eles e, então, sua mãe se levantou. – Hermione está no quarto. Tomou poções pesadas para poder dormir, mas não creio que tenha conseguido ainda. – ele assentiu novamente. – Estou exausta e preciso ir para casa. Vocês vão ficar bem sem mim. – foi assim que Narcisa pegou suas coisas e deixou a casa.

Draco deixou seu corpo pesar contra o encosto. Bagunçou os cabelos, afrouxou a gravata e apertou os olhos com os pulsos. Soltou o ar e relaxou. Tentou limpar a mente o máximo que conseguiu. Seu corpo estava exausto e ele se deixou pesar.

Para ele parecia ter se passado horas ali, naquela posição, naquele sofá, naquela penumbra. Olhou em volta e se deu conta de uma pequena pessoa descendo as escadas com dificuldade. Olhou com mais cuidado e viu cabelos loiros cumpridos como o seu, como o de sua mãe e como o de seu pai.

Papai? – a pequena pessoinha fez soar sua voz infantil. Ela olhou envolta um tanto perdida, até encontrar seus olhos extremamente cinzas com os dele. Os olhos dela eram exatamente como os dele. – Papai! – ela correu até ele e escalou sua perna para subir em seu colo. – Está escuro. – ela passou os bracinhos em volta de seu pescoço e o apertou com força. Draco tocou o cabelo da criança e sentiu a textura dos cabelos de Hermione. – Onde está a mamãe?

Draco tocou a fina camisola da garotinha e alisou suas costas.

Mamãe está passando por um momento difícil. – ele se viu dizer.

Ela afastou-se para olhá-lo e Draco viu o nariz de Hermione nela, viu a boca de Hermione, o queixo de Hermione, as bochechas de Hermione. A criança piscou seus olhinhos cinzas e fez uma expressão de dúvida.

Por quê? – foi o que ela perguntou.

Draco abriu os olhos naquele momento quase que em um susto. Tudo estava exatamente como deveria estar na realidade. Não havia nenhuma garotinha por ali. Continuava escuro e ele puxou o relógio para ver que não havia cochilado mais de alguns minutos, mas foi o suficiente para decidir que precisava ver Hermione. Precisava saber como ela estava. Em que estado estava.

Subiu as escadas, cruzou os corredores e chegou ao seu quarto, onde encontrou uma última vela ainda acesa ao ponto de findar. A cama estava vazia, mas estava desfeita do lado de Hermione. Olhou ao redor, confuso, e dirigiu-se para o lavatório. A encontrou lá, de frente para o espelho, vestida em uma de suas habituais camisolas, os cabelos estavam bagunçados, os pés descalços, as mãos apoiadas na bancada tremiam. Seu corpo inteiro e sua postura pareciam frágeis. Pelo espelho, Draco podia ver os olhos vermelhos e fundos dela e não demorou para que Hermione conseguisse avistar sua presença ali.

Ele, surpreendentemente, se viu temer pelo que sua mãe havia lhe dito. Não queria ter o olhar de condenação de Hermione, seria demais, parecia horrível ter que suportar mais aquilo, mas contrário do que realmente esperava, sua mulher parecia tão exausta que talvez sequer forças para olhá-lo com ódio ela tinha. Aproximou-se com cuidado e se colocou ao lado dela, vê-la naquele estado provocava uma pressão irritante em seu peito.

– Hermione... – Draco sentia uma culpa que nunca sentira antes. Como se tudo aquilo, como se o estado em que ela estava, como se o casamento que tinha, a morte de sua filha, a vida que levava, fosse culpa inteira e exclusivamente sua. E realmente era. Ele nunca deveria tê-la trazido para Brampton Fort. Nunca deveria tê-la capturado. Sua garganta pareceu se fechar como se a pressão em seu peito estivesse subindo. Ele precisou respirar fundo. – Eu queria poder ter feito...

– Você não poderia ter feito nada. – ela o cortou, usando uma voz baixa que quase nem parecia dela. Sua voz era sempre melodiosa, calma e firme, mas Draco nunca havia ouvido aquele som morto sair de sua boca. – Agiu como deveria agir, não o culpo por isso.

Ele soltou o ar e deu mais um passo em direção a ela. Afastou seus cabelos para trás do ombro e deslizou o dedo pela pele de seu pescoço. Era estranho tocá-la quando não estavam fazendo sexo, mas ele precisava.

– Você deveria dormir um pouco. – soltou o ar – Pode ajudar a esquecer.

Hermione segurou sua mão e a afastou. Os dedos dela estavam gelados, úmidos e pegajosos. Ele recuou.

– Eu apenas não estava me sentindo bem. – ela usou aquela voz morta.

– Posso chamar um medibruxo.

– Não preciso. – ela respondeu e Draco pôde finalmente sentir a fina agulha de ressentimento que saía junto com seu tom de voz.

Ele a observou dar as costas e seguir o caminho de volta para o quarto com um pouco de dificuldade. Draco se considerou idiota. Em que mundo ele havia aterrissado para se preocupar com Hermione, afinal? Ele não precisava daquilo, nunca havia precisado. O que havia um dia importado ali, entre eles, já não existia mais. E sempre que se lembrava disso se sentia ferido.

***

Seguiu sua rotina o resto da semana inteira. Acordou pela manhã no horário normal, tomou café, foi para a Catedral, teve que se ausentar para fora de Brampton Fort alguns dias, mas sempre voltava para casa, comia seu jantar e dormia. A companhia de Hermione não existia. Ela ficava na cama, quando se levantava e quando voltava, ela ainda estava lá. Todo o tipo de refeição que costumava fazer em sua companhia também voltara a ser como nos velhos tempos. Perguntava com frequência à Tryn se sua mulher estava se alimentando ou se havia feito algo no dia e tudo que recebia da elfa era um aceno negativo com a cabeça. Chamara sua mãe algumas vezes, mas a resposta havia sido a mesma. Não ouvir a voz de Hermione no começo havia sido quase que um alívio, mas agora estava realmente começando a preocupá-lo. Ela não poderia simplesmente vegetar para sempre. Por mais que precisasse de seu próprio tempo para se recuperar, não parecia exatamente que estava se recuperando.

Soltou o ar com calma, enquanto se aventurava para dentro do quarto de Pansy na Catedral. Era cedo e fim de semana, o que não fez com que Draco se surpreendesse por encontrá-la entre os lençóis de sua cama. Não se importou em fazer o barulho necessário para encher um copo de gelo e whisky e se sentar em uma das confortáveis poltronas de seu quarto sempre escuro.

– Seria assustador acordar e encontrar alguém sentado em minha poltrona. – a voz de Pansy saiu preguiçosa e abafada pelo próprio travesseiro.

– Que bom então que já está acordada. – ele comentou após provar de sua bebida. A mulher riu e moveu-se se espreguiçando. Draco recebeu a risada dela como algo errado. Sim, parecia errado que qualquer pessoa no mundo sorrisse. Quando Pansy se sentou, a primeira coisa que notou foi seu cabelo. – O que fez com o cabelo? – soara estúpido, já que era bastante visível que ela havia o cortado bem acima dos ombros.

– Cortei. Não parece óbvio o suficiente? – ela passou os dedos pelas madeixas escuras que agora estavam curtas e em camadas. – Gostou?

– Não. – ele gostava dos cabelos longos dela. Gostava de segurá-los e de puxá-los quando faziam sexo.

– Vai se acostumar. – Pansy piscou e se levantou.

Ela não vestiria seu roupão. A camisola que usava que desenhava perfeitamente seu corpo e que mal lhe cobria abaixo dos quadris era o suficiente para se usar perto dele. Dirigiu-se ao seu lavatório e Draco bebeu mais de sua bebida.

– Me diga... – a voz dela soou de lá de dentro, depois de alguns minutos. – que veio buscar seu presente de aniversário. – ela riu. – Bem atrasado.

– Não estou procurando por sexo, Pansy. – ele respondeu.

– Isso não soa muito com o que o Draco Malfoy que eu conheço diria. – ela apareceu na porta enxugando o rosto molhado.

– O Draco Malfoy que conhece é o Draco Malfoy que sua própria cabeça criou. – ele respondeu e bebeu mais um gole.

– O Draco Malfoy que eu conheço é o Draco Malfoy que cresceu comigo. – findou Pansy e entrou novamente para dentro do lavatório. – E ele não teria demorado tanto para vir buscar seu presente de aniversário.

– Será que poderíamos esquecer meu aniversário e esse maldito presente. – Draco estava começando a se irritar.

Ela surgiu novamente e caminhou até ele.

– Você está aqui para conversar. – ela o olhou e cruzou os braços a sua frente. – Você sabe que isso nunca dá certo. Eu não sou sua amiguinha de papo, Draco. Nós temos algo muito mais intenso.


– Por intenso você quer dizer sexo, não é? – ele começou - Eu não quero o seu teatro, Pansy. Não hoje.

Ela soltou um suspiro, aborrecida. Colocou uma perna de cada lado dele e se sentou, passando as mãos na barba rala que nascia ao redor de seu queixo.

– Você esquece que eu existo, por quase um ano, vem ao meu quarto e diz que não quer sexo. Esse pode ser seu superficial pensamento de agora, mas sabe o que significa vir ao meu quarto desde sempre. – ela se encaixou mais em seu colo. Pansy era boa com aquilo, ela era apenas excelente em usar seu corpo. – Me diga, Draco. – ela deixou seus lábios roçarem no dele – Do que lembra quando me vê com o cabelo assim?

Ele soltou o ar, não acreditando que ela estava mesmo tocando naquele assunto.

– Você não vai querer ir fundo nessa história, Pansy.

– Então você se lembra. – ela sorriu e desceu a boca por seu pescoço.

