Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 23
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Sylvie ajeitava os preparativos para o lanche da tarde. Um bule estava no forno esquentando água para fazer chá e uma jarra de suco já aguardava sobre a mesa da sala. E, se isso não fosse do agrado, ainda tinha uns grãos de café à espera no armário. No forno, um bolo de fubá já exalava o cheiro de que estava pronto. Estava terminando uma geleia de frutas enquanto aguardava seu filho mais novo chegar com os pães que ela havia pedido pra ele comprar.

Já faziam três dias desde que Tyler havia saído para procurar Amber, mas pareciam que os dias estavam se alongando. Pela primeira vez estava passando dias sem ver os filhos e apenas desejava que não tivesse que ser sob essas circunstâncias. Tentava ocupar a mente com o trabalho, mas isso só funcionava durante as horas que estava lecionando e depois, sua mente a torturava com a falta de notícias.

Quando mudou-se para Awalles, não demorou muito para Sylvie conseguir se estabilizar. Ao saber de uma vaga na escola local, logo de candidatou e foi aceita. Não era algo que já tivesse feito antes, mas ensinar geografia não apresentou muito desafio para quem já tinha passado por diversos lugares caçando. A cada sobre determinada região, ela lembrava de algum acontecimento e, para alegria de seus alunos, fazia questão de compartilhá-lo. Algumas vezes, até era convidada para aula de biologia, onde dava depoimentos sobre seus encontros com as criaturas estudadas. Não sentia que tinha abandonado sua vida de aventuras, mas sim dado uma nova perspectiva a ela.

Agora vivia a vida de uma mãe solteira. Nunca ela havia imaginado que estaria levando uma vida pacata, cozinhando tranquilamente enquanto aguardava suas convidadas. Era o tipo de coisa que via sua mãe fazendo e não conseguia se colocar no lugar.

Escutou algumas batidas na porta e logo desamarrou o avental da cintura e o removeu pelo pescoço, revelando um vestido com estampas florais. Ajeitou seus longos cabelos castanhos ondulados e limpou um resquício de farinha que havia em seus pulsos. Assim, já estava se considerando apresentável.

— Olá! Como estão? - perguntou Sylvie sendo educada.

— Preocupadas, no mínimo. - respondeu Mary Ann, enquanto Heather apenas se abaixou o olhar.

— Por favor, entrem.  Sintam-se a vontade, já irei me juntar a vocês.

— A propósito, trouxemos algumas coisas também. - disse Heather entregando uma sacola para Sylvie.

— Não precisavam se incomodar. - respondeu enquanto indicava o caminho da sala para as mães das amigas de seu filho.

A sala estava toda arrumada. Tinham dois sofás com forros azuis recostados em duas paredes. Acima de um deles, encontrava-se um quadro de uma caçadora enfrentando uma criatura que lembrava uma enorme serpente. Numa estante de madeira havia pouco livros, o que dava espaço para vários itens de decoração, que Sylvie colocava como lembranças de suas caçadas mais memoráveis. Oposto à estante, havia uma janela que permitia a incidência  de luz no cômodo e, de vez quando, conseguia atingir os objetos de decoração na estante, fazendo que ganhasse um certo brilho. Um simples tapete cobria o chão amadeirado e uma mesa de centro baixa ganhava toda a atenção.

A mesa estava coberta por uma toalha bordada a mão pela mãe se Sylvie. Em cima, colocou o que tinha preparado durante a tarde, e posicionou a torradas, que Heather havia levado, perto das geleias. No centro, um espaço estava vago esperando pelo bolo que esfriava na cozinha.

— Vejo que se deu bastante trabalho hoje. - falou Mary Ann. - O que me deixa bastante curiosa para saber a que devemos isso tudo.

— Realmente não foi a toa. - Sylvie riu. - Creio que tenho algumas notícias. Já volto!

