Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 34
Reunião




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Naquele final de tarde, Eugene deixou sua tenda na elevação de Yor'Em e percorreu pacientemente um caminho até o limite da aldeia. Alguma coisa estava provocando reações na energia espiritual da região. Era um alerta. Algo se aproximava e como representante da aldeia, ele precisava estar presente para recepcionar os novos visitantes.

Não demorou muito para que as irmãs, Elly e Leena, se juntassem a ele. Os amuletos das meninas estavam se comportando de maneira incomum. Era a primeira vez que a pedra incrustada nos objetos brilhavam fortemente. As meninas, estranhando o fato, resolverem procurar Eugene para descobrirem do que se tratava.

— Então vocês também sentiram. - disse o xamã quando as meninas se aproximaram.

— Sentimos o que? - perguntou Leena sem entender nada.

— Ah, desculpa! Não estava falando com vocês... - Gene fez um gesto giratório com a mão.

As aves guardiãs das meninas emergiram dos amuletos. Sobrevoavam a cabeça das duas irmãs de maneira muito agitada. Era claro para as garotas que algo não estava certo, porém não sabiam o que fazer a respeito.

— Gene, o que está acontecendo? - perguntou Elly com uma voz preocupada. - Nossos amuletos estavam brilhando do nada. - olhou para os espíritos. - E agora isso.

— Não se preocupem, garotas. Acho que boas notícias estão por vir. - tentou confortá-las.

— Que bom, mas será que você se importa de antecipá-las? - disse Leena impaciente.

— Lembra que eu falei que os amuletos da sua família tinham um tipo de ligação?

— E que foram feitos da mesma gema. Lembro. - afirmou a irmã mais velha.

— Logo, eles sentem a presença um do outro...

— Mas eu e minha irmã sempre estamos juntas e isso nunca aconteceu. - Elly interrompeu.

— Espera, garotinha. - deu um tapas de leve no ombro de Elly. - Os espíritos tendem a absorver os sentimentos das pessoas que protegem. Eles não tinham motivo de avisar da presença de vocês duas porque estavam sempre juntas.

— Então você está querendo dizer que... - Elly ficou esperançosa.

— Tem alguém da nossa família de aproximando! -completou Leena.

— Isso mesmo. A qualquer instante deverá estar chegando.

O nível de ansiedade das irmãs aumentou consideravelmente. Se antes não sabiam o causa da agitação das aves, agora partilhavam do mesmo sentimento. Queriam sair correndo dali para ir de encontro com quem estivesse vindo. Finalmente alguém estava vindo buscá-las. Aguardavam por esse momento e não estavam sabendo conter a felicidade.

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— Pai! - exclamaram as meninas em uníssono, com um uma alegria estampada num sorriso largo.

O abraço apertado de Gustav envolveu as duas filhas num sentimento de proteção que, há tempos, não faziam ideia de como era estar. O desejo era aquele momento durasse mais e que aquela sensação perdurasse, mas a realidade que se encontravam insistia  em estragar até mesmo as pequenas coisas. Era como se tudo precisasse ser rápido e imediato, pois tinham que dar atenção a obstáculos do destino.

— Desculpa interromper... - disse Gene com um certo pesar. - Acho que seus guerreiros precisam de um descanso. Ficarei feliz em mostrar onde podem se acomodar.

— Fico agradecido, mas não precisa se incomodar. - respondeu Gustav soltando lentamente as filhas. - Trouxemos algumas barracas para acampamento.

— Nesse caso, sintam-se a vontade para ficarem onde acharem melhor. Não temos muito conforto, mas temos todo o espaço que desejarem. - e deu uma leve risada.

As carroças foram criando passagem pela aldeia de Yor'Em, guiadas por Gene, e iam parando em locais aleatórios e os guerreiros já davam início a montagem das barracas. Eles estavam cansado da longa viagem. E algumas horas para descansar eram necessárias.