Tinham treze anos quando descobriram pela primeira vez em suas vidas o que era sexo. Eram novos demais e mal sabiam o que estavam fazendo. Voltar no tempo era como ver duas crianças querendo ser dois adultos naquele verão em que suas famílias alugaram um castelo sobre o alto de um penhasco. Naquela época, Pansy usava os cabelos quase exatamente como agora e quando ela se afastou de seu pescoço para encará-lo, ele também quase teve saudade da criança que ela costumava ser. Encarou seus olhos perfeitamente azuis, o rosado de suas bochechas que era quase o mesmo de sua boca chamativa. Draco tocou o rosto dela, arrastou seu dedo pelo lábio inferior carnudo e desejável. Haviam aprendido sexo juntos. Haviam adquirido experiências com outros, trazido para a cama deles, compartilhado do que gostavam e não gostavam. Haviam crescido juntos, e então, toda a obsessão de Pansy estragara o que eles poderiam ter tido.

– Pansy. – ele começou, encarando aqueles profundos olhos azuis dissimulados – Sei que fez isso para chamar minha atenção. Sei também que faz muita coisa para chamar minha atenção, mas você não usa o cabelo assim desde quando tinha quatorze anos. Se fizer as contas, isso vai dar muito tempo.

O olhar dela escureceu.

– Eu vi uma mulher que odeio carregando o filho do homem que eu amo. Como acha que eu iria reagir a isso, Draco?

O olhar dele talvez também tivesse escurecido, porque se lembrar que aquilo não seria mais um problema para ela fez com que ele quisesse empurrá-la, ir embora e se trancar em seu escritório novamente, onde poderia beber até perder a consciência. Desviou o olhar, tomou um longo e grande gole de sua bebida e tornou a encará-la.

– Hermione perdeu o filho. – não precisava dizer a Pansy que na verdade era filha.

O sorriso que a mulher abriu o enojou.

– Eu sabia que ela era fraca. – aquilo foi o suficiente para que Draco a empurrasse. Pansy reclamou pelo tratamento e se afastou dele quando ele se levantou. – Está louco? Nunca me tratou com essa agressividade! Acaso está com pena dela?

– EU NÃO ME IMPORTO COM ELA! – Draco se sentiu furioso. Vinha se sentindo bastante furioso ultimamente. – É APENAS HERMIONE! MAS ELA ESTAVA CARREGANDO MEU FILHO! MEU SANGUE! VOCÊ NÃO TEM CÉREBRO OU ESTÁ FINGINDO QUE NÃO TEM UM, PANSY? NÃO SE SORRI PARA ALGUÉM QUE ACABOU DE PERDER UM FILHO! – ele terminou ofegante.

Ela fez uma careta confusa e riu. Riu com vontade.

– Desde quando você começou a ser sentimental? – ela se afastou – Não, porque até onde sei você não queria filhos. Nunca quis. E agora está sofrendo por um que nunca nem chegou a conhecer!

Draco quis retrucar grosseiramente, fazê-la se sentir mal por ter dito o que disse, fazê-la se sentir como ele se sentia, mas a racionalidade das palavras dela o atingiu de modo que o calou. Deu as costas soltando o ar com raiva. Virou o copo de whisky e o deixou sobre uma das secretarias encostadas na parede. Inclinou o corpo sobre ela e fechou os olhos sentindo a madeira envernizada contra a palma de suas mãos. Respirou fundo. Havia algo que Pansy não entendia ali. Algo que nem ele sabia explicar.

– Existe algo, Pansy... – ele começou depois de alguns minutos – Algo que parece crescer dentro de você quando... – soltou o ar e se desencostou do móvel -... quando alguém te diz que terá um filho. Cresce com o tempo. É como um... – ele parecia perdido nas próprias palavras quando tornou a encará-la. – É como um... sentimento. – aquela palavra parecia tão estranha.

Pansy fez uma careta e riu.

– Sentimento? – ela riu mais alto parecendo não acreditar no que ouvia – Meu Deus! Quem é você?

Draco soltou o ar frustrado.

– Adeus, Pansy. - Deu as costas e foi em direção porta. Não tinha paciência. Não sabia nem porque havia ido até ali em primeiro lugar.

– Hei! – ela se adiantou e se colocou entre Draco e a porta – Você veio ao meu quarto e não vai embora antes de...

– De o que? – ele a interrompeu sem paciência. – De fazermos sexo? – sugeriu – É isso que sempre quer! É apenas nisso que pensa!

– E quando foi que sexo não foi a única coisa em que pensou quando estava comigo, Draco?

– Não não, Pansy. Não transfira os seus pensamentos para mim! Você sempre quis sexo e por isso eu sempre a procurei para sexo, mas isso não é tudo que significa para mim! – Draco exclamou – Por que acha que eu te dei esse colar, afinal? Você tem a consciência de que é uma das poucas pessoas nesse mundo das quais eu compartilho afeto e não sabe ser nem um pouco criativa com relação a isso! Tudo que você quer de mim é sexo e amor! Eu te dou sexo, e não vou te dar amor apenas porque te dou sexo, e não vai conseguir amor através de sexo, portanto se quer um conselho, Pansy, mude sua estratégia. Está começando a me cansar.

– Você sabe que está repetindo esse discurso, não sabe? – ela o deteve se colocando a frente dele novamente quando Draco tentou desviar a rota de saída. – Veio com essa ideia quando toda a fantasia da sua família caiu e olhe só o que nos acompanhou durante todos os anos até aqui: sexo! Não diga que está começando a se cansar, porque nós já passamos por isso mais de uma vez.

– E continuamos estancados no mesmo lugar!

– O que quer de mim, Draco?! – Pansy finalmente se mostrou realmente irritada.

– Eu queria que fosse o que deveríamos ser depois de todos os anos que nos conhecemos! Queria que fosse uma amiga! A única que um dia eu poderia ter! Que escutasse de vez em quando! Que fosse uma companhia!

– Eu não sou sua amiga, sou sua amante! Não vou abrir mão desse status porque eu sei que vai ser o mais alto que conseguirei com você!

– Então me devolva o colar que te dei. – Draco queria feri-la. Tudo que Pansy se preocupava era status. Ela era tão igual quanto a todas as outras pessoas que o rodeava. – Se tudo que quer é apenas sexo, você não precisa carregá-lo no pescoço com o orgulho que carrega. Sexo não significa nada para mim. Não significa o que você quer que signifique. Se fosse assim, eu e Hermione estaríamos vivendo uma intensa história de romance, mas nós estamos bem longe de uma. Se fosse assim, eu estaria apaixonado por metade das mulheres de Brampton Fort. Se fosse assim, eu e você teríamos nos casado como quer há muito tempo atrás.

Ele fez menção de desviar-se dela novamente, mas dessa vez, Pansy colou contra a porta e não disse nada, tomando seu tempo para engolir e digerir todas as palavras dele.

– Eu acho... – ela começou depois de um longo minuto, com o tom de uma conclusão final -... que você está passando por um sério problema. Você soa muito confuso e isso me assusta. – Pansy não estava nada feliz com aquele olhar. – Talvez você precise passar um tempo sozinho. Só você. Vou te deixar ir e fingir que essa conversa nunca aconteceu.

– Foram as palavras mais sábias que eu escutei de sua boca em anos. – Draco retrucou tão sério quanto ela. Nada de teatro, nada de gemidos altos, nada de falsa sedução, nada de sexo. Realmente aquelas haviam sido as palavras que ele escutaria de Pansy sem sua máscara. Ele queria que ela fosse assim sempre. Que ela se despisse de todo o armamento que usava para chamar sua atenção e a de metade dos homens da cidade. Assim é que Draco se lembrava, ao menos um pouco, da criança que ela havia sido um dia.

Pansy ainda o encarou por alguns segundos, como se esperasse que ele fosse desmentir aquela baboseira toda. Como se ele fosse sorrir, agarrá-la e arrastá-la para cama, mas quando finalmente pareceu convencida que nada daquilo era mentira, se afastou, abriu a porta e o deixou passar.

Draco desceu dali direto para sua sala, onde se trancou e esvaziou a última garrafa de álcool que lhe restava. Contou no relógio as horas que faltavam para o seu dever principal ali na Catedral aquele final de semana, e se permitiu esvaziar a mente. Era tudo que precisava fazer. Nunca precisara daquilo com tanta frequência em sua vida, nem mesmo quando descobrira que sua família era uma farsa.

Cobriu o rosto e soltou o ar, sentindo aquela agonia que lhe corroia quando a memória lhe trazia as lembranças que mais queria esquecer. Não era sua culpa. Ele não poderia ter feito nada. O que poderia ter feito? Tinha sonhos onde encarava sua própria figura de pé, estática, com a expressão fria que sempre carregava, naquela sala de jantar, encarando Hermione sofrer pela morte da filha que gerava. Sua filha também. Até que ponto havia chegado com Voldemort que o fizera encarar o assassinato de sua própria filha do mesmo modo que assistia a morte de prisioneiros no salão principal da Catedral?

Draco ficava horas tentando descobrir onde havia falhado. Por que havia falhado? Como nunca desconfiara daquilo? Talvez se tivesse se envolvido na gravidez de Hermione desde o começo. Se tivesse ido com ela nas consultas marcadas, pudesse ter conseguido as devidas informações antes de elas serem enviadas a Voldemort e, talvez aí, então, fosse capaz de evitar isso, encontrar uma forma de contornar a situação, de fazê-lo aceitar uma garota. Como não havia sido capaz de proteger sua própria família? Era um Malfoy! Independente de qualquer relação que tivesse com Hermione, eles eram uma família e ele tinha o dever de protegê-la. Crescera debaixo desse ensinamento. Como pôde falhar? Ele nunca falhava!

