Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 38
Ímpeto Inflamado




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Clair e Shane chegaram ao portão principal sem grandes dificuldades. A combinação de luz e sombras havia se mostrado muito eficaz no campo de batalha. Talvez sozinhos não teriam como utilizar suas habilidades daquela maneira, porém juntos eles pareciam se complementar.

O número de guerreiros inimigos no interior da prisão ainda era considerável. Alguns grupos de aliados já haviam conseguido entrar no salão principal e tentavam neutralizar as ameaças presentes. Lamparinas e tochas encontravam-se jogadas ao chão dando início a pequenos focos de incêndio devido a quantidade de piche e óleo que se misturava ali.

— Aparentemente o único caminho é por ali! – constatou Shane apontando a direção para que Clair se localizasse.

Ela passou os olhos pelo recinto analisando cada canto. Observou as escadas que levavam para uma sacada e ficou intrigada ao não conseguir achar finalidade para aquela construção estar ali sem possuir um caminho adiante. Notou que, do caminho apontado por Shane, saía um constante fluxo de fumaça e estava sendo guardado por alguns guerreiros aliados.

— Cuidado! – gritou uma voz feminina conhecida pelos dois.

Clair sentiu um objeto passando rápido próximo a sua cabeça e colidir com alguém logo atrás. Ela e Shane, por instinto, viraram-se para ver o que tinha acontecido e um homem contorcia-se de dor, segurando seu braço direito ao lado de uma acha. Mais ao lado encontrava-se um bumerangue bastante familiar.

— Essa foi por pouco! – disse Dahlia aproximando-se dos dois. – Não podem entrar num campo de batalha e não prestarem atenção no que acontece ao redor.

— Sorte que você estava aqui para nos ajudar, não é mesmo? – Shane pegou sua lança e atingiu com força a cabeça do mercenário a ponto de deixa-lo inconsciente.

— É melhor não ficar falando muito. – alertou Clair deixando o xamã sem entender o motivo. – Vamos seguir caminho. Precisamos achar a mãe das meninas.

— Alguns dos nossos já desceram por aquele caminho e estão tentando abrir as celas, mas está impossível. Estão tentando bloquear a passagem das forças inimigas e assim restringir as batalhas para um lugar só.

Não gostando de entrar em lutas, Clair foi a primeira a tomar a dianteira para se ver fora daquele cenário. Agora, com mais atenção, tentava ser cautelosa e olhar para todos os lados para não ser surpreendida. Logo atrás, Shane e Dahlia observavam o comportamento da menina.

— Deve ser difícil, não é? – indagou Shane em voz baixa.

— Do que você está falando? – questionou a caçadora mantendo o tom.

— Sair de um lugar totalmente protegido e vir para outro e não se sentir segura. Acho que nunca saberemos a sensação.

— Todos nós estávamos seguros em nossas casas...

— Você entendeu bem o que eu disse. – interrompeu. – Os três são como espíritos que acabaram de chegar ao mundo. Ainda estão buscando seus propósitos sem saber ao certo o que esperar.

— Então nós seríamos os guias espirituais? – Dahlia pensou e prosseguiu. – Ou na verdade eles quem estão nos guiando?

— Boa pergunta. – Shane ficou pensativo, olhou ao redor e observou Clair mais uma vez. – Acho que ao tentar guiá-los, acabamos nos deixando guiar por eles.

— Ei, vocês dois! Mais rápido, por favor! – gritou Clair. – Estão querendo ficar para ser mais um alvo aqui?

— Acho que ela tem um ponto.

— E você também teve. – replicou a caçadora.

Eles passaram por entres os guerreiros que faziam a guarda e foram cuidadosamente avaliados com olhares. Não houve resistência quanto a passagem deles. Por estarem entre os mais jovens aliados, eram conhecidos por todos do grupo.

Ao passarem pelo vão, já cobriram o rosto. O cenário provocava um misto de sensações desagradáveis. Os focos de incêndio já haviam se intensificado e a fumaça atrapalhava a visão, fazendo os olhos lacrimejarem e dificultava a respiração de quem resolvesse entrar. Os gritos agoniantes de socorro eram escutados e, logo em seguida, abafados por uma sequência de tosse seca. Conforme avançavam, podiam sentir um cheiro impregnante de carne queimada.

— Não sei por quanto tempo irei conseguir aguentar ficar aqui desse jeito. – anunciou Clair.

— Cubra seu nariz e a boca. – respondeu Dahlia com a voz abafada pelo protetor facial que os caçadores carregavam consigo.