Gustav pegou as duas filhas pelas mãos e levou-as até uma carroça específica. Tinha sido a última a entrar na aldeia e não carregava muitos equipamentos dentro dela. Em sua maior parte, era ocupada por mantimentos. Porém, tinha servido de transporte para três jovens. E um deles, já havia passado da hora delas conhecerem.

— Acho que talvez vocês não precisem de apresentação, mas aquele é...

— Tyler! - gritou Elly.

O garoto estava disperso analisando, junto com Dahlia e Clair, o cenário novo em que se encontrava. Nos poucos dias desde que tinha saído de Awalles, tinha passado por mais lugares do que em todo os dias anteriores. Era uma oportunidade que gostaria de ter tido antes para ter mais tempo de aproveitar. Infelizmente não era o caso.

— Eu. - respondeu de imediato e virou a cabeça com tempo suficiente para ver uma garota correndo em sua direção.

Tyler demorou até, de fato, entender o que estava acontecendo e reconhecer Elly. Um sorriso de satisfação foi esboçado e ele desceu da carroça para receber a irmã de braços abertos. Apesar de não ser a primeira vez que tinham contato, agora era diferente. Era real. E, por mais que tivessem sido poucas as vezes que se encontraram, mostrava-se que tinha se formado um vínculo entre eles.

— Você realmente veio. - disse a menina feliz.

— E você está bem! - respondeu o irmão mais velho ainda sorrindo. - Espero não ter demorado muito.

— Poderia ter sido um pouquinho mais rápido. - brincou Elly.

Logo atrás, em passos curtos, vinha Leena, um pouco receosa com a situação. Ao contrário da irmã, ela não conhecia Tyler e, portanto, não tinha criado nenhuma expectativa em relação a ele. Era uma pessoa que tinha acabado de conhecer e que descobrira ser seu irmão. Dividiam o mesmo pai e nada mais.

— Olá. - disse a menina num tom neutro.

— Você deve ser Leena, certo? - perguntou Tyler ainda envolto no sentimento criado pelo encontro com Elly.

— E você deve ser Tyler.

— Isso mesmo! - Tyler se moveu para falar com ela e percebeu quando ela deu um passo para trás.

— Tem certeza que eles são irmãos? Quanta receptividade! - murmurou Dahlia para Clair.

— Realmente. Até você nos recebeu melhor quando nos salvou na floresta. - respondeu Clair de forma irônica.

Os sentimentos das irmãs eram visivelmente transferidos a seus respectivos falcões. O espírito de Elly voava livremente, ora passando por entre a protegida e Tyler e ora planando de forma serena. Já o de Leena estava apreensivo e resolveu pousar no ombro dela.

Gustav observava a situação de longe e achou que seria melhor interferir. Não podia deixar aquela atmosfera de deixar ser criada no primeiro encontro entre eles. Apesar de todas as circunstâncias que levaram a tal acontecimento, era um momento que deveria ser lembrado de uma maneira positiva.

— Bom, acho que vocês duas tem muito para me contar. Não é mesmo, meninas? - disse Gustav olhando para Elly e Leena.

— Sim. - respondeu Elly enquanto Leena olhava fixamente para Tyler. - Tenho que avisar a mamãe que você está aqui. Ela ficará feliz em saber que já estamos indo buscá-la.

— Tenho certeza que ela vai ficar sim. - concordou Gustav. - Assim como eu sei que Tyler e as companheiras dele devem estar ansiosos para dividir as experiências com a amiga dele que está com vocês. Certo?

Tyler balançou a cabeça afirmativamente, seguido por Clair. Dahlia apenas fez uma expressão de desdém. Não conhecia Amber, então não partilhava dos mesmo sentimentos que os outros dois.

— Poderiam dizer onde ela está? - perguntou o pai de forma sutil.

— Deve estar ali perto do riacho junto com Shane. - Elly apontou na direção. - É só seguir reto, não tem como se perder.

