Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 32
Laços Familiares




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Uma mesa farta aguardava Sylvie. Pão e geleias caseiras e um bolo recém tirado do forno eram algumas das coisas que dona Ana tinha preparado para a filha. Mais cedo, Auster e Carsen haviam, a mando da mãe, buscarem algumas frutas das quais algumas ela fez sucos e outras reservou para servir junto com as iguarias feitas por ela.

Sylvie conseguiu chegar nas primeiras horas do anoitecer.  Como o caminho não era desconhecido para ela e estava andando de forma ligeira, não encontrou dificuldades em chegar no tempo previsto. Porém, isso não a isentou de sentir as consequências da longa caminhada, que já se manifestavam em forma de dores corporais. Seus anos em Awalles a haviam transformado numa dona de casa sedentária que não mais fazia ideia do que era ter que fazer uma viagem ininterrupta.

Trent já estava sentado, junto a seus tios, degustando vorazmente os quitutes preparados por sua avó. Nunca havia tido contato com seus familiares, mas isso não o impediu de saciar-se sem vergonha na presença deles. Tentava agir normalmente e isso não lhe parecia ser difícil. Dava algumas risadas em momentos oportunidades e fazia comentários pontuais em outros, criando assim um ambiente que aos poucos foi tornando-se confortável.

— Bom dia! - cumprimentou Sylvie ainda com uma voz de sono.

— Bom dia, minha filha. Vejo que finalmente despertou. - disse dona Ana repousando sua mão no ombro da filha. - Já estava ficando preocupada. Vamos, sente-se.

— Ela já não é mais a mesma. Está com os ossos enferrujados. - brincou Carsen.

— Não vejo nem mais a sombra da antiga Sylvie. - comentou Auster para desgosto da irmã.

Dona Ana observava a mesa de sua casa. Fazia tempo que não tinha aquela imagem de todos os filhos reunidos numa bela manhã. Ela sabia que aquilo não havia sido ocasionado devido a boas circunstâncias, mas isso era a menor de suas preocupações naquele momento. Naquela manhã, uma felicidade notável estava estampada em seu rosto enquanto preparava aquela refeição e gostaria que perdurasse.

— Então, quando iremos partir? - perguntou Auster diretamente.

— Acho que isso é assunto para outro momento. - repreendeu dona Ana quando percebeu que Sylvie tinha lançado um olhar rápido para Trent.

— Eu só queria dizer que... - insistiu o filho.

— Que vai discutir isso em outra hora. - complementou a mãe.

Sylvie não fazia questão de manter Trent alheio a situação. De fato, ele sabia que Tyler tinha ido em busca de Amber. Como se já não fosse difícil esconder alguma coisa em Awalles, ter jovens desacordados resgatados numa floresta não era o tipo de acontecimento que se ocorria normalmente por lá. Além, disso quando guardas apareceram de repente em sua porta, ela teve que pensar rápido ao arranjar uma explicação. Ele não sabia sobre o encontro dela com Gustav e muitos menos sobre suas irmãs, porém sabia que estavam em Valmees a conselho do Oráculo.

— Mas então, o que você tem feito, Sylvie? - Carsen tentou cortar o clima gerado anteriormente.

— Além de cuidar de dois filhos? - a caçadora riu. - Bem, estive ensinando alguns jovens de Awalles. Tentando tirar proveito do que aprender aqui e ser útil em outros lugares.

— Vida agitada, hein? Estou até com inveja. - zombou Auster.

— Realmente, você não sabe a aventura que é lidar com crianças e adolescentes. Pelo menos não no que se refere a assuntos fora de treinamentos físicos. - retrucou a caçadora. - Mas confesso que no início sentia falta de ir atrás de algumas criaturas. Tive que me acostumar.

— Não venha querer tomar nosso lugar com os caçadores. Com tanto tempo parada, acho que você precisaria passar por uns treinamentos novamente. - caçoou Carsen.

