Zodíaco: O 13º Signo escrita por Rodrigo Fregnani


Capítulo 2
A Ignorância é a Lei


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!
Lá vai mais um capítulo, e espero que gostem.



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As mulheres do Zodíaco não podem saber ler e nem escrever. Devem permanecer na profunda escuridão da ignorância. Porém, eu sabia ler e escrever.

Eu fui alfabetizada graças às aulas que meu pai dera a Thotin. Obviamente, meu pai não me ensinara por livre e espontânea vontade. Para conseguir tal bênção, escondia-me nas galerias espalhadas pela casa, possibilitando-me o acesso a qualquer ambiente sem ser vistas. Tantas conversas escutei e tantas coisas vi, que é melhor serem esquecidas, ou pelo menos não comentadas. Era difícil às vezes entender e escutar, mas, com esforço, fui aprendendo tudo o que Thotin aprendia. Roubava papel e carvão do escritório de meu pai, e ia para minha aula oculta todos os dias. Sei tanto de Astronomia quanto meu irmão. Faço cálculos dificílimos de Matemática. Posso contar a História da origem do Universo e dos signos sem pestanejar. Consigo descrever os doze signos sem nenhum problema. Sou tão inteligente e cheia de conhecimento quanto meu irmão e qualquer outro homem, entretanto, ninguém sabe e nem pode saber, porquanto mulher instruída é considerada o demônio na Terra, tendo como punição seu corpo lambido pelas chamas do fogo dançante.

Todavia, eu confiava muito em meu irmão gêmeo, então a ele eu segredei tal novidade. Com o tempo, Thotin propôs-se a me ajudar com as aulas, claro, sem que ninguém soubesse.

As aulas de perto foram muito mais produtivas, fazendo-me aprender bem mais rápido do que pelas galerias. Thotin era um ótimo professor, então consegui entender aquilo que ainda tinha dificuldades, deixando-me muito mais inteligente.

Eu pegava livros da biblioteca particular de meu pai escondida. Lia em meu quarto, receosa de ser pega por alguém. Amava os livros, seus cheiros, suas texturas e, especialmente, seus conteúdos. Cada palavra era um gosto único e especial.

Infelizmente, meu pai acabou descobrindo que Thotin dava-me aulas.

Estávamos no porão, local este de nosso estudo, quando nosso pai descobriu. Com fúria, meu progenitor avançou em mim, aplicando socos em meu rosto, deixando riscas de sangue descer por minhas narinas, pelo canto de minha boca e por cima de minha sobrancelha direita. Poderia ter sido pior caso Thotin não estivesse lá para socorrer-me.

─ O que pensa que estava fazendo, Thotin? ─ vociferava o homem. ─ Como ousa ensinar uma mulher?

─ Eu... Er... ─ Meu irmão não conseguia articular. Estava tremendo de medo da fúria de Fadir. ─ Desculpe-me, pai.

─ Ela aprendeu alguma coisa?

─ Não. ─ Desta vez meu irmão fora firme, mentindo sem gaguejar. ─ Tínhamos começado hoje.

─ Ótimo. ─ Virou-se para mim e falou. ─ Sorte a sua continuar a ser burra!

Passei a língua sobre a ferida, sentindo o gosto de ferrugem. Comecei a rir desdenhosamente, fazendo meu pai partir para cima de mim novamente, mas Thotin conseguiu acalmá-lo mais uma vez.

─ Puta maldita! ─ gritava. ─ Ousa encarar-me nos olhos e rir de mim?

Meu pai saiu do porão rosnando de raiva, com o aviso de que nunca mais aquilo voltasse a se repetir, ou então eu sentiria a sua força de verdade, não apenas em minha face, mas em meu corpo todo.

─ Você tinha que rir, Soriah? ─ censurou-me Thotin. ─ Não podia simplesmente abaixar a cabeça e ficar quieta?

Passei as costas das mãos em meu nariz e no canto de minha boca para limpar um pouco da tinta vermelha que saia de mim. Encarei meu irmão com um sorriso nos lábios, porém, as lágrimas que escorriam de meus olhos não desmentiam minha tristeza.

─ Quanto mais me batem, Thotin, mais vontade de aprender eu tenho ─ falei. ─ Quanto mais me batem, mais vontade tenho de enfrentá-los. Quanto mais me batem, meu irmão, mais vontade tenho de ser diferente das outras mulheres, não deixando que me tornem submissa e inferior.