O garoto agradeceu a Elly e deu um outro abraço. Olhou para Leena e, num aceno de cabeça, deixou claro que estava se retirando e não iria forçar uma situação da qual ela não queria participar.

— Garotinha antipática essa sua irmã. - disse Dahlia.

— Realmente, acho que vocês já podem iniciar uma amizade. - retrucou Tyler, fazendo com que Clair risse.

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Amber estava analisando a situação com Shane. A garota buscava por algum rosto familiar no meio da multidão e não encontrava. O rapaz estranhava comportamento da arqueira e, mais ainda, a quantidade de pessoas que se encontrava em Yor'Em. Não era comum a aldeia receber tantos visitantes. Porém, não eram tempos comuns.

— Você tem certeza que eles vieram? - perguntou Shane.

— Elly disse que estavam vindo! Devem estar aqui em algum lugar. -  respondeu esperançosa.

— Mas pode ter acontecido algum imprevisto e eles decidiram não...

— Ali! - exclamou Amber apontando - Estão bem ali.

Ela reconheceu Tyler e Clair, mas não fazia ideia de quem era a terceira pessoa que estava com eles. De fato, ela não se importava. Era apenas mais um rosto desconhecido em meio a muitos que ela, provavelmente, viria a conhecer. No final das contas, rever os velhos amigos era o real motivo da sua mudança repentina de humor.

Tyler e Clair caminhavam devagar. Cada passo dado por eles parecia uma eternidade para Amber, porém preferiu aguardar até que eles chegassem até ela. A paciência era sua pior inimiga naquela instante. Já tinha esperado tempo suficiente por aquele momento.

— Ei, Amber! - gritou Tyler a poucos metros da garota.

— Mais rápido vocês aí! - respondeu a arqueira com sorriso no rosto enquanto balançava seu braços no ar como se quisesse indicar onde estava.

Os dois amigos aumentaram o ritmo dos passos atendendo ao pedido de Amber. Dahlia apenas continuou com seu ritmo normal. Não era uma situação de emergência para ela, então não tinha porque se incomodar com tal coisa.       

— Quanta demora vocês, hein? Poderiam ter vindo antes! - brincou a arqueira.

— Teria sido mais rápido se Tyler não tivesse resolvido torcer o pé! - respondeu Clair transferindo a culpa.

— Nem vem, porque já estou bem melhor. - disse Tyler mostrando o pé que ainda encontrava-se enfaixado. - No final das contas, não precisaríamos ter vindo se você não tivesse sido capturada, não é mesmo?

— Bom, acho que terei que concordar com isso! - Amber deu de ombros enquanto os outros riam. - Mas me contem como foi tudo?

Tyler e Clair relataram todos os acontecimentos desde que Amber havia sido raptada. Desde o momento que tentaram sair escondidos de Awalles, passando pela encontro com um leontropo na floresta e chegada em Valmees. Fizeram uma breve menção a castelo de Balchmont e como Tyler tinha, finalmente, conhecido seu pai. Com a velocidade que iam narrando, parecia que tudo tinha acontecido de maneira mais rápido do que, de fato, aconteceram.

Amber queria poder contar tantas coisas assim, mas o seu cenário era outro. Não tinha muitas experiências boas para compartilhar. Falou de como acordou na prisão e como tinha conseguido escapar dela graças ao espírito guardião. Mencionou a longa caminhada até encontrar Shane e ter que enfrentar seus sequestradores por uma segunda vez. Terminou quando finalmente chegou em Yor'Em e não tinha muito mais o que acrescentar.

Dahlia observava a conversa dos três jovens e não se deu o trabalho de se juntar a conversa. Deixou que colocassem os assuntos em dia e, na verdade, estava entediada de ter que ficar ouvindo a história do que tinha passado. Socializar não era seu ponto forte, então preferia estar fazendo outra coisa e, por isso, resolveu distanciar-se dali e ir conhecer a aldeia.