— Aposto que mesmo depois de muito tempo parada, ainda consigo te deixar no chão. -disse Sylvie confiante. - Podem até vir vocês dois!

— Acho que podemos tirar essa dúvida mais tarde. - respondeu Auster. - Apesar de que, a julgar pelo seu cansaço ao chegar aqui, não acho que vá durar nem dez minutos.

Auster e Sylvie nunca tiveram a melhor das relações. Uma certa rivalidade reinava entre os dois. Não era algo explicitamente declarado, mas quem observava conseguia sentir. As brigas entre os dois, na infância e adolescência, eram constantes e Carsen se esforçava para evitá-las quando podia. Ao longo do tempo, as discussões foram terminando e Auster se viu obrigado a ter mais respeito pela irmã quando ela assumiu um cargo mais alto no grupo dos caçadores. Porém, agora, ele quem estava nessa posição.

— Não vai durar nem um minuto, porque vocês já estão grandes demais para ficarem disputando essas coisas. - brigou a mãe deles. - Além do mais, não queremos ninguém machucado. Precisamos que vocês estejam em sua melhor forma.

— Falando em melhor forma, soube que Tyler andou treinando com vocês. Qual a opinião de vocês?

— Um pouco desleixado e despreparado. - respondeu Auster rapidamente.

— Parecia determinado em ajudar a amiga, mas faltava técnica. Tentamos dar um jeito nisso. - completou o outro gêmeo.

— Talvez seja minha culpa. Não tive tempo para ensiná-lo. -  justificou Sylvie. - Não tenho a mínima noção do que ele sabe ou não fazer.

— Se serve de alguma coisa, acho que ele saiu bem melhor do que chegou. Mesmo com o pouco tempo que estivemos com ele. - Carsen tentou confortar a irmã.

— Ou assim esperamos. Não podemos afirmar como será o desempenho dele lá fora. -  Auster intrometeu-se. - Até porque não acredito que as coisas serão fáceis igual no treinamento.

— Pois eu não lembro de você ter pego leve com ele em nenhum momento, irmão!

— Que bom que não teremos que nos preocupar com nada disso, certo? Porque tudo vai ficar bem. Para isso vocês irão lá ajudar com sabe-se lá o que! - interferiu dona Ana. - Vocês vão assegurar que tudo ocorra perfeitamente e que da próxima vez que nos reunirmos, Tyler esteja conosco.

— Exatamente, mãe! - concordou Sylvie. - E, para isso precisamos sair o mais rápido daqui. Espero que vocês dois já estejam com tudo preparado.

— Na verdade, ainda não. Não contávamos com sua chegada e estávamos esperando uma resposta de Tyler quando saísse de Balchmont. - explicou Carsen.

— Não podíamos simplesmente sair às cegas. Precisávamos de um plano. - argumentou o outro gêmeo.

— Não é mais o caso. Eu posso assegurar que a coisa é bem séria e precisamos agir rapidamente. - sentenciou a caçadora. - Tratem isso como um caso de emergência e agilizem para que possamos sair daqui no máximo até amanhã.

— Mas já chegou dando ordens? - questionou Auster.

— Não, só estou dando uma sugestão pontual. - assegurou Sylvie. - Vocês prontos ou não, eu saio daqui. Apenas seria melhor se todos fossemos juntos, certo? Ou você apenas está com medo que os caçadores daqui não irão respeitar uma ordem vinda de seu líder?

— Isso não será problema, eu te garanto. - respondeu o irmão a contragosto. - Já irei avisá-los para se preparar e sairmos pela manhã.

Auster pegou um pedaço de pão e saiu bufando pela porta. A irmã mal havia chegado e já tinha conseguido desafiá-lo e ele não estava pronto para ela estar com a razão. Iria juntar o máximo de guerreiros que conseguisse e tudo estaria pronto no tempo que ela havia determinado.

Carsen observou o irmão saindo e lançou um olhar de reprovação para a irmã. Era uma situação que ele já não mais estava acostumado a vivenciar e certamente não sentia falta dessa disputa fraternal.

