Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 7
Válvula de escape




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Os pensamentos de Tyler estavam desorganizados. Não sabia o que fazer em relação a nenhum deles. Tinha recebido uma descarga de informações e por mais esclarecedores que tivessem sido, não apresentavam nada de positivo. Queria tentar resolver tudo, mas precisava começar por algum lugar. Estava necessitando conversar com alguém. E só existiam duas pessoas a quem ele recorria nesse tipo de situação, mas, naquele instante, só uma estava disponível.

Tyler pensou em visitar Clair em casa, mas logo abandonou a ideia. Pelo que conhecia da amiga, ela não ia conseguir ficar em casa desocupada sabendo que Amber não estava a salvo. Precisaria estar fazendo algo que a permitisse se distrair enquanto tentava pensar em algo. Assim, Tyler resolveu ir na loja da mãe dela, na esperança de Clair está a auxiliando.

O Novas Velharias era uma loja que dona Mary Ann abriu assim que chegou na cidade. Vendia artigos mágicos que, ironicamente, só podiam ser utilizados fora de Awalles, e, também alguns itens que poderiam muito bem servir simplesmente para uma bela decoração. Estava sempre renovando seu estoque graças às viagens que seu marido, Lúcio, fazia. Ele costumava fazer longas viagens, e trazer bastantes objetos para que Mary Ann pudesse colocar a venda.

Mary Ann costumava dizer que abrir uma loja que vendesse qualquer coisa mágica em Awalles era uma questão de estratégia. Pois, pelo fato da mágica ser desabilitada na cidade, somente clientes que realmente soubessem o que queriam iriam procurá-la. E, com isso ela poderia colocar o preço mais alto do que de costume, levando em consideração que se alguém não tivesse de acordo, deveria procurar em outra cidade.

A loja não era muito grande. Estantes cercavam a parte interna da loja com vários objetos decorando e esperando serem comprados. No centro encontrava-se uma estante que possuía o forma de uma rosa dos ventos, com as quatro direções principais. Ao norte, situava-se um balcão, que em sua parte inferior servia de vitrine para objetos menores ou mais valiosos. O fundo da loja servia de depósito, onde eram colocados objetos menos atrativos.

Naquele dia Clair estava ajudando sua mãe a arrumar a disposição dos objetos nas estantes. Não era sempre que apareciam clientes, o que as deixava com bastante tempo livre. Quando Tyler entrou, Mary Ann já se alertou e prontificou a dirigir-se até a porta na expectativa de ser alguém querendo fazer alguma aquisição. Frustrou-se por alguns segundos e animou-se ao ver que o rapaz finalmente havia despertado.

– Que bom que está bem! Estava ficando preocupada. - disse Mary Ann com um sorriso no rosto.

– Sim, estou relativamente bem. Obrigado pela preocupação. Infelizmente nem todo mundo teve a mesma sorte, não é mesmo? - Tyler percebeu que tinha sido indelicado e logo se corrigiu. - Desculpe. Não queria que parecesse uma falta de educação. É só que...

– Eu entendo, garoto. Não se preocupe. - interrompeu Mary Ann sabendo ao que ele estava se referindo e o que ele estava passando.

Tyler foi até Clair e a cumprimentou. Nenhum dos dois sabia como iniciar o assunto, porém ambos queriam falar a respeito. O fato de Mary Ann estar presente ainda dificultava, pois não queria falar sobre o assunto na frente dela.

– Acho que posso arrumas essas estantes da frente sozinha. - disse Mary Ann percebendo que os dois jovens gostariam de ficar a sós.

– Tem certeza, mãe? - perguntou Clair.

– Mas é claro. É bom que coloco as coisas do meu jeito e faço mais rápido. - iniciou. - Mas tenho certeza que Tyler não se importará de te ajudar a organizar o depósito. As coisas lá andam muito bagunçadas e empoeiradas e toda vez que eu tento arrumar, a poeira me faz ficar tossindo e eu tenho que parar. Prefiro ficar aqui pela frente. - deu uma risadinha seguida por uma piscada para o jovem.

– Mãe! - exclamou Clair.

– Não se preocupe. - interrompeu Tyler antes que a amiga pudesse dizer mais alguma coisa. - Não me importo em ajudar. Alguma preferência de arrumação?

– Não tenho. Preferia que tirassem a poeira primeiro, para que depois eu possa continuar o trabalho caso não terminem.

– Certo! - afirmou Tyler.

Os dois se retiram, deram a volta no balcão e, por uma porta atrás do balcão, tiveram acesso ao local de trabalho deles.