Batidas na porta o tiraram de seus devaneios.

– Senhor? – era a voz de Tina. Ele odiava como aquela mulher parecia ter medo dele ultimamente. O receio na voz dele o fazia querer demiti-la todas às vezes. – Sua audiência aberta começa em trinta minutos.

Draco soltou o ar e levantou os olhos cansados.

– Estarei lá em dez minutos. – respondeu, sem um pingo de vontade.

Levantou-se de sua cadeira se sentindo pesado. Encarou seu próprio reflexo pelo vitral colorido de fundo. O fantasma daquela menina o perseguia. Sua filha. Havia se acostumado com a ideia de um filho quando Hermione estava grávida, mas uma menina parecia muito mais real agora. O atormentava. O atormentava junto com Hermione. As duas o condenavam. Sua filha, quando ele sonhava com seu ser imaginário e, Hermione, com todas as vezes que ele chegava em casa e a encontrava ali, imóvel, na cama, exatamente onde havia a deixado antes de ir embora, fraca, sem se alimentar, sem abrir a boca para emitir um som sequer.

Ajeitou a gravata. Certificou-se de que seus cabelos estavam alinhados e de que não havia nenhum amassado em sua roupa. Soltou o ar e tentou se livrar de todo aquele peso. Quando abriu a porta de sua sala, vestia a máscara de sempre. Intacto e inabalável. Puxou o relógio de seu bolso e verificou que havia perdido a hora do almoço. Ultimamente Draco andava perdendo a própria noção do tempo. Avistou sua mãe logo na porta da entrada privada do auditório principal.

– Mãe? – parou quando se encontrou com ela. – O que está fazendo aqui domingo à tarde?

– O que o resto da cidade inteira está. – ela usava um tom baixo de voz. – Todos sabem que passar a audiência aberta anual sobre a guerra para domingo à tarde, foi uma estratégia para ter um auditório vazio.

– Essa ideia foi do conselho e saiba que não concordei.

– Não fez muita diferença, fez? – Narcisa aproximou-se dele. – Tem certeza de que está preparado para hoje? Há pessoas aqui com cinquenta pedras na mão. Todos sabem que as coisas estão oscilando.

– Já passei por audiências piores quando assumi o posto que ocupo. Vim me preparando a semana inteira para isso. Trabalhei tempo o suficiente para estabilizar essa guerra, eu tenho bastante argumento contra qualquer acusação deles.

Narcisa assentiu e o olhou com firmeza.

– Apenas sente lá com a confiança que sei que tem e haja como se nada pudesse te quebrar, certo?! Essa é uma audiência aberta. – soava como um conselho, mas Draco sabia que era uma ordem. Assentiu.

– Sabe que sou bom nisso.

Sua mãe assentiu novamente concordando, mas não deu as costas nem foi embora. Ele esperou que ela fosse, mas ela continuou ali, o encarando, como se estivesse em um dilema sobre dar as costas ou encontrar uma forma de perguntar o que queria.

– Sei que talvez tenha tido uma semana difícil. – Narcisa disse depois de limpar a garganta. Olhou para os lados. – Hermione? – foi somente o que questionou.

Draco desviou o olhar quase que imediatamente e se afastou um passo. Não tinha interesse em tocar naquele assunto. Não ali. Parecia inconveniente, mas ele sabia que era sim, conveniente, visto que uma sala fechada e isolada tornaria aquilo muito menos casual e o que ele menos queria era se aprofundar em assuntos como aquele. Apenas negou com a cabeça quando tornou a encarar sua mãe em sinal de que sobre Hermione não havia muito que comentar, além das atualizações que ela provavelmente recebera durante a semana.

– Hermione não levanta. Não come. Não fala. – era tudo que Draco tinha a dizer sobre sua mulher.

Narcisa respirou fundo sem perder sua postura.

– Tem que encontrar uma forma de consertar isso.

Ele fez uma careta.

– Eu não tenho que fazer nada. – aproximou-se e sentiu sua mandíbula travar. – Não quero conversar sobre isso. Tenho uma audiência aberta para enfrentar e a última coisa que preciso agora é do nome Hermione e tudo que o envolve para me atormentar.

Narcisa mostrou as mãos em sinal de paz. Sabia que Draco sofria de culpa, mas nunca comentaria, e se ele um dia chegasse a comentar, ela diria que ele deveria aprender a lidar com isso e que era o mínimo que deveria saber depois de todos aqueles anos servindo a Voldemort. Deu as costas e foi embora.

Draco soltou o ar e se julgou por ter sido rude. Respirou fundo, sabendo que estava prestes a entrar em uma sala cheia de homens que deveria bajular e carregar uma expressão de que mataria qualquer um que passasse a sua frente não era a mais sábia das decisões. Continuou seu caminho e assim que alcançou os fundos do palco, encontrou os rostos familiares e uma bela mesa de aperitivos.

– Vejam só se não é a nossa grande estrela da tarde! – exclamou um dos associados se aproximando com um copo de bebida em sua mão. – Achávamos que nunca chegaria.

– Sou alguém ocupado, Simon. Diferente de você. – tentou soar tão descontraído quanto ele, o que para Draco era uma tarefa que demandava bastante esforço.

– É melhor que esteja preparado para hoje. A casa está cheia. – Simon lhe estendeu uma taça de bebida extra que havia em sua outra mão.

Draco recusou.

– Prefiro estar sóbrio para o que vou enfrentar. - disse.

Uma terceira voz familiar lhe chamou atenção, fazendo o se virar e deixar Simon.

– Creio que do tanto de álcool que já o vi ingerir, Draco, nem se bebesse essa festinha inteira conseguiria sair do estado sóbrio. - Isaac Bennett vinha com um sorriso aberto em sua direção. – Me lembro de você quando estava no meu sexto ano. Um quartanista que havia conseguido roubar três barris inteiros de vinho da cozinha para subornar sua entrada na nossa pequena festinha. – Isaac riu – Me lembro bem de como ficou mal aquela noite.

A lembrança atingiu Draco como algo bom para seu cérebro, depois de toda a confusão daquela semana. Se lembrar daquela época era como se lembrar de quando era leigo o suficiente por achar que estalar os dedos fazia com que o mundo se ajoelhasse aos seus pés.

– Não monte a minha imagem de pré-adolescente fraco, Isaac. Você era um sextanista que não aguentava quatro copos de whisky, sem vomitar. – disse e Isaac riu alto. Draco se viu sorrir pela primeira vez naquela semana.

– Realmente não sei como nossos fígados sobreviveram àquela época. – ele bateu no ombro de Draco ainda rindo.

– Como foi sua chegada? – perguntou Draco.

Isaac liderava o Departamento de Segurança do Forte da América. Era um anexo da Sessão da Cidade que se estendia até lá. Seu trabalho fora nomeado marcante por três anos consecutivos, o que fizera com que Draco o estudasse e o transferisse para a Europa para ocupar um dos cargos altos de seu departamento.

– Não posso reclamar. – Isaac deu de ombros. – De fato, realmente quer que eu trabalhe para você. Comitiva de recepção. Uma torre exclusiva para minha família. Jantar no melhor restaurante do centro. Convite para essa recepção pré-palco. Devo dizer que não fui muito inteligente de aceitar sua oferta logo de cara, talvez se eu tivesse me feito de difícil fosse capaz de ganhar algumas boas regalias.

Draco sorriu.

– Você sabe que eu não sou de implorar, Isaac.

– Mas sabe ser bastante persuasivo quando quer. – eles começaram a caminhar para saírem do caminho do fluxo de pessoas. – Me permita dizer algo. Não foi nada inteligente passar essa audiência para domingo à tarde. Só fez chamar mais a atenção.

– Eu não concordei com a mudança. – Draco justificou. – Mas parece que depois de todos esses anos liderando essa guerra, as pessoas ainda não gostam de me dar ouvidos.

– Não consegue controlar os homens de seu próprio conselho?

– É difícil conter um bando de velhos tradicionais que acham serem donos da sabedoria. Às vezes é importante deixar com que decidam as coisas e vejam o quão estúpidos são, assim, talvez, percebam o lugar real que ocupam dentro dessa cadeia alimentar.

Isaac riu e bebeu de sua própria bebida.

– Soube que se casou com Hermione. Hermione Granger. Devo confessar que foi um choque e tanto. – ele comentou.

Draco desejou ter aceitado a bebida mais cedo, para poder ocupar sua boca e disfarçar qualquer reação contra o comentário dele.

– Foi um choque para todos. – foi o que Draco escolheu dizer. Havia sido um choque até mesmo para ele.

– Jamais imaginei que de todas as mulheres que tinha nas mãos escolheria ela. Quero dizer, o mundo inteiro sabe que ela é uma mulher excepcionalmente linda e que muitos homens por aí se matariam para tê-la, mas você tem todo o histórico de sua família e...

– Hermione é muito única, Isaac. – Draco o cortou, antes que ouvisse o que não estava a fim de contornar. – Uma vez que a tem, qualquer outra mulher se torna comum demais. – talvez assim, desse um ponto final no assunto.

Isaac ergueu as sobrancelhas surpreso.

– Ela é boa assim?

Draco assentiu.

– Ela é boa assim. – finalizou. Não queria entrar no detalhe da história romântica que haviam escrito para os dois, nem do suposto envolvimento que haviam tido em Hogwarts. Isso estava estampado em muitas revistas e jornais para que tivesse que ficar reproduzindo.

– Papai!