— Vocês dois não mudam, não é mesmo?

— O que foi? - perguntou Sylvie.

— Deixa para lá. - o irmão deu de ombros. - Deixa eu ir ajudá-lo, antes que ele surte.

Foi a vez de Carsen deixar a casa. Ele sabia que o irmão faria de tudo para conseguir realizar as coisas dentro do prazo. Mas isso não significava que a tentativa teria sucesso. Contudo, Auster não era a melhor das pessoas para lidar com falhas, então Carsen preferia gastar seu tempo auxiliando o irmão do que ter que aturar sua falta de humor posteriormente.

— Acho que eu também irei dar uma saída. Preciso procurar alguém que entenda de amuletos de proteção. - anunciou Sylvie.

—  Talvez você deva procurar Cassius. Ele foi muito útil quando Tyler estava aqui. - contou dona Ana. - Pelo que eu sei, a filha dele tem algo parecido. Ele deve saber de alguma coisa.

— Certo, irei falar com ele. Comporte-se, ouviu, Trent?

— Tenho certeza que ele vai se comportar, não é? - Trent confirmou com um aceno de cabeça enquanto ainda terminava sua refeição. - Além disso, terei que ficar cuidando dele por uns tempo, certo?

— Não precisa, vó! - Trent respondeu de boca cheia. - Eu irei ajudar!

— Acho que não é o momento certo para você sair daqui - repreendeu Sylvie, fazendo com que o filho adota-se uma expressão de desagrado.

— Um dia, garoto, você vai sair em uma missão. Eu te garanto. - dona Ana se aproximou dele. - Nós precisamos aprender a lutar nossas próprias batalhas, e essa luta de agora não é sua. A sua missão é cuidar de sua avó, enquanto os filhos ingratos a deixam preocupada mais uma vez.

Trent não estava muito convencido com o que havia escutado, mas não iria responder sua avó que tinha acabado de conhecer. Ela estava o tratando muito bem e ele não estava pronto para simplesmente sair discordando. Ficaria fazendo companhia a dona Ana, mesmo que desejasse estar em outro lugar.

Viu quando sua mãe fez um aceno de despedida e foi em busca das informações que ela queria. Porém, ficou ali, escutando uma história de família que sua avó prontamente já dava início.

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                Clair, Tyler e Dahlia estava conversando em um dos aposentos cedidos pelo rei Hansel. As meninas tinham recebido um quarto separado de Tyler, mas no início da tarde, tinham ido conversar com ele sobre os eventos recentes. A conversa não estava sendo produtiva, pois o garoto não conseguia externar seus pensamentos. Não que ele não quisesse falar, apenas não tinha tido o tempo necessário para processar.

— Uma hora ou outra você vai ter que falar com ele. - alertou Dahlia.

— Mas se ele não está pronto, não adianta nada ficar insistindo. - debateu Clair.

Tyler sentia que sua vida estava sendo discutida sem ele poder dar algum palpite. A todo instante todo mundo parecia saber mais sobre ele do que ele mesmo. Não era uma situação confortável e quando ele achava que estava se acostumando, aparecia algo para trazer a sensação a tona novamente.

Umas batidas na porta fizeram com que as meninas ficassem caladas e Tyler, por alguns instantes, agradeceu por isso ter ocorrido. Aos poucos a porta foi se abrindo, revelando quem tinha achado tempo para fazer uma visita ao garoto.

— Desculpa atrapalhar. - disse Gustav. - Achei que pudéssemos conversar.

— Ah, claro. Não precisa se desculpar. - respondeu Clair. - Já estávamos de saída, não é mesmo? - e puxou Dahlia pelo braço enquanto saíam do cômodo.

— Parece que a hora que chegou. - sussurrou Dahlia.

Tyler não mais estava agradecido. Por mais que não estivesse gostando da conversa das garotas, talvez fosse melhor do que a situação que estava por vir. Não estava preparado para ter uma conversa a sós com seu pai. Na verdade, não sabia nem o que era isso. Apenas esperava que não fosse algo desconfortável.