O depósito era uma área com pouca iluminação e as poucas janelas se encontravam tapadas com algumas lonas, o que não ajudava em nada. O acúmulo de poeira se dava ao fato da área vir a uso somente quando alguém estava atrás de algo específico que não estava à vista na frente da loja, obrigando a Mary Ann ter que buscar, caso soubesse do que se tratava.

Os dois jovens tiraram as lonas das janelas, e como o dia estava bastante ensolarado, os raios de sol fizeram um excelente trabalho proporcionando uma visão mais acurada do local. Eram muitos objetos colocados de forma randômica em qualquer lugar. Inúmeras caixas de madeira podiam ser encontradas semiabertas, e algumas delas vazias.

Antes de começar a arrumação, eles esvaziaram o conteúdo das caixas e colocaram os recipiente vazios organizados em um canto do depósito. Com isso eles conseguiram ter um espaço amplo e com maior facilidade de locomoção.

– Você não veio aqui para ajudar a minha mãe arrumar a loja! - indagou Clair.

– Não foi meu primeiro pensamento mas, já que estou aqui, pelo menos é uma distração enquanto conversamos.

– E sobre o que iremos falar?

– Minha mãe me contou o que aconteceu, mas queria ouvir de você. - disse Tyler esperando que tivesse algum detalhe que Clair tivesse esquecido de contar em sua versão anterior.

Clair contou para o amigo o que aconteceu depois que ele perdeu a consciência, porém nenhum detalhe novo foi adicionado. A jovem contou que chegou a perguntar o motivo, porém a resposta que obteve foi uma rajada de pó que a fez perder os sentidos e que depois acordou em seu quarto.

– Gostaria de saber o porquê de estarem atrás dela. - disse Tyler quando Clair terminou de contar o que lembrava.

– De repente ele não estava atrás. Pode ter sido questão de oportunidade. - especulou Clair. - A questão é saber qual o motivo de levarem somente ela e nos deixarem lá.

– Existem muitas perguntas sem respostas a partir disso tudo. - retrucou o jovem.

– O que você está querendo dizer? Tem algo que eu não sei? - questionou curiosa.

– Tenho algumas coisas que eu preciso te dizer. - iniciou Tyler. - Preciso não. Quero!

Tyler começou contando sobre o sonho que teve com Elly e como isso levou a conversa que teve com sua mãe. Passou brevemente pela história de sua mãe e seu pai, limitando-se apenas a fatos interessantes. Continuou de forma mais detalhada a partir de seu nascimento e como isso estava relacionado com Elly. Por fim, mostrou o amuleto que sua mãe finalmente havia lhe dado.

– Como você não tinha perguntado sobre o seu pai antes? - exclamou Clair um tanto quanto indignada. - Eu e Amber sempre te dissemos que deveria ter essa conversa com sua mãe!

– Eu sei, eu sei! Mas eu não queria colocá-la contra parede. - justificou-se Tyler. - Ela podia ter algum motivo para não ter contado. E, aparentemente, tinha.

– Mas vai saber se ela não teria te contado antes se você tivesse perguntado.

– Vai dizer que agora a culpa é minha?

– Não. Estou dizendo que vocês dois tem a parcela de culpa nessa história. - deu de ombros. - Mas creio que isso não vem ao caso agora. Pelo menos agora você sabe. O que fará com essa informação?

– Eu ainda não sei. Tem muita coisa para eu pensar. Amber, meu pai, minha irmã... - Tyler quase deixou um vaso cair, mas rapidamente evitou a queda do mesmo. - A única coisa concreta que tenho é esse objeto que nem ao mesmo sei para que serve.

– Se ao menos Amber tivesse aqui, ela poderia te responder. - pensou por um instante. - Você não está achando que ela foi capturada por ter um desses, está?

– Não sei. Na verdade não tive muito tempo para pensar a respeito. - respondeu Tyler. - Mas agora que você comentou, se fosse por esse motivo, se eu já tivesse o meu em mãos, poderia estar junto com ela agora.

– Agradeça sua mãe por não ter te falado antes, então. - rebateu Clair. - Amber sempre disse que o amuleto dela foi dado pela mãe. Talvez devêssemos perguntar a ela.

– Não quero incomodá-los nesse momento. Não sei qual seria minha reação ao vê-los sabendo que não pude fazer nada para ajudar a filha deles.

– Sei bem como é isso. - respondeu lembrando do momento em que contou a história para Heather e Byron, tendo em mente que foi a única que de fato esteve frente a frente com Artie e mesmo assim não fez nada. - O que pretende fazer então?