— Temos que tirar essas pessoas logo daqui. Antes que a situação piore. – Shane tentava não respirar aquela fumaça, mas era inevitável.

— Não deve ser fácil abrir essas celas. Se fosse, já teriam conseguido libertar alguns e até agora não vi ninguém saindo. – explicou a caçadora. – Vejam só.

Semicerrando os olhos ao tentar enxergar por entre a fumaça, viam guerreiros e caçadores tentando arrombar as portas das celas sem sucesso. Em outras, faziam esforço para quebrar as paredes laterais para criar um buraco de fuga. Tudo isso em vão.

— Não adianta. É como se estivessem trancadas por magia. – disse Shane.

— Então é só utilizar nossas habilidades para abri-las. Fogo contra fogo. – respondeu Dahlia já se preparando.

— Você acha que se fosse assim as meninas não tinham simplesmente feito isso para sair? - Talvez eu possa fazer algo. – anunciou Clair para surpresa dos outros dois. – E se eu usar uma magia para cancelar a proteção das celas?

— Você está querendo dizer que vai usar uma magia para cancelar a magia que bloqueia magia para que nós possamos usar magia? – Shane repetiu a frase em sua cabeça várias vezes para ter certeza que tinha falado certo.

— E você tem certeza de que sabe fazer isso? – questionou Dahlia.

— Tinha isso em um dos livros que minha mãe me deu. É semelhante ao que usam para proteger Awalles, porém em pequena escala. Não custa tentar.

Clair aproximou-se da porta e posicionou a mão sobre ela. Proferiu algumas palavras num dialeto incompreensível pelos companheiros e segundos depois fez sinal para que alguém tentasse abrir. Dahlia não fez cerimônias, pegou seu bumerangue e atingiu a fechadura com força, que logo quebrou.

A comemoração dos três foi interrompida quando duas pessoas abriram a porta rapidamente e saíram correndo sem olhar para trás. O desespero era notável e eles sabiam que os outros prisioneiros provavelmente reagiriam da mesma forma e, naquelas circunstâncias, não era o melhor a se fazer porque tinha um campo de batalha a espera deles lá fora. Era preciso serem mais organizados com os próximos.

A medida que o tempo passava, a fumaça começava a ficar mais densa e os três jovens sabiam que tinham que agilizar o processo de resgate dos prisioneiros antes que a situação ficasse pior. Viam outros ainda tentando derrubar as portas em vão enquanto faziam esforço para ignorar os gritos de socorro vindos do outro lado.

— Vamos para a próxima! – disse Clair.

— Você tem certeza que vai conseguir fazer isso com todas? – perguntou Dahlia olhando para o imenso corredor. – Afinal, não é algo que esteja acostumada a fazer.

— Eu também não estava acostumada a sair da minha cidade e as circunstâncias me obrigaram. Posso pelo menos tentar, certo?

Clair não estava segura que iria conseguir. Na realidade, tinha ficado impressionada de ter conseguido na primeira vez. Ter estudado o livro que sua mãe tinha lhe dado não era garantia, pois faltava-lhe a prática da maior parte do que estava lá. Contudo, o fato de ter acertado fez com que, ao menos, ganhasse confiança para seguir adiante. Deixou os pensamentos duvidosos serem ofuscados pelo breve otimismo repentino e continuou o processo de libertação dos prisioneiros.

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— Você tem certeza de que era ela? – perguntou Tyler assim que entrou na prisão e não viu Clair.

— Certeza eu não tenho. Mas das pessoas que estavam conosco, ela é a única que eu sei que consegue usar magias luminosas.

— A questão agora é para qual dos dois caminhos devemos seguir. Não temos nem sinal dela.

— O que? – Amber parecia não entender do que ele falava.

— Desculpa. Claro que temos que ir pelo de cima. – Tyler estava tentando criar uma lógica em sua mente. - Ela não teria ido pelo caminho de onde está vindo toda aquela fumaça, não é mesmo?

— Do que você está falando? – ela continuava esboçando uma reação de dúvida.

— Está bem, já entendi. – o garoto se deu por vencido. – Você já esteve aqui, sabe para onde ir. Só me dizer que eu vou com você.

— Não, não é isso. Quero dizer, sim, eu já estive e sei onde temos que ir. – hesitou por um instante. – Em partes porque só existe o caminho que está em nossa frente.

— Olha ali em cima, seguindo pelas escadas e chegando na sacada. Bem ali! – apontava fixamente para o ponto. – Não é possível que você não esteja vendo.