Draco escutou uma voz infantil de longe e teve que piscar, enquanto sua cabeça deu voltas para ter certeza de que não estava entrando nos delírios de seus pensamentos novamente. Isaac pareceu reconhecer o chamado e voltou-se para uma garotinha de no máximo quatro anos que corria até ele sobre os sapatinhos dourados e um vestidinho de veludo azul marinho. Draco recuou quase que instantaneamente. Nunca havia sido fã de crianças. Não sabia bem como lidar com elas já que não faziam parte de sua realidade. Não visitava parques, nem ia ao centro com frequência e quando era sua obrigação comparecer a jantares familiares, crianças eram raras e ficavam sempre em um grupo longe de sua atenção. Eram seres estranhos e Draco não tinha muita paciência para falta de comportamento adequado.

– Não é nenhum fantasma, Draco. – Isaac riu, passando as mãos nos cabelos castanhos ondulados da menina enquanto ela se agarrava em sua perna. – É apenas minha filha.

– Eu não imaginava que ela já tivesse esse tamanho. – justificou sua reação à criança. Não que desprezasse crianças no geral, mas ultimamente vê-las o afetava de uma forma completamente estranha. Sabia que Isaac tinha se casado há alguns anos atrás e que tivera uma filha.

– É, eu sei. Eles crescem rápido. Vai ver quando tiver um. – Isaac tentava fazer com que a menina não se escondesse atrás de suas pernas. – Vamos pequena, esse é Draco Malfoy. Aquele da revista. Apresente-se. Não finja que não lhe dei educação. – falou com a garotinha.

Draco não sabia como funcionava o cérebro daqueles pequenos. Não sabia como se portar quando se direcionasse a eles. Quando se agachou para ficar na altura dos olhos da menininha percebeu que era a primeira vez em sua vida adulta que ligava sua atenção a de uma criança. A garota parecia tão receosa. Parecia quase ter medo de sua figura. Era normal. Crianças costumavam o temer. Talvez fosse culpa de sua postura intocável.

– Qual é o seu nome? – Draco perguntou a ela. Não sabia se estava fazendo aquilo certo. Usara o mesmo tom que usaria com qualquer outro adulto. Talvez isso fosse errado. Talvez ele devesse amaciar um pouco a voz, mas ao contrário de recuar, a garotinha ainda relutando aproximou-se e estendeu a mão.

– Me chamo Elise. – disse ela numa voz suave, infantil e doce, enquanto suas bochechas coravam sob a pele pálida que realçavam seus olhos escuros. Draco segurou a mãozinha pegajosa da menina e a apertou. – Prazer em conhecer o senhor. – ela reproduziu como uma frase decorada, o que fez Draco sorrir.

Olhou fundo nos olhos daquela menina. Ela não se parecia nada com a que o atormentava em seus pesadelos, mas ainda lhe provocava aquela sensação incomoda e angustiante. Queria que fosse dele. Queria ter tido a sua. Sua filha.

– Você é uma garotinha muito bonita, Elise. – ele disse também, não sabendo se estava fazendo certo.

Dessa vez, a menina corou intensamente e deu as costas para correr, mas uma mão a deteve e não foi a de Isaac.

– Não mesmo moçinha! Você não vai fugir assim novamente! – a voz era feminina e quando Draco ergueu os olhos, encontrou a mulher. Cabelos castanhos, olhos azuis, vestido verde. Ela continuava exatamente como Draco se lembrava. Ele se ergueu novamente e a mulher o notou. Quando seus olhos se encontraram ela corou. Colocou os cabelos para trás da orelha e ajeitou a postura quase que imediatamente. – Draco. – ela disse parecendo ter sido pega de surpresa.

– Astoria. – ele retrucou.

Ela sorriu. O sorriso dela continuava bonito.

– Céus. É bom te ver! – ela não parecia ter mais o que dizer. – Soube que se casou. Foi uma notícia e tanto no forte da América. – disse após um longo segundo de silêncio incomodo. Draco assentiu.

– Disse isso a ele, querida. – Isaac disse.

– Como estão se sentindo de volta a Inglaterra? – perguntou Draco, tentando não deixar com que aquele silêncio voltasse novamente.

– Devo dizer que é ótimo voltar a escutar o sotaque britânico. – riu Astoria. Draco sempre havia achado que ela sorria demais. – Já andamos olhando algumas casas do outro lado do rio. Brampton Fort é muito peculiar. É um lugar muito bonito. Você sabe que eu nunca tive a chance de conhecer antes. – findou ela.

Astoria havia se casado com Isaac para se proteger da guerra. Os Greengrass não possuíam vínculos com Voldemort e naquela altura os Bennett já haviam conseguido ser transferidos para o forte da América. Era muito risco viver fora de um forte quando a Europa estava tão dividida e uma família de brasão como os Greengrass não se sujeitariam estar fora do ciclo social do lado vencedor. Obviamente que o casamento não havia sido de todo ruim para ela. Os Bennett eram ricos e influentes e Isaac, em especial, tinha uma reputação bastante considerável com as garotas desde Hogwarts, só sempre estivera muito focado nos estudos ou no trabalho para dar a devida atenção a elas, o que muito provavelmente o ajudara a se estabilizar com Astoria facilmente. Ela havia sido praticamente entregue a ele.

– Bom, espero que encontrem um bom lugar para morar. – Draco já estava começando a se nausear com aquela situação. – A torre que foi disponibilizada para vocês estará à disposição enquanto trabalhar para mim. – bateu nos ombros de Isaac e deu as costas.

Não esperava ter que lidar com ele tão rápido, mesmo que soubesse que havia autorizado o convite para que Isaac comparecesse ao pré-palco. As primeiras semanas dele em Brampton Fort ainda eram de cuidados de sua equipe e Draco não tinha o menor interesse em participar de sua adaptação, nem de seu aprendizado sobre o departamento.

Draco não conseguiu ficar nem mesmo um minuto por sua conta. Logo alguns dos homens de seu conselho o pararam para repreendê-lo por ter escolhido chegar ao pré-palco faltando poucos minutos para a abertura da audiência. Foi seu dever também, cumprimentar algum dos títulos altos que se encontravam ali e gastou poucos minutos com isso.

Escolhia qual uva experimentar quando Astoria colocou-se ao seu lado na mesa. Estar de costas ali havia sido uma estratégia para esconder seu rosto do público e ter alguns segundos de paz, mas aparentemente ela estivera o observando com cuidado.

– Está me seguindo? – perguntou ele, se julgando por não ter prestado atenção antes. Colocou uma das uvas na boca.

– Com os olhos. – Astoria respondeu sem medo ou vergonha.

– Por quê? – Draco a olhou finalmente.

– Porque você é Draco Malfoy. – aquilo era bastante explicativo já. – É o que todos nesse lugar fazem, não é mesmo?

– Então o que quer de mim vindo até aqui? – ele desejou não ter perguntando aquilo quase que imediatamente. Ela demorou alguns segundos para expressar qualquer reação, mas logo suas sobrancelhas se ergueram como se esperasse que ele entendesse, lesse as entrelinhas. E ele leu, só esperava estar errado. – Sou casado, Astoria. – preferiu dizer - Você também.

Ela franziu o cenho parecendo confusa, e ele esperou que aquilo fosse um sinal de que ele estivesse errado.

– Desde quando alianças como a nossa significam fidelidade no mundo em que vivemos? – ela fechou os olhos e balançou a cabeça negativamente. – Não é isso que quero dizer. Eu amo meu marido. Amo a família que temos. E não estou tentando me arranjar com você agora, Draco. Desculpe-me se fiz entender isso. Sei que posso ter sido uma pessoa diferente no passado, mas muitas coisas mudaram depois que saímos da adolescência, principalmente quando caímos logo de cara com uma guerra como essa. – ela olhou para os lados puxando o ar – Apenas quero saber como ela é?

Draco uniu as sobrancelhas.

– Quem?

– Hermione. – Astoria respondeu. – Hermione Granger. Como ela é?

– Qual é o seu interesse? – porque deveria haver um.

– Quero saber como ela é. Quero que me diga isso apenas. Quero saber o que ela significa para você.

Ele ficou atordoado.

– Ela é minha mulher. – foi tudo que escolheu responder. – Aonde quer chegar?

Astoria pareceu perceber que Draco não iria seguir o script dela, enquanto não tivesse uma visão mais ampla sobre o significado de toda aquela abordagem.

– Por anos eu achei que havia errado com você. – ela finalmente começou. – Eu me julguei por ter chegado tão perto da chance de me tornar uma Malfoy e ter estragado tudo. Eu sei que estava apenas tentando se desafiar quando ficou comigo. Queria ver se conseguia ser o homem de uma mulher só. Se podia ser capaz de entender o que era amor, se era capaz de se apaixonar. Sei que eu errei. Sei que deveria ter feito coisas que não fiz. Eu tinha a chance da minha vida nas mãos e era só uma adolescente para entender como administrar isso. Eu queria saber o que Hermione fez. O que ela tem de diferente. Como ela conseguiu te afetar. Nada nunca te afeta.

Draco não sabia o que responder. Ele odiava ser pego de surpresa e jamais havia esperado que Astoria, depois de todos os anos que haviam estado separados, e depois da família que ela havia construído, tivesse logo aquela questão para levantar.

– Você não errou em nada, Astoria. – ele preferiu seguir por esse caminho, ao que ela realmente queria. – Eu não deveria ter feito o que fiz com você. – aquilo era melhor que responder qualquer coisa relacionada à Hermione.

Astoria o olhou com uma expressão nada feliz.

– As histórias contam que você e ela se envolveram quando você e eu estávamos juntos. – disse e Draco se repreendeu por nunca ter feito aquela sobreposição de informações. – O que ela tinha de diferente, Draco? O que ela, uma Nascida Trouxa, conseguiu fazer que eu não consegui?