— Então... - começou Gustav. - Finalmente, depois de tanto tempo.

— É, verdade. Eu acho... - Tyler estava evasivo.

— Você tem alguma coisa para me perguntar? Algo que queira saber?

Gustav tentava não deixar um silêncio constrangedor atrapalhar a primeira conversa que teria com seu filho. Mas não sabia se obteria sucesso com isso. Tinham se passado muitos anos. Não era como Tyler tivesse criado algum tipo de laço antes que ele se separasse de Sylvie.

— Você disse que esteve em Awalles.  - o garoto se limitou a uma única frase.

— Sim, fui avisar vocês do que poderia acontecer. Infelizmente, acabei sendo abatido antes que pudesse fazer isso. - lamentou o pai.              

— Todo esse tempo... - Tyler se absteve e corrigiu-se. - Quando eu saí pra procurar minha amiga, você estava lá?

— Acredito que sim. Não tinha nada que eu pudesse fazer.

— Entendo. - respondeu. - Conheci sua filha, Elly.

— Sua mãe me contou. Acho bom que vocês já tenham se conhecido.

— Infelizmente não foi em boa circunstância, mas não sei se isso seria possível em outro momento. - indagou o filho.

— Não posso afirmar isso. - Gustav não sabia o que responder.

— Na verdade, só você quem pode afirmar. - discordou Tyler.

— Entenda, não era minha intenção mantê-los separados. E nem mesmo ficar longe de você. - Gustav tentava achar palavras para se justificar, mas sabia que não estava sendo suficiente.

— Sim, eu entendo. Foi culpa do momento. - respondeu secamente. - Mas então, como está minha mãe?

— Sua mãe? - surpreendeu-se com a pergunta.

— Sim. Você disse que esteve com ela, oras. Não tive mais contato com ela desde que saí de Awalles. - explicou. - Seria bom saber como ela está.

— Estive muito pouco com ela, mas parece estar bem. Acredito que você estará com ela em breve. - afirmou o guerreiro.

— Assim como acreditava que seria melhor ficar afastado? - Tyler não estava disposto a aceitar qualquer resposta.

— Não. Ela foi até a Valmees para conseguir ajuda. Deve nos encontrar além das montanhas. Não se preocupe.

— Acho que minha vó ficará contente com a presença dela.

— Mas e você?

— Sim, eu também ficarei feliz ao vê-la. - respondeu prontamente.

— Quero dizer, o que tem feito? - Gustav tentava puxar assunto.

— Desde a última vez que você me viu, acho que cresci um pouco. Fora isso, nada muito interessante. - confessou Tyler. - Só as coisas básicas que se faz em Awalles. Você sabe. Não tem muito o que fazer por lá. Talvez isso seja a coisa mais interessante que tenha acontecido.

— Pelo menos pra isso essa situação toda serviu, né? Um pouquinho de novidade. - Gustav deu uma pequena risada.

— Não sei se estava disposto a ter novidade na minha vida às custas da segurança de outras pessoas. Mas é um ponto de vista. - Tyler mostrava-se inflexível.

Tyler estava numa mistura de sensações. Estava feliz por ter encontrado seu pai, porém, ainda iria levar um tempo para se acostumar com a ideia de que ele simplesmente resolveu ficar tanto tempo sem ir procurá-lo. Não seria uma simples conversa que iria fazer tudo se resolver. Não tinha a intenção de parecer insensível a tentativa do pai, mas ficava difícil quando não conseguia expressar o que realmente queria.

— Falando em segurança, você e suas amigas não precisam mais se preocupar.

— O que você está querendo dizer com isso? - Tyler ficou confuso.

— Eu irei com os guerreiros daqui e sua mãe com caçadores de Valmees. Seria mais seguro se você esperasse até que tudo se resolvesse. - sugeriu Gustav.