Amber tentou semicerrar os olhos para ver se enxergava alguma coisa além da sacada, porém não obteve resultado. Tentou buscar na memória a última vez que estivera ali e se fazia sentido ter um caminho acima, porque embaixo só existiam as celas. Só não entendia o motivo de não estar vendo essa passagem e Tyler, sim.

A visão dela daquele lugar se limitava aos pontos em que as forças aliadas tentavam conter os poucos mercenários que ali ainda restavam, em meio a uma fumaça espessa que saía continuamente da passagem que estava em sua frente. Ainda era possível escutar a luta que acontecia do lado de fora, mas ali parecia que tudo já estava se encaminhando para ser resolvido.

— Bom, a boa notícia é que acho que temos uma noção do caminho que Clair pode ter tomado. – disse Tyler ganhando a atenção de Amber. – A parte ruim é que existe uma boa chance de não conseguirmos respirar lá embaixo.

— E? Faça alguma coisa a respeito disso. – ela achava a solução óbvia e notou a expressão de dúvida na cara do amigo. – Você e seu pai têm os mesmos poderes pelo que eu pude ver. Então você pode repetir o que ele fez, não pode?

Tyler fitava a amiga com um pouco de incerteza. Ele tinha visto Gustav fazendo, mas não estava confiante em reproduzir tal técnica. Do jeito que ela falava, parecia algo fácil. Contudo, a pressão da situação, aliada a expectativa criada em cima dele, não facilitava as coisas.

Olhou ao redor em busca de uma outra solução e viu o espírito de Amber ao lado dela. No momento lembrou das palavras que tinha ouvido do seu, "lembre-se que estarei sempre com você". Sozinho, ele talvez não conseguiria, mas ele sempre teve uma ajuda e agora ele tinha noção disso.

— Preciso da sua ajuda mais uma vez. – pronunciou de maneira que só ele conseguisse entender, enquanto pressionava seu amuleto contra seu peito.

Amber olhava para aquela situação acreditando saber o que estava acontecendo, porém tanto ela quanto Tyler ficaram frustrados pois nada parecia ocorrer. O garoto estava pronto para admitir a derrota quando uma forte corrente de ar adentrou, eliminando boa parte da fumaça daquele espaço. Aos poucos, o vento foi tomando forma na frente dos dois jovens, fazendo com que a menina confirmasse sua suspeita e o garoto exibisse um sorriso de confiança.

— Parece que você aprendeu um novo truque. – brincou Amber.

— Acho que tive um bom exemplo. – retribuiu a brincadeira rindo. – Agora só precisamos repetir isso lá embaixo.

Como se entendesse o que Tyler tinha dito, o espírito de falcão aprontou-se e seguiu num voo rápido para dentro daquela fumaceira. Com sua velocidade, pareciam que as asas cortavam a fumaça, criando uma passagem que possibilitava uma melhor respiração.

Os jovens seguiram pelo caminho aberto, com o espírito de Amber tomando a dianteira. Desceram o lance de escadas e conseguiam ver os focos de incêndio ainda formados ao chão. Os olhos do lobo pareciam ganhar a mesma tonalidade das chamas, ao mesmo instante que, aos poucos, elas iam se apagando e Amber começava a se sentir revitalizada.

— Acho que você também tem alguns truques que eu não conheço. – disse Tyler.

— Aprendemos as coisas no calor do momento, não é? – respondeu dando uns tapas no ombro do amigo.

Ainda andando pelo corredor formado pelo trajeto do espírito, eles começaram a sentir uma lufada de ar rápida jogando o restante da fumaça para fora do andar das celas. O falcão havia chegado ao ponto mais fundo daquele corredor e batia suas asas velozmente criando uma forte corrente, enquanto o lobo repetia sua atuação eliminando qualquer chama presente.

Em determinado momento, o espírito guardião de Amber parou. Expôs seus caninos e seus olhos assumiram uma expressão raivosa enquanto corria ao fundo do local. Por dentro, a garota conseguia sentir o mesmo e correu em direção a ele sem sequer saber o motivo de estar fazendo aquilo. Tyler tentava acompanhar sem entender o motivo daqueles movimentos repentinos.

— Ei! – gritou uma voz familiar segurando o braço do garoto.

— Ah, Dahlia! – disse surpreso quando foi obrigado a desacelerar. – Desculpe, não vi vocês.

— Nós vimos Amber passando correndo e ficamos preocupados. – disse Shane. – O que aconteceu?

— Não sei, estávamos juntos e, do nada, ela começou a correr e eu, simplesmente, fui atrás dela.

— Nós estamos aqui embaixo tentando resgatar os prisioneiros. – explicou Dahlia. – Aliás, Clair está fazendo isso. As portas estão protegidas e não é possível abri-las a força.