Heather e Mary Ann se entreolharam com certo receio, sem saber o que esperar. Antes do ocorrido com seus filhos, as três nunca se encontraram sozinhas. Viam-se em algumas reuniões escolares ou, esporadicamente, pela cidade. De fato, desde que Tyler e Clair saíram a procura de Amber, era a primeira vez que se reuniam.

Quando voltou, Sylvie trazia o bolo numa tigela, com alguns pedaços já cortados, e segurava um pedaço de papel preso em uma das mãos.

— Agora sim! Acho que está tudo pronto. - iniciou. - Não precisavam ficar preocupadas! Pelo contrário, as notícias são boas.

— Com esse suspense que você está fazendo, fica um pouco difícil não nos preocupar. - retrucou Mary Ann.   

Na noite anterior, Sylvie havia acordado com o som de algumas bicadas na janela de seu quarto. Surpreendeu-se quando viu que era um pássaro carregando uma mensagem com um lacre, em cera, com o emblema de Valmees. Quando leu, apenas pensou em compartilhar o conteúdo com as pessoas que sabiam que teriam a mesma reação que ela.

 Mãe,

      desculpa por não ter escrito antes, mas queria ter algo para contar quando finalmente desse alguma notícia. E acho que agora é a hora certa.

Como você pode ter percebido, chegamos em Valmees. Aliás, quase não chegamos. Você não podia ter traçado uma rota segura para a gente? Quase viramos comida de leontropo! Já conhecemos pessoas novas e meus parentes também. Inclusive já treinei com eles e estou me recuperando de um pé torcido. Nada grave. Teremos tempo, depois, para mais detalhes.

Ontem consegui entrar em contato com minha irmã. Coincidentemente, ela foi sequestrada pelas mesmas pessoas que Amber. E, adivinha? Elas conseguiram escapar e pretendemos ir buscá-la. Avise a tia Heather. Segundo Cassius (acho que você conhece ele, não sei.), elas estão num lugar além das montanhas e não temos com o que nos preocupar. Vamos tentar conseguir ajuda lá no reino de Balchmont. Torça por nós!

                Volto em breve

Tyler

PS: Avise a mãe de Clair que essa folha é do livro que ela deu. Acho que ela vai entender.

 

— Não acredito. - soluçou Heather com os olhos cheio de lágrimas quando Sylvie terminou de ler a mensagem.

— Atrás, ainda colocaram a imagem de um homem. Parece com o retrato falado que eles fizeram de quem encontraram na floresta, só que bem melhor. - completou Sylvie.

— Não é uma imagem qualquer. É uma lembrança. - acrescentou Mary Ann - Foi isso que ele quis dizer com isso ser do livro de Clair.              

— Você tem certeza que isso é verdade? - questionou a mãe de Amber.

— Acho que eles não teriam razão para brincar com uma coisa séria. Além disso, eu reconheço esse símbolo aqui muito bem. - disse mostrando a marca do lacre na carta.

— E como eles podem ter tanta certeza que o local onde ela está é seguro? - retrucou a mãe de Clair.

— Nos meus anos de experiência, posso afirmar que os povos que vivem além das montanhas apresentam um comportamento pacífico e não costumam atacar sem ter razão para isso. - explicou Sylvie. - Agora resta saber se quem a sequestrou vai aceitar essa fuga.

— Isso é verdade. Nunca sabemos quando um ambiente que consideramos seguro vai acabar nos surpreendendo de forma negativa. - expressou Heather.

— Nem me fale. Essa cidade era para ser nossa porto seguro e, ultimamente, vem desapontando. - concordou Mary Ann.

— Calma, gente. Não querendo diminuir a gravidade do ocorrido, mas foi um evento isolado. - ponderou Sylvie. - Não podemos ignorar todo tempo antes disso.

— Talvez não seja tão isolado assim. - insinuou Mary Ann. - Ou você não está sabendo do acontecido de semanas atrás?