Shane viu quando a desconhecida se afastava e não compreendia a situação. Não fazia ideia de porque a garota que tinha vindo com os amigos de Amber não queria ficar junto com eles compartilhando as histórias. Não demorou muito para ir atrás dela.

— Menina, adorei sua roupa! - disse Clair

— Ganhei assim que cheguei aqui. Foi o pai de Shane... - ela procurou por ele e não o encontrou. - Ué, onde ele está?

— Se for o garoto alto que estava com você, ele acabou de sair. - constatou Tyler.

— Depois eu apresento vocês a ele. - respondeu Amber sem entender nada. - De qualquer forma, não sou a única com novas roupas. Olha vocês!

— No caso, para Clair, não tem muita utilidade. - implicou o garoto.

— Como se você tivesse feito muita coisa desde que a vestiu! - repreendeu Clair. - É uma roupa comum de caçadores. Eles dizem que facilita os movimento, não é mesmo Dahlia?

Tyler e Clair olharam para trás em busca da companheira de viagem e não tinham visto sinal dela. Minutos antes ela estava andando com eles e, agora, simplesmente tinha deixado-os sozinhos sem aviso.

— Deve estar andando por aí. É uma pessoal um tanto quanto difícil. - explicou Tyler.

— Tipo a sua irmã? - rebateu Clair.

— Quem Leena? É questão de costume. - Amber avisou. - Daqui a pouco ela fica mais maleável.

— Assim espero. Não dá para ficar com duas pessoas assim na minha vida.

— Então você pretende ficar próximo delas quando tudo isso acabar? - questionou Clair.

— Leena é parte da minha família. Podemos não ser próximos, mas quem sabe no futuro as coisas mudam. E Dahlia ajudou a gente, seria bom manter contato. - explicou o garoto.

— Faz sentido! Mas ela não mora em outra cidade? - Amber ficou em dúvida.

— Eu tenho família lá, então acho que consigo visitá-la de vez em quando.

— Então você já está com tudo planejado quando as coisas terminarem? - Clair perguntou curiosa.

— Não é isso. São apenas como eu gostaria como as coisas funcionassem. - contou Tyler. - Tenho certeza que Amber também gostaria de rever as pessoas que a ajudaram um dia.

— Eles foram muito gentis comigo sem nem em conhecer. - respondeu. - É claro que viria aqui se possível, apesar de um tanto quanto distante.

— Entendo. - suspirou Clair.

Por algum motivo a fala dos amigos não agradava Clair. Era como se já mostrassem um sentimento de saudade por lugares que pouco tinham estado. Apesar de ter passado por bastante coisa, ela sentia falta de casa, da sua mãe e da antiga rotina. E, sentia como se no final de tudo, essa rotina fosse mudar e não estava sabendo lidar com isso.

— Mas isso não é momento para ficar pensando nessas coisas. - Amber cortou o assunto. - Vou mostrar a aldeia pra vocês.

Não é como se Yor'Em tivesse muitos atrativos, porém era um jeito que Amber tinha de passar algum tempo com os velhos amigos. Já tinha passado por muitas situações enquanto estavam separados então era hora de criar algumas outras novas enquanto estavam juntos.             

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— Ei, você! - gritou Shane para que a garota olhasse para trás. - Espera aí!

Dahlia ficou sem entender. Nunca tinha visto aquele garoto e o fato dele estar indo atrás dela quando ela mal acabou de chegar numa aldeia desconhecida a deixava bem confusa. Pelos trajes, reconheceu ser um habitante dali e se propôs a tentar, ao máximo, manter-se calma e parecer ser mais tolerante.

— Então, o que houve? Aconteceu alguma coisa? - perguntou diretamente.

— Nada. - respondeu. - Me chamo Shane.

— Dahlia. - respondeu enquanto observava a altura do rapaz, que era bem mais alto do que ela.