Ele se irritou com a forma como Astoria se julgava capaz de colocá-lo contra a parede. Irritou-se também, por ter percebido que ela havia conseguido por alguns segundos.

– Você disse que amava seu marido, não disse? Disse que amava sua família, não disse?

– Sim, mas apenas...

– Então não deveria se importar com isso. – Draco a cortou usando um tom firme. – Meu relacionamento com Hermione fica entre ela e eu. Espero que essa conversa aqui nunca mais aconteça. Seu marido está trabalhando para mim e não quero que ele tenha nenhum problema comigo por sua causa. Preciso do serviço dele. Supere o que tiver que superar e faça isso logo. – foi severo, sabia como ser rude. Astoria não pareceu nem um pouco abalada. Uma das mulheres da organização passou avisando naquele momento que ele tinha apenas cinco minutos. Draco tirou mais uma uva do talo, enquanto ainda encarava Astoria. – Eu e Hermione temos uma história longa. Não mexa com isso. – ele não precisava de outra Pansy na cidade. Comeu da fruta e deu as costas.

Teve receio por trazer Astoria de volta ao seu ciclo de convívio quando esteve trabalhando com os papéis de transferência de Isaac. Precisava do serviço dele, sabia o tipo de homem que ele era e precisava apostar na confiança que poderia construir ali. Mas Astoria era o seu pé atrás. Haviam se passado muitos anos desde a época em que a vira pela última vez e eles nem se falavam aquele tempo. Ela nunca havia aceitado realmente o fim do relacionamento que tiveram e ele sempre tivera a clara consciência de ter errado com ela. Sua vida inteira fora baseada em nunca dar esperanças para nenhumas das garotas e mulheres que se envolvera e Astoria havia sido o seu grande erro. Não tinha a consciência do estrago que havia feito com ela, porque simplesmente não se importava realmente, mas agora temia que isso pudesse lhe prejudicar com Isaac.

Não deixou que aquilo se tornasse mais um de seus problemas e ao se sentar em seu lugar da mesa da audiência, se lembrou de que antes de tudo deveria ser um Malfoy. As perguntas vieram carregadas. Tentaram o apedrejar de todas as formas, mas o que não esperavam foi que ele escolhesse não encobrir nada. Fora sincero ao dizer que não concordara com a mudança da audiência e que apenas deixara que mudassem porque sabia que lotariam o salão e o que precisava naquele momento era que todos os ouvidos de Brampton Fort escutassem com cuidado os fatores que vinham colocando à prova a estabilidade da guerra. Fez questão de dizer que os motivos ainda eram duvidáveis, incertos, que muita coisa não passava de especulação e que pouco do que fizeram havia sido ineficaz. Aproveitou-se de que Voldemort não estava ali e pela primeira vez, Draco arriscou dar um passo largo em seus planos mais secretos.

Usou de uma linguagem limpa e permeável para lançar no ar um pedido de confiança. Não queria envolver Voldemort, queria que inconscientemente as pessoas associassem a guerra a ele exclusivamente e que se ele havia a estabilizado, ele poderia a ganhar. Ele. Draco Malfoy.

Obviamente que teve que ser sutil, Voldemort era alguém que pegava suspeitas quando elas nem ao menos ainda haviam sido pensadas. Mas Draco trabalhara anos para construir uma base forte onde pudesse pisar. Estava na hora de começar a andar a passos largos. Ele só precisava que Hermione começasse a cooperar ou a imagem que os Malfoy deveriam vender naquele momento. E foi exatamente com esse pensamento que voltou para casa.

Nunca uma audiência durara tanto quanto aquela. Draco sabia que seria chamado até o gabinete de Voldemort no dia seguinte para esclarecer tudo aquilo e já havia preparado um discurso que o fizesse recuar o suficiente para que Draco pudesse continuar agindo. Sabia que chegaria uma hora que Voldemort simplesmente não compraria mais suas ideias, mas estava gerenciando aquilo com cuidado para que pudesse ir o mais longe que conseguisse, antes de decidir jogar sua carta divisora de águas.

E embora encarar o Lorde naquele momento fosse uma grande provação para ele, não poderia se dar ao luxo de estragar um trabalho de anos por sua cabeça estar confusa o suficiente em colocar em seus devidos lugares os sentimentos que lhe afloravam por causa da morte de algo que nunca nem ao menos havia conhecido. Claro que se toda a maldita história de herdeiro e Hermione não existisse, Draco teria talvez o que girava em torno de umas quinhentas preocupações a menos.

Céus, ele precisava que Hermione cooperasse.

Subiu as escadas da entrada de sua casa e passou para o lado de dentro. Tudo estava escuro como costumava ser antes Hermione. Parecia errado agora. O incomodava da mesma forma como havia o incomodado quando ela costumava acender todas aquelas luzes durante a noite. Seus passos o levaram diretamente para a sala de jantar. As luzes lá também se encontravam apagadas e a mesa lisa e limpa. Por um segundo ele se perguntou o que havia de errado, mas não demorou muito para que lhe fosse refrescado a memória.

– Tryn. – chamou a elfa e num estalo ela apareceu. – Onde está Hermione?

– A Sra. Hermione Malfoy não deixou o quarto hoje, Sr. Draco Malfoy. – ela respondeu o que vinha respondendo fazia uma semana.

Ele soltou o ar impaciente.

– A mesa não esta posta. – comentou ele.

– Nenhuma ordem foi dada a Tryn e Tryn pensou que o Sr. Draco Malfoy não fosse voltar para o jantar. – disse a elfa.

Draco olhou ao redor ainda impaciente e com raiva por perceber o quanto havia se acostumado com Hermione. Quis castigar sua elfa, assim como havia aprendido com seu pai, mas passara um bom tempo para se livrar daquilo e não estava disposto a cair nos velhos hábitos que Lúcio perdera tempo o ensinando.

– Tem algo para jantar nessa casa? – perguntou afrouxando a gravata, tentando aliviar sua tensão de alguma forma.

– Tryn tem certeza que pode mobilizar todos os elfos para preparar uma boa refeição para o Sr. Draco Malfoy o mais rápido possível. – respondeu a criatura.

Draco assentiu. Elfos Domésticos podiam ser extremamente eficientes e eficazes sem dor de cabeça quando bem tratados. Isso seu pai nunca havia o ensinado.

– Não se esqueça de colocar a mesa também. – disse e deu as costas.

– Tryn deve colocar o prato da Sra. Hermione Malfoy? – perguntou a elfa e Draco teve que parar. Deixou a brecha de segundos em silêncio, enquanto ponderava sobre aquilo e a elfa se aproveitou. – Porque Tryn não acredita que a Sra. Hermione Malfoy desceria. A Sra. Hermione Malfoy não come faz dias.

– Sempre arrume a mesa para nós dois, Tryn. Não o faça apenas quando lhe for dito o contrário. – foi tudo que disse antes de retomar seu caminho.

Enfiou-se para o lado de dentro de uma sala íntima qualquer no andar de baixo. Não tinha nem o menor interesse de subir até seu escritório. Enfurnara-se lá por tempo o suficiente aquela semana para saber que só o ambiente poderia o adoecer. Também não tinha a menor intenção de ir ao quarto, onde saberia que encontraria Hermione e nem a biblioteca, pois sabia que aquele lugar já carregava o perfume dela. Aliás, cada esquina daquela casa parecia carregar o perfume dela. Sentia que somente o nome Hermione era capaz de lhe provocar náuseas.

Acomodou-se em uma poltrona com um copo de conhaque e abriu o jornal. Não tivera a oportunidade de fazer aquilo aquela manhã quando fora chamado antes de seu horário de entrada para responder a corujas enviadas de urgência do sul da Europa. Certamente deixar sua casa sem ler propriamente as edições diárias do Diário do Imperador era um risco a se correr. Aqueles meios de informação tinham o poder de alterar a forma como as pessoas o encaravam com uma facilidade que o assustava certas vezes.

Não foi de muita surpresa ver uma antiga imagem sua do dia de sua posse ao cargo que ocupava estampada na primeira página. Queria ter tido o tempo de ler aquilo pela manhã, assim saberia mais o que se passava pela cabeça das pessoas que o encarara hoje.

“Comunicados oficiais vindos da Catedral informam, de última hora, a antecipação imediata da audiência aberta anual sobre assuntos da guerra para a data de hoje em um horário pouco usual. Os justos questionamentos levantados a partir dessa rápida tomada de decisão têm colocado em jogo a gestão do então General Draco Malfoy, que trará seu pronunciamento essa tarde. Os rumores têm trazido ao conhecimento do público que, embora a justificativa oficial tenha girado em torno da apertada agenda militar do exército, o que os forçou a perceber que a necessidade de um adiantamento soava melhor que a de um adiamento para o Conselho, torna claramente legível as entrelinhas de que na realidade, um adiantamento, visivelmente desnecessário, tem a intenção de pegar a banca questionadora despreparada já que os últimos acontecimentos com relação a guerra tem gerado ondas de preocupação geral[...]”

Draco parou de ler assim que os detalhes sobre os últimos acontecimentos da guerra começaram a ser citados como se nunca tivessem antes sido noticiados pelo jornal. Um elfo lhe trouxe uma carta de sua mãe que havia acabado de ser entregue por uma coruja. O pedaço de pergaminho era pequeno e havia apenas algumas poucas palavras rabiscadas em uma linha curta:

“Sábias palavras hoje.”

Ele sabia que Narcisa se referia ao discurso que havia dado na audiência. Talvez ela estivesse tão impaciente para ver o jornal do dia seguinte quanto ele. Havia sido absolutamente limpo em suas apalavras na audiência. Colocara-se como independente ao mostrar que seus atos estavam acima do Conselho e de seus interesses. Esperava ser no mínimo aclamado no dia seguinte.