Tyler olhou para a amiga que parecia estar exausta. Ela esboçou um pequeno sorriso ao vê-lo, mas evitava falar e simplesmente fez um gesto com a mão balançando a cabeça verticalmente, sinalizando que estava bem.

— Estava com muita fumaça aqui embaixo e acabou ficando difícil para ela. – disse Shane.

— E aliás, com sua aparição, posso assumir que você foi o responsável pelo ar ficar mais limpo por aqui? – disse Dahlia batendo com o cotovelo nas costelas de Tyler.

— É, acho que sim. – disse o garoto sem graça. – Aconteceu...

— Claro que aconteceu, porque até ontem você não sabia fazer isso. – interrompeu a garota.

Tyler não iria discutir naquele lugar. Ele sabia que certas coisas não iriam mudar e nisso incluía os momentos em que Dahlia aproveitava para fazer algum comentário sobre ele. Estava dividido entre ficar com Clair, que tentava manter as forças, e ir atrás de Amber. Sabia que não podia escolher as duas coisas.

— Alguém me ajuda e vamos atrás dela. – disse Clair falando com dificuldade.

— Mas... – contestou o amigo.

— Olha para mim, não vou conseguir fazer muita coisa. Pelo menos assim eu descanso um pouco. – ela olhou para Tyler como se tivesse entendido a dúvida dele desde o início.

Shane a ajudou a levantar e a segurava para não cair. Ele, no fundo, estava aprovando a escolha de Clair pois queria ir atrás de Amber desde que a viu passando e estava sem coragem de deixar as duas garotas sozinhas. Agora, contudo, sua vontade tinha aumentado, pois sentia alguma energia muito violenta vinda do espírito lupino.

— Algo não está certo. – anunciou Shane. – Vamos nos apressar.

— Aconteceu alguma coisa? – perguntou Dahlia estranhando a constatação repentina.

— Ainda não, eu acho. Mas pode acontecer. – passou Clair para os braços de Tyler e tomou a dianteira no corredor.

Os três jovens estranharam a atitude abrupta e repentina de Shane, que sempre havia se mostrado cauteloso. Seguiram-no num ritmo mais lento já que estavam junto de Clair. Passaram por guerreiros e caçadores ainda tentando abrir, sem sucesso, as portas daquele calabouço. Contudo, os gritos de desespero haviam cessado juntamente com a fumaça se dissipando. A situação parecia, aos poucos, estar se controlando.

Shane chegou a uma cela quase ao final do corredor e surpreendeu-se com o que estava vendo. Na entrada, aliados estavam parados com expressões de receio e não ousavam adentrar naquele cubículo. No interior, uma criatura lupina mostrava seus dentes, rosnando raivosamente, para qualquer um que aparecesse ou se aproximasse enquanto seus pelos emanavam uma fumaça. Ao fundo, próximo a um corpo que permanecia inerte no solo, identificou Amber segurando com força o pulso de um homem que gritava em agonia enquanto sua pele queimava lentamente.

— Amber, para! – gritou o garoto. – Você precisa se controlar.

A garota olhou rapidamente para trás com um olhar colérico e ignorou o pedido do amigo. Ela proferia palavras para o homem que Shane não conseguia escutar, porém a linguagem corporal da garota denunciava suas reais intenções.

— O que está acontecendo? – perguntou Tyler assim que chegou próximo a eles.

Shane não conseguia responder e foi empurrado para dar passagem. Tyler surpreendeu com o estado do lobo, porém ignorou-o ao avistar Amber. Apesar disso, sua primeira reação foi quando se deu conta da identidade do homem que estava ali.

— Artie! – exclamou o garoto.

— O que? – Clair entrou rapidamente, quase tropeçando, com uma expressão incrédula que de imediato mudou para um olhar de repulsa.

Do lado de fora, Dahlia tentava obter alguma resposta para o que estava acontecendo. Ela identificou o rosto do sujeito que a enganou para obter informações e, embora nutrisse sentimentos negativos, sabia que não era a hora de deixá-los ganhar controle sobre ela, pois alguém precisava se manter calmo. Ou pelo menos fingir.

— Você vai ficar aí parado ou vai tentar resolver a situação? – indagou a caçadora da forma menos sutil possível.

— Estou tentando. Preciso me concentrar.

— Tem um espírito querendo atacar aqueles que lutaram ao nosso lado e você é o único que entende alguma coisa sobre isso. Então faça o favor de pensar mais rápido! – vociferou.