— Eu estava pensando aqui... - iniciou o xamã. - Você veio com os amigos de Amber, certo?

— O que foi que me entregou? A roupa ou o faço de você nunca ter me visto aqui? - retrucou sem pensar nas palavras que tinha dito.

A caçadora, quando percebeu a maneira que tinha respondido, queria ter a possibilidade de voltar no tempo. Pensou que não gostaria que alguém a tratasse mal caso visitassem Valmees, então deveria estender a mesma cortesia aos habitantes de Yor'Em. Era o mínimo que podia fazer.

— Ah, desculpa. Realmente foi uma pergunta idiota de minha parte. - respondeu o garoto para surpresa de Dahlia.

Ela não estava acostumada a outras pessoas pedirem desculpas após ela ter cometido alguma de suas gafes. Geralmente, suas respostas eram acompanhadas de pequenas discussões com quem não tivesse gostado de ouvir suas palavras. Aquilo realmente era novo para ela.

— Não tem problema. - respondeu sem graça. - Em todo caso, o que você gostaria de saber?

— Você conhece ela?

— Ela quem? Amber? - perguntou em dúvida e depois viu gesto de confirmação vindo de Shane. - Não conheço, só ouvi falar dela.

— Agora eu entendi porque você não ficou lá.

— O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer, você não faz parte dali. Certo? - perguntou buscando uma resposta afirmativa.               

— Depende, ué. Eu conheço os outros dois. - Dahlia não estava entendendo onde ele estava querendo chegar com aquilo. - Você nem me conhece e já está tirando conclusões a meu respeito?

— Não é isso. Não me entenda errado. - esclareceu. - Mas, se me permite, como foi que você os conheceu? Não parece fazer tanto tempo.

— E não faz. - confirmou Dahlia. - Eu os ajudei quando na floresta antes de chegarem ao meu vilarejo.

— Antes ou depois de Amber ter sido raptada?

— Depois. - Dahlia não sabia nem porque estava resposta essas perguntas. Não pareciam ter próposito para ela. - Por favor, poderia explicar qual o sentido de tudo isso?

—  Você é como eu. - explicou Shane de forma sucinta.

— Ainda não entendi.

— Você não entende o que está acontecendo ali porque não faz parte dali. - justificou-se. - Nós dois conhecemos eles recentemente quando eles estavam precisando.

— E? - a caçadora deu de ombros esboçando um semblante de ironia.

— Será que vão precisar da gente agora? E quando tudo acabar, como ficaremos?

— Não sei como ficará e nem me importo. - respondeu prontamente. - Eu me propus a ajudá-los e não a continuar com eles para sempre.

— Não finja que é tudo tão simples assim. - Shane a repreendeu. - Já disse que somos parecidos. E estou passando pela mesma coisa.

— E como você explica isso? - perguntou curiosa.

— Quando uma forma de vida encontra outra, um tipo de vínculo se cria. - explicou. - Como se o destino de vocês estivesse cruzado naquele ponto. Pode ser um vínculo bom que permanecerá ou um elo ruim que se quebrará. Mas nunca é neutro.

— E como você sabe qual deles é?

— Pergunte a você mesma. - colocou a mão no ombro da caçadora. - O que você está sentindo quando pensa que pode não vê-los mais?

Dahlia virou-se e observou a cena de Tyler e Clair conversando com Amber. Pensou nos poucos momentos que tinha passado com seus companheiros de viagem e como tudo aquilo estava atingindo um fim. Sabia que Shane estava certo e não queria admitir. Queria parecer forte externamente, porém não tinha forças para aceitar que, no fundo, tinha começado a gostar da companhia deles. E, ainda, não queria que um estranho estivesse certo sobre ela.

— E você? O que sente quando pensa nisso? - transferiu a pergunta para ele.

— Honestamente? Apenas espero que ela volte. - respondeu com um pesar.