Não culpava que alguns escorregões tenham feito com que se voltassem contra ele, a segurança da escolha daquelas pessoas sobre o lado que ocupavam naquela guerra dependia dele, e muitos questionaram quando o Lorde lhe dera o cargo de General por causa de sua idade e falta de experiência. Nada mais justo que relembrassem disso quando qualquer coisa de errado surgisse, mesmo depois de todas as suas conquistas. Mas era capaz de administrar isso. Os jornais do dia seguinte não poderiam encontrar nenhuma maneira de criticá-lo depois de sua brilhante audiência. Esperava que nenhuma outra página daquele jornal se referisse ao sobrenome Malfoy, mas se arrependeu desse pensamento assim que passou para a página seguinte e se deparou com uma imagem de Hermione.

Não era tão recente. A imagem mostrava Hermione saindo de uma das Cortes da cidade para onde devia fazer suas visitas semanais devido ao trabalho que fazia para o departamento de Theodoro. Ali estava ela, impecavelmente linda e absolutamente profissional, mas apenas o título daquela matéria já lhe causava dor de cabeça. “Por onde anda a nova Sra. Malfoy? Por Abbey Day.” Céus, aquilo não poderia ser algo bom.

“A nova intitulada Sra. Malfoy mostrou a todos que não seria apenas mais um rostinho bonito dentro da família Malfoy. Depois de entrar para a família mais rica e influente do mundo bruxo, Hermione Jane Malfoy se dedicou a mostrar que suas habilidades no campo administrativo poderiam ser tão boas quanto sua contribuição na guerra. Em poucos meses, colocou em ordem o que um departamento inteiro tentava há dois anos. Não apenas bastando seu novo sobrenome, sua posição na Catedral e sua presença no Conselho por ordens diretas do Mestre, Hermione Malfoy também se tornou um ícone no mundo da moda e conquistou a simpatia de metade das vitrines do Centro. Mas todos tem se perguntado o que poderia ter possivelmente acontecido para que sua admirável presença fosse varrida até mesmo das esquinas, onde suas obrigações administrativas eram requeridas com frequência. Os rumores de gravidez têm ganhado lugar nos meios de comunicação mais importantes de Brampton Fort, mas seria um herdeiro Malfoy o motivo real para um desaparecimento desse nível? Uma questão muito mais profunda pode estar sendo mantida por trás dos cadeados da mansão Malfoy principalmente porque não apenas Hermione Malfoy não deixa o lugar, como se estivesse, de algum modo, aprisionada ali, como Draco Malfoy tem enfrentado problemas com a guerra depois de anos de inúmeras conquistas. Seria ainda cedo ou até mesmo sem sentido julgar uma possível crise dentro do lar do casal que se casou debaixo da história de um amor secretamente mantido por anos [...]”

Draco parou, não podendo mais continuar. Levantou-se enquanto sentia que todo seu sangue queria lhe subir até a cabeça. Puxou o ar, deixou o jornal de lado, tomou sua bebida em um gole e saiu dali para tomar a direção de seu quarto. Não poderia deixar que aquilo continuasse.

Não se importou com educação quando passou para o lado de dentro. Estava escuro como estivera todos os dias daquela semana. Hermione se encontrava de seu lado da cama, com as costas contra um amontoado de travesseiros. Os olhos fechados e debaixo de um sono que ele não entendia como poderia ser tão eterno. Aproximou-se e na cabeceira viu a pasta que Voldemort dera a ela com todo o histórico do bebê que havia carregado esparramada junto com frascos de poções para sono que se acumulavam há uma semana ali.

Afastou os frascos de poções vazios, sem se importar com o barulho que pareceu, enfim, fazer Hermione se mover. Começou a catar todos os papéis para enfiá-las na pasta novamente.

– Draco? – a voz de Hermione saiu num sussurro fraco e rouco. Ele não ousou olhá-la. Acenou a varinha para a lareira, fazendo-a acender e continuou a puxar todos os papéis de volta para a pasta. – O que está fazendo?

Ele não se importou. Abriu as gavetas para ter certeza de que não havia nada relacionado àquilo ali.

– Deixe isso. – ela falou se sentando e puxando sem forças a pasta para seu lado. Draco a tomou e a fechou. Hermione se levantou. – Deixe... – sua voz morria, como se não tivesse mais de onde extrair força. Ele deu as costas e caminhou em direção a lareira. Ela pareceu entender quase que imediatamente o que aquilo significava. – Não! – sua voz soou mais forte, mas ainda assim fraca o suficiente como se estivesse fazendo todo o esforço do mundo para fazer com que soasse um pouco além do sussurro. – Draco! – ela se apressou e tentou pará-lo, segurando-o pelo braço, mas suas mãos estavam fracas. – Draco, não! – tentou alcançar a pasta e ele a tirou do caminho.

Quando estava a um passo de lançar tudo aquilo contra o fogo, Hermione conseguiu extrair tudo que ainda lhe restava e tomou a pasta para a segurança de suas mãos. Ou talvez ela tivesse se aproveitado da própria hesitação que lhe batera antes de colocar todos aqueles papéis para queimar. Ela cambaleou, teve que se apoiar no dossel e deslizou quase que instantaneamente para o degrau onde se apoiava a cama no chão. As lágrimas brotaram dos olhos dela e molharam suas bochechas, enquanto silenciosamente o olhava ofegante, como se tivesse corrido uma maratona.

Draco a viu ali, frágil, exposta, apertando aquela pasta contra si, como se fosse seu próprio bebê. A alça da camisola deslizou pelo braço dela e ele pôde perceber que sua mulher havia perdido peso. Como ele poderia ter deixado aquilo passar por todos aqueles dias em silêncio?

– Não dá mais para suportar, Hermione. – Draco disse depois de um longo minuto, encarando o olhar frágil e acusatório dela. Parecia ainda assustada com aquilo tudo. Ela não respondeu absolutamente nada e eles ficaram mais um longo minuto ali, encarando um ao outro.

– Saia. – ela ordenou, mas sua voz não tinha a intensidade que ela aparentemente queria que tivesse. Draco percebeu que finalmente a escutava depois de dias em silêncio.

– Não. – ele respondeu à ordem dela. – Hermione... – sua voz morreu. Vê-la ali o fez se esquecer de como aquele comportamento poderia atrapalhar todo o trabalho que tinha. Ali, Draco conseguia finalmente ver tudo que ela havia escondido por trás de sua máscara desde quando passara a viver debaixo de seu teto. Ele nunca havia imaginado que por trás da orgulhosa, poderosa e indestrutível Hermione, ela escondia aquilo. Sua mulher estava completamente destruída e parecia não ter mais de onde tirar incentivo para se esconder atrás da máscara que a colocava de pé todos os dias para enfrentar a vida daquele lado da guerra. – Não posso deixar que continue vivendo assim. – não somente porque ela atrapalharia todo o seu trabalho, mas porque ele não conseguia suportar vê-la assim.

– Então me deixe morrer. – Hermione sussurrou.

As palavras dela cortaram através dele. Sentia como se estivesse finalmente encarando uma ferida infeccionada que tentara esconder por mais tempo do que deveria. Arrependeu-se de ter deixado o andar de baixo, seu conhaque e seu jornal. Todo o seu lado racional implorava para que ele refizesse sua postura e usasse de seu tom profissional para informar a ela que não estava permitida a desfrutar do luxo que a morte lhe traria.

Queria ser o Draco Malfoy que havia a encarado no dia do casamento, o Draco que a via como uma prisioneira no jogo de Voldemort, uma que deveria pagar por tudo que havia feito, aquele Draco saberia, no mínimo, o que fazer porque não se importaria em entender o que se passava com Hermione. O Draco de agora não tinha a menor capacidade de olhá-la sequer, sem sentir que a angústia lhe roubasse o fôlego. A perda dela havia sido dele também e a dor dela parecia ter o poder de sair dela e penetrar nele como um veneno que o tragava e o arrastava cada vez mais para perto da insanidade, para longe do racional.

Desviou o olhar, sabendo que não poderia encarar aquela cena por muito mais tempo. Aquilo o corroia e Draco sabia o porquê, mas não podia pensar naquilo. Não podia. Passou a mão pelos cabelos e sentou-se numa das poltronas ali. Precisava contornar a situação, precisava encontrar um jeito de se comunicar com Hermione, fazê-la entender que precisava reagir, que deixar com que aquilo a consumisse apenas os faria andar para trás.

– Eu sei que é difícil lidar com tudo isso. – ele começou. Precisava escolher suas palavras muito bem. Precisava ser o Draco sensível que a entendia. Seguir por esse caminho parecia a escolha mais sábia. Não podia deixar que nenhuma sensação diferente o dominasse, tinha que ser profissional, ser profissional havia o ajudado durante todos aqueles anos. – Mas não pode deixar que o Lorde te vença. – sim, precisava usar aquelas palavras. - O estado em que está apenas irá consumi-la cada vez mais e se continuar...

– Cale-se. – escutou a voz de Hermione por baixo da sua e parou. – Apenas cale-se e saia. – ela tentou se fazer audível.

– Hermione, eu estou tentando...

– Por favor, Draco! – ela suplicou com os dentes cerrados. – Saia.

Draco tornou a encará-la. Os olhos molhados e condenadores dela. Ele sabia por que Hermione o olhava daquela forma. Não queria pisar naquele campo minado. Não tinha coragem. O Draco covarde que havia dentro dele implorava para que se levantasse, gritasse com ela e a puxasse pelo braço, queimasse aquela pasta e deixasse claro que aquele comportamento ela não poderia ter em sua casa. Mas ele havia lutado muitos anos contra o Draco covarde e mesmo que tudo dentro dele gritasse para segui-lo agora, olhar para os olhos de Hermione, acordava seu lado insano, ele precisava curar aquela ferida que havia entre eles, ela era séria, profunda. Não era nada do que haviam carregado aqueles anos, não era a lembrança de inúmeros insultos em Hogwarts, nem a rixa que haviam levado por anos naquela guerra. Eles haviam perdido um filho.