Shane tentava ignorar a agitação que persistia ao seu redor. Ele precisava sincronizar suas energias com a do espírito. Ele sabia que não seria uma tarefa fácil, pois era como se o lobo e Amber estivessem agindo com um único fluxo de energia. As emoções dela estavam conectadas às de seu guardião, assim como as do lupino a ela. O animal adquirira a raiva da garota e ela a manifestava de uma maneira agressiva como a de uma fera incontrolável.

— Rápido! – apressou a caçadora. – Antes que seja tarde demais e só restem cinzas do homem.

— Eu não vou conseguir assim! – Shane estava tendo dificuldade em conseguir focar. – Preciso que alguém a distraia. Qualquer coisa para diminuir um pouco esse sentimento de raiva.

— Vocês dois aí. – gritou Dahlia olhando dentro da cela. - Tratem de fazer alguma coisa para controlar a amiga de vocês. Antes que aconteça algo que ela vá se arrepender depois!

Tyler e Clair compreendiam o que a companheira estava tentando dizer. Mas, ao mesmo tempo, queriam ter uma chance de se vingarem de Artie. Ele era o motivo de estarem ali naquele instante. Podia ser o subordinado de uma outra pessoa, porém ele quem tinha raptado Amber e isso era razão suficiente para não conseguirem sentir pena daquele ser.

— Amber! – gritou Tyler tentava chamar a atenção da amiga enquanto tentava se aproximar dela.

O lobo fincou suas patas no solo, levando seu corpo levemente mais para baixo. Seus pelos da nunca estavam arrepiados e suas presas ficaram mais às mostras. Tudo indicava que ele estava preparado para saltar e atacar não importava quem estivesse ali.

— Eu já estou terminando aqui! – respondeu a arqueira ainda segurando o mercenário contra a parede.

— Pare com isso! Você não vê que desse jeito vai acabar matando ele? – Clair tentava apelar para um estado moral de consciência.

— E quanto a todos os outros que estão mortos lá fora? Qual a diferença? Pelo menos esse eu tenho mais motivos para fazer!

Tyler não sabia o que responder. No fundo, partilhava da mesma opinião de Amber e não conseguia achar contra-argumentos para dissuadir a amiga. Olhou para trás e viu Dahlia revezando os olhares ora para dentro da cela e ora para fora com expressão de preocupação. Sem muita escolha, ele fez sinal para que Clair continuasse.

— Sim, você tem razão! Não existe diferença alguma. Acho inclusive melhor que você acabe com isso e nos poupe de sujar nossas mãos. – o garoto olhou para Clair sem entender. – Mas, depois que a raiva passar, não acho que você irá se sentir melhor.

— Vou deixar para tirar minhas próprias conclusões depois que isso acabar. – soltou o pulso de Artie, revelando uma região severamente queimada e prontamente segurou em seu braço fazendo-o urrar de dor mais uma vez.

— Seja lá o que vocês estão tentando fazer, não está funcionando. Já podem mudar de estratégia! – disse Dahlia.

— Ou você espera ou vem tentar algo diferente. Ficar aí fora também não está ajudando em nada. – rebateu Clair.

A caçadora nem se prontificou a responder. Sabia que estava numa posição delicada. Não saberia como atingir Amber pois não a conhecia. Então tudo o que podia fazer era ficar ali verificando as reações para ver se Shane conseguiria reverter aquela situação.

— Você quer se igualar a ele? Vai querer mesmo agir com covardia? – Tyler prontificou-se a falar. – Ele não te deu uma chance de lutar. Você não teve escolha!

— Você queria uma diferença entre ele e os outros lá fora? – continuou Clair já entendendo onde o amigo queria chegar. – Está aí! Os que estavam lá fora tiveram uma chance e a desperdiçaram. Está atacando alguém que não tem chance de revidar.

— Vocês realmente estão tentando defender esse cara? Vocês eram para estar pensando do mesmo jeito que eu! Vocês estavam comigo quando tudo começou! – Ela aliviou a força que fazia em Artie.

— Não, não estou! Aliás, eu gostaria que ele não estive mais nesse mundo tanto quanto você. Apenas não estou me deixando dominar por algo negativo. – explicou o garoto.

— Você conseguiu escapar de uma prisão feita por ele e vai se permitir ficar presa em outra? Você acha que matá-lo vai te libertar ou te aprisionar em outro tipo de sentimento? – Clair continuava com o objetivo de tocar no que achava ser a ferida mais profunda de Amber em relação ao assunto. – No final das contas, se fizer isso você sempre estará onde ele te colocou. Acorrentada. E mesmo morto, terá provado que foi mais forte que você!