Thotin soltou um suspiro e balançava a cabeça em negação. Por mais que meu irmão me tratasse com respeito, ele era igual aos outros homens: não me entendia.

─ Vamos, Soriah. ─ Apoiou-me em seu corpo. ─ Vamos limpar essas feridas.

Fomos até a cozinha, onde minha mãe preparava o jantar. Ela ia começar a brigar comigo por não ajudá-la a cozinhar, mas quando viu meu estado, arregalou os olhos e apoio-me em uma cadeira.

─ O que aconteceu com você, Soriah?

─ Papai bateu nela, porque eu estava a ensinando a ler e a escrever.

Recebi um cascudo na cabeça de minha mãe, fazendo-me dar um gemido de dor.

─ Ficou maluca? Por que queria aprender a ler e a escrever? ─ Mirou meu irmão e um peteleco de mesma intensidade fora dada em sua cabeça, fazendo-o soltar um grito também. ─ E você? Ficou maluco ao atrever-se a ensiná-la? Será que gerei dois filhos dementes?

─ Por que não posso aprender a ler? ─ perguntei. ─ Por que não posso ser inteligente? Por que não posso ir à Academia?

Minha mãe estava prestes a me bater, mas recuou com um longo e cansado suspiro. Fechou os olhos, depois voltou a me encarar, desta vez, com ar exausto.

─ Cansei, Soriah. Cansei de tentar colocar nessa sua cabecinha oca nosso papel na sociedade.

─ Mas eu não quero me casar, reproduzir e cuidar de um lar! ─ gritei. ─ Quero ser igual aos homens!

─ Já chega, Soriah! ─ Yirmina, minha mãe, alterou a voz. ─ Cala essa boca! Você vai se casar e ponto final! Aceite as coisas como elas são e, de preferência, de cabeça abaixada. Seu noivo chega daqui a alguns dias, portanto, trate de cuidar dessa cara deformada logo, para o homem não se assustar!

─ Prefiro ficar com a cara deformada! Quem sabe ele não se assuste e vá procurar outra noiva!

─ E você prefere virar uma miserável ou uma prostituta? ─ Minha mãe rebateu com ódio. ─ É este o destino que você quer, Soriah?

Eu ia falar mais, mas Thotin fez um gesto para que eu parasse por ali.

─ Thotin, cuide do rosto de sua irmã, por favor.

Minha mãe saiu desanimada da cozinha.

Meu irmão pegou um pedaço de carne crua e colocou-a em meu olho direito. Pegou um recipiente com água e um pano, umedecendo-o e aplicando sobre minha pele.

─ Dói? ─ perguntou quando fez o primeiro contato.

─ A dignidade? Bastante.

Meu irmão soltou um riso nasal, mas nada disse. Limpou e tratou de meus ferimentos com cuidado e carinho, coisas que eu estava desacostumada a ter.

─ Acho que até o dia em que o seu noivo chegar, seu rosto já estará bem melhor ─ disse após terminar.

─ Que ele vá à merda! ─ praguejei. ─ Espero que meu rosto esteja horrível e assuste-o, levando-o para bem longe.

─ E você? ─ contestou Thotin. ─ Pretende mesmo ser uma prostituta ou uma miserável?

As prostitutas e as miseráveis eram mulheres que não conseguiram casamentos ou não os quiseram. Em Zodíaco, não havia mendigos homens, apenas mulheres, as quais viviam à margem da sociedade por não terem casado ou por não aceitarem tal imposição. O mesmo serve às prostitutas, que conseguem viver melhor financeiramente em comparação com as miseráveis, embora levem uma vida difícil com o sexo violento que os homens lhe oferecem.

É fácil reconhecer uma prostituta e uma miserável em Zodíaco. A primeira veste-se com a cor preta, um tanto fosca, enquanto a última possui trajes cinza.

─ Quero ser uma zodíaca ─ murmurei.

─ Impossível, minha irmã. Portanto, trate de aceitar seu casamento.

Thotin deixou-me a sós com a carne bovina em meu olho. Peguei o pedaço do cadáver e, com fúria, ataquei-o na parede, atingindo uma panela que jazia pendurada em um suporte, fazendo-a dançar no chão.


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Notas finais do capítulo

Ei! Você! Vai sair sem comentar?



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