– Acha que sou culpado? – a coragem lhe fez pisar naquele campo. Tinha medo da resposta, mas mesmo assim perguntou. Perguntou sentindo que cada centímetro de sua alma era consumido por aquela angústia sem fim.

O olhar dela já dizia a resposta. Havia dito desde a primeira vez que se encontraram, depois que perdera a filha e Draco simplesmente ignorara. Passara a semana inteira ignorando e aquilo o havia atormentando dolorosamente. Ele não sabia lidar com aquilo. Sentia sua cabeça quase latejar. Conseguia até mesmo imaginar as lembranças que se passavam na cabeça de Hermione, naquele momento de silêncio que havia entre eles. Conseguia imaginar Hermione tentando convencer medibruxos a lhe passarem informações, conseguia imaginar os esforços inúteis que havia feito para tentar chegar a elas por trás de Voldemort, conseguia enxergar as frustrações que ela vivenciara. Ele havia deixado-lhe sozinha.

– Sim. – Hermione finalmente tornou óbvio o que já parecia.

Draco sentiu seus membros formigarem e a cabeça latejar. Escondeu o rosto nas mãos, apoiando os cotovelos em cada perna. Soltou o ar como se quisesse expelir sua própria vida pelos pulmões. Ele não podia viver com aquela culpa. Não conseguiria.

– Você não pode me deixar viver com isso, Hermione. – sua voz saiu apertada. Não, ele não tinha culpa. Não podia ter. Tudo era pra ter saído exatamente como eram os planos.

– Culpa? – ela soltou com desgosto – Não sabia que tinha a capacidade de sentir culpa depois de todos esses anos servindo a Voldemort.

– Eu não sou uma máquina. – Draco sentia sua mandíbula travada.

– Então por que tenta ser uma com tanta vontade?

– Você não sabe o que é ter que sobreviver desse lado da guerra, Hermione!

– Eu sei o que é ter que sobreviver do meu lado da guerra, e lá, nós não tínhamos carruagens, muralhas, parques, restaurantes caros, nem mesmo mansões!

– E você acha que isso tudo nos faz mais felizes? Olhe para nós dois agora, Hermione! – a encarou - Olhe para o rosto das pessoas que esbarra na rua, na Catedral! Você acha que elas são felizes? As pessoas tentam mascarar a vida que vivem aqui. Tentam fingir que tudo está bem! Tentam viver a vida que eram acostumados lá fora, mas todos eles, cada um deles, vive debaixo do medo! A mínima chance de perder essa guerra já os assusta! Todos aqui temem pelo que aconteceria a eles se Voldemort caísse. – Draco pausou - Eu tento manter essas pessoas seguras no mundo que Voldemort criou e não sei se percebeu, mas tento trazer o máximo de gente possível para essa realidade. Estar do lado dele é seguro porque ele é poderoso o suficiente para fazer quem não está viver o caos! Sabe disso muito bem e é inteligente para saber que ninguém poderia destruir alguém como ele estando do lado de fora, por isso, a Ordem vivia tentando colocar espiões dentro do ciclo de comensais! E você ainda sabia que isso continuava não sendo o suficiente. – se calou depois de vomitar todas aquelas palavras. Hermione o olhava com os olhos bem abertos, como se não estivesse esperando por aquilo. – Eu fiz uma escolha quando o Lorde me deu aquele exército, Hermione. Eu sabia que os sacrifícios viriam e que eu precisaria lidar com eles da forma mais profissional possível. Eu prendi pessoas, matei, torturei. Sei o nome de todos eles e a alma de cada um me persegue! Não sou feliz, nem tenho orgulho disso, mas eu sabia que esse era o único caminho inteligente a se seguir se um dia eu quisesse derrotar Voldemort de alguma forma e não me julgue, nem tente, porque no fundo desse seu cérebro inteligente, você sabia que havia chegado a um ponto que estar com os rebeldes era como dar murro em ponta de faca. – passou a mão pelos cabelos e balançou a cabeça soltando o ar. – Fiz tantas coisas imperdoáveis. Você não conseguiria imaginar nem a metade. Eu sabia que era errado, eu sabia que as coisas que fiz me perseguiriam para o resto da vida, mas também sabia que esse era o preço que eu deveria pagar, eu havia me comprometido a lidar com os sacrifícios, mas eu jamais iria imaginar que o Lorde iria querer que eu... – sua própria voz falhou. -... que eu sacrificasse um filho meu. – enfim disse.

O silêncio entre eles durou um minuto inteiro.

– Você não poderia ter se importado menos quando eu disse que estava grávida, Draco. – ela sussurrou. Havia dor em seus olhos. Sempre havia dor ali, agora. Dor e mais um pacote de outros sentimentos.

– Mas eu me importei. – ele disse. Perguntou-se se em seus olhos também havia dor como nos dela. Nunca havia aberto a boca para dizer nada daquilo para ninguém, nem mesmo para sua mãe.

– Não pareceu.

– Porque não era para parecer! – será que Hermione não entendia? - Eu sabia que meu filho teria que ser um dos meus sacrifícios. Eu sabia que eu precisava sacrificá-lo para continuar ganhando o Lorde, eu sabia que ele seria mais um dos meus preços e eu tentei, Hermione! Eu tentei não me importar! Eu tentei e foi a coisa mais difícil que eu já tentei fazer na vida! Eu achei que conseguiria, achei que poderia administrar, que seria fácil, mas você não tem ideia de como era te ver, te tocar e saber que estava carregando o meu filho. Eu não conseguia suportar a ideia de que teria que deixá-lo nas mãos do Lorde e eu achava que se eu simplesmente ignorasse isso, eu poderia conseguir me tornar indiferente, mas eu não consegui! Não consegui ignorar porque todos os dias eu dormia ao seu lado, eu via que a primeira coisa que fazia quando acordava era tocar sua barriga como se estivesse respondendo algum movimento, e eu sabia que era o meu filho ali e isso me consumiu até o ponto que eu decidi arriscar tudo que tinha construído até agora dentro do ciclo de Voldemort para me esquivar desse único sacrifício que eu percebi que não seria capaz de fazer. – Draco via as bochechas dela molhadas em lágrimas silenciosas, enquanto Hermione o olhava como se estivesse encarando um completo estranho. Draco percebia que sua própria voz falhava e sentia seus olhos arderem em uma sensação que ele era pouco acostumado. - Eu não poderia ter a culpa de saber que estava abrindo mão de um filho para dá-lo a Voldemort. Eu conseguiria carregar a morte da população mundial inteira, Hermione, mas não isso, portanto, por favor... – implorou. Sabia que estava implorando. – Por favor, tire esse fardo de mim. – sentia como se seu coração estivesse sendo esmagado - Eu beiraria a insanidade para o resto da minha vida, como tenho beirado essa semana inteira, se tiver que carregar a culpa da morte de um filho. Meu filho. Nossa filha.

Ele mal podia acreditar que havia chegado ao fim de tudo aquilo. Não achou que poderia se sentir minimamente revigorado depois de ter verbalizado tanta coisa que lutava para trancar em um baú empoeirado dentro de sua própria mente. O silêncio entre eles o matou. Quando ela fechou os olhos e os apertou, Draco tomou a consciência de que daria sua herança inteira para ter a mínima noção do que se passava na cabeça dela.

– Eu não quero acreditar em você. – a voz de Hermione soou completamente confusa e ele se sentiu ainda mais do que ela.

Draco deixou os segundos correrem em mais um silêncio, enquanto se perguntava qual deveria ser sua reação a aquilo.

– Por quê?

– Porque eu o odeio. – ela tinha muita certeza daquilo. – E se eu acreditar em você não poderia mais odiá-lo. – sua mulher balançou a cabeça e fechou os olhos com força novamente. – Eu nunca imaginei que poderia alcançar sua alma. – sussurrou e tornou a encará-lo -... nem mesmo imaginei que... poderia ser assim... – a voz dela era tão baixa que Draco julgava que estivesse conversando consigo mesma. -... Eu... – sua voz sumiu debaixo do som de batidas na porta.

Nem ele nem ela desviaram o olhar um do outro.

– Tryn veio avisar o Sr. Draco Malfoy de que o jantar está servido. – era a voz de Tryn, mas pareceu distante, muito distante. Pareceu um barulho sem total importância. O que era crucial para Draco ali eram os olhos de Hermione, era o que ela podia dizer a ele. Precisava que dissesse que ele não era culpado, que ele não poderia ter feito nada. Que não havia mesmo nenhuma forma de salvar sua filha. Ele precisava. – Sr. Draco Malfoy? – o som da elfa tornou a incomodar. Draco precisava que Hermione dissesse alguma coisa. Ele precisava da resposta dela.

Seus olhos não se desviaram dos dela. Conseguia visualizar os olhos profundamente dourados de Hermione e todas as engrenagens do cérebro dela funcionando com rapidez. Havia confusão e dor em cada centímetro de sua expressão. A voz da elfa tornou a soar e mais batidas na porta. Draco não desviava os olhos de Hermione. Precisava de seu ultimato.

– Draco... – sua mulher sussurrou e negou com a cabeça, em completa angústia. Ele conseguia tocar a resposta dela. Sabia qual era. Não queria escutar. -... eu não posso... não conseguiria... – e sua voz morreu como se Hermione mesma já soubesse que ele não queria escutar.