Realmente, Sylvie não ficava sabendo de muitas coisas que aconteciam em Awalles. A maioria das vezes que algo chegava a seu conhecimento era por intermédio de seus alunos, que levavam tais assuntos como fofocas. Já, Mary Ann, buscava se informar dos ocorridos através de seus clientes, que chegavam alguma novidade e ela instigava para saber por inteiro.

— Não sei ao certo como tudo ocorreu, mas o que dizem por aí é que em uma determinada noite, enquanto fazia uma patrulha ao redor da cidade, um dos guardas do oráculo foi atingido. - contou enquanto servia-se de um pedaço de bolo.

— Mas como ficaram sabendo disso? - perguntou Sylvie.

— Viram outros dois guardas carregando o que tinha sido atingido e mais outros dois levando, o que acreditam ser, quem o atingiu. - explicou.

— Isso não explica como ninguém comentou no dia seguinte. O guarda provavelmente era da família de alguém, não?

— Faz sentido. - foi a vez de Heather se pronunciar. - Quando nossos filhos foram as vítimas, a cidade logo ficou ciente do acontecido devido ao nosso desespero. Visto que ele era um guarda daqui, alguém deveria ter dado falta, não?

— Ah, foi a noite. Poucas pessoas viram e a notícia, pelo visto, não se espalhou. - Mary Ann tentou criar uma explicação válida. - Além disso, vai que ele morava sozinho? Esses guardas do oráculo possuem uma aura meio sinistra. Não seria surpresa se ele fosse alguém sozinho no mundo.

— Falando em sozinho, seus filhos irão tentar buscar ajuda em Balchmont. O que você tem a nos dizer a respeito? Isso vai ser possível? - questionou Heather.

— Infelizmente não posso afirmar nada. Geralmente os reis só tomam alguma atitude inesperada se tiver uma recompensa em troca. Não sei se todos são assim, mas pelo menos com os que eu tive que lidar, certamente era o que esperávamos.

— Então eles estão apostando nisso e pode ser que nem dê certo? - perguntou Heather enquanto abaixava a jarra de suco que tinha acabado de pegar.

— Se formos pensar, eles já estavam fazendo isso desde o momento que saíram daqui, não é mesmo? - Mary Ann bebericou um pouco do suco. - Convenhamos que eles tiveram até muito progresso. Vamos ter um pouco de fé neles.

— Existe uma chance, já que o pai dos meus filhos trabalha com o rei de lá. - Sylvie lembrou que Tyler havia dito que a menina no sonho procurava pelo pai, então não sabia se essa afirmação ainda era verdadeira, porém preferiu se abster para dar alguma esperança.

A conversa das três foi interrompida quando Trent, o filho mais novo de Sylvie, entrou na sala com um olhar atônito. Ele carregava uma sacola com pães que ele tinha ido comprar, mas estava com a sensação que eles não seriam utilizados naquele instante. Tentava dizer algo, mas as palavras não saíam.

— O que houve, Trent? - Sylvie ficou preocupada. - Fizeram algo com você?

— Não, mãe. Não fizeram nada comigo. - respondeu bem devagar. - Mas acho que você tem algumas visitas lhe esperando na porta.

Sylvie não sabia do que ele estava falando. As únicas pessoas que ela esperava naquela tarde já estavam presentes em sua sala. Só faltava seu filho, que também havia acabado de chegar.

Levantou rapidamente nervosa imaginando quem poderia ser para ter provocado tal reação no seu filho. Ele não era de se deixar assustar por pouca coisa.

Trent havia deixado a porta aberta e Sylvie não precisou chegar até ela para entender o motivo do susto. Aquele grupo de pessoas de vestes pretas cobertas com algumas placas metálicas escuras provocavam  sensação estranha a que estava de frente a elas.

— Acho que nosso lanche vai ter que continuar outro dia... - anunciou Sylvie para as outras mães que a aguardavam na sala.

— Por favor, venha conosco. - anunciou o que estava mais a frente.

Ela não tinha como recusar. Eram ordens superiores. Afinal, eles eram os guardas do oráculo.


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