O paraíso ao norte do inferno escrita por Selaya


Capítulo 1
Capítulo único - As estrelas


Notas iniciais do capítulo

Se quiserem, ouçam all of the stars ou lay me down, que foram as músicas que eu ouvi quando estava escrevendo. A história se passa na atualidade mesmo. Espero que gostem ♥



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— Eu sei que meus dias seriam intensamente melhores se eu pudesse gastá-los com você. – Enzo se pronunciou, fitando-me de maneira intimidante.

Sim, eu sei, eu já deveria ter me acostumado com estes grandes e intensos olhos castanhos a olhar-me, com o sorriso cafajeste e a maldita mordida nos lábios que ele sempre dava quando queria deixar-me sem jeito.

Assenti levemente com a cabeça e senti-me tremer. Estávamos na porta da casa de Enzo e eu sabia o que iria encontrar ali dentro. Gostaria de dizer que minha vida era um conto de fadas, mas isto seria impossível. Dois príncipes e nenhuma princesa, sendo que um príncipe é praticamente um sapo, e ainda tem a bruxa má, que no caso é o bruxo mesmo. O pai de Enzo.

Ele servira o exército, perdera a mãe de seus filhos ainda no parto, tornara-se um alcoólatra e acabava por descontar isto no progênito. Eventualmente queria me encher de tapas também. É conservador, bárbaro e condena nosso relacionamento.

Enzo dera um beijo em minha fronte e apertou com firmeza minha mão. Ele sabia quão nervoso eu ficava por ter de ouvir todas aquelas barbaridades em pleno século XXI, onde todas as pessoas deveriam aceitar o amor, seja ele de qual forma for. Ele estava estirado no sofá, ao lado de uma boa dose de uísque.

— Enzo, já disse pra não trazer esses ‘viadinhos’ para casa. Faça suas sujeiras fora daqui. O Pietro poderia sair do meu único recanto de paz? – murmurou, com a voz mongólica e carregada de um sotaque estrangeiro.

Engoli seco e apertei mais forte a mão do rapaz, seguindo rapidamente para o quarto do menor. Meu estômago embrulhava conforme subíamos os degraus. O que era tão importante que não pudesse ser falado ali, agora? Chegamos ao corredor, onde a porta de seu lar fora aberta. Aconcheguei-me na cama, fitando as estrelas no teto. Enzo deitara-se ao meu lado, mas observava a mim. Em poucos minutos, minhas bochechas já estavam vermelhas.

— Quando eu olho para este meu pedaço de céu lembro-me de seus olhos. Azuis, tão escuros, mas intensos. Possuidores de um brilho que só poderia ser comparado as bilhões de estrelas no universo. Céus, você é tão lindo. E eu te amo tanto, Pietro. – ele dissera, com a voz aveludada. Um de seus indicadores passeava pela minha face, desenhando cada um de meus traços.

Um sorriso brincou em meu rosto e eu virei, tomando seus lábios nos meus. Eu não sei bem como posso descrever a sensação de beijar Enzo Bourne. Pense na coisa que mais te faz feliz no mundo e saberá exatamente o que eu sinto. Era aquele beijo que me fazia pensar que éramos capazes de sobreviver a tudo, acabar com guerras e ainda salvar o mundo.

— Eu tenho de ir, você sabe. Eu preciso proteger aquelas pessoas com a minha vida. Pietro, eu estarei indo com o exército. Nós iremos para o médio oriente, na faixa de guerras. Inocentes estão morrendo e os terroristas não parecem ter a intenção de parar, portanto, temos de interromper isso antes que mais mortes ocorram. Eu pedi ao tenente para participar da artilharia, é menos arriscado do que ficar na infantaria. E eu sei que tudo vai dar certo, pois quando aquelas pessoas estiverem salvas, eu voltarei diretamente para você. Nós vamos nos beijar a noite toda e você vai dormir no meu colo, enquanto eu acarinho seus cabelos louros e penso no quão lindo é. Você entende?

— Eu não quero que você vá. Sim, eu estou sendo egoísta, mas eu preciso que você fique. Como eu posso sobreviver a isso tudo sem ti, Enzo? Mais do que os outros, deveria saber que tudo era um inferno antes de te ter. Não, você não precisa ser o herói da história. Você só precisa ser meu. Só isso.

