Coração de Plástico escrita por march dammes


Capítulo 1
Down In Tokyo


Notas iniciais do capítulo

Ficou mais curto do que eu imaginava ou queria, mas...acho que ficou bom. Na verdade, acho que ficou tão bom que, como uma obra prima, se eu adicionar mais alguma coisa vou estragar. Então, é, fiquem à vontade! E à divosilinda da Kori Hime, feliz aniversário!!!



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Eu nunca achei que fosse amar alguém do jeito que o amei.

Nesse ano de 2084, o Japão é o berço da tecnologia, e em Tóquio, o futuro é feito de ferro e plástico.

O oxigênio não é um problema depois de ter sido inventada sua versão artificial, que funciona tão bem – senão mais – que o gás em si. Por isso, plantas foram quase extintas nesse mundo avançado, os continentes com água em abundância sendo os mais economicamente favorecidos. Os outros países pagam preços exorbitantes pelo líquido que uma vez ocupava dois terços do planeta que chamamos Terra.

A tecnologia avança e faz sucesso cada vez mais, facilitando a medicina, abrindo vagas no mercado de trabalho, não mais sendo estritas aos grandes ricaços. Todos podem abusar da tecnologia – e assim é em Tóquio, minha cidade natal, onde sou apenas mais um na multidão de drones.

Sim, drones, pois orgânico é uma palavra quase desconhecida. Humanos em carne e osso não duram, foi o que percebemos, então ciborgues e androides passaram lentamente a ser algo muito mais comum. Não nos outros países, e com certeza não na África, mas no Japão é desse jeito, e se perguntarem-me se sou feliz, direi que não estou programado para esse tipo em particular de sentimento.

Ou, era o que eu achava.

Sou meio androide, por isso, pensante; apesar de que me sinto cada vez menos humano. Como um experimento, tive partes do meu corpo cirurgicamente retiradas e substituídas por próteses de metal e plástico, transformando-me em um tipo estranho de ciborgue, de olhos brilhantes, núcleo silencioso e cérebro artificial. Ou, a maior parte dele.

Não é necessário que coma ou beba mais que o suficiente: ingiro algumas vitaminas em cápsulas para manter meu corpo humano funcionando, e quando me sinto cansado, ponho-me para carregar. Vou a um instituto de ensino em que usam-se computadores de última geração e palm tops que projetam hologramas. Dizem alguns pais e avós que, quando tinham nossa idade, aquilo sequer existia, e o ser humano podia apenas sonhar em criar algo como eu. Dá para acreditar?

De todo jeito, deu para perceber que o levo não pode ser chamado de “vida” – afinal, não “vivo”, como diziam meus genitores, na época que ainda habitava o mesmo edifício que eles...o que faço é existir. Simplesmente, ser, como um robô, uma máquina, algo sem propósito e sem alma. Por um tempo, acreditei neles...acreditei que não tinha algo dentro de mim que me movesse todos os dias, além do núcleo brilhante que transpassa minha pele. Acreditei não ter um objetivo. Um motivo.

Então, entrei em depressão.

Acreditei piamente que jamais viveria intensamente. Que não sentiria o resto de adrenalina correr pelas veias, que não presenciaria um episódio fantástico, que não passaria pela experiência eletrizante de correr perigo, que não me emocionaria ao ver um pôr-do-sol como humanos de carne e osso conseguem fazer. Que não amaria. E nem seria amado.

Mas ah, como sempre, estava errado.

Eu o encontrei numa das situações mais pitorescas. Voltava eu do instituto para jovens, carregando minha pasta com o palm top contendo o dever de casa debaixo do braço, quando ouço, ao meu lado, um barulho alto de metal ao chão. Foi natural, para mim, virar-me para ver do que se tratava...talvez algum pobre coitado derrubara o que levava nas mãos...mas não, não era apenas isso. O pobre coitado derrubara a si mesmo.

Naquela sociedade individualista, acostumava-se a cair e levantar e seguir seu caminho como se nada tivesse acontecido. Mas eu me sentia diferente quanto àquele estranho...meus circuitos zumbiram assim que bati os olhos em sua figura, e como se fosse atraído a ele – como ímã e metal -, quando me dei por si estava me aproximando.

-Com licença –disse, em minha voz que sempre achei tão robótica e fria- Precisa de ajuda?

Ele ergueu a cabeça, e foi como se eu tomasse um choque. Seus cabelos eram negros e recaíam sobre um lado do rosto, embora não ocultando-o completamente. Percebia que seu núcleo era azul-fosforescente, bem oposto ao meu, e me fascinei ao perceber que apenas um de seus olhos possuía a mesma cor que seu coração.

O outro, para minha completa e positiva surpresa, conservava pupila e íris, esta, cinzenta como o metal de suas próteses. Mas...como? Alguém como eu não era raro, mas como ele...o quão robô era aquele rapaz desconhecido?

-Opa –ele riu, e senti meu corpo superaquecer (cheguei a ter medo de um defeito) - Desculpe por isso...é a prótese. Tem tido muitos atos falhos, talvez eu precise de uma nova.

-Oh... –fiz eu, estendendo-lhe a mão- Consegue se levantar?

Segurei sua mão pálida e magra de quem não supria-se das vitaminas necessárias, ele tinha uma pegada forte. O ergui, ainda estranhando a sensação de choque estático que me ocorrera quando atritamos nossas peles. Olhei de relance quando ele soltou-me, e percebi que pintava as unhas da mão humana de preto. Achei...diferente. E belo.