Por um breve instante Amber pareceu dar atenção às palavras dos amigos. Ela sempre tinha sido a mais determinada entre eles e, ali, parecia que tal qualidade se transformara subitamente. Além disso, não podia admitir ser prisioneira novamente, mesmo que não fosse de uma forma física.

De repente, o lobo que estava na frente deles mudou o semblante. Os caninos estavam novamente cobertos e lentamente sua pele voltava a cor original. Emitiu um longo uivo agudo como se tivesse se livrando de todas as sensações negativas que lhe restava. Além disso, Amber parecia perder as forças lentamente a medida que tomava consciência do que estava acontecendo.

— Isso! – comemorava Dahlia aliviada ao ver o resultado enquanto verificava que Shane ainda estava em meio ao transe.

Artie ainda estava imóvel na frente de Amber para espanto de todos. Seus braços estavam com queimaduras graves e mesmo assim não fazia menção de fugir dali. Expressões de dores dominavam sua face enquanto tentava alternar para um olhar vingativo em relação a Rikard, que ainda permanecia adormecido.

— Algo não está certo! – concluiu Clair. – Ele deve estar com muita dor e mesmo assim continua estável.

— Agora vocês vão se preocupar com o modo que ele reage aos ferimentos? – retrucou Amber ainda recuperando-se do que havia acontecido. – Deixa ele apodrecer aqui nessa cela!

— Não podemos correr o risco de deixa-lo aqui e ele escapar. – discordou Tyler. – Temos que prendê-lo para garantir que isso não aconteça mais!

— Eu poderia ter garantido isso de outra forma, mas... – a arqueira não terminou sua sentença ao se dar conta dos olhares furtivos que seus companheiros lançavam para ela.

— Eu não queria interromper vocês, mas existe uma outra pessoa nessa cela que não parece muito bem! – constatou Dahlia.

Aproveitando que estava mais próxima, Amber ajoelhou-se e encostou suas mãos na camisa do homem e sacudiu-o, sem resultado. Suas palmas ainda estavam com uma temperatura elevada, causando buracos de queimadura nas vestes do indivíduo. Ao observar o fato, Tyler se aproximou e levantou a cabeça do homem, virando sua face para a amiga, que prontamente balançou a cabeça em negação.

— Aparentemente não sabemos se esse é culpado por algo. – disse Clair. – Acho que devemos trata-lo como um dos prisioneiros daqui e depois interrogá-lo para ver se sabe de algo.

Os jovens se entreolharam buscando algum tipo de aprovação naquela ideia, mas ninguém se prontificava em concordar ou discordar. Ninguém queria ser responsável por alguma decisão errada.

O espírito de Amber aproximou-se da dona e farejou por alguns segundos o desconhecido. Seus olhos brilhavam e começou a rosnar novamente. Seguiu em direção a Artie, que adotou uma expressão de medo. O lobo ladrava, oscilando a direção de sua cabeça entre os dois homens.

— Acho que temos alguém aqui que discorda! – disse Shane adentrando a cela. – Aparentemente ele acha...

— Já entendemos! Ficou bem claro que ele sentiu algo em comum entre aquele dois. – interrompeu Dahlia. – E olha que nem falamos a língua dos espíritos.

Amber foi em direção a Artie pela segunda vez. Tanto Clair quando Tyler prontamente aproximaram-se dela por precaução. Não queriam outros incidentes desnecessários ali pois ainda tinham outros assuntos a serem resolvidos.

— Não se preocupem! – tentou tranquilizar os dois. – Serei rápida dessa vez.

Ao encarar Artie, Amber posicionou sua mão esquerda sobre os ferimentos no pulso esquerdo dele e sua outra mão sobre seus ombros.

— Você sabe quem é esse homem? – perguntou rispidamente enquanto sua mão direita começava a deixar os tecidos da camisa de Artie chamuscados, fazendo com que ele adotasse uma feição amedrontada. – Não queremos ter que repetir as coisas aqui, não é mesmo?

Ainda sem resposta, a arqueira tentava permanecer paciente. Tyler e Dahlia observavam a tudo atentamente, prontos para intervirem, enquanto Shane e Dahlia ainda estavam próximos da entrada da cela analisando todo o cenário.

— Acho que ele realmente não tem nada a nos dizer. – concluiu Amber à medida que se afastava de seu raptor.

— Pois eu tenho! – anunciou Clair.

Foi a vez dela finalmente se aproximar dele. Ela olhos nos fundos de Artie lembrando-se da primeira vez que o tinha visto. Tudo que tinha acontecido desde aquele encontro na floresta e o motivo de estarem ali. Tentou filtrar todos os sentimentos negativos e não deixá-los tomarem com dela.