Eu não queria sentir essa sensação pesada dentro de mim. Eu sabia que tudo que Enzo fazia era certo, mas sou humano, e além de tudo, egoísta. Eu não queria que ele fosse a uma missão suicida para ajudar as outras pessoas, eu queria que ele ficasse ali e me ajudasse. Enzo é o único que sabe do que aconteceu.

Para quem não sabe, tenho histórico de depressão na família. Minha mãe se suicidou e isso desencadeou este distúrbio em mim. Eu tomava remédios, frequentava terapias e pintava. Pintava porque era a única coisa que me exigia concentração e assim eu não tinha tempo para pensar de qual forma eu me mataria. Até que eu não aguentei mais e tentei decorrer a morte, pensando que era a única forma de me salvar. Eu via coisas bonitas, eu via felicidade, eu sempre acreditei no amor, mas eu nunca achei que isso poderia acontecer comigo e esse pensamento só me fazia sentir mais certeza do que eu fazia. Foi nesse episódio que eu conheci meu anjo.

Era mais um dia na escola, os garotos sacaneavam comigo e eu me sentia sozinho. Há uma diferença entre estar sozinho e sentir-se sozinho. Infelizmente, eu estava e me sentia assim. Tudo estava tão fútil e aquela visão do mundo me deixava tão chateado. As pessoas espalhando ódio ao invés do amor, traições, mentiras. Aquele mundo era pútrido. E os garotos me batiam e eu não ligava porque dor física alguma podia deixar-me pior do que eu mesmo.

Foi no banheiro onde eu cortei meus pulsos. Eu achei estar sozinho, puxei as lâminas do bolso e cortei. Simplesmente cortei. Fora tudo tão planejado. Eu queria morrer na escola, porque pelo menos aí teria certeza de que não morreria sozinho, que haveria alguém para encontrar meu corpo e lamentar-se por mim. A última coisa que eu vi foi Enzo saindo do banheiro, onde o mesmo cabulava aula. Ele ficou desesperado. E eu apaguei.

No hospital, aquele estranho desconhecido estava ao meu lado. Eu mal o conhecia, mas sabia que ele seria importante pra mim porque ele fora o único a importar-se comigo há muito tempo. Ele sorriu e eu sorri também. Ele nunca chegou a perguntar o porquê de eu ter feito aquilo e sequer me julgou. A primeira coisa que ele falou fora “Oi, eu sou o Enzo. Você vai ficar bem e eu vou te ajudar.”

Não vou dizer que foi fácil. Ele realmente me ajudou e virou meu melhor amigo. Mas então outro sentimento surgiu e eu não pude esconder isso. Mas fora inevitável apaixonar-se por Enzo. Quem não se apaixonaria por alguém que te faz sorrir quando ninguém mais faz? Ele se afastou de mim e eu entendi isso. Ele era filho de um ex-militar e queria também tornar-se um. Depois de um tempo, ele arranjou uma namorada e voltou a se aproximar de mim. Eu voltei aos antidepressivos. Quando ele descobriu que eu estava mal de novo, brigamos. E então eu o beijei. E ele retribuiu. E naquele momento nós percebemos que era assim que tinha de ser.

O pai dele brigou feio com ele ao apresentar-me como seu namorado. Enzo apareceu com um olho roxo no dia seguinte e eu finalmente tomei uma atitude, dizendo ao genitor do outro que se isto continuasse, seria levado a delegacia por agressão ao menor. Acabou funcionando. Depois disso, o mundo voltou a ser perfeito. Eu parei com os medicamentos e com a terapia. Continuei com as pinturas. Mas meu único remédio era Enzo. Eu nunca tive medo de ter outra crise, não quando eu o tinha segurando minha mão.

Eu fui do paraíso ao norte do inferno em milésimos de segundos. Tudo quando ele disse que iria embora. Naquele momento, meus olhos ficaram marejados e involuntariamente as lágrimas começaram a rolar. Eu não fiz nada para impedi-las, de qualquer forma. Em poucos minutos, eu soluçava. E isso meramente refletia a escuridão que meu coração estava.

Não, eu não pude fazer nada quando Enzo partiu. Ele me deu um último beijo e um último olhar e prometeu-me voltar. Eu me prendi a essa premissa. E então descobri ser mais forte do que pensei.