Ela queria dizer que aquela também era a sua resposta, mas primeiro precisava tentar se convencer do contrário. Precisava se livrar daquele sentimento antes que pudesse se transformar em frustração. Sua mãe a havia deixado vivendo com seu pai e ela não ia suportar outro tipo de abandono. E se ela estava considerando aquilo como um possível abandono, então é sinal que ela um dia sentiu-se acolhida por eles.

Mas ela não ia admitir isso. Pelo menos não agora.

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Amber guiava os dois amigos por Yor'Em. Tentava achar algum fato interessante para contar, mas percebeu que não era a melhor pessoa para fazer isso. Apesar de ter passado algum tempo na aldeia, não conhecia a história da região. Na verdade, também não tinha se importado de saber.

Aos poucos o cenário ia mudando. Os guerreiros iam montando as barracas para que pudessem descansar da viagem. Tyler e Clair também estavam cansados, mas tentavam disfarçar porque a amiga parecia empolgava em estar na companhia deles. Era um esforço que estavam dispostos a fazer.

— Boa tarde, jovens. - disse Eugene interrompendo o passeio. - Vejo que você se reencontrou com seus amigos, Amber.

— Sim. Essa é Clair. - disse apontando a para a amiga. - E esse é Tyler, irmão de Elly e Leena.

— Muito prazer em conhecê-los e aproveitem a estadia aqui. - respondeu gentilmente e virou-se para Tyler. - Então você foi o motivo da agitação das aves de suas irmãs.

— É, acho que sim. - Tyler respondeu sem entender do que estava falando.

— Confesso que estava aguardando sua chegada. - confessou o xamã. - Já conheci os espíritos guardiões de suas irmãs e estou curioso em conhecer o seu.

— Como assim conhecer? - perguntou Clair curiosa.

— Desse jeito assim. - mostrou Clair. - Esse é o meu!

Tyler e Clair surpreenderam-se quando um espírito de lobo apareceu na frente deles. Apesar de estarem um pouco habituados com espíritos guardiões, já que Dahlia utilizava um para ajudá-la em lutas, os dois jovens não tinham conhecido o de Amber ainda. Tinham passado anos convivendo com ela e nunca tiveram a oportunidade de vê-lo.

— Então temos todos que conhecer o de Tyler. - disse Clair. - Inclusive ele mesmo.

— Não é bem assim! Eu conheço o meu. - retrucou o garoto. - Ou pelo menos acho que conheço.

— E quando foi a última vez que você o viu mesmo?

— No meu sonho... - respondeu num tom baixo.

— Ah, foi onde eu encontrei o meu pela primeira vez também. - Amber tentou animar ele. - Só depois ele apareceu na minha frente.

— Só que, no caso dele, esse depois nunca aconteceu. - brincou Clair.

— E eu nem estava usando o amuleto. - completou decepcionado. - Foi a primeira vez que eu encontrei Elly.

— De repente não foi tão coincidência assim. - comentou a arqueira. - Vai que por ela estar no seu sonho, você conseguiu enxergar algo que não sabia.

— Você quer dizer como um tipo de premonição? - espantou-se Clair. - Não é possível.

— Eu não descartaria a possibilidade. - ponderou Eugene. - Há muita coisa sobre os poderes dela que nem ela mesma sabe. Não seria surpresa se realmente isso estivesse relacionado com ela.

— Mesmo se fosse uma premonição, é algo que ainda não aconteceu. - retrucou Tyler.

— Em partes. Você conheceu sua irmã no mesmo sonho e a viu pessoalmente somente hoje. - lembrou Amber.

— Então apenas falta conhecer o tal espírito que eu não faço ideia de como fazer.

— Não seja por isso, meu jovem. - repreendeu Eugene. - Não tem  mais motivo para serem dois desconhecidos. Um guardião e seu protegido não devem ser estranhos um ao outro.

— O que você está querendo dizer com isso? - Tyler perguntou curioso.

— Não precisa se preocupar. Gene cuidará disso. - respondeu Amber e o xamã concordou.