— Bons sonhos! – disse Clair quase sussurrando aos pés do ouvido direito de Artie, quase que simultaneamente fazendo um rápido movimento com seu bastão e atingindo fortemente a nuca dele.

O corpo de Artie foi tombando lentamente até cair atravessado em cima de Rikard. Clair deu pequenos chutes nos corpos para se assegurar que nenhum deles estava fingindo estar desacordado.

— O que foi isso?! – gritou Dahlia surpresa.

— Apenas um pequeno acerto de contas. – respondeu com desdém.

— E todo aquele papo dele não poder se defender? – foi a vez de Amber questionar.

— Estava me referindo a não matá-lo. Em nenhum momento eu fui contra incapacitar nossos inimigos. – olhou para Tyler, que balançava a cabeça concordando.

Os cinco jovens saíram daquele pequeno espaço e voltaram para o corredor. Os guerreiros, que antes estavam na porta quando Amber estava alterada, tinham se dissipado ainda tentando abrir as portas das celas que permaneciam fechadas.

— Rápido! Olha o que eu achei. – gritava um dos caçadores próximo à cela balançando objetos metálicos.

— Parece que meu trabalho acabou por aqui. – Clair tinha visto que se tratava de um molho de chaves e já inferiu que serviriam para o restante das portas.

— Acho que você quis dizer que nosso trabalho está encerrado e podemos seguir adiante. – Dahlia tentou corrigir a companheira.

— Receio que agora iremos nos separar novamente. – disse Tyler colocando a mão no ombro da caçadora que adotou uma expressão de dúvida.

— O que você está querendo dizer com isso? – retrucou rapidamente.

— O que eu acho que você já entendeu. – iniciou Tyler. – Seja lá quem estiver a frente disso tudo, não está atrás de vocês. Estão atrás de mim desde o início.

— E eu tenho um acerto de contas! – acrescentou Amber.

— E eu... – Clair tentou pensar em algo. – só não vou deixar eles dois sozinhos!

— Eu também não vou deixar vocês sozinhos! – argumentou Dahlia. – Nós chegamos até aqui. Vocês vão precisar de nossa ajuda! Diga isso para eles, Shane!

Shane adotava uma expressão tranquila e aquilo irritava Dahlia. Contudo, ela não sabia que ele estava vendo além daquela pequena discussão. Ele conseguia enxergar os espíritos guardiões de Amber e Tyler, próximo a seus protegidos, tentando convencê-lo que aquela era a decisão certa.

— Vocês devem ir. – iniciou Shane. – Vocês chegaram aqui através de caminhos divergentes, mas com o mesmo objetivo. E agora irão estar juntos para concluí-lo.

— Como você pode dizer isso? Eu também quero derrotar quem estiver fazendo isso tudo. Com a gente eles tem mais chance. – Dahlia estava confusa em relação ao que sentia ali.

— Não seja tão egoísta. – Shane adotava uma voz mais suave. – Você deve confiar em tudo que ensinou e que eles aprenderam. Eles mudaram assim como você mudou, não é mesmo?

— Nós ainda vamos precisar da ajuda de vocês, não se enganem! – disse Tyler fazendo Dahlia prestar mais atenção. – Ainda tem coisas que precisam ser feitas.

— Tyler, não querendo interromper, mas eu também não sei como você pretende fazer seja lá o que for o que você tem em mente. – questionou Clair.

— Precisamos tirar todos daqui em segurança e não sabemos como está o cenário fora dessa prisão. – Tyler direcionou o olhar para Shane e Dahlia. – Vocês dois tem muito mais experiência do que nós e vão saber se virar se as coisas estiveram mais complicadas.

— Além disso, eu creio que vocês tenham apenas enxergado um único caminho quando chegaram aqui, certo? – perguntou Amber obtendo respostas afirmativas. – Pois existe outro, mas não se sintam mal por não terem visto, porque eu também não o vi. O único capaz de vê-lo foi ele.

— Eu sabia que aquelas escadas na entrada não estavam lá só de enfeite! – comentou Clair recebendo olhares questionadores. – Agora tudo faz sentido! Tyler era para ter sido capturado para atrair o pai dele. Se meu raciocínio tiver certo, somente os membros da família dele devem ser capazes de enxergar essa passagem.

— Então vocês precisam que a gente dê essa informação para Gustav, não é isso? – concluiu Dahlia. – Vocês precisam que ele venha, porque nem mesmo vocês acreditam que serão capazes de fazer tudo sozinhos!