– Primeiramente sair daqui de Awalles. Eu preciso fora dessa barreira caso minha irmã tente entrar em contato comigo novamente. - contou Tyler. - Depois, eu tenho plano.

– Um plano? Você disse que tinha muita coisa para pensar, mas já tem um plano? - disse Clair ironicamente.

– Não é bem um plano. Está mais para uma tentativa.

– E quanto mais você vai demorar para me contar?

Tyler contou cada etapa do que pretendia fazer. Fez questão de falar que estava sujeito à falhas. Muitas falhas. Mas estava disposto a tentar e não queria ficar de espectador enquanto as coisas podiam demorar a se resolver. Supondo que viessem a se resolver. Clair escutava atenciosamente esboçando diferentes expressões de acordo com o que era lhe passado, mas ainda incrédula com o que escutava.

– E quando você pretende começar a fazer isso tudo?

– Hoje a noite nos encontramos na entrada da cidade e partimos.

– Como assim? Quem disse que eu vou com você? - indagou.

– Não imaginei que você fosse ficar aqui arrumando o depósito para sempre só pra evitar pensar no assunto. - pausou e observou quando Clair fez uma expressão de que ele estava correto. - Além do mais, já iríamos sair daqui algum dia. Só estamos adiantando as coisas por um motivo maior.

– Não sei se consigo deixar tudo para trás assim de uma hora para outra.

– Como eu disse, pretendo ir hoje a noite. Marco com você na frente da cidade. Se você aparecer, vamos juntos. Caso contrário, você fica encarregada de contar para minha mãe os detalhes, após ela ler a carta de despedida que eu deixar.

– E você não pretende avisar a ela antes? - perguntou surpresa.

– E correr o risco dela não me deixar ir? Acho melhor não. Ela entenderá depois, eu espero.

– Não posso garantir nada. Pensarei no assunto até mais tarde. - Clair viu quando Tyler esboçou um pequeno sorriso. - Qualquer coisa eu encontro com você lá.

– Então está marcado! Agora vamos agilizar nosso serviço aqui.

Clair estava deixando se levar pelo entusiasmo de Tyler. Ela nunca teve muito ânsia de deixar a cidade, mas não podia negar que a adrenalina daquela situação estava a deixando animada. Não queria depois ficar com a consciência pesada por não ter feito tudo o que podia, E, se tudo desse certo, ela teria sua amiga de volta.

Já estava quase na hora do almoço quando Tyler deixou a loja e voltou para casa. O almoço estava pronto, mas não tinha ninguém em casa. Seu irmão havia deixado um bilhete dizendo que almoçaria na casa de um amigo, e sua mãe havia deixado outro dizendo que ficaria fora pelo restante da tarde.

Serviu-se uma porção de sopa de legumes e levou um tempo saboreando cada colherada enquanto pensava que poderia ser a última refeição cozinhada pela mãe dentro de um bom período de tempo. Tomou um copo de suco de laranja que sua mãe também já havia preparado e foi deitar-se.

Naquela dia, Tyler não se recordava de seus sonhos. Não teve um sono tranquilo, e acordava em intervalos de minutos com medo de passar da hora que havia combinado. E quando finalmente a noite caiu e sentiu-se descansado, resolveu arrumar suas coisas.

Pegou uma mochila antiga que tinha guardado. Colocou algumas roupas dentro e deixou espaço para pegar algumas frutas enquanto passasse pela floresta. Não queria pegar comida em casa e correr o risco de sua mãe o ver. Percebeu-se despreparado quando viu que não sabia o que mais deveria estar levando, mas decidiu seguir o instinto e se virar do jeito que podia.

Notou a quietude em que se encontrava a casa e achou que seria o melhor momento para sair. Escreveu uma breve carta de despedida para sua mãe contando que pretendia colher o máximo de informações que pudesse e com sorte ficaria tudo bem. Naquele momento, percebeu que além da aparência idêntica a de seu pai, sua atitude também estava sendo. O último contato com sua mãe seria através de uma carta. Sabia qual era o seu motivo para isso, agora restava saber qual tinha sido o de seu pai.

Saiu de seu quarto silenciosamente. Foi passando por cada cômodo verificando que não estava sendo visto e logo atingiu à porta da frente. Deixou a casa e virou-se para contemplar e guardar na memória o lugar para o qual ele esperava voltar um dia. E partiu em direção à saída da cidade.

Tyler viu, de longe, uma figura com vestes escuras perto da saída e logo se deu conta que sua amiga, Clair, já o esperava impacientemente.