— Olha, pai. - pensou um pouco ao pronunciar a última palavra. - Tudo isso pode ter iniciado com você. E entendo que possa estar se sentindo culpado.

— Não é só isso... - insistiu.

— Mas as coisas agora já tomaram outras proporções. Vai além de você.

— Eu não quero que você se envolva numa batalha por minha causa.

— Desculpa por decepcioná-lo tão cedo. - iniciou Tyler. - Mas não estou me envolvendo por sua causa. Estou indo pela minha irmã, pela minha amiga, por mim mesmo. Eu não tinha nem notícias suas quando isso tudo começou.

Gustav ficou espantado com a honestidade do filho. As palavras dele o tinham atingido de forma brutal. Ficou pensativo após escutá-los.  Questionou-se se suas escolhas até ali realmente tinham valido a pena e se seu filho um dia ainda as entenderia.

— Não me entenda errado. - disse ao ver seu pai meio cabisbaixo. - Fico agradecido por sua preocupação e pelo que está tentando fazer agora, mas...

— Vai levar um tempo até as coisas se ajeitarem. - completou Gustav.

— Exatamente. - concordou o filho. - Não adianta querer forçar as coisas. Teremos tempo.

— Sim, teremos. Quando  tudo isso chegar ao fim.

Gustav se ateve a essa última frase como se ela lhe trouxesse alguma esperança em reatar seus laços familiares com Tyler. A maioria dos pais tinham amadurecido esses laços a medida que os filhos iam crescendo, mas a situação ali era completamente diferente. Devido a tanto tempo separados, o tempo que eles teriam para fazer isso era numa viagem  e num campo de batalha.

— Acho melhor eu deixar você descansar. Amanhã será um longo dia.

— Obrigado.

— E Tyler, se por acaso Elly entrar em contato com você...

— Pode deixar que eu aviso que estive com você. - e recebeu um agradecimento do pai.

Pela primeira Tyler conseguiu um momento sozinho para refletir. Como ele pressentiu, não tinha sido uma conversa agradável e sabia que tinha sido pesado em alguma de suas palavras. De certa forma, esperava que o pai entendesse sua frustração.

Do outro lado da porta Gustav caminhava até seu quarto. Feliz por ter encontrado seu filho. Porém, um tanto quanto triste, pois o caminho para conseguir conquistar seu filho parecia tão longo quanto o corredor que ele atravessava.

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Elly observava a lua enquanto pensava nos eventos recentes de sua vida. Em um momento estava com seus pais e com sua irmã e, logo em seguida, havia sido feita prisioneira sem saber o motivo e, ainda, descobriu ter mais irmãos. Não que ela não tivesse gostado da notícia, mas era mais uma coisa para ela ter que aprender a lidar naquela situação. Conseguia manter contato com todos que queria, contudo não era o bastante. Precisava de mais do que um simples encontro num mundo que não era real.

— O que você está  fazendo acordada a essa hora? - perguntou Leena com uma voz de sono enquanto saía da tenda, para surpresa de Elly.

— Não estava com sono. - respondeu. - Tentei não fazer barulho para não acordá-las. Desculpa.

— Amber ainda está dormindo. Acordei por acaso e notei que você não estava lá. Daí resolvi vim te procurar.

— Estava aqui pensando em como tudo chegou a esse ponto.

— Às vezes me pego fazendo o mesmo, mas aí vejo que isso não vai ajudar em nada, sabe? Aí prefiro pensar em outras coisas ou me distrair fazendo qualquer atividade.

— Entendo, mas... - Elly ficou cabisbaixa. - Sinto falta de casa. A última vez que dormi na minha cama, não foi uma boa experiência. Na manhã seguinte acordamos naquela prisão.

— Realmente não é uma boa recordação. Mas pelo menos não estamos mais lá. Foi você quem disse que estão vindo atrás da gente. - Leena tentava tirar os pensamentos negativos de sua irmã. - Quando você menos esperar, estaremos de volta em casa.