Eugene se aproximou de Tyler e rapidamente fez um gesto de mão. O amuleto que o garoto carregava em seu pescoço começou a brilhar, liberando energia. Aos poucos no céu, a energia foi ganhando forma, revelando-se como o espírito de um falcão voando livremente depois de bastante tempo. Lentamente a ave descia, como se buscasse um local para pousar. Por fim, resolveu ir para uma rocha ali próxima e lá ficou parada.

Tyler sentia que sabia o que deveria fazer. A situação lhe parecia bem familiar. Os olhos convidativos do falcão, mesmo a distância, pareciam lhe atrair fortemente. E ele não fez esforço para recusar. Deixou-se levar pelo envolvimento da situação e andou em direção ao espírito que lhe induzia.

O restante das pessoas que ali estavam apenas presenciavam a situação. Em algum momento Clair quis fazer algum comentário para Amber e se viu obrigada a ficar quieto quando viu Eugene levar o indicar aos lábios em gesto de silêncio.

Quando finalmente estava próximo da ave, Tyler ajoelhou e encarou a ave. A sensação de familiaridade voltou quando os olhos do falcão encontraram os seus e, por um rápido momento, sentiu-se tirado daquela realidade e de volta ao sonho onde o vira pela primeira vez.

"Agora é a parte onde você voa e some.", pensou o garoto quando finalmente sentiu-se trazido de volta a realidade. E não se enganou. O espírito logo tomou um impulso e bateu suas asas. Dessa vez, porém, não fugiu e sim pousou sobre a cabeça de Tyler. Realmente aquilo não era um sonho.

— Acho que vocês já estão íntimos. - disse Eugene em tom de brincadeira enquanto se aproximava.

— Ainda não sei o que isso significa. - respondeu Tyler levantando-se lentamente.

— Deixe-me lhe explicar...

Eugene explicou a origem do amuleto do Tyler e de seus irmãos e conexão entre eles. Contou de onde vinham os espíritos guardiões e o vínculo que criavam com seus protegidos. Clair prestava atenção em cada detalhe e Amber, apesar de estar escutando a história pela segunda vez, demonstrava o mesmo interesse como se estivesse ouvindo pela primeira.

— Mas depois que eu saí de Awalles, por que ele nunca apareceu para mim? - Tyler perguntou curioso.

— Vejamos... - o xamã olhou para a ave na cabeça de Tyler por alguns segundos. - Acho que não tem problema.

— Problema com o que? - questionou.

— Espere um segundo. - pediu Eugene.

O espírito saiu da cabeça de Tyler e foi para o ombro de Eugene, que fechou os olhos. Quando abriu, seus olhos não eram mais o mesmo. A íris havia adquirido as mesmas características escuras que a do falcão possuía.

— Você está bem? - perguntou Amber preocupada.

— Estou sim, desculpa preocupá-la. - respondeu. - Daqui a pouco ele volta ao normal.

— Ele? - a arqueira ficou confusa.

— Acho que o espírito está falando através dele. - Clair explicou, ganhando olhares surpresos vindos de seus amigos. - Li algo sobre isso em um dos livros que minha mãe me deu. Não tinha muita explicação. Estou presenciando isso pelo primeira vez, caso vocês estejam se perguntando como eu sei.

— Correto, Clair. - concordou o espírito no xamã. - Aguardava por esse momento e achei que você merecia algumas explicações vindas de mim.       

— Ai, que inveja! - admitiu Amber. - O meu espírito nunca falou comigo.

— Mas esse momento não é sobre você e nós vamos deixar ele falar, certo? - Clair lembrou sutilmente. - Pode prosseguir, senhor...espírito.

— Obrigado. Continuando, Tyler... - iniciou. - Ficamos muito tempo separados e no momento que finalmente tive oportunidade para entrar em contato com você, percebi que que partilhávamos do mesmo sentimento.

— Como assim?