– Então você resolveu aparecer. Sabia que não ia me deixar sozinho! - disse Tyler feliz com a presença da amiga. - Nós vamos partir ou temos algum velório para ir? - brincou referente às roupas de Clair.

– Achei que assim seria mais fácil de ninguém notar e misturar na escuridão da noite.

A resposta de Clair fez com que Tyler tivesse desejado pensar do mesmo jeito. Mas esperava que isso não tivesse sido notado por alguém.

– Então vamos demorar mais quanto tempo para sairmos daqui? Está precisando de uma dose de coragem? - foi a vez de Clair brincar com o amigo.

Os dois amigos se viraram para deixar a cidade e caminharam em direção a floresta. Rapidamente quatro pessoas abordaram os jovens, deixando-os bastante surpresos.

– Vocês não acharam que iriam sair sem antes nos avisar, não é mesmo? - disse Mary Ann, que se encontrava ao lado de Sylvie, Byron e Heather.

Tyler olhou de canto de olho para Clair, como se estivesse a acusando de ter dado algum indício que estaria saindo de casa. O ato foi percebido por Sylvie, que logo se pronunciou:

– Eu imaginava que você fosse querer buscar alguma resposta, mas não sabia que ia ser tão rápido. Ainda bem que Mary Ann me alertou.

– O que eu posso fazer? A loja é um lugar tranquilo e silencioso e o porão mais ainda. Qualquer sussurro se transforma em um grande barulho lá.

Os dois perceberam que tinham que o plano dele já tinha dado a primeira falha e já estavam aceitando ter que voltar para casa e escutar o sermão que suas mães lhes dariam.

– E sair desarmados desse jeito? Achei que tivesse ensinado melhor a vocês. - falou Byron entregando presentes para os dois jovens. - Espero que façam bom uso.

Para Tyler eram duas espadas e para Amber, um bastão. Ambos novos e melhores do que eles estavam acostumado a treinar. Os dois ficaram sem entender aquele momento e confusão expressada na face deles, foi o motivo para Sylvie explicar:

– Se pudéssemos escolher, claro que não gostaríamos que fosse. Mas isso também não é escolha nossa. Vocês já estão na idade de aprender a viver com a escolha que fazem, e se é isso que querem, não podemos impedir.

– Podemos apenas apoiar e tentar fazer o máximo para que não dê errado. - disse Mary Ann ela passando dois livros para a filha.

– Livros, mãe? Em um momento desse?

– Não há presente maior que o conhecimento, minha filha. Você irá perceber que eles serão muito úteis.

– Meu marido e eu estamos agradecidos pelo que estão tentando fazer por Amber. - expressou-se Heather emocionada. - Byron já mandou várias mensagens alertando vilarejos próximos com as descrições do sequestrador, e estamos esperando notícia.

– Esperamos encontrar mais informações também. - respondeu Tyler prontamente.

– E, falando em encontrar, não posso deixar que fiquem perdidos. - Sylvie pegou um rolo de papel que estava enrolado e entregou a Tyler. - Espero que esse mapa ajude vocês.

Tyler não soube o que responder a sua mãe e simplesmente a abraçou. O mesmo gesto foi repetido por Clair enquanto Byron e Heather apenas observavam.

– Tia Heather! - chamou Tyler carinhosamente, como já estava habituado a chamá-la. - Sobre o amuleto, Amber dizia que você quem deu de presente a ela. Qual a função?

– Não sei ao certo. Na minha família ela foi passando de geração a geração. - respondeu surpresa com a pergunta. - Mas histórias contam que um espírito guardião habita o amuleto e se manifesta quando o dono acha que está numa situação de perigo. Mas são somente histórias, nunca testemunhei isso.

– Obrigado. Pelo menos já é alguma coisa. - e abraçou Heather querendo expressar que faria de tudo para trazer a filha deles de volta.

Tyler e Clair deixaram os pais ali e partiram para a floresta. As mães lembraram de estarem naquele mesmo lugar no momento em que os dois chegaram sendo carregados e agora observavam eles irem embora. Desejavam não ter que estar ali só para momentos assim.

– Espero que eles fiquem bem. - desejou Byron, não querendo que mais pessoas passassem pelo o que ele estava passando.

– Nós demos artifícios para eles se protegerem, se orientarem e se informarem. Não podíamos ter feito mais nada. - concluiu Mary Ann.

A silhueta dos jovens foi sumindo em meio a escuridão da floresta, até que não estavam mais à vista.

– Eles vão ficar bem! - afirmou Sylvie dando um último suspiro.


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