— Assim espero, Leena. Estou confiando em alguém que nunca vi antes. - Elly mostrou-se pensativa. - Simplesmente porque descobri ser de nossa família.

— Ah, para. Você já teve mais de um contato com ele. Além disso, ele é amigo de Amber. - comentou. - Se não viesse pela gente, viria por ela.

— É, acho que você tem razão. Não deveria ficar me preocupando com isso.

— Pois é! Mas me conta, como ele é? - era a primeira vez que Leena mostrava algum interesse no irmão que ainda não conhecia.

—  Ele lembra um pouco o nosso pai. Quero dizer, na aparência. - comentou. - Mas as vezes que nos encontramos, ele sempre pareceu preocupado. Como se tivesse que resolver muitos problemas.

— E um desses problemas somos nós. - rebateu Leena. - Ele mal descobriu ter irmãs e já ganhou problemas com isso.

— Sim, é pedir muito de uma pessoa. - concordou a irmã mais nova. - Mas ele não parece entender muito das coisas. Não sei, pode até ser somente impressão.

— E você consegue saber disso tudo através de um sonho?

— Sim, é estranho. Mas cada sonho produz um tipo de energia diferente, e isso provoca sensações diferentes quando estou neles. Assim, consigo entender melhor o que a pessoa está sentindo.

— Às vezes eu imagino como seria se eu tivesse um poder igual ao seu. - pensou Leena.

— Talvez você entendesse melhor as pessoas e fosse menos antipática. - brincou Elly.

— É, então já não vi vantagem nisso. - respondeu a irmã mais velha. - Quero dizer, poder falar com as pessoas mesmo distante. Manter contato com nossa família. Poder visitar outros lugares quando me cansar de onde estou.

— Nunca imaginei que você pensasse assim. - Elly ficou surpresa com a declaração da irmã. - Tem seu lado ruim, também. As coisas não são reais, são simbólicas. Ao mesmo tempo que você está com alguém, você não está. É um conforto momentâneo, sim. Mas só piora quando acorda.

— Em certas ocasiões, eu faria de tudo por um conforto momentâneo. É difícil me manter forte todo o tempo. - queixou-se Leena.

— Mas você não precisa, irmã!

— Alguém precisa segurar as coisas por aqui. - justificou-se.

— Não precisa ser você o tempo todo. Estamos passando por isso juntas. - lembrou Elly.

— Acho que eu já estou acostumada a fazer isso. É involuntário.              

— Eu me sinto meio inútil assim. É como se eu não pudesse fazer nada para ajudar. - lamentou a irmã mais nova. - Se eu tivesse uns poderes iguais ao seu...

— Você seria menos inocente e teria que lidar com as coisas de forma diferente. - completou. - É melhor como está. É bom para deixar as coisas equilibradas.

— Mas aí eu poderia ajudar quando a hora de voltarmos a prisão chegar.

— Cada um tem um papel nessa história. E você está fazendo o seu direitinho. - informou Leena. - Não queira fazer mais do que está acostumada. A carga pode ser mais pesada do que você imagina.

— Sim, você está certa. Mas ainda...

— Não adianta, nunca iremos nos dar por satisfeitas.  É a vida.

— Pelo menos está tudo acabando. - Elly suspirou. - Em poucos dias iremos encontrar nosso irmão.

— Você quer dizer conhecer, né? - corrigiu.

— Não, no meu caso é só encontrar mesmo. Um dia quem sabe você possa dizer o mesmo. - Elly riu.

— Talvez você deva voltar a dormir. Já está ficando muito engraçadinha pro meu gosto. - Leena repreendeu, mas se deixou soltar uma pequena risada.

— Ainda estou sem sono, pode ir se você quiser.

— Estamos passando por isso juntas, lembra? Irei quando você for.

Pela primeira vez em muito tempo, Elly passaria uma noite em claro. Não porque estava acumulando problemas em sua pequena mente infantil, e sim pelo contrário. Estaria envolvida numa conversa despretensiosa e sem preocupações. Justamente como sonhos deveriam ser.


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