Draco finalmente desviou o olhar. Era isso. Deixou que sua mente absorvesse aquela resposta. Fechou os olhos por alguns segundos e soltou o ar. As batidas da elfa na porta continuavam soando em sua cabeça lá longe, como se estivessem a milhas de distância. Não se arrependia de nada que havia dito ali. Levantou-se. Deu as costas a Hermione e foi em direção a porta. Quando a abriu a elfa deu espaço para que ele passasse e ele assim o fez. Ignorou a presença criatura e seguiu seu caminho.

– Sr. Draco Malfoy, o jantar...

– Eu sei. – ele cortou a elfa. Sua voz soava completamente sem vida.

Virou os corredores de sua casa, desceu pela escada principal e seguiu para a sala de jantar. Ajeitou sua gravata, tirou o terno e alinhou os cabelos, como se seu corpo estivesse ligado no automático. Afastou sua cadeira e se sentou. Encarou o prato vazio. Ele não precisava do perdão de Hermione. Nem se ela dissesse que não era culpado ele sabia, no fundo, que poderia ter feito algo. Poderia ter estado presente desde o começo, poderia ter corrido até ela quando a viu reagir ao veneno de Voldemort, poderia ter feito com que aqueles medibruxos revertessem o que quer que tivesse acontecido com Hermione ou sua filha, Draco sabia que poderia ter feito e mesmo que tivesse certeza de que seria em vão, poderia ter feito.

Raiva, frustração, angústia, dor, tudo subiu por suas veias de uma vez só. Lançou longe seu prato. Levantou-se fazendo questão de derrubar a própria cadeira. Sua mão tratou de pegar e lançar longe cada objeto em cima daquela mesa. Um som sobressaia o outro, estrondosamente. Sua própria magia involuntária tratou de estourar todas as luzes do lustre e ele quis gritar, quis gritar alto, mas quando parou ofegante, com os punhos contra a mesa, soube que deveria ter gritado porque seus olhos ardiam e algo quente escorria deles e talvez, se tivesse gritado, não precisaria ter que lidar com o nó que prendia até mesmo sua respiração, ali, entalado em sua garganta.

Trancou-se em seu escritório e bebeu até perder a consciência.

Quando acordou no outro dia, o céu já estava claro. Sua cabeça latejava como nunca e Draco estava deitado em seu próprio sofá usando a mesma roupa do dia anterior. Seu corpo doía e se ocupou em contar o número de garrafas espalhadas pelo chão. Sentou-se e a primeira lembrança que seu cérebro tratou de lhe refrescar foi ele e Hermione na noite passada e todas as palavras que haviam sido proferidas. Aquele peso assentou-se em suas costas novamente e seu coração foi esmagado.

Levantou-se com dificuldade e encontrou em sua mesa uma pilha de pergaminhos selados com o símbolo da Catedral. Do lado estava o Diário do Imperador, dobrado e com a data do dia de hoje. O horário no relógio o alertou que seu atraso já havia feito estrago em suas obrigações do dia e que os pergaminhos da Catedral haviam sido as tentativas de contato de Tina.

Nunca em todos os seus anos de general havia sido tão irresponsável. Deveria estar se sentindo mal por isso, mas a verdade é que agora, aquilo parecia pouco lhe importar. Respondeu apenas um dos chamados de Tina sem vontade, pedindo para que ela segurasse o departamento por mais algumas horas. Sua cabeça latejou com mais força e Draco tentou ignorar abrindo o jornal sobre a mesa.

Sua foto estava na capa novamente. A reportagem era exatamente o que ele havia esperado, e queria ter se sentido satisfeito, mas tudo aquilo parecia irrelevante. Largou o jornal de lado e foi para o seu quarto, onde poderia encontrar algo que aliviasse o mundo que queria explodir em sua cabeça.

Teve o receio de saber que a encontraria assim que abrisse a porta e foi exatamente assim que aconteceu. Hermione estava sentada no nicho da janela quando ele entrou. Ela estava vestida em seu roupão, abraçava as próprias pernas e desviou o olhar da paisagem do lado de fora para colocar seus olhos sobre ele. A pasta que ele havia tentando queimar na noite anterior estava aberta a sua frente.

Seus olhos sobre os dela e os dela sobre os dele, congelaram por alguns segundos, enquanto o silêncio incomodava entre eles. Draco fechou a porta atrás de si e quebrou o contato tentando ignorá-la. Seus pés o levaram automaticamente para uma das prateleiras e ele começou a caçar sua poção.

– Segunda porta à direita. – a voz de Hermione encheu o quarto.

Ele parou por um segundo e seguiu a direção que ela havia dito. Puxou a pequena porta de vidro a direita e encontrou os frascos que precisava. Tomou um deles enquanto se sentia irritado pela maldita mania que ela tinha de mudar tudo de lugar.

Puxou os cabelos para trás e fechou os olhos, usando a estante de apoio enquanto sentia o alívio da poção lavar sua estrondosa dor de cabeça. Tinha que tomar banho ainda, colocar sua farda, tomar o desjejum e ir para a Catedral enfrentar as milhões de acusações sobre seu atraso, enquanto seu cérebro remoia o olhar de Hermione em sua memória. Tudo que havia dito na noite anterior parecia irreal. Não conseguia saber se havia mesmo dito por que sabia que seu ser racional nunca teria deixado que aquilo acontecesse. Mas se havia mesmo dito ou não, o que mais o incomodava, fora a resposta de Hermione e tudo que realmente parecia importar no mundo agora era que o tempo voltasse e ele pudesse ver uma reação diferente, que ele pudesse escutar algo dela que o confortasse.

– Draco. – foi por cima de seus pensamentos que a voz de sua mulher surgiu novamente. Ele se virou para encará-la. Eles estavam perto e Draco conseguia ver os olhos dela, dourados pela claridade da janela. Não estavam vermelhos como na noite anterior, mas estavam fundos como se Hermione tivesse passado a noite acordada. Ela parecia não saber se deveria mesmo dizer algo ou não. – Eu sei que tudo que poderia ter feito teria simplesmente sido em vão. Não haveria nenhuma forma de mudar o que aconteceu, nem se voltássemos no tempo. E se não pensar dessa forma perderá a cabeça assim como eu tenho perdido. – ela abaixou os olhos. – Não o julgo por não ter feito nada durante aquele almoço. Ele estava te testando e você conseguiu ser racional, era seu dever, coisas estavam em jogo para você. Respeito isso.

Draco piscou. Não estava esperando por aquilo.

– Eu só não queria que, por causa disso, você achasse que foi menos difícil para mim quando... – ele não queria ter que verbalizar aquilo. -... essa semana... não tem sido fácil.

– Eu sei. – Hermione disse, erguendo os olhos para ele novamente. – Você me disse e eu acredito. – ela puxou e soltou o ar com calma. Fechou os olhos por um segundo e os abriu sem pressa. – Estou grata por ter dito tudo aquilo ontem. Eu não estava esperando. - Ela parecia lúcida. Depois de uma semana inteira, ela parecia finalmente lúcida, fora de efeito de poções ou de toda a dor que parecia a consumir e aprisioná-la naquele quarto. Ele se surpreendeu por ver o quanto ter sido compreendido o fizera bem.

O silêncio entre eles foi incômodo. Draco não sabia o que dizer, nem o que fazer e, por uns segundos, se sentiu idiota.

– Como você está? – perguntou depois de um tempo. Era uma pergunta idiota, mas ele realmente queria saber. Não a queria sobre o efeito de poções novamente, nem enfurnada naquela cama com os olhos vermelhos e recusando suas refeições.

– Eu preciso de tempo. – foi tudo o que ela respondeu, depois de um longo minuto em silêncio. – Vou passar por cima disso. Tenho que passar por cima disso, certo?

Ele assentiu.

– Nós vamos. – Draco disse quase inconsciente de suas próprias palavras, mas assim que as escutou conseguiu sentir o que havia entre ele e Hermione agora. Eles não eram mais simplesmente completos estranhos inimigos que se conheciam apenas de ouvir falar. Dentro de algumas semanas fariam um ano de casados e muita coisa já havia se passado entre eles. – Hermione. – ele deixou que o nome dela fluísse pela sua boca depois de alguns longos minutos que o silêncio se manteve entre a troca de olhares dos dois. – Nós temos o mesmo inimigo.

Os lábios dela se espremeram numa linha fina, enquanto puxava o ar e o soltava. Os olhos dourados voltaram-se para a paisagem do lado de fora e somente depois de alguns segundos ela respondeu:

– Certamente temos. – foi tudo o que disse e foi tudo que fora necessário dizer para deixar muita coisa entendida ali entre eles.



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Notas finais do capítulo

Genteeeeeee!!! O Draco abrindo o coração!!! Sim, ele tem um! Mas ele o manter o mais escondido possível! Faz parte dos requisitos de sobreviver como um Comensal. Esconder o coração que tem, ou tentar não ter mais um. Draco escolheu esconder o dele pq sabe tentar não ter mais um o levaria as insanidades cruéis de Voldemort e Draco não é uma pessoa ruim, ele é apenas alguém que não teve muita chance de escolha.
Adoro a forma como a Hermione dá uma chance pra ele no final, como ela consegue ser compreensiva e entende que as palavras que ele revelou a ela foram difícil para serem externadas.
Eles vão começar a engatinhar nesse nível diferente de cumplicidade agora. Vamos ver onde chegaremos assim! hahaha
Obrigada por todos os comentários e pelas recomendações pessoal! Não sei nem como agradecer!
Não esqueçam de deixar um comentário para o capítulo, favoritar a fanfic e curtir a página no facebook! Até sexta!! :)