— Essa eu sei responder. - Amber se intrometeu. - Mesmo o espírito não aparecendo para você, não significa que não esteja te protegendo. É como se aguardassem o momento ideal para que isso aconteça.

— Exatamente. - concordou. - Fui dado a missão de lhe proteger e quando você saiu de Awalles, você estava com esse mesmo pensamento. De proteger sua família. E não estou falando somente de sangue.

— Sim, eu estava com minha mente confusa. Não sabia o que fazer primeiro. - Tyler escutou Clair dando um pigarro. - Não que eu saiba agora.

— E eu não queria te dar mais uma preocupação. Você estava lidando com muita coisa e, pelo que eu estava entendendo de você, não achava que seria bom te dar mais uma para se preocupar.

— Mas seria bom saber que você estava lá comigo.

— Eu estava. Talvez não de um jeito que você sentisse, mas estava! - explicou. - Lembra de sua primeira luta com Dahlia? Quando você sentiu ser o momento certo para atacar?

— Sim, eu lembro de ter sentido um vento e depois ter tido noção do que fazer. Como uma espécie de instinto. - Tyler tentava buscar imagens daquela luta em sua memória.

— Talvez instinto não seja a palavra certa. E lembra quando foi treinar com seus tios e você lançou uma rajada que nunca fizera antes?

— Então você está dizendo que tudo que eu achei que estava fazendo sozinho, na verdade era você? - ficou um pouco decepcionada consigo mesmo.

— Não é isso que eu quero dizer.- explicou. - Até porque não tinha muita coisa que eu pudesse fazer. Eu apenas estava lá para te ajudar e foi a forma que eu encontrei de poder fazer isso. De te avisar que você era capaz de fazer. Mas quem fez tudo foi você.

— Acho que no final das contas vocês fazem o que julgam ser melhor para nós, não é mesmo? - perguntou Amber, enquanto olhava para seu próprio espírito de lobo. - Mesmo que não entendamos na hora.

— É apenas nossa função. E tentamos fazê-la da melhor maneira que conseguimos. - explicou o espírito de falcão. - Eu sabia que chegaria a hora de ficarmos frente a frente. Só precisava aguardar.

— Talvez você tenha razão. - concordou o garoto. - Acho que não era algo que eu ficava pensando direto. Mas que bom que finalmente nos encontramos.

— Mas agora terei que encerrar essa conversa. - lamentou. - O corpo desse humano não vai aguentar muito mais tempo se eu continuar aqui. Mas lembre-se que estarei sempre com você.

Novamente o olhos do xamã foram fechados e quando reabriram estavam normais. Eugene sentia-se levemente enfraquecido, mas nada muito grave. Fazia muito tempo que não deixava um espírito lhe usar para transmitir uma mensagem e não lembrava como isso exigia bastante energia.

— Acho que preciso descansar um pouco. - admitiu Eugene. - O tempo realmente desgasta a gente.

— Nós também iremos descansar. - respondeu Clair. - Tivemos uma longa viagem.

— Obrigado pelos esclarecimentos. - agradeceu Tyler. - Você tem certeza que vai ficar bem?

— Tenho sim, meu jovem. - disse o xamã. - Precisa de muito mais que isso para me abater.

— De qualquer forma, irei  te acompanhar até sua tenda. - ofereceu Amber. - É o mínimo que posso fazer.

— Ficarei muito agradecido.

— Vejo vocês mais tarde, então. - e a arqueira ficou feliz de finalmente poder voltar a dizer isso.

Tyler e Clair viraram e seguiram em direção ao local onde Gustav tinha erguido uma barraca para eles se acomodarem. Ainda tinham algumas preocupações em mente, mas estavam felizes de, aos poucos, terem eliminado outras.

No caminho, Tyler viu quando seu espírito saiu do ombro de Eugene e passou a voar baixo perto dele.

"Sempre ao meu lado, já entendi", murmurou e riu.


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