— Planos dão errados e eles não sabem o que os aguarda! – explicou Shane de outra maneira. – Se todos nós formos e as coisas saírem do controle, levará mais tempo até que o pai de Tyler chegue aqui. Se a gente se apressar, pode ser que consigamos voltar a tempo de ajudar em mais outras coisas.

— Você está certa, Dahlia! – concordou Tyler. – Não posso garantir que vamos sair vivos lá de cima. Não verdade, eu não podia garantir nada desde que tudo isso começou! E você, mesmo inconveniente às vezes, estava lá me ajudando em boa parte do caminho. E eu preciso que você me ajude mais uma vez.

— Que tipo de ajuda? Sentar e esperar vocês se sacrificarem? – a caçadora recebeu um olhar desaprovador do xamã.

— Em algum lugar dessas celas está a mãe de minhas irmãs...

— Eu prometi a Elly que voltaria para resgatar a mãe dela. – completou Amber. – Estou em dívida com aquela menina. Eu não sei quem ela é e nem onde ela se encontra, mas confio que vocês irão dar um jeito de conseguir levar todos daqui.

— Iremos! – assentiu Shane antes que Dahlia iniciasse outra discussão. - Já prendemos vocês tempo demais aqui. Está na hora de vocês irem, mas antes deixe-me dizer algo.

O xamã caminhou em direção a Amber parando diante dela. Olhou durante alguns segundos nos olhos de Tyler e depois nos de Clair, finalizando com a arqueira.

— Todos nós temos luz e escuridão dentro de nossas almas e é exatamente por isso que quando enfrentamos um monstro devemos tomar cuidado para não nos tornarmos um.

As palavras de Shane ecoaram pela mente de Amber enquanto os outros dois refletiam sobre o que havia acontecido antes. Eles tinham entendido a profundidade daquelas palavras que refletiam a preocupação do xamã com eles.

— Obrigada! – disse Amber pegando algo do bolso e colocando na mão de Shane. – Use isso se aquele dois lá dentro acordarem e derem trabalho.

— O que é isso?

— Eu consegui isso quando estava interrogando, Artie. Podemos dizer assim...

Clair e Tyler se entreolharam e entenderam o conteúdo daquele recipiente, enquanto Shane esboçava um pequeno sorriso de satisfação. Ela havia o surpreendido com aquela atitude e isso fazia com que ele acreditasse ainda mais que eles seriam capazes de lidar com o desconhecido.

— Agora vão! Façam a parte de vocês que faremos a nossa. – despediu-se Shane.

Tyler tentou falar algo com Dahlia, porém ela permanecia de cabeça baixa, desaprovando as decisões feitas. Sem respostas, ele seguiu caminho junto de Clair e Amber, rumo a entrada da prisão.

— Ela vai ficar bem, fique tranquilo! – disse Clair, observando o amigo preocupado.

— Assim espero. – respondeu dando uma última olhada para trás.

Shane observava o trio sumir de sua vista com certa admiração. A determinação deles o surpreendia assim como o vínculo que partilhavam. Não tinham passado por isso antes e estava grato por testemunhar tudo aquilo, mesmo que naquelas circunstâncias.

— Como você pode deixar eles irem sozinhos? Como você pode concordar com aquilo? – Dahlia demonstrava-se frustrada.

— A pergunta é se você está assim porque eles foram sem você ou se é porque você não foi com eles.

— Mas dá no mesmo! – refutou e adotou uma expressão de aborrecimento ao ver o xamã rir da sua resposta.

— Ah, Dahlia. Acho que você deve saber que assim como as plantas precisam de espaço para crescer, elas também precisam cultivar raízes fortes para se manterem estáveis.

— Agora é a parte que você explica mais diretamente!

— Você provavelmente sempre teve o espaço necessário para fazer as coisas que queria, porém só agora conseguiu motivo suficiente para fazer suas raízes aparecerem, não é?

A caçadora corou com tal indagação. As palavras de Shane pareciam ter sido assertivas e sua metáfora estava claramente apropriada para o que ela estava sentindo. Ela apenas se questionava se ela estava pronta para aceitar isso.

— Não temos tempo para ficar pensando nessas coisas agora. Temos algo a fazer!

— Vejo que mudou de opinião bem rápido.

— Apenas de fazer as coisas que são me requisitadas.

Acaçadora tomava a dianteira e Shane ia logo atrás. Não era difícil para ele tentar entender o que ela estava sentindo. No fundo, ele também estava passando por algo semelhante, mas como Dahlia havia acabado de dizer: não era hora de ficar com esses pensamentos. 


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