Ele me ligava quando podia. Eu sabia quão caro poderia ficar uma ligação para o outro lado do mundo e por isto não reclamava. Além disso, sempre preferi as cartas, porque ele sempre ficava mais solto nelas, mesmo não podendo ouvir sua voz.

O pai dele ficou doente logo depois. Estava com pneumonia e bronquite, e com o avanço da idade, isso deixou-lhe de cama. Enzo iria voltar, mas estava tão triste em não poder concluir sua missão que deixei de lado todo meu egoísmo e concentrei-me em seu sonho. Prometi cuidar de seu pai e foi o que fiz.

Todos os dias eu ia a sua casa para arrumar seu quarto, lavar sua louça, dar-lhe remédios, fazer sua comida e até mesmo dar-lhe banho. Só Deus sabe o quanto ele me xingava ao ter de fazer a última coisa. Dizia que não queria ficar nu na frente de um “viado”. E eu ignorava totalmente. Sobre meus cuidados, ele acabou melhorando em cerca de um mês.

E já faziam cinco sem Enzo ao meu lado. Sem seus beijos, abraços e seu cheiro. Eu sabia que não podia permitir-me chorar, mas era o que eu fazia quando encostava a cabeça no travesseiro. Voltei aos medicamentos. A terapia. Mas larguei a pintura. Tudo que eu sabia pintar era seu rosto bem demarcado, os olhos de mel, o cabelo castanho e seus lábios finos e róseos movendo-se enquanto ele dizia que iríamos nos casar e adotar duas crianças asiáticas.

Não me julgue por isso. Eu nunca pedi por ser tão fraco. Eu estava me sustentando na esperança de tê-lo de volta. E estava conseguindo lidar com isso, mas ainda feria. Eu consegui entrar para a faculdade e estou me dedicando a ela. Estou vivendo a vida como eu posso. Mas não é a mesma coisa.

Nisto passou-se um ano. Ele não voltara para casa nenhuma vez, na ação de graças ou no natal. Alegou em suas cartas que alguém tinha de ficar e como os outros tinham filhos e esposas, deixara-os ir ao invés de si. E isso acabou doendo, porque Enzo tinha alguém para ficar, seu pai, eu. Por que isso não parecia bastar?

Eu liguei para o número do complexo, mesmo sabendo que não podia. Informei que era uma situação extrema e eles me deixaram falar. E eu falei tudo para Enzo. Tudo que eu estava sentindo no momento. Nós brigamos. Eu falava coisas podres para ele e tudo que ele dizia era que o que sentia por mim e que eu não podia deixá-lo. Eu xingava-o de todos os nomes e ele só sabia dizer que eu era perfeito e dele. Só dele. Eu desliguei e ele tentou retornar, mas não respondi.

Consequentemente as cartas também pararam.

Eu prometi manter-me forte e foi o que fiz. Eu estava despedaçado por dentro, mas segui. Eu estava cursando Artes Visuais em uma faculdade legal e me encontrei naquilo.

Enzo não me mandava uma carta há cinco meses. E por mais que eu fingisse que isto não me feria, posso dizer que doía tanto mais que os cortes que eu fizera há anos atrás. Eu não arranjei ninguém e esperava que ele também não tivesse o feito. Por favor, entenda, a briga que tivemos não foi por ele não vir nos feriados, mas sim por estar cansado de esperá-lo. Enzo demoraria mais quanto tempo fosse necessário para a guerra cessar e eu sabia que nossos sentimentos mudariam nesse tempo, assim como eu mudei.

Foi numa quinta-feira, ás dezenove horas e vinte minutos que houveram batidas desesperadas em minha porta. Eu senti essas batidas juntarem-se a meu coração, que agora jazia acelerado. Eu não recebia visitas. Sequer tinha amigos. Só podia ser meu psicólogo, o que não era bem aceitável, ou...

O pai de Enzo.

Seus olhos estavam inchados e seu rosto vermelho, lágrimas escorriam sem parar. Ele abraçara-me sem nem pensar e naquele momento eu entendi que eu havia o perdido para sempre. Enzo estava morto. E aquele foi o pior momento da minha vida.