-Obrigado pela ajuda –ouvi-o dizer, me tirando dos meus devaneios e fazendo-o encará-lo nos olhos diferentes- Fico lhe devendo. –coçou a nuca com certa vergonha.

-Sem problemas –respondi, mais seco do que pretendia- Não costumo ajudar as pessoas...

-Ah –ele riu de nervoso, antes que eu continuasse:

-...mas vi algo em você, então decidi ajudar.

Ele me olhou com surpresa e confusão. Encolhi os ombros.

-Algo? Como assim, “algo”?

Hesitei. Vira algo nele, tinha certeza, algo que me movera sozinho e me fizera me aproximar...mas simplesmente não sabia o que era. E duvidava que um dia fosse descobrir.

-Também não sei –respondi, por fim. Ele se calou e baixou o olhar, e eu igualmente não sabia o que dizer. O tinha espantado? O deixado desconfortável com meu jeito? Mas, não, não podia o deixar ir embora! Sentia algo diferente, algo que pela primeira vez na vida me dava uma sensação diferente do vazio habitual, como se algo naquele rapaz me preenchesse por dentro de uma maneira inédita...eu não sabia o que era. Mas sabia que não podia deixar escapar por entre os dedos; não desta vez.

Então, quando ele se virou e começou a verbalizar um “Então já vou, obrigado”, o segurei pelo pulso metálico.

-Espere! –acabei exclamando, e o soltei envergonhado logo em seguida. De novo, a sensação de choque...o que estava acontecendo comigo?

Ele se virou novamente surpreso, e olhou para seu braço artificial com uma confusão infantil. Imaginei se havia sentido o mesmo que eu...

-M-me desculpe. Mas será que, antes que vá, posso saber seu nome?

Ergui os olhos apenas o bastante para que conseguisse vê-lo e ainda assim fosse ocultado pela franja. Não queria que ele visse meu rosto, que provavelmente, estava vermelho.

-Oh –ele fez- OH. –e bateu na testa- Claro! Que distraído sou. Me desculpe. –riu, e eu duvidei que jamais houvesse escutado risada mais linda- Meu nome é Shimizu Takashi.

Estendeu-me a mão artificial, dessa vez, ao que a apertei com a minha banhada em cobre.

-Hashimoto Hidetaka. É um prazer.

Quando nos soltamos, ele sorriu discretamente.

-Hidetaka... –repetiu meu nome, como se saboreasse cada letra- Se você o escreve como estou pensando, o kanji é o mesmo para “próspero”. Hide, certo? “Excelente”?

-Ah...sim...é isso.

-Sabia! –ele comemorou e coçou a nuca em seguida, imaginei que fosse uma mania de quando estivesse sem graça- Prazer, Hashimoto. Nos encontraremos de novo?

-E-espero que sim –praguejei mentalmente por ter gaguejado. Não estava programado para atos tão humanos!

-Certo –riu novamente- Podemos nos encontrar...no centro da cidade? No Coração?

O Coração de Tóquio, como chamávamos, era exatamente o centro da extensão atual da cidade. Era um enorme núcleo que “bombeava” ar oxigênio por quilômetros e quilômetros, como um gigante coração bombeia sangue para um grande corpo. E éramos um grande corpo – metálico, mecânico e frio.

E diante da proposta, quase consegui soltar um sorriso.

-Claro. Ao pôr do sol.

*

Depois desse dia, acho desnecessário dizer que minha vida mudou completamente. Sim, vida, sem aspas: porque, se há uma coisa que eu aprendi com Takashi, é que você vale a pena.

E se há outra coisa que aprendi com Takashi, é que sempre há motivos para sorrir.

E se há ainda uma terceira coisa que aprendi com Takashi, é que cada um guarda uma qualidade fantástica – seja ela consertar pessoas ou assobiar com o nariz, segundo ele.

Sim...nesses últimos meses, aprendi muito com Takashi. Ele se tornou meu amigo, depois, o mais próximo, e lentamente, com uma mútua realização e um pedido, meu amante.

-Hide –disse ele, a testa encostada na minha, nossos dedos entrelaçados, depois que demos nosso primeiro beijo no espaço pequeno entre um prédio e outro- Lembra de quando nos encontramos pela primeira vez de todas as outras, e você me disse que se aproximou por ter visto “algo” em mim?

-Lembro.

-O que foi que você viu?

E, naquele momento, não encolhi os ombros. Não estava confuso. Tinha plena certeza do que me atraíra a ele, do que me fizera criar coragem, do que me preenchera em parte, e, tempos de convívio depois, completamente. Então, o respondi:

-Um brilho.

E ele se conformou com apenas isso. Pois ele sabia de que brilho eu falava – da faísca, da chama não de seu núcleo, mas que também servia como coração. Eu me apaixonara à primeira vista por seu jeito, sua alegria, seu sorriso e maneira de ver o mundo. Me apaixonara por aquele garoto, e não androide, que conseguia sorrir até nos piores momentos. Que procurava motivos para existir e ser feliz, e não ficava sentado esperando, como eu costumava fazer. Que era pleno e era simples, e vivia. Então, quando me aproximei, o permiti me ensinar a viver. Me ensinar a amar.

E ele ensinou. Contrariando tudo o que imaginara até agora, contrariando minha programação, minha alma metálica, minha mente artificial e os zumbidos constantes de meu peito, ele me ensinou a amar. E eu o amei...como nunca imaginei que fosse conseguir.


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Notas finais do capítulo

E foi isso! Comentários? Sugestões? Opiniões? Aceito até críticas! Quero muito saber como ficou asdfgjjkl ;w;
Kissus e até a próxima~



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