Eu entrei em uma situação crítica. Cai no chão e senti todo o meu pesadelo tornar-se realidade. Quando você perde alguém, parece que toda a dor que um dia você já sentiu fora algo fútil. E aquela situação era crítica, porque meu coração estava tão vazio quanto minha alma, mas em compensação minha mente estava cheia. Tantas memórias. Nunca mais sentiria aqueles lábios. Não nos casaríamos. Não adotaríamos duas crianças asiáticas. Enzo não viraria um herói. Ele não voltaria para casa.

Em poucos minutos, minha cabeça tocava o chão e minha respiração faltava. Minha visão ficara turva e senti-me como se estivesse tendo um ataque cardíaco. Eu desmaiei e quando abri as pálpebras novamente, não estava no lugar que realmente desejava. Estava no hospital.

Eles me passaram uma dose maior de antidepressivos e me sedaram com calmante. Dormi no hospital para observação e no dia seguinte sai. Não perguntei se haveria enterro ou não. Não queria saber se ele morrera em campo de batalha ou fora pego fora dele. Tudo que fiz foi passar em um bar, comprar uma bebida barata e ir para a escola onde estudava. O diretor cumprimentou-me e eu forcei um sorriso. Era isto que as pessoas faziam quando não queriam explicar o porquê de estarem mal.

Eu me tranquei no banheiro e joguei pelo menos quarenta pílulas em minha boca, junto do líquido ácido que descia pela minha garganta. Por favor, peço novamente que não me julgue. Eu tentei ser forte, eu juro. Mas não posso imaginar um mundo onde Enzo Bourne não exista. Eu estava conseguindo sobreviver a tudo isso porque eu estava me prendendo à esperança de que estava fazendo o certo. Mas não fiz. Quem sabe ele tenha levado um tiro porque estava distraído pensando em mim? É um pensamento prepotente, mas que não pode ser ignorado. Eu amei Enzo até o último minuto da minha vida e até depois dela.

Eu conheci o outro lado e posso lhe garantir que ele é muito bonito. E dois dias depois, eu estava observando daqui de cima a casa onde o meu amor viveu. E eu vi dali ele entrar pela porta. Eu achei que tudo não passara de uma ilusão, mas Enzo estava ali, vivo.

Seu pai havia mentido para mim, sabendo que eu não iria aguentar perdê-lo. O seu filho chorava e gritava, puxando os fios castanhos. Ele não parecia bravo, apenas triste.

Eu sei que a atitude do seu genitor fora a mais pútrida que se pode tomar. Eu sei que foi por causa dela que eu não podia estar ali, ao lado do meu amor, que eu tinha tirado o meu bem mais precioso, a vida, por causa de uma mentira.

Eu não senti ódio. Eu estava feliz demais para isto. Por que carregaríamos o ódio se o que devemos espalhar é o amor? Tudo que eu fiz foi andar em direção aquela casa e abraçar Enzo, sabendo que ele não me sentiria.

Ele correu, gritando meu nome. Eu o segui, fitando seu rosto. Beijei seus lábios, mas ele não parou. Mas eu sabia que ele tinha sentido meu calor, porque sorriu. Ele entrou no velório. Não tinha ninguém lá e eu não me importava. Quando disse que era sozinho eu não menti. O que importava era que ele estava ali. Ele tirou duas lâminas da jaqueta militar e cortou seus pulsos. Deitou-se ao meu lado, até perder a consciência.

Eu não o julguei quando ele entrou no paraíso. Ele não tinha me julgado no início. Tampouco me senti culpado, pois sabia que este era o nosso destino. Estávamos sentados em um balanço, olhando as flores. Sua cabeça estava na curva do meu ombro e nós riamos sem motivo. Eu beijei o topo de sua cabeça e ele tocou meus lábios com os seus.

Eu estava no paraíso, justamente porque ele estava comigo. O mundo poderia tentar nos separar mil vezes, mas isso só faria nos amarmos mais. Mas eu não posso descrever essa sensação a vocês.

Eu não sei se o amor é um tipo de loucura da humanidade ou se é o exato objetivo dela. Mas pessoalmente, eu prefiro acreditar que ele é apenas o sentimento mais bonito de todos. Eu sinto isto agora. E eu sei que é real: as estrelas me contaram.


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Notas finais do capítulo

Caso tenha gostado, comente ♥ É uma forma de incentivar-nos a continuar a escrever. E novamente, obrigada. Principalmente por ter chegado até aqui.XOXO~



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